O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.
Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, do Rio de Janeiro. Thassilo Weber é formado em história
pela King’s College London, onde
focou na história intelectual do Caribe. Sua base artística vem do teatro mas
hoje trabalha mais com o audiovisual, como produtor cultural. Seu último curta
metragem, Memórias do Rio, venceu um
prêmio em Los Angeles no Independent
Shorts Awards. Atualmente está desenvolvendo seu primeiro longa e espera
estar cursando um mestrado no ano que vem.
1) Na sua cidade,
qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da
escolha.
Provavelmente o Espaço
Net ali em Botafogo. Tem uma boa seleção de filmes do circuito indie e as
salas são mais íntimas.
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
Master and Commander.
Eu morava na Austrália e o Russell Crowe
era uma espécie de herói nacional. Eu tinha uns 7 anos e fiquei maravilhado com
tudo. Acho que foi a primeira vez que eu valorizei a trilha sonora de um filme.
Muitas vezes assisto certos filmes só pela trilha. Hoje em dia eu assisto esse
filme pelo menos duas vezes ao ano e continua sendo um dos meus favoritos.
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
Acho difícil e de certa forma injusta essa pergunta (rs).
Mas colocada de outra forma, se eu tivesse que mandar um filme de um diretor
para um alienígena para explicar o que é o cinema, eu mandaria Luz de Inverno do Bergman. É um filme que explora bem a questão do que é ser um ser
humano, e comunica isso de forma objetiva porém cheio de nuances. Bergman
consegue extrair tudo que está no poço da alma e joga isso na nossa cara,
dizendo que somos imperfeitos, traumatizados, e cheio de experiências que nos
formaram.
4) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
Terra em Transe,
do Glauber Rocha. Assisti faz pouco
tempo, mas me marcou por ser uma obra que sobreviveu o tempo.
O Glauber criou uma linguagem muito específica no filme, que
é algo que o sustenta. A edição, a música, o texto, tudo gira em torno de uma
visão clara e muito bem executada.
Além disso, o texto (que originalmente tinha 700 páginas)
tem uma poesia e uma qualidade quase performática, mas as atuações transmitem
uma intimidade ao mesmo tempo.
5) O que é ser
cinéfilo para você?
Eu tento não pregar ou recomendar com muita força os filmes
que assisto e tudo mais. Afinal, um grande filme para você pode ser grande por
causa das suas experiências e o modo em que você enxerga o mundo.
Claro, tem filmes que talvez possam objetivamente terem um
bom roteiro, aspectos técnicos sofisticados etc. Mas no fundo, você não pode
forçar a outra pessoa a querer ver o que você viu. Não vai ser o mesmo filme
para o outro.
Mas a minha experiência de ser cinéfilo começou quando eu
era mais novo, assistindo filmes que alinhavam com os meus interesses.
Eventualmente estudei muito O cinema Cubano e acabei me expondo a outras
possibilidades.
Acho que hoje em dia eu tento assistir de tudo e incluo
alguns clássicos, clássicos pessoais, que eu gosto de assistir com uma certa
frequência.
6) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas
que entendem de cinema?
Acho que sim. Acaba que nesses cinemas grandes do Brasil
(UCI entre outros) fecham acordos com distribuidoras e ficam restritos em
relação a programação. Tento sempre entender por que, algumas vezes, alguns
cinemas não conseguem oferecer variedades interessantes.
7) Algum dia as salas
de cinema vão acabar?
Não sei. Espero que não. Acho que se ir ao cinema se tornar
evento, um date chique ou algo assim, talvez tenha mais relevância econômica no
futuro. Não sei se os lançamentos box office ou tradicionais vão encontrar um
retorno financeiro como encontraram no passado nas salas. Talvez oferecendo o
cinema como uma experiência diferenciada seja o futuro.
Ao mesmo tempo, acho complicado deixar as pessoas restritas
a uma tela de computador, ou pior ainda no celular streaming um filme.
8) Indique um filme
que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
Memória de
Subdesarollo, de Tomás Gutierrez
Álea. Talvez um filme um pouco difícil de encontrar, mas é bárbaro por
tratar de uma decadência que é Cubana, mas as atitudes acho que podem ser
comparadas a outras ao redor das Américas.
Como quase todos os meus filmes favoritos, a música é
essencial ao enredo. Léo Brouwer, um
guitarrista e compositor de primeira, mistura sons Cubanos com aqueles vindo da
Europa, e esse encontro entre os dois sustenta em grande parte o estilo e
enredo do filme.
9) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Talvez uma sugestão seja cinemas outdoor ou drive in. No
entanto, acho que talvez com distanciamento e medidas de saúde no local, seja
possível.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
Sensacional. A Vida
Invisível, Bacurau... isso sem
mencionar alguns outros filmes que foram a Cannes nos últimos anos. Acho que o nosso cinema tem muito a oferecer,
sempre teve. Temos que preservar a produção audiovisual.
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Guel Arraes. Acho
que ele e o Suassuna são almas
gêmeas brincando com a mesma matéria prima (não é a toa que ele dirigiu O Auto da Compadecida).
A pegada regionalista dele é algo bacana porque ele coloca
ali um povo, uma existência e uma narrativa que é nossa. Não é um cinema
escapista, mas sim interno e real.
12) Defina cinema com
uma frase:
A possiblidade de gerar a reflexão através da imagem.
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
Fico devendo essa. Infelizmente minhas experiências foram
todas muito higienizadas.
14) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
Não tive a honra de assisti-lo ainda. Mas pelo que vi, posso
convidar uns amigos e fazer uma espécie de drinking game para acompanhar.
15) Muitos diretores
de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta
precisa ser cinéfilo?
Não. Acho importante ter referências, saber um pouco de
tudo, é claro. No entanto, só a experiência te dará a capacidade de criar uma
obra real e completa, e essa experiência é composta pela vivência, cujo o
cinema (e podemos incluir a literatura, o teatro etc) faz parte dessa vivência,
mas não temos que viver primeiro, depois ver o filme.
Pra mim, o cinema é emoção, e se você cria a partir de
emoções já criadas em filmes, ou cenas de tal filme etc, você está fabricando
em cima de uma fabricação de uma emoção. Não será original, o que não quer
dizer que vai ser ruim, mas já foi feito, e provavelmente muito bem feito.
Crie de dentro. Encontre aquela história que é sua, que você
domina e que tem significado para você. Isso vai sustentá-la muito mais do que:
‘ah quis fazer porque vi em tal filme.’
16) Qual o pior filme
que você viu na vida?
‘Pior’ é algo subjetivo, mas qualquer um desses recentes aí
que tem tiros, explosões, helicópteros e o Sylvester
Stallone e cia está valendo.
17) Qual seu
documentário preferido?
O Sal da Terra do
Wim Wenders sobre a fotografia do Sebastião Salgado é incrível.
Tem também o Samsara,
que são filmes que não sei se constam um documentário no sentido tradicional.
São registros da humanidade de uma forma bem meditativa. Talvez seja um dos
registros mais bonitos que eu já vi.
18) Você já bateu
palmas para um filme ao final de uma sessão?
Amadeus (quando
assisti em um cinema antigo em Londres), La
La Land (porque é um filme f#da), e A
Favorita do Lanthimos.
19) Qual o melhor
filme com Nicolas Cage que você viu?
Todos. Rs, ele é um mito. Mandy é o meu favorito dele. A partir de um certo momento (que vem
cedo no filme), ele sustenta uma intensidade até o final do filme.
Extraordinário. Merecia outro Oscar.
20) Qual site de cinema
você mais lê pela internet?
Eita. Tem vários. Frequento muitos, gosto das críticas do The Guardian, Roger Ebert... indiewire é bacana e mais
contemporâneo.