Voltando para essa segunda parte desse especial que não deixa de ser para mim uma grande jornada em busca de respostas (ou até mesmo mais perguntas) sobre relacionamentos entre pais e filhos. Na lista abaixo são mais 13 filmes. Tem produções da Sérvia, Japão, França, Estados Unidos, Suécia, Argentina e México, um pouco de cada cultura, um pouco de muitos conflitos que se resolvem cada um a sua forma deixando para nós espectadores momentos de reflexões assim que sobem os créditos finais.
Sonata de
Outono
Você se importa com alguém além de você? Conversas profundas que
viram análises sobre a fé, vivência, experiência de um passado conturbado, Sonata
de Outono, escrito e dirigido pelo cineasta sueco Ingmar Bergman é um algoritmo de emoções tão rico e brilhante em
detalhes. Não deixa de ser objetivo, preparando o terreno para angustiantes
cenas de desabafos e mágoas de um passado que não volta mais. Para mostrar um
retrato de uma mãe em conflito com suas escolhas e uma filha que precisa
desabafar sobre suas dores, duas artistas entregam emoção e alma em cena,
atuações magistrais de Ingrid Bergman
e Liv Ullmann.
Na trama, conhecemos Charlotte (Ingrid Bergman), uma pianista de sucesso que durante anos deixou de
acompanhar a vida presente de sua família em troca de uma excelência da arte
musical. Já em fim de carreira, é convidada por sua filha Eva (Liv Ullmann), uma mulher deprimida e
com mágoas do passado, para passar uns dias em sua casa. Com a chegada de
Charlotte, prelúdios juntam dores do passado com um conflito logo à frente.
Tudo que tinha vida, você tentou sufocar. Há uma guerra fria
embutida nos passos iniciais dos arcos que abrem essa obra-prima mas logo somos
colocados em uma zona de conflitos emocionais, um ataque e defesa com
argumentos sólidos. A dona de todas as palavras dentro de casa contra o olhar
de uma infância prejudicada pela distância de sua mãe. Somos colocados quase
dentro de cena, vários momentos sobre mãe e filha, resistentes de um passado
nunca esquecido, magoado, jogados à mesa de forma dura. A infelicidade de uma,
era a infelicidade da outra, como se o cordão umbilical nunca tivesse sido
cortado.
Sonata de
Outono, umas das obras que mais atingem o alvo quando pensamos em
relacionamentos pais e filhos, é mais um filme maravilhoso desse genial
cineasta que sabia como poucos expressar sentimentos dentro de uma dinâmica
simples, porém, com uma objetividade que nos traz as verdades que andam pelo
mundo. Que nem Chopin, emocional mas nunca enjoativo.
Los Lobos
Vocês são lobos fortes. Lobos fortes não choram. O abraço é um dos
gestos mais importantes para expressarmos aquilo que não conseguimos dizer. Em
seu segundo trabalho como diretor de longa-metragem, o cineasta Samuel Kishi nos traz um recorte de muitas
famílias imigrantes, as poucas chances, atravessada pela ótica de duas crianças
e as dificuldades encontradas pela chegada em outro país com sua mãe. Com o
sonho de irem na Disney, os obstáculos chegam e há muito o que processar, somos
testemunhas de um salto de fase no processo do amadurecimento, principalmente,
de Max, o mais velho dos irmãos. Profundo e delicado, Los Lobos é
um filme que gera inúmeras reflexões sobre o mundo lá fora.
Na trama, exibida no Festival de Berlim desse ano,
conhecemos a batalhadora Lucía (Martha Reyes Arias),
uma mexicana que chega sozinha como imigrante nos Estados Unidos junto com os
dois filhos. Buscando um lugar para ficarem, de acordo com o pouco dinheiro que
tem, acaba necessitada em conseguir um emprego e assim tem que deixar as duas
crianças sozinhas no pequeno apartamento recém alugado. Utilizando a imaginação
como ferramenta de passatempo, as crianças passam a criar uma visão do mundo
através dos obstáculos da saudade que os segue.
Uma mãe, dois filhos. O filme detalhista em
emoções, intimista, busca mostrar a relação de carinho entre esses três.
Partindo do princípio que é um recorte de muitas famílias imigrantes, o projeto
busca algum sentido dentro da relação entre pais e filhos não só através dos
personagens principais mas também de muitos que os cercam. O ritmo é lento mas
quem conseguir se segurar na cadeira é premiado com arcos finais maravilhosos
quando os irmãos abrem a porta da rua e descobrem os personagens de sua
vizinhança.
Kramer vs
Kramer
Até onde vai o amor dos pais por
seus filhos? Dirigido pelo cineasta Robert Benton, com
roteiro do mesmo baseado no livro homônimo do romancista Avery Corman, Kramer vs Kramer é um filme do
final da década de 70, porém, tão atemporal que até assusta quando encontramos
diversas analogias aos dias de hoje. Um retrato comovente de uma família que
abruptamente é desfeita levando a uma batalha nada sensível no tribunal pela
custódia de do filho de 8 anos. Um filme sobre os valores da família e as
lições que o amor pode nos dar. Vencedor de 5 Oscars.
Na trama,
conhecemos o casal Ted (Dustin Hoffman) e
Joanna (Meryl Streep) pais do pequeno Billy que de um dia para
noite, a segunda resolve ir embora abandonando sua família durante meses sem
nunca entrar em contato. Assim, durante esse complicado período, Ted, um
profissional da arte das criações publicitárias, em busca de altos cargos,
precisará lidar com o fato de ter que criar o filho sozinho. Cada dia acaba se
tornando um grande aprendizado até o momento onde Joanna de repente volta e
entrando na justiça pela guarda de Billy.
Há muitos
pontos a se analisar nessa grande obra. O papel do pai, a quebra de hipocrisia
nas questões legais e nas informações sobre a guarda, dentro da tendência dos
tribunais em dar a guarda para as mães. O filme mostra Joanna como a grande
vilã da história mesmo que através dos olhos conscientes de Ted entendamos que
o abandono dela fora uma junção de situações que vamos deduzindo aos poucos
pois o abre alas já é com ela indo embora.
O filme se
constrói pela ótica do pai esforçado que precisa entender as rotinas diárias de
seu filho e o que acabando o levando a uma transformação que influencia seu
emprego e de certo modo a visão que ele tem do mundo. É um trabalho emocionante
do excelente elenco em um tema tão bom de sentar e discutir.
Mães de
Verdade
Mesmo não tendo luz nos meus
olhos, vou te encontrar onde estiver. Um incrível e puro relato sobre mães e as
escolhas que fazemos ao longo de nossas vidas, uma das maneiras de enxergarmos
esse belíssimo trabalho de Naomi Kawase é
dessa forma, mas só quem é mãe pode sentir toda a força desse filme. Asa ga Kuru, no
original, é um poderoso e envolvente drama alinhado por uma perfeita harmonia
de duas óticas, reunidas por um emblemático ponto de interseção. Há uma
melancolia quase indecifrável, como se a emoção transbordasse buscando deixar
tudo um pouco mais interpretativo para o espectador. A condução da direção de Kawase é uma das mais belas dos cineastas atuais.
Na trama,
conhecemos Satoko (Hiromi Nagasaku) e Kiyokazu (Arata Iura), um apaixonado casal, com ótima condição
financeira que vivem seus dias na busca de ampliar sua família. Porém, quando
descobrem que um deles é impossibilitado de terem biologicamente um bebê,
resolvem procurar uma agência de adoção. Ouvindo relatos de todos os lados,
dúvidas, incertezas e as condições para adotar batem o martelo e assim
conseguem um recém nascido para adotar. O tempo passa e uma situação acontece:
a mãe biológica da criança os procura. Assim embarcamos em uma história com
dois lados.
Exibido
nos festivais de Toronto e San Sebastián, Mães de Verdade mostra
os dois lados de uma adoção: os dramas, conflitos e escolhas. Consegue ser
delicado e sensível para tratar desse tema complicado. Há uma sutileza e respeito enormes para contar essa
história sobre duas mulheres que representam muitas outras. O roteiro, baseado
na obra homônima de Mizuki Tsujimura, é profundo e consegue passar ao público,
ao longo dos 140 minutos de projeção uma metáfora linda entre as forças da
natureza e as emoções.
Valentin
A vida, desde sempre, é uma eterna arte do sonhar. Escrito e dirigido
pelo cineasta Alejandro Agresti, Valentin, película argentina lançada no ano de 2002 é
um drama profundo com pitadas cômicas por todos os lados. Busca na leveza e
simpatia conversar com o espectador sobre um tema muito duro que é a falta de
responsabilidade de pais e o olhar de uma criança para esse mundo tão cruel.
A chegada do K7, a morte de Guevara, estamos no final da década de 60 e o
fantástico mundo da lua do protagonista é ativado para lutar contra as
tristezas que afetam seu lindo e carinhoso coração.
Na trama, conhecemos Valentin, um menino de 8 anos,
muito maduro para sua idade, garoto sonhador, solitário, que possui um desejo
enorme de astronauta quando crescer. Mora com a avó faladeira (Carmen Maura), sente uma tremenda saudade de sua mãe,
vê pouco o pai distante e sonha em ter uma nova mãe. Certo dia, seu pai o
apresenta a uma nova namorada, Leticia (Julieta Cardinali) e
Valentin acredita que essa com certeza será a sua nova mãe.
Quão imaginativo podemos ser? A falta da presença
do pai e da mãe faz a pequena cabecinha brilhante de Valetin ter uma lacuna,
uma carência, preenchida pela avó, pelo tio, pelo amigo vizinho pianista e por
Letícia. Mas seus objetivos quase sempre não dão resultado mesmo assim ele não
perde a vontade de tentar novamente, como todo bom sonhador. A história de
Valentin é um paralelo lindo com a realidade desse mundão aqui de fora, dos que
crescem acreditando nos seus sonhos e porque não também mostrar que obstáculos
existem mas que nada é mais forte que um coração sonhador.
Otac
O amor dos pais é a coisa mais
importante para as crianças. Com um background de um desesperado pai lutando
para conviver novamente com os filhos e abordando um dramático retrato social e
político de um país completamente desconhecido em suas estruturas por muitos de
nós, Otac,
longa-metragem sérvio escrito (também por Ognjen Svilicic) e
dirigido pelo cineasta Srdan Golubovic é
uma baita pancada em nosso estômago. Em linhas profundas o filme aprofunda assuntos
como o desemprego, o papel da lei na figura associada ao serviço social, a
corrupção, o papel da imprensa. Um filme duro como muitas realidades do lado de
cá da telona.
Na trama,
com um abre alas impactante, conhecemos o desempregado Nicola (Goran Bogdan) um homem de poucas palavras, que vive de
bicos. Após um desesperado ato de sua esposa, tendo os seus dois filhos, um
menino e uma menina, de testemunha, acaba embarcando rumo a uma desesperante
luta (quase silenciosa) contra as leis de sua cidade e os absurdos da corrupção
que assola a lei da região. Com os filhos tirados dele, resolve ir até a maior
cidade da Sérvia, Belgrado, a pé, para contestar a sentença que recebera.
Os
interesses, a corrupção... onde estão os limites da lei? Dor e sofrimento por
todos os lados. O longo caminho percorrido por Nicola é árduo, cansativo e
muito dramático. Há contrapontos por todo o trajeto que acabam de alguma forma
refletindo em sua história atrás de uma solução difícil perante uma burocracia
boboca que infelizmente existe em qualquer lugar do mundo. A fé o encontra mas
adere ao positivismo como forma de seguir em frente, o ato final é primoroso
contextualiza tudo que foi mostrado ao longo das quase duas horas de projeção.
Nas lições que aprendemos, uma é a mais cruel: homens de bom coração também
sofrem.
The Day After i’m Gone
O que fazer quando se deparar com
a idade da ingratidão? Existe mesmo essa questão? As desgraças da distância na
comunicação entre pais e filhos é o tema central do longa-metragem de
Israel The Day After i’m Gone. Selecionado para o Festival de Berlim em 2019,
usa com eficácia as pausas reflexivas do protagonista para dizer muito sobre
relacionamentos. Direto e reto, o filme desde seu primeiro arco se torna uma
batalha difícil de um pai em busca de entender melhor sua filha. É uma
desconstrução (e depois construção) bastante comovente. Belo trabalho do
cineasta israelense Nimrod Eldar (debutante
em longas-metragens), que dirige e assina o roteiro desse filme.
Na
trama, conhecemos o cirurgião veterinário Yoram (Menashe Noy), um
homem de meia idade, sério e comprometido com seu trabalho. Quando sua filha
Roni (Zohar Meidan) tenta o suicídio, ele precisa buscar
ajuda aonde pode para voltar a ter diálogos com ela. Tentando ouvir todos que
giram ao seu redor, Yoram embarca em uma viagem de autoconhecimento, quebrando
paradigmas existentes em suas geladas e magoadas emoções.
Nada
melhor define (com direito a cena inicial e perto do desfecho) esse trabalho
como uma investigação, sobe a tal da roda gigante das emoções. Diálogos
profundos sobre a vida, emoções, mostrando um recorte na relação de pai x
filha. Há uma grande busca pela interseção, algum ponto onde os dois se
encontram para poderem desenvolver. É emocionante de uma maneira bem profunda e
quieta a busca desse atormentado pai. Mesmo oscilando em um ritmo muito
estático, quase dizendo ao espectador onde são seus momentos para reflexão, The Day After i’m Gone é um filme que todo o
psicólogo e psiquiatra deveria assistir para até mesmo debater sobre esse
importante tema. Um bom primeiro filme do debutante Nimrod Eldar.
Canastra
Suja
Quando em
momentos de conflito não existe nem uma alma estranha para aconselhar. Escrito
e dirigido por Caio Sóh, Canastra Suja é um drama, um retrato nu e cru de uma família
recheada de problemas, onde muitos se blindam na dependência alcoólica do pai,
Batista, interpretado pelo ótimo Marco
Ricca. Impressiona a capacidade do roteiro em prender o espectador. Talvez
pelos ‘plot twist’ existentes, talvez pela curiosidade do olhar do público em
saber qual o final de cada personagem. É um filme sobre família, seus
problemas, seu cotidiano. Cada personagem é uma peça nesse tabuleiro. A
eminência da tragédia é algo que percorre todos os intensos 120 minutos de
projeção.
Batista (Marco Ricca) e Maria (Adriana Esteves) são casados e são pais
de três filhos: Emília (Bianca Bin),
Ritinha (Cacá Ottoni) e Pedro (Pedro Nercessian). Eles levam uma vida
de aparências, regados de problemas do cotidiano, muito por conta do fato de
Batista ser um alcoólatra. Sem confiança de ninguém de sua família, o pai
desconta toda sua raiva e frustrações da vida bebendo e no relacionamento
repleto de dificuldades com o filho. Alguns acontecimentos surpreendentes vão
contornar essa história.
As
reviravoltas do roteiro são importantes para o ritmo da trama, vamos aos poucos
vendo faces ocultas dos personagens que causam surpresa e mudam nossa ótica
sobre eles. Cartas de baralho definem arcos. Extremamente complexos individualmente,
completamente desalinhados como família, Canastra Suja apresenta um leque de portas se
abrindo ao mesmo tempo que muitas outras se fecham. O olhar para o futuro com
alegria vai virando um pequeno feixe de luz na porta mais distância que conseguimos
enxergar.
As
subtramas são muito bem elaboradas, exploram as características de cada
personagem. Os dramas tomam camadas densas e profundas. Muitos personagens
parecem estar no limite. Pedro usa os problemas do pai como justificativa para
sua falta de rumo na vida, colocando-o sempre em evidência. Emília é um
epicentro importante da família. Parece que todas as variáveis passam por ela,
possui um papel de equilíbrio, pelo cuidado que tem pela irmã Ritinha. Namora
Tatu (David Junior), mas também gosta
do seu chefe dentista. A partir do segundo arco, conhecemos um pouco mais a
fundo a dama do baralho, que parece esconder segredos, sonhos e objetivos,
Maria, a mãe. Quando a família volta do trabalho, seu papel permanece como
outra vertente de equilíbrio, principalmente na relação conturbada entre o
filho e o marido. A batalha entre pai e filho percorre todos os arcos. Um
coloca no outro a culpa pelos seus problemas. Batista é um pai rígido mas não
consegue se livrar de seus fantasmas com a bebida, o que coloca em xeque todo o
respeito que os outros poderiam ter por ele.
A bela
apresentação inicial, ao melhor estilo teatral, onde a câmera passa pelos
personagens já indicava um certo tipo de ciclo que veríamos, talvez com uma
redenção, talvez com esclarecimentos sobre os futuros dos personagens. Canastra Suja é um trabalho sólido e
surpreendente.
O Filho de Jean
As
surpresas da vida que renovam nossa maneira de ver o mundo. Indicado em duas
categorias (Melhor ator e Melhor ator coadjuvante) no César - o Oscar Francês,
o fabuloso O Filho de Jean, absurdamente nunca teve chances no
circuito exibidor brasileiro, nada mais é do que um homem em busca de preencher
lacunas em branco sobre seu pai que nunca conhecera. O inusitado é figura
presente nessa surpreendente trama que tem nos pontos altos as magníficas
atuações de Pierre Deladonchamps (Um Estranho no Lago)
e Gabriel Arcand (O Declínio do Império Americano).
Na trama,
conhecemos o tímido e inteligente Mathieu (Pierre
Deladonchamps), um homem que vive uma vida pacata na capital francesa.
Divorciado, possui uma relação excelente com a ex-mulher e juntos cuidam do
filho Valentin. Certo dia, uma coisa inusitada acontece, Mathieu recebe uma
ligação dizendo que seu pai que nunca conhecera faleceu. Assim, parte em busca
de conhecer mais sobre sua história indo até o local onde morou seu pai, no
Canadá. Chegando lá, seu contato é Pierre (Gabriel
Arcand), grande amigo de seu pai que o ajuda bastante nessa jornada
reveladora e surpreendente.
Essa
pequena obra-prima francesa é um daqueles trabalhos que grudam em nosso coração
de maneira avassaladora. O roteiro é muito bem construído, parte da construção
da personalidade do protagonista, sua maneira de pensar e seu redescobrimento
como pessoa durante uma viagem curta mas que muda a vida dele para sempre.
Muito bem resolvido na vida, Mathieu é um trabalhador que nunca soube de seu
pai, uma das poucas lacunas em aberto na sua vida. O mais legal disso tudo é
que a competente direção faz como se fosse um presente ao espectador de ser
testemunha ocular de todas as descobertas que o personagem principal faz sobre
sua vida.
O papel de
Pierre nessa história é a cereja do bolo que todo filme busca ter para ter mais
proximidade com seu público. Uma amargura doce sai de todas as lições de vida
que passa para Mathieu, entendemos melhor esse grandíssimo personagem ao longo
dos 98 minutos de projeção. As lições que os personagens aprendem, ficam de
relíquia para nossos corações jamais esquecerem que o destino prega peças
surpreendentes em nossas trajetórias e que ao abrir uma porta, um mar de
possibilidades marcantes podem acontecer. Mas só se abrirmos essa porta.
Waves
Como lidar
com os abalos emocionais que preenchem as lacunas do nosso interior? Como começar
a escrever sobre um dos filmes mais impactantes que você verá (ou já viu) nos
últimos anos? Waves é a reunião de um excepcional
roteiro, uma direção impecável e atuações que farão você estar em todos os
lugares como testemunha ocular desse belíssimo filme escrito e dirigido pelo
cineasta Trey Edward Shults (Ao Cair da Noite).
Ao longo dos 135 minutos, dando a impressão de ter duas partes profundamente
intercaladas, como se fossem um lado A e labo B daqueles vinis antigos, Waves conquista
os corações cinéfilos de maneira arrebatadora. Magnífica obra-prima.
Na trama,
conhecemos Tyler (Kelvin Harrison Jr.), um jovem
estudante por volta dos 18 anos que faz parte da equipe do colégio de lutas e
vive uma bela vida ao lado de sua madrasta Catharine (Renée Elise Goldsberry), seu pai Ronald (Sterling K. Brown) e sua irmã Emily (Taylor Russell). Extremamente pressionado aos seus
treinos e em ser o melhor pelo seu pai, Tyler vive um grande conflito interno
quando recebe a notícia de que sua namorada está grávida e vai ficar com o
bebê. A partir dessa situação se desenrola fatos que vão marcar para sempre a
vida do jovem e também de sua irmã que precisará ter forças para lutar contra
pensamentos do seu passado para seguir em frente e tentar encontrar a tão
sonhada felicidade.
Profundo,
impactante e inesquecível. Cheio de metáforas, câmeras que giram 360 graus,
olhares que falam mais de mil palavras, indo fundo sobre os atos e
consequências dos mesmos, somos testemunhas de uma tragédia familiar vista por
alguns ângulos que debruçam sobre a culpa e o inesperado. Quase um espelho da
realidade do lado de cá da telona, vemos tudo que acontece, principalmente as
transformações de uma família que parecia perfeita mas que muda toda sua rotina
a partir de uma situação que influencia pra sempre o modo como cada um deles
observa a vida.
O roteiro
é primoroso, duas partes que nos fazem pensar sobre a vida, preenche todos seus
arcos com uma profundidade extensa além de uma carga emocional gigante. Os
artistas estão excelente, um melhor que o outro, mesmo que Sterling K. Brown e Taylor
Russell roubem as cenas em diversos momentos. Merecem o Oscar
os dois. A direção é dinâmica, delicada que mete o dedo na ferida mostrando a
dor de forma dura, como é do lado da realidade daqui de fora. Waves é um dos grandes filmes dos últimos anos.
Luce
Como
prever um futuro perfeito já que a trajetória para se chegar até lá são
repletas de surpresas e de individuais interpretações? Exibido no aclamado
Festival de Sundance e deixando ótimas resenhas por onde tem sido exibido, Luce,
baseado na peça teatral assinada pelo também roteirista do filme J.C. Lee e dirigido pelo cineasta nigeriano Julius Onah (O Paradoxo Cloverfield) é um poderoso drama com
pitadas generosas de tensão onde somos recheados de argumentos para nos
posicionarmos quanto as importantes questões que o filme aborda. Podemos
afirmar que Luce é um dos filmes que mais
trazem debates para o lado de cá da telona dos últimos anos, que absurdamente
não foi exibido nos cinemas brasileiros.
Na trama,
conhecemos Luce (Kelvin Harrison Jr. em ótima
atuação), inteligente, atleta e aluno preferido de sua escola que fora adotado
por seus pais, Peter (Tim Roth) e Amy (Naomi Watts), aos sete anos quando o país em que morava
era caótico. Luce cresceu como americano, e se tornou brilhante. Mas tudo isso
é colocado em xeque quando Harriet (Octavia Spencer) uma
professora de história revela uma preocupação sobre uma redação feita por Luce,
o que leva a família perfeita a conflitos onde vamos descobrindo aos poucos que
nada acaba sendo perfeito.
Invasão de
privacidade, trinca conflituosa entre professores, pais e alunos, o
reconhecimento de que os problemas existem em um lar precisam ser resolvidos de
alguma forma coerente. Luce preza pelo clima de tensão ao mais alto nível, tudo
é desconfiança nesse filme. Um caminho legal para tentar entender tudo que é
solto nas ações é enxergar pela ótica dos pais, ponto central da trama. Com a
desconfiança da professora na mesa, Amy e Peter trocam nos papéis de defender
ou buscar a verdade sobre seu perfeito filho. É um retrato bastante
introspectivo de uma família, com atuações excelentes. A ótica da professora
também é bastante impactante, a intimidação que é proposta de maneira nua e
crua. Afinal, Luce é inocente? Ou longe disso? Belo filme!
Lady Bird
Escrito e
dirigido pela atriz, roteirista e cineasta adorada pelos cinéfilos de todo o
planeta, Greta Gerwig (Frances Ha), Lady Bird mostra
os caminhos percorridos por uma jovem perto dos 18 anos que equilibra sua vida
na linha tênue entre rebeldia e personalidade forte. O relacionamento
conturbado com sua mãe fica no epicentro da história e nos brindam com
interpretações inspiradas de Saoirse
Ronan (Brooklyn) e Laurie
Metcalf. Indicado a quatro prêmios no Globo de Ouro, Lady Bird também teve cinco indicações ao Oscar.
Na trama,
conhecemos Christine McPherson (Saoirse
Ronan), uma jovem que gosta de ser chamada de ‘Lady Bird’ e reside em
sacramento com a família, que passa por dificuldades financeiras. Sua mãe,
Marion (Laurie Metcalf), é uma
esforçada enfermeira em uma clínica psiquiátrica, seu pai Larry (Tracy Letts) está desempregado e não
consegue voltar ao mercado de trabalho. Lady Bird tem mais dois irmãos que
trabalham para ajudar a família. Perto de concluir o ensino médio, a
protagonista passa por experiências emblemáticas como a perda da virgindade, a
escolha para qual faculdade vai, e novas amizades que chegam para preencher
lacunas desconhecidas mas não necessariamente positivas em sua vida.
Adorado
por centenas de cinéfilos mundo a fora que já tiveram a chance de conferir esse
trabalho, Lady Bird realmente
é um filme especial. Além de atuações marcantes, explora o conceito da
juventude na pré era dos celulares (o filme é ambientado no início dos anos
2000) na visão de uma garota que possui um ar de liberdade mas sem saber
direito como chegar aos seus objetivos. Os conflitos entre mãe e filha
contornam boa parte dos 90 minutos de projeção e dão a sustentação emocional
que a história precisa, um cirúrgico recorte que explica bastante sobre uma
família e a visão de toda uma sociedade que os cerca.
Greta Gerwig volta a
surpreender com um trabalho marcante. Impressiona a maneira como consegue criar
universos de histórias que dizem tanto sobre o mundo de hoje, aproximando
diversos tipos de público de suas criações. Lady Bird: É Hora de Voar, tirando
a breguice que ficou esse subtítulo, o filme é uma delícia, algo para
guardarmos em nossos corações cinéfilos.
Pari
A dúvida é o preço a se pagar quando não enxergamos novos caminhos. Até onde você iria para encontrar um filho desaparecido? Co-produção Grécia, França, Holanda e Bulgária, Pari, resumidamente é uma incursão sob sentimentos, perda, dúvidas, tristes situações acopladas, abaladas, por uma falsa sensação de sabedoria sobre o mundo. Escrito e dirigido pelo cineasta iraniano Siamak Etemadi, acompanhamos uma dolorosa busca incessante pelo paradeiro do filho da protagonista que acaba sendo testemunha de diversas transformações, lutas e situações de um submundo num país com costumes diferentes do dela. Destaque para a grande atuação da atriz alemã/iraniana Melika Foroutan.
Na trama, acompanhamos a saga de Pari (Melika Foroutan), uma mulher iraniana de costumes rígidos que viaja com o marido Farrokh (Shahbaz Noshir) para a Grécia para se encontrar o filho. Chegando no destino, o filho não está lá para recebê-los, e assim, sem pistas nenhuma, com um inglês arranhado mas destemida, andando de manhã, tarde e noite, as dúvidas dão lugar as incertezas enquanto ao seu redor, uma cidade em constante transformação e luta se rebela.
Onde ele está ou o que houve com ele? Na trajetória da sofrida personagem principal, muitos dramas a aguardam pelo caminho, não somente o principal em descobrir o paradeiro do seu filho. Passando por situações nunca antes pensada, Pari é introduzida por meio de acontecimentos ou diálogos sobre a situação hoje dos imigrantes (um recorte europeu atual), a um movimento jovem anarquista, a questões de sobrevivência em um submundo sem escrúpulos. Aos poucos vai descobrindo que o universo é muito maior que a sua própria bolha. A cada nova saída que encontra percebemos a angústia de resolver logo a situação. A expressão no olhar da protagonista em cada momento de tensão é algo impactante.