Desde Sobre Meninos e Lobos, passando por Ilha do Medo, o escritor norte-americano Dennis Lehane vem, cada vez mais, buscando em seus trabalhos um olhar para camadas profundas do ser humano e seus comportamentos em uma sociedade que se transforma e caminha a passos largos ao descontrole. Em Cortina de Fumaça, nova série da Apple TV+, ele retorna a essa análise complexa – e por que não dizer, também fascinante - através de personagens à beira do precipício moral.
Com nove episódios nessa primeira temporada – não sabemos se
haverá uma segunda – todos já disponíveis na plataforma mencionada, acompanhamos
histórias de pessoas que, de alguma forma, estão nos limites – muitas vezes
ambíguos - entre heróis e vilões. Tendo a reviravolta (plot twist) como uma
carta na manga, exposta em fragmentos dos primeiros aos últimos episódios, a
narrativa mergulha no sombrio da mente humana de forma envolvente.
No centro desse tabuleiro está o investigador de incêndios
criminosos Dave (Taron Egerton), um
homem que leva uma rotina comum, casado, bem-visto no trabalho, que se vê de
frente com dois incendiários tocando o terror pela cidade. Sem conseguir
avançar nas investigações, é designado para ajudá-lo a policial Michelle (Jurnee Smollett), uma mulher com traumas
no passado. Essa dupla precisará encontrar o caminhos para chegar até aos
criminosos. Só que há um detalhe, no final de um dos primeiros capítulos,
nossos olhos se voltam para verdades inesperadas e passamos a acompanhar os
desenrolares de outras perspectivas.
Seguindo uma estrutura – a mais atraente ao público – de fazer
episódios iniciais envolventes entregando prévias de desenvolvimento e indo
direto à raiz do seu discurso, Cortina de Fumaça é o fogo fora do controle, em
todos os sentidos. Esse preenchimento das lacunas, através de um alicerce
contextual e de seus paralelos, nos apresenta ações e inconsequências que vão
ao encontro das nossas reflexões sociais. Dos traumas do passado, passando pelo
comportamento humano até o distúrbio de personalidade, o roteiro nos fisga a
atenção em muitos momentos.
Para onde quer que viremos nossa atenção, encontramos peças
de encaixe. O desenvolvimento dos personagens é algo que impressiona: todos tem
espaço e se tornam elementos importantes para contar essa história. Partindo de
duelos sugeridos, conforme avançamos nos episódios, percebemos respingos também
sobre a ética, onde o certo e o errado encontram barreiras de compreensão. A
grande graça desse projeto não é saber a identidade dos suspeitos, é muito mais
que isso, são os caminhos que levam pessoas a atos no impulso, tendo o desprezo
na ponta das atitudes.
Cortina de Fumaça se
consolida, nessa primeira temporada, como um das gratas surpresas no universo
das séries. Sem muita divulgação desde sua estreia, mal sabe o público o que o
espera. É ver e se deliciar!