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14/03/2024

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Crítica do filme: 'A Menina Silenciosa'


Dois mundos e seus conflitos. Indicado para mais de quarenta prêmios internacionais, inclusive chegando até os cinco selecionados ao Oscar de Melhor Filme Internacional em 2023, o longa-metragem irlandês A Menina Silenciosa navega sua trama nas chegadas e partidas de uma jovem que vive situações inéditas na sua curta trajetória de vida ao ser enviada para a casa de parentes de sua mãe. Baseado na obra Foster, da escritora Claire Keegan, o filme, dirigido por Colm Bairéad, é um retrato delicado do início da adolescência e o começo de novos conflitos que se jogam na frente, como o entendimento do luto, da perda e o real sentido de família.

Na trama, conhecemos Cáit (Catherine Clinch), uma menina quieta que vive dias tensos com sua família disfuncional e distante em uma humilde casa. Durante o verão do ano de 1981, ela é enviada para a casa de Eibhlín (Carrie Crowley) e Seán (Andrew Bennett), parentes de sua mãe, um casal que perdeu o filho em uma tragédia. Chegando lá acaba descobrindo um novo sentido de lar, de relação familiar, e assim precisa lidar com novos acontecimentos que abrem o seu leque de percepções sobre a vida.

A esperança que chega e vai embora. A narrativa detalhista segue os passos de sua jovem protagonista, entre descobertas e decepções, vê seu mundo se multiplicar em esperança, renovando as verdades da palavra amor. Entre imagens e movimentos, ambientados em uma zona rural irlandesa no início da década de 80, a cultura local acaba sendo o primeiro ponto conflitante que a confronta sobre a certeza do que é certo ou errado. Com o passar do tempo, e entendendo mesmo de forma superficial a dor dos parentes que a abrigam nesse verão se enxerga em dilemas sobre os dois mundos que é apresentada.

As chegadas e partidas estão implícitas, num iminente ponto futuro. Até quando vai ser possível viver aquelas novas experiências? Será que algum dia seus pais biológicos a tratarão com o amor e carinho? Como vai ser quando o verão acabar? Seguindo em perguntas ao vento, implícitas nas ações e emoções dos personagens, A Menina Silenciosa é um recorte sobre as durezas da vida e os lapsos de esperança que surgem quando se menos espera.


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14/02/2024

Crítica do filme: 'A Linha'


Um longo caminho para o perdão. Com um slow motion tenso como abre alas, algo que fortifica um importante detalhe do momento de alto clímax ao longo da narrativa, o longa-metragem francês A Linha, indicado ao Urso de Ouro em Berlim em 2022, busca uma profunda análise dentro do que acontece entre quatro paredes de uma família disfuncional onde o antes, o agora e o depois parecem interligados por um reflexo de relações conturbadas. Dirigido pelo cineasta francesa Ursula Meier, o filme, todo rodado todo em Port-Valais, na Suíça, dilacera aos olhos do público a angústia da culpa e do arrependimento por meio de vários personagens em uma narrativa detalhista.

Na trama, conhecemos Margaret (Stéphanie Blanchoud), uma jovem que vive de trabalhos informais pela comunidade onde mora e com um passado recente ligado à música. Certo dia, vira autora de um ataque violento contra sua mãe Christina (Valeria Bruni Tedeschi) que é sentenciada pelas autoridades de justiça a ficar no mínimo 100 metros dela durante alguns meses. A partir disso, uma série de conflitos familiares tomam conta da história dessa família com integrantes completamente instáveis emocionalmente precisando conviver com a situação imposta pelo destino.

As dores físicas refletem as emocionais. Há muitas coisas embrulhadas, não resolvidas, no passado dessa família e esse ponto é a base de construção da narrativa que provoca alguns vai e vém através de memórias ditas, personificadas por um presente caótico que encosta na irresponsabilidade, na imaturidade, nas dores, arrependimento e até mesmo na esperança. A opção de se desenvolver essa narrativa através do ponto de vista das irmãs é acertada, não chegando a ser um olhar de fora mas não distante do epicentro do principal conflito.

Angustiante em muitos momentos, o projeto possui alguns elementos que ajudam a ampliar o leque de percepções. A fé é um fator que chega através de uma jovem personagem, uma das irmãs, Marion, (interpretada pela excelente atriz Elli Spagnolo), que dominada de incertezas se vê presa conflitos. A esperança chega pela outra irmã, Louise (India Hair), grávida de gêmeos, parece querer ser alheia aos conflitos que se jogam em sua frente mas busca ser uma ponte para a chegada do equilíbrio. A direção de Meier é fundamental para uma condução dentro de uma linha emotiva, onde as inconsequências viram as chaves para muitas das questões abordadas.

Nesse longo caminho para o perdão, seu ponto alto explode no embate entre a primeira filha e sua mãe. A filha que parece sem rumo, explosiva e longe de qualquer equilíbrio se descontrói a partir do baque de uma sentença. A mãe é sua instabilidade, relembra o antes com mágoa associando o declínio da carreira com a chegada da primeira filha. Aqui o passado pesa, viram lacunas preenchidas pelo presente deixando em aberto qualquer caminho para um futuro. É possível perdoar? É possível se entenderem? Essas são perguntas que o espectador vai tirar conclusões a partir de um desfecho repleto de significado.

Pra quem interessar, o filme está disponível no catálogo da Reserva Imovision.


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29/12/2023

Crítica do filme: 'Quarto 212'


O que é e o que poderia ser sido. Vencedor de um importante prêmio no Festival de Cannes em 2019, a divertida comédia francesa Quarto 212 usa, sem abusar, do choque da fantasia e do consciente para falar de muitos sentimentos. Escrito e dirigido pelo ótimo cineasta francês Christophe Honoré, o longa-metragem, disponível no catálogo da Reserva Imovision, joga para o público um recorte intimista de um casamento à beira da ruína.

Na trama, conhecemos Maria (Chiara Mastroianni) e Richard (Benjamin Biolay), um casal de meia idade que tem um casamento de duas décadas. Ela, uma professora de direito, com uma queda por homens mais novos. Ele, um acomodado, com seu passado ligado à música. Quando o segundo confronta a primeira sobre a vida sexual virando uma atividade extraconjugal, Maria vai para um hotel em frente à sua casa para refletir e de forma inusitada acaba encontrando a versão mais nova do próprio marido, além de outros surpreendentes personagens do passado dos dois.

As dificuldades de sorrir pra quem não ama mais. Jogando luz para os conflitos entre quatro paredes de um homem e uma mulher que parecem mais distantes conforme o tempo passou para eles, Honoré contorna o abatimento dessa fase conturbada e investe no humor criando um universo longe da realidade, de possibilidades mais inusitadas, como o choque da fantasia e do consciente em empolgantes personificações desse segundo elemento.

Será no passado as redescobertas do amor? Um carrossel fantasiado de personagens do passado do casal vão ditando o ritmo de uma narrativa dinâmica, divertida, onde portas se abrem facilmente para reflexões sobre o matrimônio. A sacada das alusões da consciência é genial, assim chegamos em ótimos personagens como a ex-professora de piano e antigo amor do Richard. Outro ponto interessante é a criação da personagem com a inversão dos clichês do gênero, aqui quem escorrega no egoísmo, na traição, é a personagem feminina, interpretada brilhantemente por Chiara Mastroianni.

O outro lado da rua parece ser o lugar que o jogo de campeonato, valendo a renovação de amor, vai se desenrolando. E nós espectadores, refletindo sobre tudo. Quarto 212 é uma jornada deliciosa sobre as estradas que nos levam a seguinte conclusão: nunca prevemos como vamos ser felizes!


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31/10/2023

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Crítica do filme: 'Incêndios'


A morte nunca é o fim de uma história. Um dos filmes mais devastadores dos últimos tempos, com um desfecho inesperadamente surpreendente, Incêndios é até hoje a obra-prima do badalado cineasta canadense Denis Villeneuve.  Baseado na peça teatral Incendies, de Wajdi Mouawad, e também, parcialmente baseado na vida da ativista libanesa Souha Béchara, o projeto nos leva de forma impactante para uma história que tem o amor em várias esferas, constante, mesmo esse encontrando uma terra de incansáveis conflitos que se preenchem por verdades nunca ditas. Esse é um daqueles filmes que ficamos pensando durante dias e nunca mais esquecemos.


Na trama, conhecemos os irmãos gêmeos Jeanne (Mélissa Désormeaux-Poulin) e Simon (Maxim Gaudette) que chegam para a leitura do testamento que a mãe lhes deixou. Após serem surpreendidos com a possibilidade nada remota do pai estar vivo e a descoberta que eles tem um irmão, primeiro Jeanne e depois Simon embarcam para o Oriente Médio para descobrir as verdades escondidas de sua própria família tendo como epicentro a quase inacreditável história da mãe deles, Nawal (Lubna Azabal).


Indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, Incêndios nos mostra as verdadeiras vítimas de um conflito, a ruptura de uma criação, o despedaçar de um coração materno em sua constante luta por um reencontro. Somado a isso, a narrativa de maneira muito habilidosa nos transporta pra o presente na visão de dois irmãos que se conectam a essa história cada qual no seu tempo. A matemática Jeanne dá os primeiros passos atrás dos desejos da mãe, sendo surpreendida a todo instante e precisa da sua outra metade para completar o restante de ciclo que escondia as verdades sobre a trajetória da própria mãe. Todas as peças são captadas de forma cirúrgica pelas lentes de Villeneuve que mostra um total domínio sobre a história que quer contar.


As ideias só existem se alguém as defende. Filmado na Jordânia e em Montreal, a ambientação da história não é declarada, sabemos apenas que se passa no Oriente Médio, mas entendemos alguns conflitos provocados por adeptos de milícias cristãs direitistas e seus autodeclarados inimigos. O choque entre o passado e o presente se torna uma enorme aula de geopolítica e essa contextualização é um elemento importante, mais um personagem, um ponto fixo que rodeia a saga da protagonista brilhantemente interpretada pela atriz belga Lubna Azabal.


Como dito no início, a morte nunca é o fim de uma história, e por aqui essa verdade transparece até o último minuto. Incêndios possui um final avassalador, que mexe com nossas emoções. Um filme forte, impactante que nunca esqueceremos. Essa obra-prima está disponível no catálogo do Reserva Imovision. Imperdível.



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15/10/2022

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Crítica do filme: 'Segredos em Família'


Um clima de tensão constante, cenas chocantes, diálogos marcados pelo confronto, assédio sexual. O longa-metragem chileno Segredos em Família nos apresenta de maneira excruciante o retrato de uma família disfuncional, até mesmo parte preconceituosa, que fica presa em uma Ilha no sul do Chile. Exibido no Festival de San Sebastian em 2019 e no Festival do Rio desse ano, dirigido pelo cineasta Jorge Riquelme Serrano (em seu segundo longa-metragem na carreira), somos conduzidos até os conflitos de um ‘big brother’ instaurado que logo aflora o pior lado de relações já conflituosas, mostrando até mesmo uma parte sombria de seus personagens. No elenco, a excelente atriz Paulina García (do sucesso Gloria).


Um ambicioso casal em busca de um empreendimento, leva os pais de uma das partes para uma visita à uma ilha onde supostamente existe um ótimo lugar, onde não falta nada, e daria um ótimo hotel. O intuito desse convite é conseguir uma boa parte do dinheiro de entrada desse negócio. Acontece que o responsável pela casa na ilha, após algumas situações constrangedoras com elementos da família, acaba fugindo, deixando o restante das pessoas sem ter como sair da ilha. O que era pra ser um passeio agradável, regado à vinho e conversas descontraídas logo vira um ambiente hostil, tenso, onde facetas escondidas logo vem à tona.


Partimos do encontro de três gerações: os avós, os pais e os filhos. Só por isso, já dá pra imaginar iminentes conflitos. Os mais velhos parecem analisar o casal mais novo, destilando veneno pra todos os lados, se colocando como os senhores da razão em relação a todos os assuntos. As críticas que não são faladas ‘olho no olho’ vão nos mostrando as verdades de personalidades dúbias. O clima de tensão tem seu início na questão da sobrevivência, por estarem em um lugar inóspito, sem água e outras coisas básicas. Mas logo uma surpreendente questão vira palco de questionamentos, com os personagens já no seu desfecho não sabendo lidar com o ocorrido. O público é surpreendido nos minutos finais, com o roteiro deixando em entrelinhas rasas qualquer desdobramento sobre o chocante fato.


O ritmo é lento, mas há um sentido nisso, aos poucos vamos nos surpreendendo e chocados assistimos uma série de situações destrutivas, absurdas. Rodado na comuna de Calbuco, Região de Los Lagos, no Chile, o projeto bate na tecla de que as aparências enganam, do fato mais que lógico que não existe família perfeita, da pergunta filosófica que acaba fazendo total sentido aqui nessa história: Afinal, as pessoas nascem boas ou más? Ou é o seu caminho de escolhas que te leva para um lado ou outro?  



 

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29/09/2022

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Crítica do filme: 'A Acusação'


Não é não. Chega aos cinemas nas primeiras semanas de outubro um filme que mostra os desenrolares de uma denúncia de agressão sexual e os conflitos que surgem para todos os envolvidos e suas famílias. A Acusação, dirigido pelo cineasta israelense Yvan Attal é um profundo drama que aborda os olhares da lei, das famílias, da opinião pública, sobre um caso de estupro. Um filme impactante que deveria ser exibido em muitos lugares e com debates sobre suas reflexões.


Na trama, conhecemos Alexandre (Ben Attal) um arrogante, privilegiado, com sentimento de superioridade, mimado, estudante francês de 22 anos que mora nos Estados Unidos e estuda engenharia em Stanford que durante sua passagem pela França, para visitar seus pais, um famoso apresentador de TV chamado Jean (Pierre Arditi) e uma ensaísta chamada Claire (Charlotte Gainsbourg), é acusado de estupro. Quem faz a acusação é Mila (Suzanne Jouannet), uma jovem de 17 anos que é filha de Adam (Mathieu Kassovitz), um professor de literatura e Valérie (Audrey Dana), uma protética dentária. Para complicar mais ainda a situação, Claire e Adam são namorados. A situação é levada aos tribunais, onde as versões do fato são ouvidas e julgadas pela lei.


De 20 minutos à perpetuidade. Uma séria acusação, um trauma para toda uma vida. Quais os argumentos para se duvidar de uma jovem que alega ter sofrido um abuso? O constrangimento é evidente, logo na denúncia Mila precisa detalhar para dois policiais homens o que houve, depois é exposta no jogo das lei, onde o advogado de defesa expõe intimidades e outros traumas. Presenciamos um pesadelo sem fim de uma jovem que procurou a justiça para ajudá-la com sua dor.


Vamos sendo guiados pelas óticas dos personagens, não só as dos dois jovens, mas também de seus pais.  Do lado de Alexandre, onde os parentes mais tem aprofundamento, vemos o pai, figura pública, controlador, mulherengo, inclusive se relaciona com a estagiária do seu trabalho, parece ter uma relação distante com o filho mas sem deixar de lhe proporcionar uma vida confortável. A posição da mãe nessa história é delicada. Ela é uma ensaísta que sempre defendeu a condenação de qualquer tipo de abuso sexual e ainda por cima a acusação é feita pela filha do seu atual namorado. Será suas atitudes algum tipo de reflexo de sua criação?


Vidas despedaçadas, julgamentos sociais. Logo a trama se caminha para um drama de tribunal onde o que realmente aconteceu se torna algo em segundo plano pois fica evidente que uma agressão ocorreu, um ato unilateral, uma ação sem consentimento. Pelo lado da lei, advogados travam batalhas de argumentos, colocando em exposição a vida íntima de agressor e vítima.  


A palavra de um contra a palavra do outro. Houve consentimento aos olhos da lei? Qual a verdade jurídica? A Acusação faz o espectador refletir sobre cada conflito que se segue, mesmo com duas percepções de uma mesma cena, acompanhamos os rumos de um veredito em relação à lei mas na parte moral a verdade é uma só.



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Crítica do filme: 'O Perdão'


A culpa em contraponto ao perdão. Exibido no Festival de Berlim em 2020, o longa-metragem iraniano O Perdão nos mostra conflitos de dois personagens que passam pelo luto de formas diferentes e mesmo assim interligados por um mesmo acontecimento. Dirigido pela dupla Maryam Moqadam e Behtash Sanaeeha, vamos percorrendo o presente de personagens que buscam soluções em meio ao caos emocional de conflitos subsequentes à uma tragédia. Há um debate sobre alguns temas importantes ligados à justiça, principalmente sobre a pena de morte e também sobre a opressão contra as mulheres por conta das crenças e costumes do país islâmico situado no Golfo Pérsico.


Na trama, conhecemos Mina (Maryam Moqadam), uma mulher que trabalha em uma fábrica de leite, mãe de uma menina surda que acabou ficando viúva após seu marido ser preso e condenado à pena de morte no Irã. Um ano se passa e buscando soluções para seu presente, agora solteira e com uma filha pequena, acaba descobrindo que seu marido era inocente no processo que foi condenado. Buscando entender seus direitos pelo erro cometido pela justiça iraniana ela acaba sofrendo por alguns conflitos que se desdobram. Até que um dia Reza (Alireza Sani Far) aparece em sua porta, ela não sabe mas ele é alguém arrependido por uma sentença feita.


Uma mulher trabalhadora buscando seguir em frente com sua vida após uma injustiça feita com seu marido. Essa é apenas uma rasa definição sobre tudo que vemos ao longo dos quase 110 minutos de projeção. Há conflitos muito mais profundos. Somos testemunha de um recorte no presente dessa mãe que não consegue se desprender do luto. Aos poucos esse presente se torna uma rede cheia de conflitos. Um conflito com a família do falecido marido, muito por conta da indenização e o dinheiro que ficaram para ela.  No prédio onde mora, por ter deixado um homem entrar na sua residência e esse não sendo seu marido, acaba sendo expulsa de onde mora. As dificuldades de alugar um lugar para morar sendo uma mulher solteira em um país preconceituoso e onde o conservadorismo domina os costumes. As burocráticas idas a administração governamentais para entender seus direitos, até mesmo consegue uma indenização de 270 milhões de tomans iraniano (o que na conversão para real dá mais ou menos 35.000 reais)...mas quanto dinheiro do mundo vale a vida de uma pessoa?


Há também um profundo debate sobre a pena de morte que percorre todo o filme, principalmente quando sabemos sobre um dos personagens que aparece na trama, um juiz que se sente culpado pois na sua primeira condenação à morte acaba condenando um inocente.


O perdão do título chega por duas vias que não conseguem se desprender das emoções. Principalmente quando entendemos melhor a trajetória do misterioso Reza, um homem que não consegue se perdoar. Assim, mesmo com uma harmonia entre Mina e Reza, ambos não conseguem chegar ao ponto de um equilíbrio para qualquer tipo de relação. Pra onde quer que olhemos, para todos os conflitos vistos aqui, conseguimos refletir de maneira profunda sobre assuntos que precisam serem discutidos pela sociedade.



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24/09/2022

Crítica do filme: 'O Último Poema do Rinoceronte'


Um amor, a inveja, uma separação abrupta, dolorosa, em tempos de uma revolução. Escrito e dirigido pelo cineasta iraniano Bahman Ghobadi, O Último Poema do Rinoceronte nos mostra uma triste história de um amor separado pela inveja tendo como plano de fundo a revolução do Irã em 1979 transformou o país de uma monarquia autocrática para em uma república islâmica teocrática. Ao longo dos intensos 88 minutos de projeção, vamos conhecendo uma história hipnotizante que lida de tragédias à poesia com um final emblemático.


Na trama, lançada no Brasil no ano de 2015, conhecemos Mina (Monica Bellucci) e Sahel (Caner Cindoruk/Behrouz Vossoughi) um casal apaixonado que vive juntos desde os tempos em que se conheceram na faculdade. Ele é um escritor, famoso por seus poemas, e junto de sua esposa vivem uma confortável vida. Eles tem um motorista que acaba desenvolvendo uma paixão não correspondida por Mina. Esse mesmo motorista se torna um revolucionário importante e que com a revolução que acontece na Irã em 1979 acaba ganhando status de poder. Ele executa um plano maligno, prendendo injustamente Mina e Sahel, ela por 10 e ele por 30 anos. O tempo passa e após sair da prisão Sahel vai atrás de seu amor que se mudou para Turquia e foi morar com ex-motorista que os prendeu.


Aqui o sofrimento é envolto de reflexões mas também mostra uma realidade arrepiante.   Preso injustamente por supostamente ter escrito poemas políticos, nosso primeiro olhar chega em duas linhas temporais para Sahel. Na primeira, um jovem de sucesso no seu trabalho, casado com a mulher que ama que vê tudo desmoronar pela inveja de um outro homem. No segundo momento enxergamos um homem já no fim de sua vida, com uma lacuna imensa não preenchida pelas três décadas de ficara preso. À beira de uma margem das águas de um mar ele observa no alto de uma montanha a nova casa de sua esposa sem saber direito o que fazer pois disseram a ela que ele havia morrido na prisão.


Mina é a outra parte dessa dolorosa trama. Na prisão, sofre uma violência atrás da outra. Fortes abalos emocionais, Mina é forçada a assinar o divórcio, é violentada, engravida, passa 10 anos presa, escutando barulhos ensurdecedores de torturas em outras celas. Vive por acreditar que um dia possa estar novamente com seu grande amor precisando viver os conflitos e os acaso que estão fixados em seu destino. A arte aqui acaba se tornando uma força para passar por esse momento extremo. O refletir sobre os poemas do marido acaba sendo o dispositivo de lembrança que guarda no seu pensamento.


O amor abstrato ligado à uma inveja sem tamanho é a mola propulsora das maldades do ex-motorista que virou líder de uma revolução. Um homem perturbado, obsessivo, que usa e abusa de seu poder para conseguir o que quer. Sua história acaba sendo o ponto de interseção, o ima de definição de destinos.


O Último Poema do Rinoceronte, belissimamente bem filmado constrói um forte elo entre sua trama e o espectador. Chega a ser hipnotizante. Um trabalho impecável de Bahman Ghobadi.



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22/06/2022

Crítica do filme: 'O Truque da Galinha'


Quando a peculiaridade nos prende. Ganhador de prêmios no Festival de Cannes em 2021, chega ao circuito brasileiro de exibição um dos longas-metragens mais peculiares que vão desembarcar por aqui nesse ano. Em O Truque da Galinha, dirigido pelo cineasta de 34 anos Omar El Zohairy, em seu primeiro longa-metragem como diretor, há um exercício bastante curioso em busca da originalidade. Colocando contrapontos inteligentes sobre o instinto de sobrevivência, por meio de uma espécie de faz de conta, o protagonismo de uma família árabe acaba se invertendo o que nos aproxima de uma realidade chocante que, por conta de leis discriminatórias, assédio e outras questões, o Egito, um território extremamente conservador e machista, é um dos piores lugares do mundo para as mulheres.


Na curiosa trama, acompanhamos uma família de origem humilde que está prestes a comemorar mais um aniversário de um dos seus membros. Acontece que durante a festividade, que acontece dentro da própria casa deles, um mágico vai se apresentar e acaba transformando o patriarca da família em uma galinha. A partir desse inesperado acontecimento, a mãe, que sempre se dedicou ao marido, ao lar e a criação das crianças, precisará tomar decisões importantes sem esquecer de pelo menos tentar encontrar soluções para ter seu marido de volta.


Há uma parábola sobre a fuga da realidade por meio do que é exibido no único meio de comunicação da casa. Os sonhos logo nos são apresentados por meio de uma televisão antiga onde o fascinante universo dos comerciais e programas de televisão vendem uma realidade muito distância a dessa família. O espectador se mantém com os olhos atentos em boa parte dessa peculiar história. Indo em busca de uma maneira de sustentar sua família, já que seus filhos agora dependem somente dela, a mãe vai atrás de um emprego. Lutando de todas as formas para sobreviver em meio ao caos que virou sua rotina, surpresas que acontecem pelo caminho nos mostram uma série de decisões que de todas as formas nos levam à transformação impactante da verdadeira protagonista dessa história.


Pensando na obra cinematográfica em si, essa produção nos mostra a importância que possui a arte quando essa nos traz um olhar para reflexão, mesmo que cheio de tristeza, da realidade de muitos em um país que cisma em se manter no conservadorismo e pouco valoriza suas mulheres.



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04/06/2021

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Crítica do filme: 'Holiday'


O paradoxo entre luxo e a violência sem limites. Após dois curtas-metragens e ter assinado o roteiro do polêmico filme Border, a cineasta sueca de 43 anos Isabella Eklöf chega ao seu primeiro longa-metragem na direção dando um grande bico na porta contando a trajetória de uma ingênua jovem e seu relacionamento abusivo com um gângster durante a passagem deles na cidade portuária de Bodrum, na Riviera turca. História impactante, cenas pesadíssimas, que embrulha o estômago mas faz refletir sobre a questão da redenção dentro de um camuflado deslumbre, se existe ou não. Holiday está disponível no ótimo catálogo do streaming Reserva Imovision.


Na trama, conhecemos Sascha (Victoria Carmen Sonne), uma jovem que desembarca em um aeroporto na Turquia para passar um tempo na casa de praia do namorado bandido Michael (Lai Yde) e acaba encarando uma normalidade de violência e abusos dentro do universo do namorado. Quando parece que começa a perceber que há algo errado, ou pelo menos que deseja sair daquele universo mesmo que de maneira não convicta, ela conhece um velejador holandês mas Michael não deixará as coisas irem para o rumo que estavam caminhando.


Selecionado para o Festival de Sundance no ano de 2018, Holiday, aborda paralelos que nos fazem entender melhor a protagonista, consumida por uma ingenuidade tamanha. Por exemplo, o medo vira um paralelo para o ar dessa ingenuidade que envolve a personagem, escolhas aparecem na sua frente a todo instante mas o deslumbre para com um vida de luxo e a acomodação de uma falsa liberdade parece que a deixam confusa a todo instante, mesmo seus instintos a levando para uma busca por uma outra realidade pois aquilo que vive não pode ser nem de longe um padrão para uma vida calma e tranquila. Nada ao seu redor a ajuda nesse caminho complicado, a chegada do velejador holandês parece que desperta nela uma reação de esperança, quase uma desconstrução sobre a sua visão daqueles dias naquele lugar.


Violência física, psicológica, o filme é recheado de fortes cenas que deixarão o espectador impactado. Esse poder de atingir chocando é o caminho tomado por Eklöf para mostrar os caminhos quase sem volta da vida, por escolhas que estão na nossa frente mas com todos os obstáculos que as vezes não nos fazem enxergar.

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12/06/2020

Crítica do filme: 'O Paraíso deve ser Aqui'


O sentido de um filme visto pelas entrelinhas. Câmeras estáticas em lugares em movimento, um observador calado que testemunha as coisas simples e novas tendências do mundo em relação ao trato social, preconceito, política, imigração e outros assuntos. Fruto da mente visionária do cineasta palestino Elia Suleiman (do excelente O Que Resta do Tempo), onde ele mesmo faz o papel de observador protagonista, O Paraíso deve ser Aqui explica sentimentos por imagens e situações cotidianas com pitadas saborosas de comédia em muito dos casos. É uma saga de um calado protagonista e suas percepções do mundo tentando entender e encontrar um lugar para descansar.

Exibido na última edição da Mostra Internacional de Cinema de SP, somos testemunhas oculares dos passeios observadores de um homem (Elia Suleiman) e sua busca por respostas sobre o quão diferente ou não pode ser o mundo e suas tendências. É um pouco viagem as vezes, é sim! Mas fruto de uma tentativa clara e objetiva a todo instante de ser original e esse mérito são para poucos no cinema mundial contemporâneo. O filme foi o Indicado da Palestina ao último Oscar, na categoria melhor filme estrangeiro, além de ter sido indicado à Palma de Ouro em Cannes no ano passado.

No universo criativo de um diretor de cinema, enxergamos um mundo completamos diferente do que imaginamos. A sequência inicial em Paris com a trilha de I Put a Spell on You é belíssima, parece que estamos vendo um desfile de forças de gerações e os contrapontos do que pensamos e a atualidade. Um tapa na cara da indústria cinematográfica também não fica de fora, a cena com o produtor francês dizendo que o filme não era tão palestino é algo que chama a atenção e obviamente reflete a mentalidade capitalista de muitos dos que mexem com a arte nesse instante do mundo.

Um observador necessita de um mundo, suas verdades e seus conflitos. E nós meros espectadores precisamos refletir e refletir às oportunidades que a arte nos traz.


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15/11/2018

Crítica do filme: 'O Confeiteiro' (The Cakemaker)

As entrelinhas detalhistas de situações ligadas ao coração. Após quatro curtas metragens e trabalhos como editor e roteirista, o cineasta Israelense Ofir Raul Graizer escreve e dirige seu primeiro longa metragem que busca nos radapés das explicações emocionais respostas para situações que envolvem a vida de duas pessoas, uma na Alemanha e outra em Israel. O belíssimo roteiro se renova a cada movimento, a cada caminho que os personagens percorrem embalados por uma refinada trilha sonora. Um trabalho surpreendente e deveras interessante.

Indicado a categoria de melhor filme no importante Festival de San Sebastian em 2017, The Cakemaker, no original, conta a história de Thomas (Tim Kalkhof), um habilidoso, organizado e simples confeiteiro alemão que acaba se envolvendo com Oren (Roy Miller) um executivo de uma empresa de construção de trens, que mora com a família em Israel. Entre as idas e vindas de Oren (Berlim/Jerusalém), uma escondida história de amor é criada. Após 12 meses juntos, Oren desaparece por um tempo e Thomas vai atrás de informações, descobrindo que ele falecera em um acidente automobilístico. Sem rumo e tentando se encontrar, Thomas resolve partir para Jerusalém e acaba conhecendo Anat (Sarah Adler), a esposa de Oren.

Todo bom filme é como se fosse um grande prédio que é construído aos poucos, com as portas sendo abertas para as surpresas que envolvem seus personagens. Em O Confeiteiro, tudo é muito delicado, quase minimalista, o protagonista diz muito com seu olhar, um trabalho excelente de Tim Kakhof. Somos completamente envolvidos pelo que há depois que as portas vão se abrindo, não há exageros, o tom certeiro da direção e as surpresas que vemos pela jornada de Thomas nos mostram muito sobre tradições judias (o olhar sobre o estrangeiro), e como o amor pode chegar de todas as formas possíveis.

Já que falamos de um filme que envolve bolos e surpresas, podemos dizer que a cereja desse ótimo longa é a impressionante atuação da atriz francesa Sarah Adler. Fascinante em cada cena. A carga emocional recai totalmente sobre Anat e as dúvidas que começam a aparecer quando as coincidência de seu curto passado se encontram com a fresta de felicidade que se abre no presente. A partir disso, escolhas dominam os desfechos dos fortes personagens.
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07/12/2017

Crítica do filme: 'Fortunata'

Exibido no último Festival de Cannes, na mostra Um Certo Olhar, o drama Fortunata é mais uma grata surpresa europeia que infelizmente ainda não tem data de estreia no cirucito exibidor brasileiro. O projeto, dirigido pelo ator e diretor italiano Sergio Castellitto, ganhador de alguns prêmios internacionais, dá luz ao papel da mãe em um mundo repleto de desafios, tendo que superar obstáculos do passado para seguir em frente, não desistir dos seus sonhos e dar o máximo de amor para sua herdeira. O elenco, grande força desse belo trabalho, é encabeçado pela apaixonante e talentosa Jasmine Trinco (nova musa de Cannes) que realmente eleva a qualidade desse pequeno bom filme.

Na trama, ambientada nos dias atuais no subúrbio de Roma, conhecemos Fortunata, uma bela cabeleireira delivery de meia idade que possui um sonho de ter seu próprio empreendimento, um salão de beleza no centro da cidade onde mora. A protagonista tem uma filha, sua maior paixão do mundo, mas com quem tem um relacionamento complicado, provocado, muito, pelo seu afastamento do ex-marido, figura que sempre a rodeia. Certo dia, Fortunata resolve levar a filha para ver um psicólogo/psiquiatra, por quem a protagonista acaba vivendo um intenso romance.

A personagem principal é uma mulher incrível, uma personagem marcante. Uma mescla de beleza e ingenuidade, camuflada de grande leoa que faz de tudo para dar para sua filha uma vida confortável e repleta de amor e carinho. Suas batalhas diárias com o ex-marido, esse que não aceita a separação de jeito nenhum, a busca do sonho em ter seu próprio salão de beleza, preenchem a tela com cenas emocionantes que dizem muito sobre a personalidade da carismática protagonista. Vale o destaque para a atriz italiana Jasmine Trinco (‘Um Novo Dueto’, ‘Maravilhoso Boccaccio’), que cumpre com louvor um papel complexo e cheio de contextos emocionais.

A vida de Fortunata ganha novos contornos com a entrada do psicólogo/psiquiatra em sua vida. Antes, receosa quanto levar sua filha para ser consultado pelo médico, depois acaba se consultando com ele e se apaixonando, o que deixa mais tumultuado sua relação com a filha e com outros personagens que contornam o longa. A surpreendente trilha sonora ganha muito destaque, sempre nos fechamento de arcos e acompanha a poderosa protagonista em busca do seu passaporte para a felicidade nesse projeto que merece ser conferido por todos que amam cinema.


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02/12/2017

Crítica do filme: 'Corpo e Alma'


As poesias na arte de amar. Dirigido pela cineasta Ildikó Enyedi e vencedor do último grande prêmio de melhor filme no Festival de Berlim, Corpo e Alma é uma incrível jornada sobre o amor que chega ao espectador de maneira inusitada, ligada por sonhos, onde somos testemunhas, ao longo das quase duas horas de projeção, de uma das histórias mais bonitas que apareceram numa tela de cinema esse ano. O projeto, que demorou mais de dez anos para ficar pronto por conta de uma grave crise no órgão que administra o cinema Hungria, possui uma riqueza nos detalhes, há um silêncio preponderante em muitas cenas, seja nos olhares distantes dos protagonistas, seja nos reflexos que acompanham as metáforas cotidianas na arte do descobrir. Um trabalho primoroso de direção.

Teströl és lélekröl, no original, conta a história de Endre (Géza Morcsányi), um gerente administrativo de uma empresa do ramo alimentício, que possui um problema em um dos seus braços, que durante uma sessão com uma psicóloga chamada para auxiliar a empresa que trabalha, descobre que seus sonhos se completam com os mesmos sonhos de uma nova funcionária da empresa chamada Mária (Alexandra Borbély). Assim, se encontrando quase sempre nos sonhos mas sem muita aproximação na vida real, resolvem embarcar nessa história onde buscam a todo instante entender melhor sobre o amor e sobre essa situação totalmente inusitada que é o fato de se ligarem por um sonho. 

Um filme possui uma lentidão, um ritmo diferenciado, necessário para absorvermos os paralelos que o roteiro busca explorar. Os protagonistas são dois pilares, cada um com sua essência que juntos em cena transformam uma inusitada história de amor em algo inesquecível. Endre é um homem desiludido que vive em pura reclusão mesmo tendo certa vida social, prefiro a solidão do que se envolver. Já Mária é uma superdotada, com memória espetacular que não consegue interagir com ninguém, vive uma vida metódica sabendo muito pouco sobre sentimentos e o próprio corpo. Quando o inusitado aparece nessa história, na forma de um sonho em conjunto, acontece uma ação quase instantânea na arte do desabrochar para vida dessas duas almas. Lacunas nunca preenchidas, chegam pela curiosidade, levando Endre e Mária a uma jornada de erupções sentimentais que passam, do amor até o ciúmes sempre de forma mais delicada do que estamos acostumados a ver.

Um dos grandes méritos de Enyedi em sua direção é tentar captar todos os sentimentos que passam nos personagens de maneira poética, usando as imagens como forma de preenchimento de um pensamento. A arte de amar é uma ciência não exata, totalmente fora de controle, as duas almas que conhecemos nesse fabuloso filme descobrem que a vida pode ser muito mais quando deixamos de olhar para o lógico e conseguimos entender até o impossível.


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30/08/2017

Crítica do filme: 'O Outro Lado da Esperança'

Vencedor do Urso de Prata de melhor direção no último Festival de Berlim, o cineasta finlandês Aki Kaurismäki (do excelente O Porto), volta as telonas explorando todo o alcance do tema dos refugiados em filme com um roteiro bastante interessante que conta duas trajetórias de vida que se encontram e mudam o destino de ambos. Minimalista e com alma de denúncia, o cineasta aclamado por crítica e público ao longo de sua carreira coloca as cartas na mesa para debates que consomem os noticiários mundiais todos os dias.

Na trama, bastante peculiar e intimista, conhecemos um senhor de idade quase avançada que troca de ramo profissional e resolve ser dono de um restaurante na Finlândia. Além dessa mudança profissional, o cinquentão Wikhström (Sakari Kuosmanen) abandona a esposa e parte rumo ao desconhecido. Ao mesmo tempo, e na mesma cidade, Khaled (Sherwan Haji), um jovem refugiado Sírio acaba tendo seu visto vetado ao chegar na capital finlandesa. Esses dois universos se encontram por acaso e Wikhström resolve ajudar Khaled em sua jornada.

O foco de toda a trama é a questão dos refugiados. Por meio de inserções detalhadas e por uma ótica simples, Kaurismäki (indicado ao Oscar pelo ótimo O Homem Sem Passado) consegue abrir questões importantes usando o cinema como ferramenta de denúncia. Com dois personagens cativantes, opostos ao extremo, um com ar de sonhador com mudança radical de vida aos cinquenta anos e um outro nômade, fugindo dos horrores dos absurdos que gente mal intencionada fez em sua terra, que se entendem pela bondade. O contraponto importante na diferença de idade encaixa as peças com perfeição nesse tabuleiro dramático e que é a verdadeira vida real para muitos habitantes desse nosso planeta.

O Outro Lado da Esperança estreia em breve no território nacional, uma distribuidora excelente está com os direitos dessa pequena obra-prima. É uma história de dor e esperança, sentimentos distantes mas nem tão extremos assim.


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13/08/2017

Crítica do filme: 'Afterimage'

A imagem deve ser aquilo que você absorve. Escrito e dirigido pelo grande Andrzej Wajda, Afterimage, conta nessa cinebiografia a história sofrida de um dos maiores pintores da Polônia, um homem que criou o primeiro museu de arte moderna da Polônia, o segundo da Europa. Encontrando seu destino, escolhendo seu caminho, viveu obstáculos navegando em pensamentos ligados à natureza e ao centro de atenção que nos levam a observação. O roteiro é primoroso, caminhamos em uma Polônia quase destruída intelectualmente, Wajda capta magistralmente a dor e o sofrimento de maneira tão inversa ao superficial, um retrato marcante que fecha com chave de ouro a filmografia de um dos maiores diretores da Europa oriental.

Na trama, vencedora do Grande prêmio do Júri no último Festival de Cinema da Polônia, conhecemos parte da trajetória do pintor polonês Wladyslaw Strzeminski (interpretado pelo excelente Boguslaw Linda, em atuação inspirada), professor carismático e inspirador, parte de um seleto grupo de artistas, que enfrenta o Partido Comunista da União Soviética por conta de seus pensamentos e diretrizes políticas e acaba tendo parte de sua vasta obra retirada de museus e galerias e algumas até destruídas . Mesmo sofrendo essa repressão política, luta pelos seus ideais em uma espécie de reclusão, ao lado de sua única filha, o artista vai sentindo na pele os horrores de uma nova política no seu país.

Na arte e no amor, você só pode dar o que tem. Mesmo tendo um contexto melancólico e deveras triste, por tudo que cerca a vida do ilustre pintor após seus embates com os que comandam o pensamento em sua terra, o filme é poético ao abordar o amor pela arte e todos os inúmeros sentimentos que passa com sua arte. A força de Strzeminski vem de sua arte, que representa quem ele é, e também de seus fiéis alunos. O primeiro arco mostra essa união e toda a inspiração que representa aos estudantes de arte de uma escola referência, do qual foi fundador, em uma Polônia com novas diretrizes políticas e com pensamentos que prejudicam a liberdade artística de pintores e outros mestres da arte.

Na vanguarda de sua arte, impõe seus pensamentos sobre o que define ser uma obra artística. Deficiente de um braço e uma perna, oriundo de batalhas da primeira grande guerra, já no segundo arco começa a sofrer por seus ideias políticos e de pensamentos sobre o que é arte, levando-o a um caminho sem volta pela sobrevivência em uma época de recessão e medo. Sua relação com a família, nem tanto explorada, fica reduzido a Nika (Bronislawa Zamachowska), sua única filha que passa por todas as dificuldades com seu pai sempre demonstrando muito carinho e admiração por ele.


O filme, que estreou no Festival de Toronto, marca a despedida nas telas do grande cineasta Andrzej Wajda, um dos mais marcantes da filmografia europeia, que faleceu, aos 90 anos, em outubro do ano passado. Wajda, ganhador do Oscar Honorário pelo conjunto de sua obra no ano de 2000, sempre focou em suas obras na política e história da Polônia, levando para telas de todo mundo um pouco de sua visão sobre vários contextos históricos que seu país passou. Em Afterimage, título não traduzido que chega ao mercado exibidor brasileiro no próximo dia 17 de agosto, não é diferente. O fim de uma carreira emblemática, usando a sétima arte como ferramenta de denúncia e do não esquecimento sobre a história de um país que viveu de perto.
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30/06/2017

Crítica do filme: 'Monsieur & Madame Adelman'

Se você fosse um livro, pensaria nas melhores palavras. Debutando na direção de um longa-metragem após trabalhos como roteirista e ator, o cineasta Nicolas Bedos (também um dos protagonistas desse filme) pisa com o pé direito em sua estreia. Monsieur & Madame Adelman é contagiante, sensual, levanta polêmicas e argumentos importantes sobre inusitadas visões sobre relacionamentos, seja esse como for. Com uma trilha sonora absolutamente fantástica e um casal de protagonistas praticamente impecáveis, o longa percorre décadas de um relacionamento sem deixar de mostrar todo o contexto de um planeta que viveu muitas modificações ao longo do tempo, assim como essa linda história de amor.

Na trama, logo em seu início tem um funeral de um escritor importante no mundo da literatura francesa, por isso, um jornalista é enviado até lá para entrevistar a companheira dele de toda uma vida. Com o gravador ligado, começa essa inesquecível história, com muitas verdades e uma impactante reviravolta. Assim, conhecemos mais detalhadamente Victor (Nicolas Bedos) e Sarah (Doria Tillier) um casal apaixonado que vão viver juntos durante décadas em busca de realizações, um lar feliz, desejos profissionais sempre um dando muito apoio ao outro mesmo com todos os problemas que ocorrem. Essa saga de romance moderno (feminista com boas pitadas), começa na década de 70, onde, Sarah conhece Victor em uma decadente boate de Paris e se apaixona perdidamente. Nos meses seguintes, há o primeiro desencontro e eles voltam a se encontrar para viverem toda uma vida tendo o outro ao lado. O longa é dividido em 14 capítulos, ao longo de 120 minutos de projeção, tem uma pegada sexy, é envolvente, misturando hilários diálogos e situações inusitadas. E, talvez o melhor de tudo, um final arrebatador que deixará o público bastante surpreso.

Você se parece com você. É linda como você. Antes de mais nada, é importante frisar: Monsieur & Madame Adelman é uma história de amor. Nas idas e vindas desse casal e todos os fatos preponderantes na vida deles, principalmente os sucessos literários do romântico e complexo Victor (que escreve muitas vezes em primeira pessoa, escrevendo sobre muitos que o cercam causando certo receio e atitudes impensadas de alguns), Sarah se torna o centro dessa saga romântica pois todo o ímpeto desajustado de Victor chega com impacto nas emoções da protagonista. O roteiro, longe de ser delicado, opta pela verdades de seus personagens, sem esconder uma vírgula de personalidade, erros e acertos. As viradas na trama são abruptas e chocantes onde o público fica ansioso aguardado o próximo passo desses inesquecíveis personagens. Somos testemunhas de uma autópsia cruel e árdua sobre a arte de manter um relacionamento.

O que cerca os personagens chega por meio de atitudes dos mesmos. Os altos e baixos de Victor, muito incompreendido por sua rica família se vê amado pela família de Sarah e assim fica mais seguro para seguir no relacionamento. Vemos cenas lindas de declarações ao longo desse tempo que ficam juntos, brigas também fazem parte e atitudes desesperadas/incontroladas de um jovem escritor que desafia suas angústias e sua baixo estima a todo instante mesmo tendo uma forte, fiel e companheira ao seu lado. Os desabafos de Victor com seu psicólogo ao longo do tempo são hilários e passam um verdadeiro raio-x sobre a personalidade conturbada do escritor, suas angústias e o reflexo das situações que vai vivendo refletem em uma última cena hilária com seu psicólogo mais velho no leito de um hospital. Já no último arco, na terceira idade e com a saúde de Victor debilitada podemos notar mais claramente o trabalho impressionante de maquiagem.

As ações de Sarah são preponderantes na vida do casal, ela comanda o cotidiano seja no lado profissional do marido, seja no lado familiar do casal. Com a chegada dos filhos, com tratamento oposto de Victor em relação ao primeiro filho do casal principalmente, Sarah segue firme e forte na luta por uma boa harmonia. Há uma linha de interseção entre sucesso e desastre que é bastante explorada, tornando-se um paralelo às antigas tragédias gregas que muito conhecemos. Segredos são revelados já no desfecho e assim conseguimos juntar as últimas peças que faltavam desse relacionamento que rompeu barreiras em busca de uma certa felicidade.

Lançado na França bem recentemente, em meados de março desse ano, Monsieur & Madame Adelman chega ao Brasil no próximo dia 06 de julho. Podemos considerar, já na metade de 2017, que esse belo trabalho é um dos filmes inesquecíveis que você verá esse ano nos nossos cinemas.



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