20/11/2014

Crítica do filme: 'Ventos de Agosto'



Uma abertura simples em um barco subindo rio acima, com uma fotografia que chama a atenção, é o start do novo trabalho do competente cineasta Gabriel Mascaro. O filme chama a atenção pelas imagens, somos testemunhas de uma beleza natural em todas as sequências. Isso por um lado é bom, por outro é ruim. O lado bom é mais uma vez acompanhar a competência de Mascaro com a câmera nas mãos. O lado ruim é que isso acaba se tornando maior que a própria história, o que distancia o público até certo ponto do que acontece no andamento dos personagens.

Na trama, conhecemos a bela Shirley (Dandara de Morais) uma corajosa mulher que largou a cidade grande para cuidar de sua avó. Ela trabalha em uma plantação, ouve música alternativa e vive de seus sonhos de ser tatuadora. Morando em uma vila, a rotina desses habitantes é bem simples e nunca há nada de novo, até a chegada de um pesquisador de ventos que faz o despertar de muitos dos personagens.

Mascaro disseca com profundidade os personagens de forma tão honesta e verdadeira que impressiona. Mas não pensem que é uma história comum, vista muitas vezes no cinema. Ventos de Agosto é uma mostra do cotidiano de pessoas que se limitam a viver na escassez até do próprio sonhar, onde qualquer situação fora do normal daquela rotina se torna um grande acontecimento no lugar onde eles vivem. 

É um retrato do Brasil que não aparece nos noticiários, um Brasil que não conhece o Facebook nem vai perder seu tempo querendo saber o que é whatsapp. Ventos de Agosto é uma tentativa válida de mostrar que o cinema também pode ser visto como poesia. Para ajudar nessa validação, a fotografia do filme beira ao espetacular o que nos proporciona flashes de um nordeste lindo. Esse trabalho merece ser visto pelo público, precisamos conhecer nossas belezas e nossas histórias. Esse também é o nosso Brasil.
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17/11/2014

Crítica do filme: 'Uma Passagem para Mário'



A amizade e a lealdade residem numa identidade de almas raramente encontrada. Com um relato extremamente emocionante sobre o poder e carinho de uma amizade entre dois grandes amigos, o longa-metragem Uma Passagem para Mario, ao longo de seus curtos 77 minutos, promete deixar dezenas de olhos cheios de lágrimas. O diretor Eric Laurence consegue criar um documentário inovador, com peças que se encaixam perfeitamente e deixando o projeto praticamente impecável tecnicamente, levando a fita a ser um dos grandes títulos nacionais lançados no Brasil neste ano. É o Elena deste ano.

Na trama, conhecemos mais sobre a vida de Mário, um aventureiro gente boa que mora em Recife. Mário faz tratamento contra o com câncer semanalmente mas mesmo assim resolve planejar uma viagem com seu melhor amigo. Assim, somos jogados em várias passagens de tempo que mostra os preparativos dessa grande excursão que parte do Recife, atravessa a Bolívia, até chegar ao deserto do Atacama, no Chile.

Todos nós já tivemos ou temos uma grande amizade, é algo instintivo de todos nós seres humanos. Talvez, por isso a história de Uma Passagem para Mario chegue bem forte em nossos corações. Mário domina a tela como se tivesse o talento de um grande protagonista. Os diálogos com a família, os carinhos com a sobrinha, os desabafos quase cômicos sobre seus relacionamentos, todos esses elementos se encaixam de maneira sincronizada com o andamento das sequências. Eric Laurence mais parece um mecânico que consegue encontrar cada peça para construir uma máquina. Nesse caso, foi construída uma super máquina de emocionar.

O filme nunca vai deixar de ser uma enorme homenagem à Mario. Na verdade, o poder do cinema vai além, torna qualquer mensagem infinita. O desfecho dessa história é algo inovador, criativo, uma ideia que vai ficar guardada para sempre na memória de todos nós que tivemos a sorte de conhecer um grande ser humano na telona. Bravo!
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06/11/2014

Crítica do filme: 'Interestelar'



Não consuma a ternura com apenas uma boa noite, sonhe, imagine e principalmente acredite, é real! Para alegria dos cinéfilos de todo o planeta, o cineasta norte-americano Christopher Nolan volta aos cinemas com mais um daqueles trabalhos impactantes que, dessa vez, vai deixar até o Stephen Hawking de cabelos em pé. Interestelar é um drama que mostra a saga da humanidade rumo ao desconhecido mundo das galáxias e da relatividade do tempo no espaço. Orçado em 150 Milhões de dólares e com câmeras Imax sendo utilizadas em grande parte das filmagens, o novo trabalho do espetacular diretor da lendária trilogia do homem morcego é mais um daqueles filmes eletrizantes que valem a pena serem conferidos numa sala de cinema.

Na trama, somos jogados a um futuro onde a Terra vem consumindo boa parte de suas reservas naturais, deixando o planeta em situação extrema. Assim, com o aval da extinta Nasa, no caso, um grupo de astronautas, liderados pelo ex-engenheiro e piloto espacial Cooper (Matthew McConaughey), que precisou abandonar sua família para seguir nessa viagem, recebe a missão de verificar possíveis planetas para receberem a população mundial, possibilitando a continuação da espécie. Paralelo a isso, ainda na Terra, a filha de Cooper, Murph (primeiro Mackenzie Foy, depois Jessica Chastain, depois Ellen Burstyn), se jogará em sua própria jornada para tentar ajudar a terra.

O tempo é relativo? Todos temos medo do tempo? Qual a essência da vida? Interestelar apresenta argumentos que nos confundem quando pensamos nessas questões existenciais. O filme é difícil quando analisamos as teorias físicas implícitas. Até o físico teórico Kip Thorne foi chamado para auxiliar o roteiro, deixando o mais real e trivial possível cada ideia. O importante é que uma mensagem é dada de maneira genial, e avança muito além dos conceitos físicos do universo, fala sobre nós seres humanos e nosso modo de pensar. As inflexões no roteiro, deixam o público com o os olhos grudados em cada detalhe apresentado, conhecendo Nolan como conhecemos sabemos que esses detalhes farão a diferença no final da história. 

Nolan, que é acostumado a realizar obras de grandes durações, consegue bater seu recorde pessoal com os 169 minutos de Interestelar, esse é o filme mais longo da carreira desse diretor único. As variantes desse ótimo roteiro levam o público a diversos momentos de interação. De ficção científica, pula para um drama e depois somos jogados para um suspense de tirar o fôlego. O cineasta, conhecido pelo seu perfeccionismo extremo, reuniu um elenco de primeira linha e escolheu o ótimo Matthew McConaughey (que após seu Oscar, emplaca um belo trabalho após outro) para o papel principal. Falando sobre o ótimo elenco, não tem como deixarmos de destacar os ótimos Casey Affleck e Matt Damon, além da bela Jessica Chastain, que possuem cenas brilhantes durante a fita.

Uma lição que fica dessa história é a de que o amor transcende espaço e tempo e se torna uma variável única nesse imenso e desconhecido universo que vivemos. Essência da vida? Poesia? Sim! Esse é um trabalho de um dos melhores diretores que já ligaram uma câmera e transformaram histórias em lendas. Temos muita sorte de sermos contemporâneos de Nolan, muita sorte. Mais uma vez, brilhante! Bravo!
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Crítica do filme: 'A Alegria de Emma'



As delicadezas do ser humano podem ser descobertas das maneiras mais duras ou inusitadas pelas pessoas. Depois de 8 anos sumido do circuito carioca de cinema, estreia no Rio de Janeiro na próxima quinta-feira (06.11), o maravilhoso filme alemão A Alegria de Emma. Essa produção do ano de 2006, dirigida pelo ótimo diretor Sven Taddicken, é uma lição de como nossos sonhos podem estar guardados tão profundamente dentro de nós e que, às vezes, só partimos para realizá-los quando um fato impactante acontece em nossas vidas. O filme incomoda, é duro, mostra com muita verdade os dilemas de seus personagens principais, interpretados muito bem pelos atores Jördis Triebel e Jürgen Vogel.

Em Alegria de Emma, conhecemos Max (Jürgen Vogel), um homem que trabalha em uma loja de automóveis que após receber uma terrível notícia ligada a sua saúde, entra em desespero e resolve fugir da sua controlada e pacata vida rumo a um novo destino. Acontece que ele sofre um acidente e seu carro capota montanha abaixo direto para o quintal da fazenda de Emma (Jördis Triebel), uma fazendeira que vive isolada do mundo tendo apenas a companhia diária de seus porquinhos. Assim, inusitadamente, uma relação bem diferente vai se criando entre os dois até que segredos começam a aparecer deixando essa história cada vez mais interessante.

As peculiares características dos personagens principais são o grande charme do filme. Começamos a análise com Max, um ser humano calado que nunca se arriscou por nada em sua vida. Vive seu cotidiano reprimindo, trabalhando com algo que não gosta e sem conseguir chamar sua secretária para sair. Quando recebe uma terrível notícia, desperta, percebe que não tem mais tempo e embarca em uma viagem de descobertas, dessa vez nada com nada pré-planejado, sai totalmente de sua zona de conforto e conhece o real significado de viver. Emma também vive em seu próprio mundinho, possui um certo carinho pelos porquinhos que é obrigada a cortar, faz questão de ser dura com o único homem que a procura, um policial da região, e esconde sua delicadeza e ternura para si até a chegada de Max em sua vida. Esse encontro realmente era algo que os dois necessitavam para descobrirem de fato o que é se sentir vivo.

A Alegria de Emma não é uma obra-prima, na verdade é um filme desconhecido do grande público mas que passa uma mensagem tão linda que merece ser visto por todos os cinéfilos. Imaginem, na época de seu lançamento, 2006, tinham menos salas ainda de cinema aqui no Brasil, talvez por isso o filme só estreou em São Paulo, absurdamente.  Com tanta bobagem passando nos cinemas brasileiros, essa pequena pérola alemã é um desafogo na alma de qualquer pessoa que acredita no sonhar. O público carioca ganhou um presente e tanto essa semana.
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Crítica do filme: 'Relatos Selvagens'



Não tenham dúvidas! Três atitudes bloqueiam o ser humano: o negativismo, o julgamento e o desequilíbrio! Dirigido pelo cineasta argentino Damián Szifrón, chegou aos cinemas brasileiros semana passada um dos fortes candidatos ao Oscar do ano que vem na categoria Melhor filme Estrangeiro, Relatos Selvagens. Contando algumas histórias impactantes, com pontos de interseções movidas a desequilíbrios e explosões emocionais em situações extremas, o longa-metragem de tremendo sucesso no mundo inteiro é um daqueles filmes que deixam o cinéfilo sorrindo de orelha a orelha.

Na trama, brilhantemente escrita pelo próprio diretor, conhecemos diversas pessoas aleatórias, cada uma passando por uma situação de extremo impacto emocional que gera um desequilíbrio que impressiona a todos. Lembram do filme Um Dia de Fúria? O filme de Szifrón segue os mesmos moldes, só que com diversos pontos de vistas. Uma história sobre raivinhas do passado, a raiva com a impunidade, brigas imbecis no trânsito, o desespero com o atendimento nos serviços públicos, a traição que foi descoberta no dia do casamento, essas são algumas das histórias que vemos nessa grande fita.

Um dos motivos de Relatos Selvagens fazer tanto sucesso no mundo é a familiaridade que sentimos quando vemos cada um dos ataques de raiva contidos na trama. Quem nunca viu uma briga de trânsito? Quem nunca soube de uma mulher que descobriu a traição do marido? Todas as situações se aproximam de uma realidade totalmente possível, que, sem se espantar, podem acontecer diariamente nos quatro cantos do mundo. Um dos outros méritos do filme é a escalação do elenco, magistral. Cada ator interpreta com maestria seu respectivo personagem. Mais uma vez, impressionante a qualidade dos artistas argentinos.

Não é a toa que o cinema argentino é aclamado no mundo todo. Não existe só Ricardo Darín (que mais uma vez dá um show nas telonas). Produtores, diretores, atores sempre estão iluminados quando se reúnem e resolvem fazer um filme. Nosso cinema poderia muito aprender com eles, quem sabe até um intercâmbio. No mundo do futebol há uma rivalidade muito grande entre os dois países, no mundo do cinema os hermanos nos ganham de goleada todo ano.
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