16/11/2020

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #180 - Thassilo Weber


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, do Rio de Janeiro. Thassilo Weber é formado em história pela King’s College London, onde focou na história intelectual do Caribe. Sua base artística vem do teatro mas hoje trabalha mais com o audiovisual, como produtor cultural. Seu último curta metragem, Memórias do Rio, venceu um prêmio em Los Angeles no Independent Shorts Awards. Atualmente está desenvolvendo seu primeiro longa e espera estar cursando um mestrado no ano que vem.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Provavelmente o Espaço Net ali em Botafogo. Tem uma boa seleção de filmes do circuito indie e as salas são mais íntimas.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Master and Commander. Eu morava na Austrália e o Russell Crowe era uma espécie de herói nacional. Eu tinha uns 7 anos e fiquei maravilhado com tudo. Acho que foi a primeira vez que eu valorizei a trilha sonora de um filme. Muitas vezes assisto certos filmes só pela trilha. Hoje em dia eu assisto esse filme pelo menos duas vezes ao ano e continua sendo um dos meus favoritos.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Acho difícil e de certa forma injusta essa pergunta (rs). Mas colocada de outra forma, se eu tivesse que mandar um filme de um diretor para um alienígena para explicar o que é o cinema, eu mandaria Luz de Inverno do Bergman. É um filme que explora bem a questão do que é ser um ser humano, e comunica isso de forma objetiva porém cheio de nuances. Bergman consegue extrair tudo que está no poço da alma e joga isso na nossa cara, dizendo que somos imperfeitos, traumatizados, e cheio de experiências que nos formaram.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Terra em Transe, do Glauber Rocha. Assisti faz pouco tempo, mas me marcou por ser uma obra que sobreviveu o tempo.

O Glauber criou uma linguagem muito específica no filme, que é algo que o sustenta. A edição, a música, o texto, tudo gira em torno de uma visão clara e muito bem executada.

Além disso, o texto (que originalmente tinha 700 páginas) tem uma poesia e uma qualidade quase performática, mas as atuações transmitem uma intimidade ao mesmo tempo.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Eu tento não pregar ou recomendar com muita força os filmes que assisto e tudo mais. Afinal, um grande filme para você pode ser grande por causa das suas experiências e o modo em que você enxerga o mundo. 

Claro, tem filmes que talvez possam objetivamente terem um bom roteiro, aspectos técnicos sofisticados etc. Mas no fundo, você não pode forçar a outra pessoa a querer ver o que você viu. Não vai ser o mesmo filme para o outro.

Mas a minha experiência de ser cinéfilo começou quando eu era mais novo, assistindo filmes que alinhavam com os meus interesses. Eventualmente estudei muito O cinema Cubano e acabei me expondo a outras possibilidades.

Acho que hoje em dia eu tento assistir de tudo e incluo alguns clássicos, clássicos pessoais, que eu gosto de assistir com uma certa frequência.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Acho que sim. Acaba que nesses cinemas grandes do Brasil (UCI entre outros) fecham acordos com distribuidoras e ficam restritos em relação a programação. Tento sempre entender por que, algumas vezes, alguns cinemas não conseguem oferecer variedades interessantes.

 

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Não sei. Espero que não. Acho que se ir ao cinema se tornar evento, um date chique ou algo assim, talvez tenha mais relevância econômica no futuro. Não sei se os lançamentos box office ou tradicionais vão encontrar um retorno financeiro como encontraram no passado nas salas. Talvez oferecendo o cinema como uma experiência diferenciada seja o futuro.

Ao mesmo tempo, acho complicado deixar as pessoas restritas a uma tela de computador, ou pior ainda no celular streaming um filme.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Memória de Subdesarollo, de Tomás Gutierrez Álea. Talvez um filme um pouco difícil de encontrar, mas é bárbaro por tratar de uma decadência que é Cubana, mas as atitudes acho que podem ser comparadas a outras ao redor das Américas.  

 

Como quase todos os meus filmes favoritos, a música é essencial ao enredo. Léo Brouwer, um guitarrista e compositor de primeira, mistura sons Cubanos com aqueles vindo da Europa, e esse encontro entre os dois sustenta em grande parte o estilo e enredo do filme.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Talvez uma sugestão seja cinemas outdoor ou drive in. No entanto, acho que talvez com distanciamento e medidas de saúde no local, seja possível.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Sensacional. A Vida Invisível, Bacurau... isso sem mencionar alguns outros filmes que foram a Cannes nos últimos anos.  Acho que o nosso cinema tem muito a oferecer, sempre teve. Temos que preservar a produção audiovisual.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Guel Arraes. Acho que ele e o Suassuna são almas gêmeas brincando com a mesma matéria prima (não é a toa que ele dirigiu O Auto da Compadecida).

A pegada regionalista dele é algo bacana porque ele coloca ali um povo, uma existência e uma narrativa que é nossa. Não é um cinema escapista, mas sim interno e real.

 

12) Defina cinema com uma frase:

A possiblidade de gerar a reflexão através da imagem.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Fico devendo essa. Infelizmente minhas experiências foram todas muito higienizadas.

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

Não tive a honra de assisti-lo ainda. Mas pelo que vi, posso convidar uns amigos e fazer uma espécie de drinking game para acompanhar.

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

 

Não. Acho importante ter referências, saber um pouco de tudo, é claro. No entanto, só a experiência te dará a capacidade de criar uma obra real e completa, e essa experiência é composta pela vivência, cujo o cinema (e podemos incluir a literatura, o teatro etc) faz parte dessa vivência, mas não temos que viver primeiro, depois ver o filme.

Pra mim, o cinema é emoção, e se você cria a partir de emoções já criadas em filmes, ou cenas de tal filme etc, você está fabricando em cima de uma fabricação de uma emoção. Não será original, o que não quer dizer que vai ser ruim, mas já foi feito, e provavelmente muito bem feito.

Crie de dentro. Encontre aquela história que é sua, que você domina e que tem significado para você. Isso vai sustentá-la muito mais do que: ‘ah quis fazer porque vi em tal filme.’

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

‘Pior’ é algo subjetivo, mas qualquer um desses recentes aí que tem tiros, explosões, helicópteros e o Sylvester Stallone e cia está valendo.

 

17) Qual seu documentário preferido?

O Sal da Terra do Wim Wenders sobre a fotografia do Sebastião Salgado é incrível.

Tem também o Samsara, que são filmes que não sei se constam um documentário no sentido tradicional. São registros da humanidade de uma forma bem meditativa. Talvez seja um dos registros mais bonitos que eu já vi.

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?  

Amadeus (quando assisti em um cinema antigo em Londres), La La Land (porque é um filme f#da), e A Favorita do Lanthimos.

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Todos. Rs, ele é um mito. Mandy é o meu favorito dele. A partir de um certo momento (que vem cedo no filme), ele sustenta uma intensidade até o final do filme. Extraordinário. Merecia outro Oscar.

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Eita. Tem vários. Frequento muitos, gosto das críticas do The Guardian, Roger Ebert... indiewire é bacana e mais contemporâneo.