05/09/2017

Crítica do filme: 'Shed No Tears (Känn ingen sorg)'

A música é um impulso para qualquer de nossos sonhos mais distantes. Dirigido pela dupla de cineastas suecos Måns Mårlind e Björn Stein, Shed No Tears (Känn ingen sorg) é uma história com personalidade, com personagens carismáticos e intrigantes que nos mostram um lado complicado da busca pela maturidade. Há bastante originalidade em cena. Um drama com ritmo alucinante e pitadas de musical em meio a amores e traições. Com um último ato simplesmente fabuloso, intenso e empolgante, o filme ganhou fãs na Europa rapidamente.

Na curiosa trama, um jovem chamado Pål (Adam Lundgren) perto dos 30 anos, que mora com seu avô, cheio de problemas de auto estima, e com o sonho dentro de si de ser reconhecido no universo musical, vive seus dias em Gotemburgo, na costa oeste da Suécia entre festas e badalações ao lado dos amigos Lena (Josefin Neldén) e Johnny (Jonathan Andersson). Certo dia, após conhecer a bela cantora Eva (Disa Östrand), vê seu mundo mudar e uma sucessão de fatos irão mudar para sempre sua maneira de ver e viver a vida.

As loucuras que temos dentro de nós e as reações fora da curva da maturidade são pontos analisados pelo diretor com seus personagens. Mesmo tendo um primeiro ato até certo ponto confuso, o longa metragem finalizado no ano de 2013 vai conquistando o espectador aos poucos. O protagonista é um grande mistério que aos poucos vai desabrochando ao longo dos 110 minutos de projeção. Toda a trama gira em torno dele, acompanhamos suas aventuras com os melhores amigos e a estrada que ele começa a enfrentar sozinho quando Eva entra em sua vida.


Misturando amor e drama em forma de musical, principalmente do segundo ato em diante, vemos suas escolhas cheias de metáforas e nos deparamos com conflitos constantes e indecisões do intrigante protagonista. A característica emocional é uma vitrine importante que o roteiro deixa exposto para analisarmos suas escolhas e seus porquês. Shed No Tears (Känn ingen sorg) não é um filme fácil de digerir (por isso, paciência!), é complexo em seus pontos altos mesmo tendo alma delicada.


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04/09/2017

Crítica do filme: 'El Bar'

Não é que eu tenha medo de morrer. É que eu não quero estar lá na hora que isso acontecer. Dirigido pelo cineasta espanhol Álex de la Iglesia, El Bar, ainda sem tradução para o Brasil, busca a atenção do espectador cultivando medos através de misteriosos personagens que por uma ação do destino se encontram confinados em um bar no cento de Madri. A direção de Iglesia é fundamental para o êxito do projeto, mesmo que o roteiro se torne um pouco arrastado no meio de seu caminho. O elenco conta com os ótimos artistas espanhóis Mario Casas (Contratempo, filme sensação disponível na plataforma Netflix) e Blanca Suárez.

Na trama, conhecemos um simpático bar no meio do centro de Madri em uma manhã. Indo e vindo vários clientes, já que o bar é bem popular pelos trabalhadores da região, algo inusitado acontece. Quando um desses clientes sai pela porta, leva um tiro. Todos que estão dentro do estabelecimento se assustam e começam a entender que aquela situação é mais complicada do que imaginam.

El Bar é uma mistura bem peculiar de gêneros que contorna o drama com o nonsense , possui atos bastante distintos transformando os personagens em uma espécie de personagens de RPG quando travam sua individual luta pela sobrevivência provocados pelo absurdo dos fatos. Elementos de terror são inseridos a partir do segundo ato, deixando um quebra cabeça de opções expostas ao público que pode topar ou não a trama cheia reviravoltas e personagens intrigantes.


Nuances aterrorizantes que conversam com o psicológico dos personagem é um dos grandes achados de Iglesias que foge dos estereótipos contornando a trama com muita personalidade. A sua resolução rápida em alguns momentos atrapalham um pouco a digestão das características dos mesmos, levando a um final complexo com certas explicações lógicas sobre a origem do que aconteceu no bar naquela manhã. Para quem curte novas formas narrativas de contar uma curiosa história, El Bar deve agradar.


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02/09/2017

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Crítica do filme: 'O Filho de Jean (Le fils de Jean)'

As surpresas da vida que renovam nossa maneira de ver o mundo. Indicado em duas categorias (Melhor ator e Melhor ator coadjuvante) no César - o Oscar Francês - desse ano, o fabuloso O Filho de Jean, absurdamente sem previsão de estrear no circuito exibidor brasileiro, nada mais é do que um homem em busca de preencher lacunas em branco sobre seu pai que nunca conhecera. O inusitado é figura presente nessa surpreendente trama que tem nos pontos altos as magníficas atuações de Pierre Deladonchamps (Um Estranho no Lago) e Gabriel Arcand (O Declínio do Império Americano).

Na trama, conhecemos o tímido e inteligente Mathieu (Pierre Deladonchamps), um homem que vive uma vida pacata na capital francesa. Divorciado, possui uma relação excelente com a ex-mulher e juntos cuidam do filho Valentin. Certo dia, uma coisa inusitada acontece, Mathieu recebe uma ligação dizendo que seu pai que nunca conhecera faleceu. Assim, parte em busca de conhecer mais sobre sua história indo até o local onde morou seu pai, no Canadá. Chegando lá, seu contato é Pierre (Gabriel Arcand), grande amigo de seu pai que o ajuda bastante nessa jornada reveladora e surpreendente.

Essa pequena obra-prima francesa é um daqueles trabalhos que grudam em nosso coração de maneira avassaladora. O roteiro é muito bem construído, parte da construção da personalidade do protagonista, sua maneira de pensar e seu redescobrimento como pessoa durante uma viagem curta mas que muda a vida dele para sempre. Muito bem resolvido na vida, Mathieu é um trabalhador que nunca soube de seu pai, uma das poucas lacunas em aberto na sua vida. O mais legal disso tudo é que a competente direção faz como se fosse um presente ao espectador de ser testemunha ocular de todas as descobertas que o personagem principal faz sobre sua vida.


O papel de Pierre nessa história é a cereja do bolo que todo filme busca ter para ter mais proximidade com seu público. Uma amargura doce sai de todas as lições de vida que passa para Mathieu, entendemos melhor esse grandíssimo personagem ao longo dos 98 minutos de projeção. As lições que os personagens aprendem, ficam de relíquia para nossos corações jamais esquecerem que o destino prega peças surpreendentes em nossas trajetórias e que ao abrir uma porta, um mar de possibilidades marcantes podem acontecer. Mas só se abrirmos essa porta.


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Crítica do filme: 'Berthe Morisot'

A beleza das artes e os confortos dos retratos da vida. Depois de muitos trabalhos como diretora de fotografia, a cineasta parisiense Caroline Champetier apresenta um dos seus primeiros trabalhos como diretora principal, nesse interessante tele filme Berthe Morisot. O projeto, que rodou muitos poucos cinemas, sendo exibido em outras janelas, possui uma direção de arte impecável que passa a sensação ao espectador de estar entrando em uma coleção de museus de todo o mundo. Para dar vida a essa importante artista francesa, a escolhida foi a bela Marine Delterme (Vatel - Um Banquete para o Rei, Paris-Manhattan), que explora sua personagem de maneira convincente.

Na trama, baseada na obra Manet, un rebelle en redingote de Beth Archer Brombert, conhecemos a vida adulta da pintora impressionista francesa Berthe Morisot (Marine Delterme) que passa por diversas transformações nos rumos de sua vida, principalmente quando conhece uma das maiores figuras das artes no século XIX, Édouard Manet (Malik Zidi). Berthe foi sempre uma mulher a frente de seu tempo e conseguiu o respeito de todos através de sua forte personalidade e suas obras inesquecíveis.  

Uma das grandes damas do impressionismo, tem parte de sua vida detalhada nesse ótimo projeto. Com foco no primeiro ato em sua vida familiar e todo o inicial interessante pela pintura. Berthe nasceu em Bourges, era prática comum das famílias bourgeois em educar as filhas nas artes. Assim, ela e sua irmã tiveram aulas particulares com grandes professores da época. No segundo ato, o longa metragem, explora as transformações que Berthe passa após ter alguns de seus quadros bem comentados e seu encontro com uma das referências nas artes da época ,Manet. Os contextos políticos e sociais do século XIX também influenciam sua maneira de pensar e ver o mundo.

Há uma ênfase no relacionamento intenso da protagonista com Manet, onde crescem os atores em cena. Os dois são atraídos pelo contexto das artes mas o filme deixa claro que poderia ter sido uma grande história de amor também, talvez, atrapalhado porque Manet já era casado e ter sido diagnosticado com sífilis (causa inclusive de seu falecimento precoce aos 51 anos. Berthe foi musa inspiradora de quadros famosos do artista francês.

Nesse belo passeio pela história da arte européia, somos testemunhas de uma incrível trajetória de uma mulher à frente de seu tempo.


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30/08/2017

Crítica do filme: 'Tempestade'

Temos o destino que merecemos. O nosso destino está de acordo com os nossos méritos. Vencedor de dois prêmios no aclamado Festival Internacional de Cinema de Veneza em 2015, Tempête, no original,  dirigido pelo francês Samuel Collardey, é uma daquelas pérolas sensíveis, raras, que explora a ausência até seu último suspiro. Dúvidas e escolhas são bastante explorados pelos personagens, repletos de indagações e sonhos, quase análogos à incerteza quando estamos passando por uma fase adolescente para a fase adulta. Um recorte maduro sobre a paternidade e a busca por melhores condições para uma família.

Na trama, conhecemos o pescador Dom (Dominique Leborne), um homem perto dos quarenta anos que trabalha em alto mar ficando pouco tempo por mês em terra. Ele recentemente se divorciou e conseguiu a guarda de seus dois filhos, Mailys (Mailys Leborne) e Matteo (Matteo Leborne) que escolheram ficar com ele por terem problemas com a mãe. Mesmo ausente, Dom sempre preenche a casa onde vive com os filhos de amor e carinho, mesmo com algumas irresponsabilidades. Quando a filha fica grávida aos dezesseis anos, Dom precisará encarar escolhas que mudarão para sempre os rumos dessa família.

A ausência é um tema importante, explorado com leveza, também acompanha toda a história, os caminhos da maturidade até a responsabilidade, grande dilema do protagonista. Há um certo descontrole quando se vê cheio de tempestades em sua vida, com a eminência da perda da guarda de seus filhos e a decisão de pensar em um trabalho remunerado que o deixe mais presente, em terra, perto deles. Movido pelo amor que tem pelos filhos, o protagonista embarca em uma transformação em sua vida pessoal e profissional, se apegando em seus sonhos para escrever um horizonte cheio de esperança e estabilidade.


Um pai ausente mas amoroso, irresponsável com detalhes da vida mas que ajuda quando está por perto. Dom, personagem marcante, é um retrato de parte da sociedade que na busca pro melhores condições para a família acaba abdicando de momentos importantes na formação dos filhos. Tempestade é um recorte que exala humanidade, duro, transformador quando estamos em um limite de nossas forças e de como todos os dias podemos aprender mais sobre nosso mundo.
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Crítica do filme: 'O Outro Lado da Esperança'

Vencedor do Urso de Prata de melhor direção no último Festival de Berlim, o cineasta finlandês Aki Kaurismäki (do excelente O Porto), volta as telonas explorando todo o alcance do tema dos refugiados em filme com um roteiro bastante interessante que conta duas trajetórias de vida que se encontram e mudam o destino de ambos. Minimalista e com alma de denúncia, o cineasta aclamado por crítica e público ao longo de sua carreira coloca as cartas na mesa para debates que consomem os noticiários mundiais todos os dias.

Na trama, bastante peculiar e intimista, conhecemos um senhor de idade quase avançada que troca de ramo profissional e resolve ser dono de um restaurante na Finlândia. Além dessa mudança profissional, o cinquentão Wikhström (Sakari Kuosmanen) abandona a esposa e parte rumo ao desconhecido. Ao mesmo tempo, e na mesma cidade, Khaled (Sherwan Haji), um jovem refugiado Sírio acaba tendo seu visto vetado ao chegar na capital finlandesa. Esses dois universos se encontram por acaso e Wikhström resolve ajudar Khaled em sua jornada.

O foco de toda a trama é a questão dos refugiados. Por meio de inserções detalhadas e por uma ótica simples, Kaurismäki (indicado ao Oscar pelo ótimo O Homem Sem Passado) consegue abrir questões importantes usando o cinema como ferramenta de denúncia. Com dois personagens cativantes, opostos ao extremo, um com ar de sonhador com mudança radical de vida aos cinquenta anos e um outro nômade, fugindo dos horrores dos absurdos que gente mal intencionada fez em sua terra, que se entendem pela bondade. O contraponto importante na diferença de idade encaixa as peças com perfeição nesse tabuleiro dramático e que é a verdadeira vida real para muitos habitantes desse nosso planeta.

O Outro Lado da Esperança estreia em breve no território nacional, uma distribuidora excelente está com os direitos dessa pequena obra-prima. É uma história de dor e esperança, sentimentos distantes mas nem tão extremos assim.


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