23/11/2025

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Crítica do filme: 'Uma Baleia Pode ser Dilacerada como uma Escola de Samba' [Mostra de Cinema de Gostoso 2025]


Um dos filmes mais desafiadores do cinema brasileiro lançados ainda em festivais no ano de 2025, o longa-metragem Uma Baleia Pode ser Dilacerada como uma Escola de Samba é, basicamente, uma alusão ao carnaval inserida dentro de um contexto das angustias de um protagonista que vê seu sonho não se realizar. A partir do contraponto peculiar de associar uma grande festa se abraçando a momentos tristes, acompanhamos uma história que convoca a paciência – embora até ela pode acabar.

Dividido em curtos capítulos que fazem referências diretas à maior festa popular de nosso país, por meio de uma autoapresentação de personagens, nos leva até uma história que apresenta um presidente de uma escola de samba que percebe chegar ao fim os dias de folia. Entre as memórias de um começo promissor até um presente de agonias, com a falência batendo à porta, somos guiados por personagens que circulam em torno da amargura do adeus.

Na tentativa de ser um experimento poético, o projeto dirigido por Marina Meliande e Felipe M. Bragança, esbarra em uma narrativa lenta, que insiste em construir uma atmosfera indecifrável pelo subúrbio carioca. Esse incômodo no ritmo parece ser uma proposta - um desafio ao espectador – talvez na esperança de suscitar reflexões variadas. A poesia contemplativa chega por meio de imagens e movimentos que dizem pouco sobre o que é essa história, além do óbvio, se arrastando por intermináveis 70 minutos de projeção.

Do musical aos dramas de um encerramento de ciclo, o roteiro apresenta seus confrontos ao sensibilizar e sugerir, se escondendo do dinamismo – algo que a narrativa clama em alguns momentos, mesmo com uma composição visual que estimula o olhar e chama a atenção. Nessa visão pessimista de almas solitárias perdidas no caos de uma cidade (aqui representado também pela violência), Uma Baleia Pode ser Dilacerada como uma Escola de Samba se desponta como um verdadeiro teste de paciência, disponibilizando reflexões isoladas dentro de um mar de tristeza – do abre-alas até cruzar seus créditos finais.  

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22/11/2025

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Crítica do filme: 'Pupá' [Mostra de Cinema de Gostoso 2025]


Do curioso ao familiar. Abrindo a noite de competições do segundo dia da 12ª Mostra de Cinema de Gostoso, um curta-metragem do Rio Grande do Norte busca, através do olhar familiar, um recorte íntimo sobre uma mulher que não passa desapercebida por onde anda. Seu apelido é Pupá, famosa anotadora do Jogo do Bicho na região onde mora (Acari), que criou os filhos na raça – quase sempre sem apoio - e se tornou uma figura bastante conhecida e querida.

Com uma série de registros caseiros que buscam compor uma atmosfera cheia de respingos de emoções - algo que dialoga com nossa percepção a todo instante -, vamos nos encaminhando para o valor do depoimento pela ótica da família. Assim, chegamos numa composição narrativa que usa o íntimo e a proximidade para abrir os horizontes de reflexões – um convite para que o público busque semelhanças, ou mesmo lembranças, em sua própria história.

Indo mais a fundo nesse ponto fundamental da obra, o diálogo franco e aberto que é proposto a partir do cotidiano da personagem-título pode gerar muitas identificações. Apresentando logo no inicio a mais peculiar de suas atividades - anotadora do Jogo do Bicho, prática de jogo ilegal no Brasil mas amplamente difundida – e, logo depois, chegamos na liberdade de escolhas, na necessidade de ser feliz que acaba gerando um impacto positivo em todos que a rodeiam.

Pupá é um documentário simples e objetivo, uma carta de amor, que não entrega nada além do que se propõe – e, ainda assim, se revela um retrato interessante de uma mulher e sua força em acreditar no viver.

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Crítica do filme: 'Operação Beijo de Natal'


Oh oh oh! Pertinho de dezembro, mais um filme natalino alcança ao top 10 da Netflix. Desta vez, é a produção Operação Beijo de Natal, dirigido por Bradley Walsh, que, com seus pouquíssimos personagens regados a sorrisos e situações pouco conflitantes, preenche uma trama que se joga em uma narrativa acelerada cheia de fofurismos, mostrando passado e presente se reencontrando.

Nessa tentativa de ‘conto de fadas moderno’, muito guiada pela ingenuidade de um encantamento de um grande amor num lugar onde todo mundo se conhece, os dilemas ressoam apenas na superfície. Tudo é prático, possível, preparando o terreno para um clímax desencontrado, meloso, com protagonistas correndo de qualquer carisma.

Na cidade gelada de Ivy Glen, Grace (Jen Lilley) está radiante com a chegada do Natal, já que sua empresa de decoração e design – onde trabalha com o irmão e a melhor amiga - foi escolhida para ser a responsável por uma atração badalada da cidade. Com os preparativos acontecendo, Grace é surpreendida pelo retorno do seu ex-namorado, Ryan (Nick Bateman), que se tronou um homem bem-sucedido em Nova Iorque. Se aproximando cada dia mais, essas duas almas vão precisar tomar decisões importantes sobre o futuro.

Chegamos, em algum momento da vida, à conclusão de que nosso trabalho consumiu boa parte de nossa história, deixando de lado outras questões importantes. Você vai enfrentar isso alguma vez na sua trajetória. Esse sentimento, que pode surgir assistindo a esse filme, é um dos poucos elementos que criam elos eficazes dentro dessa história - mesmo que correndo para o previsível.

Ah, Rapha, mas vale pelas doçuras do espírito natalino? Alguém pode até achar interessante se o filme tocar dessa forma, afinal, nessa época de dezembro estamos sempre com o coração mais sensível, e qualquer ar de nostalgia acaba chamando nossa atenção. Mas, como uma obra cinematográfica, que se propõe a ser uma parábola encantada – mesmo sem magia - Operação Beijo de Natal apenas embala um soninho gostoso.

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18/11/2025

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Pausa para uma série: 'O Monstro em Mim'


Colocando em evidência a psicopatia e os dramas pessoais ligados por tragédias, chegou à Netflix uma minissérie cheia de caminhos para sua compreensão que nos leva até um jogo psicológico sombrio e inquietante. Escrita pelo nova-iorquino Gabe Rotter e tendo como showrunner Howard Gordon – da equipe do excelente Homeland -, O Monstro em Mim, ao longo dos seus intensos oito episódios, conta com atuações marcantes de Claire Danes e Matthew Rhys.

Aggie (Claire Danes) é uma escritora de sucesso que, após a morte do único filho, vê sua vida desmoronar. Sentindo-se culpada e não se desprendendo de procurar culpados para a tragédia, destrói seu casamento e passa a viver reclusa. Um dia, muda-se para sua vizinhança o polêmico e ambíguo empresário Nile (Matthew Rhys), acusado anos atrás de assassinar a própria esposa. Ao se aproximar dele, começa a desconfiar de algumas ações e resolve escrever um livro sobre ele, ao mesmo tempo que busca informações sobre se ele matou ou não a ex-esposa.

Desde o início, em uma bela construção narrativa, percebemos que a tragédia é uma variável importante e que ligaria pontos entre dois personagens completamente distintos. Com uma ótima direção dividida entre Antonio Campos e Tyne Rafaeli - onde a câmera caminha pelos detalhes sugerindo de forma indireta todo o complexo contexto ligado a incoerências e comportamentos - vai sendo modelado um thriller inquietante, que provoca o público e fisga a atenção.

Para quem gosta de tudo mastigado, esta é uma obra para se ter paciência: nada é diretamente proposto, há um caminho profundo para se chegar nas revelações. A série esquenta a partir do terceiro episódio, com os dramas familiares já desenvolvidos – leia-se a culpa e o luto -, além de uma trama política que faz todo sentido no alicerce do discurso que o roteiro propõe. Com o inconsciente se manifestando – um prato cheio para fãs de Freud – estabelece-se um tabuleiro de xadrez, com acertos e erros.

O roteiro se arrisca o tempo todo nas nuances de apresentar o fator psicológico – um caminho cheio de espinhos que respinga na narrativa. Esse acaba sendo um dos grandes méritos da obra: com seu bom desenvolvimento dentro dessa psicologia dos personagens, onde valores, motivações e medos se manifestam, moldando modos de agir, logo chegando aos desvios morais, sem esquecer de apresentar as vulnerabilidades.

O Monstro em Mim foge de qualquer ingenuidade ou dos desencontros que uma fluidez narrativa poderia provocar. Seu objetivo é apresentar o ‘monstro dentro das pessoas’, como se expressa externamente e no subconsciente. Ao se jogar nas complexidades - com dois excelentes protagonistas ditando o ritmo das ações - avançamos nos graves descompassos da personalidade humana, em uma incursão profunda no oculto da mente, onde a moralidade hipócrita se manifesta.

 

 

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Crítica do filme: 'Um Dia Fora do Controle'


Tem filmes tão ruins que, às vezes, é difícil até saber como começar um texto sobre eles. Com um roteiro sem pé nem cabeça, buscando desenvolver - de forma atabalhoada e sem coerência - conflitos entre gerações de pais e filhos, esse novo longa-metragem que chegou ao Prime Video é um festival de cenas surreais que flertam com o machismo e reforçam estereótipos em ações e atitudes. Um show de horrores ao longo de 93 minutos de projeção.

Brian (Kevin James) é um homem de meia idade que tenta construir um bom relacionamento com seu enteado, Lucas (Benjamin Pajak). Quando é demitido do emprego, passa mais tempo com o jovem, e um dia encontram por acaso com Jeff (Alan Ritchson) e seu suposto filho, CJ (Banks Pierce). Mal eles sabiam que esse encontro proporcionaria 24 horas de total loucura, quando passam a ser perseguidos junto aos novos conhecidos.

Avançando numa fórmula que mistura comédia que busca o riso rápido com pitadas nada generosas de uma ação descontrolada - quebrando a expectativa do público ao abraçar o non-sense - o projeto dirigido por Luke Greenfield, com roteiro escrito por Neil Goldman,  Um Dia Fora do Controle é também um mergulho sem fôlego na paternidade socioafetiva, mas se perde rapidamente nas próprias ideias.

Com personagens mal construídos, um roteiro tenebroso e distante de qualquer lapso de realidade – o que afasta qualquer tentativa de reflexão –, além de diálogos piegas aos montes, incluindo um entre os dois adultos refletindo sobre o passado e vivências é de tirar completamente a paciência. Beira ao inacreditável um roteirista de mão cheia como Neil Goldman – responsável por ótimos trabalhos no mundo das séries como Falando a Real, Community e Scrubs, assine um roteiro tão ruim e completamente sem noção.  

Mas você pode dizer: ‘Ah tá! Mas é um filme pra divertir!’. Então espere até ser surpreendido, do nada, pelos análogos genéticos que começam a surgir na trama - ou pelos clichês que tornam tudo tão excessivamente artificial. Sem dúvidas, Um Dia Fora do Controle é um dos filmes mais desinteressantes que chegou aos streamings neste ano.

 

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Crítica do filme: 'Um Natal Ex-pecial'


Foi aberta a temporada de filmes natalinos! Dezembro chegando e mais um ano ficando para trás, os streamings recebem a chegada de novos títulos que vão nos fazer refletir sobre esperança e reconciliações - tendo a força sentimental do período de união que acompanha o Natal. Alguns projetos, tendo esse elemento central, acabam se parecendo bastante, geralmente transitando entre a comédia, romance e o drama. E um deles, que acabou de chegar à líder dos streamings, não foge muito disso.

A Netflix largou na frente e já colocou em seu catálogo o longa-metragem Um Natal Ex-pecial, protagonizado por Alicia Silverstone. A produção busca refletir sobre o sentido de família de forma cômica, sem se distanciar de exageros e clichês, mas toca num ponto que é bem desenvolvido durante toda a narrativa: a sustentabilidade. A partir de uma carismática protagonista, vamos percorrendo os dilemas, dores de amor, sentimentos e leves conflitos em algumas situações que não se distanciam muito da realidade - definindo essa obra como um filme caricato pé no chão.

Kate (Alicia Silverstone) é uma mulher criativa que abriu mão das oportunidades na carreira de arquiteta para se casar com o médico Everett (Oliver Hudson) e se mudar para uma cidadezinha no interior dos Estados Unidos. O tempo passou, o casal teve dois filhos, que já cresceram, e agora Kate se encontra de frente com um iminente divórcio. Nunca se distanciando do desejo de ir atrás do seus sonhos profissionais, durante o natal, situações a farão refletir sobre sua família e seu casamento.

Mesmo sendo um filme de excessos, com algumas bobeiras que tentam ser atrativas (mas não são), a obra encontra um norte através de um bom desenvolvimento de sua protagonista e seu espírito pró-sustentável – uma postura que deixa ótimas mensagens. A produção foge de conflitos mais profundos, sua construção é em cima do olhar dela para todo aquele período: passando pelas surpresas do novo romance do provável futuro ex-marido (daí a brincadeira com o título), à relação próxima com os filhos – dentro de um sentido de nostalgia e pelos conflitos emocionais gerados pelas escolhas que fez até aquele presente. 

Misturando as situações cômicas com o espírito natalino – englobando um grande mix de sentimentos que essa data desperta – Um Natal Ex-pecial é o famoso filme água com açúcar: um passatempo agradável, um pouco longe de ser especial.

 

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Crítica do filme: 'Belén: Uma História de Injustiça'


Abrindo espaço para discutir questões importantes, como a criminalização de uma tragédia – reascendida na Argentina por conta de um caso ocorrido anos atrás que marcou as manchetes - o indicado do nosso país vizinho ao próximo Oscar, Belén: Uma História de Injustiça, nos mostra o encontro doloroso entre a injustiça e a falta de compaixão humana.

Dirigido e protagonizado por Dolores Fonzi, baseado no livro Somos Belén, de Ana Correa, esse é um daqueles filmes importantes, com muitas reflexões sociais que alcançam questões sensíveis e vulnerabilidades profundas. Como os assuntos abordados são impactantes, abre-se camadas complementares, como a estigmatização social e o controle jurídico – e também moral – sobre as decisões de pessoas que procuram as unidades de saúde com questões relacionadas à gravidez.

Inspirado em uma história real, conhecemos a história de uma jovem que, após dar entrada na emergência de um hospital na cidade de Tucumán e sofrer um aborto espontâneo, é injustamente acusada e presa. Depois de passar anos na prisão, a advogada Soledad Deza (Dolores Fonzi) resolve ajudá-la, começando uma intensa luta por justiça e mobilizando uma forte rede de apoio.

A trama é bem estruturada dentro da narrativa – bastante direta e sem complexidades -, um fator importante para que as mensagens cheguem com mais força ao público. De um sistema judiciário tendencioso da época de algumas cidades na Argentina – que distorcia qualquer imparcialidade – às questões morais envolvidas na situação, vamos conhecendo uma história repleta de dor e sofrimento que toca profundamente.  

Com essa estrutura simples, que abre espaço para importantes questões circularem com clareza e profundidade, o longa-metragem exibido no Festival do Rio 2025 e que chegou nesta semana no Prime Video, Belén: Uma História de Injustiça, nos mostra os detalhes do preconceito e os absurdos da criminalização de uma tragédia. Uma obra marcante que usa um tema social silenciado para dar voz a muitas mulheres.

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12/11/2025

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Pausa para uma série: 'Tremembé'


Não era algo fácil trazer para a ficção uma série de histórias marcantes em nossa sociedade, que tem como elo um presídio que ficou bastante conhecido do público. Das polêmicas aos curiosos fatos expostos, que buscam construir através de escolhas narrativas um complicado quebra-cabeça moral passando pela maldade de crimes bárbaros que chocaram a todos nós, chegou ao Prime Video, nesse final de ano, uma das séries mais aguardadas de 2025: Tremembé.

Com um total de cinco episódios – todos lançados no mesmo dia - que se iniciam mostrando alguns dos mais famosos crimes dos últimos tempos, oferecendo uma parte introdutória para contextualizar o foco de determinado capítulo, acompanhamos transtornos de personalidades e de comportamento, violência e manipulação, além de outras perspectivas sobre fatos de forte impacto emocional, que logo ganharam o sensacionalismo através de parte da mídia.    

Suzane von Richthofen, Daniel Cravinhos, Christian Cravinhos, Anna Jatobá, Alexandre Nardoni, Elize Matsunaga são nomes que estamparam páginas dos jornais, envolvidos em crimes chocantes. Poucas pessoas não sabem quem eles são. Esses são alguns dos personagens que tem seu tempo de prisão em Tremembé expostos, seja em disputas de poder ou relações amorosas, passando por questões políticas, a repercussão pública e pelos calcanhares de aquiles do sistema penitenciário. Isso tudo, tendo o presídio dos famosos funcionando como outro importante personagem, pelo peso igual a qualquer personagens mencionado, fugindo de meramente um pano de fundo.

O projeto, baseado nas obras Elize Matsunaga: A mulher que esquartejou o marido e Suzane: assassina e manipuladora, ambas escritas pelo ótimo jornalista Ulisses Campbell, busca tornar-se atraente para o público explorando elementos de fluidez narrativa. Ao longo dos episódios, as surpreendentes histórias daquele lugar proporcionam uma espécie de desafogo, mas acabam fazendo o roteiro se embolar no propósito do discurso.

A quebra de tensão é um dos grandes problemas dessa narrativa, um tiro que sai pela culatra. Ao tentar criar os contrates das inquietações que se seguem, acaba dando margens interpretativa ligadas à romantização de situações. Um exemplo disso é a trilha sonora, mirando na linguagem pop, um fator que acaba tendo um certo peso na narrativa, com músicas que marcam a chegada de determinados personagens, fugindo das tensões implícitas de todo um contexto.

Com direção geral de Vera Egito, vale uma menção ao ótimo elenco com destaque para Letícia Rodrigues, Kelner Macêdo, Carol Garcia e Marina Ruy Barbosa, simplesmente sensacionais - que realiza um excelente trabalho nessa grande produção, muito aguardada pelos fãs de True Crime. A questão em torno dessa obra sempre será as interpretações do seu discurso e a forma como apresenta sua narrativa: algumas pessoas vão gostar, outra nem tanto. Mas uma coisa é certa: você não pode deixar de assistir e tirar suas próprias conclusões.

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Crítica do filme: 'Caso Eloá: Refém ao Vivo'


Outubro de 2008, em Santo André, São Paulo, a jovem Eloá Pimentel recebia alguns amigos em casa para realizar um trabalho do colégio. Minutos depois, seu ex-namorado, Lindemberg Alves, invade o lugar e faz todos os presentes reféns. Ao longo de 100 horas de terror e incertezas – marcadas por um absurdo circo midiático presente e forças policiais cometendo erros inadmissíveis, como a inaceitável autorização para que uma refém retornasse ao cativeiro -, uma tragédia imperdoável aconteceu.

Em cerca de 90 minutos, Caso Eloá: Refém ao Vivo busca, em uma ágil cronologia dos fatos nos dias de cárcere privado, uma reconstituição detalhada de tudo o que aconteceu nas 100 horas de horror – de fora para dentro -, tendo como foco o entorno da situação, especialmente o papel da mídia e nas ações policiais. Com imagens reais do ocorrido, depoimentos de integrantes da força policial – incluindo o primeiro negociador a falar com o criminoso -, alguns dos reféns sobreviventes, a família da vítima e repórteres que estiveram nessa cobertura, além de textos reais do diário da vítima, esse chocante documentário volta 17 anos atrás ainda provocando reflexões sobre a nossa sociedade.

Nesse True Crime - um dos mais chocantes do século XXI, em grande parte pela exposição promovida por coberturas jornalísticas sensacionalistas (até entrevista com o criminoso fizeram) –, a banalização da situação e a guerra por audiência ganham fortes olhares. Detalhe marcante de tudo que envolveu esse sequestro é esse papel vergonhoso de parte da mídia, que, ao romantizar o crime passional, transformou o caso em uma espécie de reality show macabro. Essa postura nunca foi esquecida – e ainda causa indignação até hoje.

Como um profissional pode considerar viável ligar para um criminoso e realizar uma entrevista no meio de uma negociação policial? Como algo assim foi permitido? Vale tudo pela audiência? Essa exploração emocional da notícia - para atrair o público e, muitas vezes, transformar o criminoso em protagonista -, é algo imperdoável e que, entre outras questões, fere profundamente a ética da profissão.

As ações e procedimentos policiais também alcançam detalhes. Uma série de equívocos cometidos por pessoas que deveriam zelar pela segurança da vítima, mas se mostraram cada vez mais perdidas, tornando a situação imprevisível – uma verdadeira mancha na segurança pública brasileira. Não é à toa que essa situação acabou gerando mudanças em ações policiais futuras e em atualizações nos protocolos de gestão de crise.

O que dilacera nessa história é o sofrimento vivido por Eloá – retratado principalmente por meio dos relatos de quem a conhecia e esteve próximo de tudo o que aconteceu -, além da dor de uma família marcada para sempre por essa tragédia. Essa narrativa angustiante vai direto ao ponto a que se propõe: não aponta o dedo pra ninguém, mas, como toda boa obra documental, busca levantar questões que provoquem reflexões em todos nós.  

 

 

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09/11/2025

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Pausa para uma série: 'O Naufrágio do Heweliusz'


Era o início do ano de 1993, na Polônia. O enorme cargueiro MS Jan Heweliusz, construído no final da década de 1970, se preparava para mais uma jornada atravessando o Mar Báltico. A bordo, mais de 60 pessoas – entre passageiros e tripulantes. Durante uma manobra arriscada – mas necessária diante das condições que se estabeleceram –, a embarcação começou rapidamente a afundar, se tornando um dos maiores desastre marítimos europeus.

O Naufrágio do Heweliusz, nova minissérie da Netflix, dirigido por Jan Holoubek e roteiro assinado por Kasper Bajon, chega para jogar luz sobre essa tragédia, mostrando de forma detalhada o antes, o durante e o depois, reunindo fatos que se juntam para uma explicação complexa sobre o que realmente aconteceu em uma madrugada que ficaria marcada na história.

Desde os problemas estruturais de um navio que precisava de manutenção constante e o atraso na partida, até uma corrente de situações que se somaram para se chegar à catástrofe, essa ficção retrata de forma impressionante questões que se desenrolaram na realidade. A dor das famílias, a luta pela sobrevivência em águas geladas atingidas por uma tempestade violenta, as questões políticas e militares que estavam presentes e um polêmico julgamento compõem uma história cheia de conflitos e emoções.

O que mais chama a atenção nessa produção é o equilíbrio entre seus cinco episódios, que vão da terra ao mar caminhando por uma porção de tensões. Você se vê preso nessa história do início ao fim, com poucas pontas soltas - fruto de um roteiro muito bem construído, que conduz o público por diversas perspectivas, e seus dilemas morais, sem perder o ritmo.

A narrativa dilacera as emoções através das histórias que correm em paralelo dos muitos personagens. É tudo muito angustiante! As cenas no navio são impressionantes, somado a atuações maravilhosas de um talentoso elenco que enriquece a obra. Vale o destaque também para o competente departamento de arte, trazendo concepções visuais impactantes, e para a fotografia assinada por Bartlomiej Kaczmarek, que constrói sua identidade através do luto, do desespero, da indignação e de emoções conflitantes.

O Naufrágio do Heweliusz chegou à líder dos streamings nesse início de novembro e logo alcançou ao Top 10 de séries da plataforma. É uma megaprodução, com roteiro preciso e diálogos incisivos e marcantes, que contou com mais de 3.000 figurantes. Vai por mim: você vai querer maratonar!

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08/11/2025

Crítica do filme: 'Manga'


Sem pretensões de ser algo além de uma simpática comédia romântica que vai de encontro a uma ingenuidade da previsibilidade, chegou à Netflix, nesse início de novembro, uma produção dinamarquesa que busca no superficial reflexões sobre o lado existencial de dois personagens em conflito. Manga, dirigido por Mehdi Avaz, segue uma receita de bolo – como tantas outras produções – virando um passatempo sem ambições maiores, mesmo com personagens carismáticos.

Lærke (Josephine Park) é uma mulher que busca os próximos passos no ramo hoteleiro. Mãe da jovem Agnes (Josephine Højbjerg), ela nunca consegue arrumar tempo para a filha. Focada em uma nova missão determinada pela chefe, Joan (Paprika Steen), ela parte para Málaga com o objetivo de convencer o viúvo Alex (Dar Salim) a vender suas valiosas terras, que abrigam uma enorme plantação de mangas. Tudo que ela não esperava era se apaixonar por ele.

A narrativa busca nas surpresas do destino seu fôlego, construindo contrastes que vão da alegria aos dilemas, das dores do passado às incertezas do futuro – norteada por um positivismo, traço marcante de muitas produções românticas. Com um cenário deslumbrante de pano de fundo, amplificações de emoções são vistas com uma composição de cores que expressam o desejo e a paixão, também por diálogos que expõem os clichês.  

Mesmo sendo superficial e não rompendo camadas, o roteiro busca alguns caminhos para mostrar as aflições e correr desesperadamente para o intenso de um amor avassalador. Dois personagens de meia-idade enfrentam os conflitos de suas trajetórias até ali: uma mãe workholic e um empreendedor se enrolando em dívidas. O amor surge como uma oportunidade de entender o mundo de outra forma - dentro de um sentido existencialista, onde a responsabilidade e a angústia vem antes de qualquer construção de quem são como seres humanos.

Não sei se há alguma metáfora no sabor doce e no aroma intenso da conhecida fruta tropical que dá título à obra. Talvez seja uma possibilidade de refletir sobre o amadurecimento. Nesse caso, realmente se encontra conexões para se pensar sobre o tempo como um elemento importante para os próximos passos que todos nós, algum dia, temos que dar.  

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06/11/2025

Crítica do filme: 'A Mulher da Fila'


Apresentando um recorte sobre a relação de fora para dentro - focado nos familiares de condenados por delitos que cumprem pena em regime fechado em uma prisão da Argentina - o longa-metragem argentino A Mulher da Fila costura sua ficção a partir de uma base inspirada em fatos reais, ocorridos há duas décadas, sobre uma mulher que viu seu mundo desabar com a prisão do filho mais velho e precisou se adaptar à situação.   

Em uma narrativa densa, que explora questões sociais e também morais em um núcleo familiar marcado por perdas, o projeto confronta a dor e o choque emocional para uma desconstrução, sendo pouco efetivo na amplitude que propunha a perspectiva do discurso. Não há camadas para o reeducar e o reinserir; prefere-se o olhar para a decepção, além de um contexto amoroso que, no desfecho, percebemos ser o principal objetivo da trama.   

Andrea (Natalia Oreiro) é uma mulher batalhadora e viúva, uma mãe carinhosa que vive em um bairro de classe média com os três filhos. Um dia, é surpreendida com a prisão do filho mais velho, Gustavo (Federico Heinrich). Tendo que se adaptar a essa situação, ela passa a visitá-lo sempre que pode na prisão, onde acaba conhecendo outras mulheres em situação semelhante e também um outro detento, Alejo (Alberto Ammann), de quem se aproxima cada dia mais.

As burocracias do sistema judiciário, aqui com o olhar para as leis argentinas, ganham um bom espaço, principalmente quando pensamos no processo e sua efetividade. Sem adoção do jurisdiquês e com o olhar quase sempre na protagonista, caminhamos por dilemas de uma mãe que precisa acessar a ruptura dos seus valores chegando até uma crítica institucional – mesmo em camadas superficiais. Vale dizer que esse olhar também é expandido com breves retratos de outras mulheres que frequentam a mesma fila.

Uma questão que pode gerar debates é a romantização de uma situação – neste caso, o crime cometido pelo filho - algo que pode chegar na conclusão de muitas pessoas. Há uma linha tênue entre o emocionalmente envolvente e o moralmente questionável: o roteiro adiciona ficção a um fato que pode deixar essa linha balançada. Na vida real, o filho de Andrea foi totalmente inocentado, sem nenhuma participação no crime do qual foi acusado, diferente do que acontece no filme. Esse detalhe abre margens para algumas interpretações.    

Dirigido por Benjamín Ávila, A Mulher da Fila conta com uma atuação visceral da atriz uruguaia Natalia Oreiro. Disponível na Netflix, o filme busca nas dores de uma forte protagonista apresentar a resiliência materna e as novas forma de enxergar o mundo ao seu redor, a partir de um choque de realidade.

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05/11/2025

Crítica do filme: 'Balada de um Jogador'


Chegou à Netflix uma obra desafiadora, que não é uma narrativa de compreensão trivial, buscando associar a conturbada instabilidade emocional de um protagonista em processo de autodestruição a elementos que desafiam a lógica de tempo e espaço. Dirigido pelo excelente cineasta suíço Edward Berger – indicado ao Oscar e que já apresentou ao público os ótimos Conclave e Nada de Novo no Front -, Balada de um Jogador é um projeto ‘fora da caixa’, ousado e, ao mesmo tempo, criativo que desafia o público ao longo dos 100 minutos de projeção.

Se você curte filmes de fácil assimilação, essa é uma obra que você pode não gostar – mas vale o desafio. Dentro de um enredo algumas vezes desconexo caminhando ao imprevisível, com cores vibrantes acenando à sensação de delírio, segue a desorientação de um personagem central apresentando seu estado de espírito e reagindo ao que acontece ao seu redor. O projeto, que teve exibições no Festival do Rio antes de chegar à líder dos streamings, conta com uma ótima atuação de Colin Farrell.

Lord Doyle (Colin Farrell) é um apostador completamente impulsivo que está em Macau –região com impulsos econômicos ligados aos jogos de azar, também conhecida como Las Vegas da Ásia -, passando os dias jogando bacará sem parar e se afundando na própria ruína. Quando percebe que seu passado o alcançou por conta das inúmeras dívidas que possui em outros cantos do mundo, ele conhece Dao Ming (Fala Chen), uma mulher misteriosa que pode ter algumas soluções para seus problemas.

Baseado na obra The Ballad of a Small Player, do autor britânico Lawrence Osborne, esse longa-metragem se decifra de inúmeras formas tendo um ‘start’ quando se percebe uma junção de lições morais por meio de parábolas sobre uma difícil redenção. Dentro dessa questão existencial, se desenrola uma trama cheia de sugestões que se confundem entre sonho e realidade. Esse é um filme para estar aberto a possibilidades - bem longe do convencional.

Muito parecido com a premissa de filmes como Despedida em Las Vegas, que usam a autodestruição como escudo para mensagens diretas e indiretas, Balada de um Jogador é um projeto arriscado - daqueles de dividir opiniões. Instiga o público a sair de zonas de conforto, mas se confunde nas suas próprias estranhezas.

 

 

 

 

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Pausa para uma série: 'A Agente'


Muito bem amarrada em episódios bem distribuídos, dentro de uma narrativa repleta de inquietações e provocações, chegou sem muito alarde à Netflix uma série que caminha a passos largos pela mente da polícia e criminosos em um confronto pelas perdas emocionais. A produção dinamarquesa A Agente é muito mais que uma obra que rompe camadas para apresentar um iminente confronto - dilacera os dilemas sobre o certo e o errado de forma contundente, deixando reflexões por todos os lados.

Tea (Clara Dessau) é uma jovem solitária que, após um passado cheio de questões, resolve ingressar na academia de polícia. Pouco tempo depois, é chamada para um operação secreta em que precisa se infiltrar na rotina do líder criminoso Miran (Afshin Firouzi) através da esposa dele, Ashley (Maria Cordsen). Correndo contra o tempo em busca de informações, aos poucos vai encontrando dilemas pelo caminho.

O enredo, com seu clima emocional sem excessos, busca o sentimento predominante de tensão através de histórias que se interligam em dois lados apostos da lei. Do drama ao suspense, essa costura em forma de narrativa é sustentada por uma série de personagens com intenções incertas, e suas dificuldades de se firmar valores morais. Tudo isso é mostrado de forma equilibrada dentro das ações e consequências - mérito de um roteiro que sugere muitos olhares para reflexões.

Nessa montanha-russa de emoções, as oscilações de sentimentos acabam sendo um elo que interliga os personagens, formando um triângulo de diferentes pontos de vistas. Um criminoso, ao ver o cerco se fechar, justifica somente para si suas ações até ali, num egoísmo que resvala na família que construiu. Sua esposa, descompromissada com as verdades que rondam sua rotina. passa por uma processo de desconstrução em tudo que acredita. Já a policial protagonista enxerga além da justiça, colocando nas justificativas de suas ações um caráter ético-filosófico, avaliando a culpa de forma proporcional.

Em seis episódios, essa minissérie – que, a princípio, tem começo, meio e fim mas quem abe não ganha uma segunda temporada - fica longe das pontas soltas e apresenta alguns olhares para uma situação que envolve família, escolhas e culpabilidade. A partir do foco na protagonista, acessamos camadas familiares por meio de uma esposa que se vê perdida entre os laços familiares e um novo despertar para sua vida até aquele ponto. Esse é um projeto que utiliza de forma eficiente o Cliffhanger, despertando o desejo de uma maratona ininterrupta como a escolha certa do público.

 

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04/11/2025

Crítica do filme: 'O Amigo'


Percorrendo os caminhos lacrimosos da melancolia, chegou sem muito oba oba no Prime Video um filme que toca profundamente nossos corações. Através do luto e das surpresas que a vida apresenta, O Amigo consegue ampliar horizontes das razões existenciais em uma narrativa que combina a solidão dos momentos difíceis com a abertura de uma nova porta de oportunidade: a de viver sem esquecer.

Dirigido por Scott McGehee e David Siegel, o projeto também abre espaço para um olhar familiar nas relações interpessoais e sobre a maneira como enxergamos a compaixão dentro de um existencialismo construído de forma única por cada ser humano. Mas o ponto principal é a relação entre uma protagonista em crise e um cachorro apaixonante que só tem tamanho - o elo que move as correntes para as emoções. 

Baseado em um livro homônimo da escritora nova-iorquina Sigrid Nunez, nessa obra acompanhamos a história de Iris (Naomi Watts), uma escritora que acaba de perder seu amigo e mentor, o professor Walter (Bill Murray). Para sua surpresa, logo após o funeral, descobre um desejo dele: que ela ficasse com seu cachorro, Apolo – algo que vira sua vida do avesso.

Do luto aos seus desenrolares, sem se desprender de um estado de tristeza contemplativa – expressa em gestos, atitudes e palavras -, esse é um filme que diz muito sobre nós, seres humanos: as prioridades, os erros, os acertos, as diversas formas de dizer adeus. Com esse roteiro cheio de camadas profundas, a narrativa encontra ritmo em meio à melancolia, conduzida por ótimos personagens em total harmonia.

Pelos olhos de uma protagonista muito bem interpretada pela excelente atriz Naomi Watts, entramos numa jornada que vai do lembrar ao sentir, colocando pedaços a serem construídos de um futuro que passa por um presente com definições importantes. Alguns diálogos da protagonista são memoráveis, com grande impacto em cena, o principal deles, já no desfecho ao lado de Bill Murray – cirúrgico no papel, com pouquíssimo tempo de tela – provocam contrastes que se completam numa dicotomia entre a morte a vida, fechando uma história pra guardar no coração.  

 

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