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04/11/2024

Crítica do filme: 'A Substância'


Um dos filmes mais interessantes desse segundo semestre de 2024 é sem dúvidas: A Substância. Explorando de forma aterrorizante inconsequências rumo as derrapadas sombrias dos pensamentos que se chocam na realidade, acompanhamos em intensos e tensos 140 minutos de projeção uma série de reflexões sociais, críticas evidentes e pelas entrelinhas. Uma bomba relógio que mete o dedo nos deslizes da sociedade, nos padrões de beleza, na mídia e nas camadas incontroláveis do inconsciente.

Na trama, conhecemos Elisabeth (Demi Moore), uma artista que vive seu presente longe dos holofotes e fama de outros tempos. Em total declínio na carreira, um dia é convidada a participar de um experimento com uma substância que replica células criando assim uma nova versão, e mais jovem, de si mesma. Assim, surge Sue (Margaret Qualley). Embarcando nessa, Elisabeth perceberá que as consequências tomam um caminho sem volta.

Escrito e dirigido pela cineasta francesa Coralie Fargeat, A Substância é um filme que demora a sair de nossas memórias. Usa do chocar e do poder de assuntos que se mostram amplos para debates sobre a sociedade de consumo, dos equívocos da moral, entre outros. Tudo isso é feito numa narrativa imersiva que contorna a psicologia de uma mente em conflito que se apoia na necessidade de aceitação.

O ambiente claustrofóbico onde o clímax causa mais impacto vira um espelho de pensamentos, um reflexo das idas e vindas dos pensamentos enclausurados que tem a chance de nascer numa realidade através de uma oportunidade repleta de inconsequências. Seguindo nessa linha do ‘até as últimas consequências’ o público tem a chance de refletir através do sinistro, das personificações que levam esse drama a patamares da alta tensão.

Chocante e com atuações fantásticas – Demi Moore com altas chances de estar indicada as principais premiações do cinema - esse longa-metragem chegou na MUBI após uma rápida passagem pelo circuito exibidor.


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20/09/2024

Crítica do filme: 'Caminhos Cruzados'


Momentos que fazem sentido no viver. Colocando na mesma balança o acaso e o destino, o longa-metragem europeu Caminhos Cruzados apresenta através de uma forte protagonista um novo olhar para o mundo e as renovações de felicidade que a vida pode nos trazer quando menos esperamos. Escrito e dirigido pelo cineasta sueco Levan Akin, o projeto parte do sofrimento de uma busca, por onde segue todo o discurso, sem deixar de preencher outros tantos.

Na trama, conhecemos Lia (Mzia Arabuli), uma professora de história aposentada moradora da cidade de Batumi, localizada no Mar Negro, na Geórgia, que está em busca da sobrinha, sua única família. Ela acaba se juntando a Achi (Lucas Kankava) um jovem perdido com o que fazer com sua vida, que sabe seu paradeiro. Assim, ambos atravessam a fronteira do sudeste do país, com a Turquia, que na visão de alguns é uma terra de oportunidades. Chegando lá, terão muitas descobertas.

Nessa belíssima viagem pelos contrastes nas formas de viver e até mesmo entender as próprias trajetórias, partimos de uma realidade local – e muito distante de nós – um lugar onde a esperança está pelas suas fronteiras. Nesse ponto, - já com nossa atenção voltada pra tela - somos convidados a conhecer histórias através de dois personagens com faixa etárias diferentes, visões de mundo infinitamente não semelhantes, que precisam unir forças por um objetivo. A narrativa brilhantemente então nos guia, até o nascimento de uma amizade improvável, onde o sentido de família e suas interpretações ganham fôlego.

O amplo contexto social e cultural que o filme propõe se torna um dos grandes méritos, muitos desenrolares se aprofundam tendo essa referência. A partir do já mencionado sofrimento de uma partida, a protagonista se choca com um novo olhar para o que esteve sempre por ali, por perto. Mas essa mudança não se restringe só a ela, para Achi também. Belíssimos diálogos e cenas marcantes validam toda essa transformação dos dois personagens.

Caminhos Cruzados, esse poderoso retrato cultural, movido à choques de vivências, onde a inconsequência reina por um instante, carrega o público para um tour de emoções escondidas, pelo iminente compreender, pelas verdades que se mostram presentes quando as possibilidades de felicidade surpreendem trajetórias.  


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12/09/2024

Crítica do filme: 'Às Vezes quero Sumir'


As descobertas rumo ao desabrochar. Contemplando um estado de solidão, dando sentido ao mesmo através do olhar sensível e imaginativo de uma intrigante protagonista, Às Vezes Quero Sumir, novo trabalho da cineasta Rachel Lambert, se joga com muita inteligência no abatimento de uma visão triste do mundo reunindo peças para se chegar em uma autodescoberta de curtos passos. Um filme reflexivo, com ótima direção e uma brilhante atuação de sua protagonista.

Na trama, conhecemos Fran (Daisy Ridley), uma jovem introspectiva que trabalha em um escritório numa cidadezinha norte-americana. Seu cotidiano é pacato, prefiro ficar sozinha na maior parte do tempo, presa em pensamentos quase indecifráveis mas que dizem muito sobre seu estado de espírito. Certo dia, com a chegada do novo funcionário Robert (Dave Merheje), algo desperta nela e começa a perceber que as peças para se encaixarem para algum tipo de final feliz é preciso dedicação e um querer sobrepondo medos e receios.

Costurando interessantes metáforas que nos levam ao inconsciente de uma pessoa nitidamente em conflito com si mesma, somos convidados para um passeio rumo ao passo atrás de um possível ponto de virada de vida. Através da variável nova em sua bolha involuntária, Fran, peça fundamental de uma narrativa lenta, que preza pelos detalhes e pausas para reflexões, se constrói dentro de um silêncio que de alguma forma ilustra seu pensar, seu agir, num profundo mix de emoções.

As diversas interpretações que o filme pode causar só enriquecem o brilhante roteiro. A manipulação do abstrato em imagens marcantes ganham reais sentidos fazendo a curiosidade saltar aos olhos do público. A ebulição dos pensamentos, das emoções de uma introspecção aparente mas que desabrocha com um movimento de um acordar, muitas vezes em diálogos maravilhosos, chegam como contraponto de uma personagem que personifica a realidade de muitos no observar os detalhes do dia a dia com a frieza de um alguém sem esperanças. Para alguns, pode ser fácil se conectar.

Rodado todo na cidade de Astoria, no Estado de Oregon, Às Vezes Quero Sumir se camufla na simplicidade para nos apresentar complexidades de um mundo que cada vez mais nos mostra os conflitos em relação as necessidades de interação e as interpretações dos lados da moeda que podem surgir através de alguns dilemas.


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03/09/2024

Crítica do filme: 'A Hipnose'


Uma sátira mais que certeira sobre a hipocrisia alheia. Buscando fora da caixa sair das mesmices de outros melodramas com pitadas satíricas e ácidas, o longa-metragem sueco A Hipnose caminha pela desconstrução de uma protagonista que estava em crise e nem sabia. Através de linhas de um roteiro ácido, debochado, que diz verdades pelas entrelinhas, somos levados até as verdades de um relacionamento que também esbarra nas hipocrisias culturais de um mundo que busca o real sentido de algo impossível: a normalidade.

Na trama, conhecemos os sócios e namorados Vera (Asta Kamma August) e André (Herbert Nordrum) que estão prestes a conseguir alavancar um importante investimento para o aplicativo que criaram, focado na saúde das mulheres. Em paralelo, buscando parar de fumar, Vera resolve ir até uma hipnoterapeuta, fato esse que mudará sua maneira de enxergar a bolha em que vive e também suas relação sociais, se tornando o estopim para situações em meio a uma viagem de negócios. 

Os deslizes da moral são vistos aos montes, aqui muitas vezes camuflados por atitudes e ações fora do padrão estabelecido por uma cultura que preza pelo capitalismo e esquece das simplicidades das relações humanas. Esse enorme experimento social, entre seus muitos méritos, possui uma trilha sonora bem encaixada complementar a uma narrativa envolvente que de forma certeira e contundente prende a atenção dos espectadores.

Escrito e dirigido por Ernst De Geer, A Hipnose nos faz pensar sobre um mundo que corre num paralelo onde muitas vezes não o enxergamos. A partir de dois personagens em conflitos que se sucedem, dentro da relação estabelecida de namorados e sócios, acompanhamos com muita atenção e curiosidade uma disputa com tons cômicos, guiado pelo constrangimento onde logo se chega as novas maneiras de pensar e agir. Esse mar de desconstruções é o ponto alto desse longa-metragem disponível na Mubi.


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13/07/2024

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Crítica do filme: 'O Mal não Existe'


A natureza e suas possibilidades. Vencedor do Leão de Prata no Festival de Veneza do ano passado, o novo trabalho do excelente cineasta japonês Ryusuke Hamaguchi, bem longe de ser um filme comercial, opta por uma narrativa densa onde apresenta confrontos que envolvem o meio ambiente e seu equilíbrio. A partir de uma pequena aldeia, onde a água é muito importante, e os prováveis impactos de um empreendimento criado por gestores ignorantes sobre a região, O Mal não Existe apresenta fortes argumentos com inúmeros paralelos com a realidade construindo suas perspectivas através de olhares conflitantes.

Na trama, acompanhamos um homem que mora numa região gelada de apenas 6.000 habitantes no interior do Japão. Ele vive com sua filha e trabalha como uma espécie de faz tudo da região, além de ser um grande conhecedor do lugar. Quando uma empresa de Glamping (algo como um acampamento confortável) resolve criar um empreendimento no lugar, uma área para turistas vindos principalmente de Tóquio, o protagonista e moradores entram em desacordo com a empresa.

A relação dos seres humanos com a natureza é algo bem explorável nesse roteiro contemplativo. É preciso paciência, as peças vão se montando aos poucos e cada detalhe é fundamental. As pausas para o refletir se somam às reflexões em relação a ação do homem na natureza e os impactos disso em uma sociedade. Muitas variáveis dão a sensação de comporem um enorme tabuleiro, um jogo da vida onde o capitalismo sempre arranja força para derrubar o que sempre esteve presente. Mas aqui, a luz chega com a resistência.

De um lado famílias que vivem do que a natureza produz, do outro ações desenfreadas, no caso, atrás de subsídios do governo pós-pandemia. Mesmo num dos países mais desenvolvidos do planeta, a ação do homem abraçado à ganância tira da zona de conforto qualquer resolução trivial. Pensando como obra cinematográfica, há uma ponte que pode gerar reações diversas, que liga o certeiro discurso a concepção audiovisual. A mensagem está nítida mas a maneira como se entrega ela vai depender da paciência do espectador.

Com uma impactante trilha sonora composta pela artista Eiko Ishibashi, que já trabalhara com o diretor no sucesso mundial Drive my Car, o cinema como crítica social alcança sua força através do olhar sensível de um dos cineastas japoneses mais elogiados da atualidade.



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23/03/2024

Crítica do filme: 'Gosto de Sangue'


Até o limite das inconsequências. Escrito e dirigido pelos irmãos Joel Coen e Ethan Coen, em meados da década de 80 chegava aos cinemas um filme que mostra relações repletas de tensão onde mal entendidos viram desconfianças trazendo a violência e várias de suas formas permeando as trajetórias de personagens que se desprendem da felicidade de forma constante. Gosto de Sangue é um retrato sobre a psicopatia, o desprezo pelo outro, em uma narrativa submersa a detalhar cada canto de conflitos que estão em iminente rota de colisão. O filme marca a estreia nas telonas da três vezes vencedora do Oscar de Melhor Atriz Frances McDormand.

Na trama, conhecemos Marty (Dan Hedaya), o dono de um bar no Texas que descobre a traição da esposa Abby (Frances McDormand) com Ray (John Getz), um funcionário do estabelecimento. Tomado pelo ódio, contrata um detetive inescrupuloso (M. Emmet Walsh) para matar a mulher e o amante. Só que uma série de situações começam a acontecer, com errôneas verdades impostas por achismos.

As reflexões sobre o lado psicológico dos personagens é uma ferramenta importante dessa engrenagem. Tudo é muito bem construído. A crueldade de alguns desses, está associada à uma ingenuidade, outros ao desprezo pelos valores morais. O limite emocional é o ponto de chegada onde limites são cruzados e o caos dos conflitos internos reina sobre as ações. A traição, a vingança são as consequências.

Uma mulher em busca da felicidade com um novo amor, um marido possessivo, um amante que se coloca em uma posição de incertezas, um detetive condenável. Mexendo esses elementos em uma trama que envolve o acaso como ponto intercessor, os irmãos Coen, com certo brilhantismo e uma direção primorosa, conseguem navegar em gêneros cinematográficos, de filme policial aos poucos vai se tornando um sufocante suspense que caminha de forma imprevisível para um desfecho marcante.


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20/02/2024

Crítica do filme: 'Reality'


A verdade e a lei. Baseado numa peça teatral do ano de 2019 chamada This A Room, e filmado em apenas 16 dias, o interessante filme Reality nos mostra um interrogatório feito com uma especialista em linguística da inteligência norte-americana acusada de vazar informações que culminaram na exposição de dados que expôs a possível interferência russa nas eleições norte-americanas em 2016. Escrito e dirigido pela norte-americana Tina Satter, o filme possui uma narrativa intrigante, com eficácia no uso da linguagem cinematográfica, buscando interpretações aos conflitos emocionais em todos os momentos.

Na trama, conhecemos Reality (Sydney Sweeney), uma veterana da força aérea dos Estados Unidos, instrutora de Yoga, que trabalha como tradutora numa agência de segurança norte-americana. Um dia, ao voltar de compras, é cercada por agentes do FBI com um mandato para revistar sua casa, seu carro e possuem informações de que ela vazou informações secretas para um famoso site. Ao longo de 83 minutos, com o nervosismo sendo exposto a cada minuto que passa, vamos vendo a sequência de um interrogatório feito na própria casa da suspeita.

Exibido no Festival de Berlim do ano passado, o projeto nos joga para junho de 2017 em uma cidade norte-americana onde a suspeita reside e trabalha. A cronologia dos fatos, baseado em acontecimentos documentados pelo FBI e assim recriados na íntegra do que tinha nessa gravação feita pela agência federal norte-americana, nos leva para a mente dessa jovem de vinte e poucos anos e uma pergunta que persegue toda a narrativa: Qual o motivo dela ter vazado as informações?

O caso coloca ao público dilemas políticos, da lei, da exposição da informação pelo recebedor, e dos valores do indivíduo em relação ao seu ponto de vista do presente da sociedade que o cerca. O papel da mídia e seus debates políticos beirando ao sensacionalismo parecem ter sido uma parte do iceberg que vai aparecendo e obviamente se seguem com a revelação da história. A condução do interrogatório também chama a atenção, munidos de informações certeiras os agentes da lei parecem querer descobrir tudo que cerca o fato. A exposição de Reality como fonte pelo jornal online independente parece uma certeza e gera debates.

Dizer as verdades através do campo da indignação não é uma forma de dividir um problema que afeta a todos? O projeto deixa perguntas no ar, principalmente sobre o que nós faríamos se estivéssemos nessa situação. E não podemos esquecer do fabuloso trabalho de Sydney Sweeney como protagonista. Reality é um filme para assistir e se debater sobre, muitas questões importantes são levantadas.


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16/02/2024

Crítica do filme: 'Amores Expressos'


Tudo tem prazo de validade? Até mesmo o amor? Trinta anos atrás, o genial cineasta Wong Kar-Wai lançaria um dos seus filmes mais marcantes que traça uma análise pulsante sobre a necessidade de fuga do sofrimento, do pensar, com personagens solitários em conflito em meio a uma Hong Kong que não deixa um minuto de crescer. A narrativa se alimenta de um jogo de câmeras constante, próximo dos personagens, encontrando sentido em tudo que se movimenta. Uma obra-prima de um dos diretores mais impressionantes do oriente.

Na trama nos joga em um par de momentos. Primeiro um jovem policial de pouco mais de 20 anos, à beira do desespero com um término recente adquirindo inclusive hábitos estranhos envolto na sua loucura obsessiva que tem seu destino cruzado em um bar onde conhece uma criminosa que se mete em uma enrascadas após ser passada para trás. Num segundo momento, conhecemos um outro policial que fora abandonado por uma aeromoça, um amor relâmpago visto de formas diferentes pelos dois, que acaba tendo seu caminho impactado por uma jovem que trabalha em um pequeno restaurante.

Mudar pode levar um tempo. Dividido em duas partes, como se fossem dois filmes complementares na sua essência em um só, acompanhamos as reflexões sobre o estado de solidão de pessoas que buscam soluções para seus respectivos desvios do encarar de frente as dores, aqui também leia-se a rejeição e o término. À espera de algo que nunca chega da maneira como imaginam, precisam lidar com a imprevisibilidade ou mesmo um sopro de esperança em meio ao dinamismo de uma cidade em evidentes mudanças.

Rodado em 23 dias e finalizado em apenas três meses, Amores Expressos foi filmado por dois diretores de fotografia diferentes, cada um ficou com uma parte da história. A estética do filme chama a atenção, um emaranhado de cores remete as aflições e conflitos emocionais dos personagens. Fatores esses que colocam a narrativa na sintonia do discurso e transformando esse projeto em uma obra-prima que inspira até hoje cineastas de todo o mundo.



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28/12/2023

Crítica do filme: 'Close'


A tragédia e o recomeçar. Indicado da Bélgica ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro no ano passado, Close é uma jornada amargurada que coloca em dois lados de uma gangorra emocional em um recorte que escala de forma profunda as linhas tênues entre o amor e a amizade aos olhos da imaturidade. Segundo trabalho do cineasta Lukas Dhont, o projeto é pura emoção do início ao fim guiado por uma narrativa repleta de conflitos emocionais, confrontos que amadurecem, que apresenta o trauma e as maneiras de seguir em frente.


Na trama, acompanhamos a forte amizade entre adolescentes, Leo (Eden Dambrine) e Remi (Gustav De Waele) que andam juntos por todos os lados. Quando o primeiro começa a se afastar do segundo, um acontecimento trágico abala toda a cidade. Buscando forças para entender alguns porquês e seguir em frente, Leo enfrentará uma caminhada de aprendizado sobre o viver.


Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cinema de Cannes, o longa-metragem indicado para mais de 60 prêmios em todo o mundo diz muito pelas entrelinhas, e aí as interpretações são diversas. Assim podemos chegar em conflitos emocionais profundos que passam os protagonistas, dois amigos que fazem tudo juntos, que acabam sofrendo com o bullying, fato esse que se torna uma ruptura muito pela incapacidade de um deles de entender algumas questões. Mas qual os motivos para tal olhar malicioso?


A investigação sentimental, epicentro do discurso contundente que o roteiro transborda ganha novos olhares como as das famílias do jovens, principalmente da mãe de Remi, Sophie (Émilie Dequenne, em atuação impecável), uma mulher também em buscas de respostas precisando se reconstruir emocionalmente. Transformar em cinema o abstrato dos sentimentos não é algo fácil mas a narrativa posiciona elementos como se fossem mais alguns personagens. Um exemplo é a culpa, algo marcante por aqui, um elemento que frequenta as sequências, quase uma personificação das ações. Os diálogos entre Leo e Sophie sobre algumas dessas questões são de cortar o coração.


Sensível e impactante, Close, brilhantemente dirigido por Lukas Dhont, é uma caminhada rumo as aprendizados da vida que vai gerar interpretações diversas.



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27/12/2023

Crítica do filme: 'Aloners'


Quantas pessoas são felizes em uma multidão? Explorando fortes vértices dos reais sentidos do que podemos definir como solidão, o longa-metragem sul-coreano Aloners é aquele tipo de filme que você precisa ter paciência até ele acontecer. A construção narrativa caminha pelas águas marejadas da melancolia tendo como pilar uma protagonista introspectiva, calada, que parece conviver bem com sua solitude. Dirigido pela cineasta Hong Seong-eun, o projeto joga seus holofotes para o indivíduo numa visão macro inserido em um mundo de constantes necessidades na questão das relações interpessoais.


Na trama, conhecemos Jin Ah (Jeong Da-eun), uma jovem solitária, que não gosta de interagir, passando seus dias no trabalho, um call center de uma empresa de cartão de créditos, um emprego onde ninguém percebe sua ausência. Ela opta pela sua rotina igual todos os dias do que se jogar na vida e interagir com os outros. A mãe faleceu recentemente e o pai que a abandonou por quase duas décadas voltou faz pouco tempo para os momentos finais da mãe tempo suficiente de ficar com a herança toda. Certo dia, um estranho acontecimento a faz ampliar seu leque de percepções.


Com um faturamento de menos de 90 mil dólares em bilheterias nos cinemas que foi lançado mundo a fora, algo bem baixo para qualquer produção com pretensões comerciais, esse longa-metragem parece querer conversar com o espectador sobre as linhas tênues do viver em sociedade, da iminência do precisar do outro, dos medos que uma hora aparecem de viver em eterno repouso. Exibido no Festival de San Sebastian em 2021, o filme causa essa reflexão social na questão do se expor. Em um mundo tão conectado, cheio de urgências insignificantes, onde a ansiedade se torna um grave problema, pode uma pessoa viver desconectada dos outros?


Será isso fruto de uma defesa? Algo próximo de uma proteção contra um passado com conflitos mal resolvidos? A investigação sobre a essência da protagonista nos leva ao confronto entre a solidão e a solitude, esse último num sentido de estado de privacidade. Assim percebemos as barreiras dos traumas, a comunicação agressiva com o pai e o fechar de portas para amizades. A narrativa caminha pelo olhar e seus desenrolares tendo como ponto fixo sua protagonista. Para quem se interessar, o filme está disponível no catálogo da MUBI.



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Crítica do filme: 'Doente de Mim Mesma'


Uma lupa no narcisismo. Indicado para Mostra Um Certo Olhar no Festival de Cannes em 2022, o longa-metragem norueguês Doente de Mim Mesma explora um retrato caótico sobre o egoísmo, o narcisismo, a inconsequência de uma protagonista e sua necessidade obsessiva por atenção. Escrito e dirigido pelo cineasta Kristoffer Borgli, a narrativa, de forma acertada e eficiente, nos leva para um verdadeiro tour pela mente conturbada de uma mulher com um sério transtorno de personalidade gerando reflexões por todos os lados.

Na trama, conhecemos Signe (Kristine Kujath Thorp), uma jovem que está em um relacionamento com o artista Thomas (Eirik Sæther). Os dois vivem juntos faz algum tempo e possuem uma relação estranha, repleta de disputas, competitiva ao extremo. Quando Thomas começa a fazer muito sucesso na sua área, Signe entra em um colapso emocional e começa a fazer de tudo por atenção rumando rapidamente para um show de situações constrangedoras.

Uma pergunta que pode chegar na sua reflexão é: O projeto aborda um transtorno de personalidade? A resposta é: Sim! O narcisismo é considerado um transtorno mental, já estudado por Freud e parte dos estudos da teoria psicanalítica. Aqui nesse longa-metragem, a associação ao termo mencionado é profunda, com riqueza de detalhes, além de associações brilhantes com suas alucinações que nos mostram seus pensamentos, sua mente compulsiva. Isso tudo fruto de uma narrativa inteligente que guia o espectador de forma didática a complexidades da mente humana.

O roteiro tem o mérito de conseguir chegar até as consequências para a personagem por meio de uma narrativa que se joga na estrada sempre difícil da perspectiva única, aqui de uma protagonista guiada pela sua montanha russa de emoções. Corroendo relações com os próximos, praticamente inventando novos personagens de si mesma numa bolha criada onde não há espaço para o outro, sofrendo com uma disputa imposta no próprio relacionamento, chegamos nas consequências dos atos onde lacunas de alguns porquês são precisamente preenchidas. Mas aqui o entendimento é de cada um.

Doente de Mim Mesma, título mais certeiro impossível, pode ser um visto também como algo mais amplo, até mesmo uma parte do retrato de uma geração que busca a atenção, ser o centro das atenções. A necessidade destrutiva de competição que logo vira inveja e impulsos destrutivos de relações, piorado pelo avanço da tecnologia e principalmente as redes sociais, é um ponto importante para pensarmos sobre nossa sociedade atual e as incertezas de um futuro que é logo ali. Pra quem se interessar, o filme está disponível no ótimo catálogo da MUBI.


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26/12/2023

Crítica do filme: 'Tenho Sonhos Elétricos'


Somos quem podemos ser. Vencedor de três prêmios no Festival de Locarno em 2022, o filme indicado da Costa Rica para a categoria Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2024, nos leva para um recorte profundo na vida de uma adolescente imatura que entra em confronto com os choques, as surpresas, a violência doméstica, a descoberta da sexualidade, as dificuldades do entender ao outro rumando para sentimentos que busca decifrar. Escrito e dirigido pela cineasta Valentina Maurel, em um roteiro baseado em partes na sua própria vida, Tenho Sonhos Elétricos é uma viagem de descobertas a partir de uma premissa simples, a busca por um apartamento de uma filha e seu pai, onde o plano de fundo é uma violência constante, de muitas formas, num mundo de variáveis incontroláveis.


Na trama, ambientada em São José, conhecemos a Eva (Daniela Marín Navarro), uma jovem de dezesseis anos que mora com sua mãe em uma nova casa que está sendo mobilhada depois da separação dos pais. Eva tem uma relação muito próxima com o pai, Martín (Reinaldo Amien), a quem idolatra, mesmo esse sendo violento, brigão, infeliz na profissional de tradutor. Com a necessidade do pai buscar um novo lugar pra morar, Eva busca se aproximar cada vez mais dele e acaba descobrindo e visitando lugares nunca antes confrontados.


Um dos temas importantes para debates que somos apresentados é a violência doméstica. Uma situação que acontece em muitos lares em todo o mundo, infelizmente. Assim entramos numa análise mais ampla na relação de pai e filha, tendo a comunicação agressiva como elo para as descobertas. O convívio mais próximo com os impulsos descontrolados do pai, um completo perdido no campo emocional, se jogando no precipício da inconsequência quando não consegue resolver os problemas que se amontoam no cotidiano, que mais parece andar em círculos ao longo dos seus dias sem esperança, parece ser o gatilho para Eva entender os porquês da separação.


As descobertas de um, viram certezas para o outro. A raiva que nos atravessa também não nos pertence? A mãe, outra variável importante nessa narrativa, sofre com a distância com a filha, totalmente combativa com a mãe. Tudo que acontece ao longo dos 102 minutos de projeção parece apontar para um desfecho de reconciliação entre mãe e filha.


As lentes de Daniela Marín Navarro nos mostram com toda força e riqueza de detalhes a explosão de sentimentos que são provocados, nos sentimentos dentro daqueles quadrados mostrados, como testemunhas de uma imaturidade que logo vira oportunidade para entender muitos dos porquês que a cercam. Há também espaço para outras descobertas da protagonista, como a da sexualidade. A narrativa caminha numa visão introspectiva de uma protagonista que vai desabrochando quando confrontada com as verdades que a cercam.


Tenho Sonhos Elétricos amarra o desgaste emocional, longe de qualquer esperança, dentro de um paralelo dos reflexos e exemplos que chegam do próprio pai. As vezes, passando pela tempestade é que entendemos os medos que chegam pelo olhar do outro. Pra quem quiser conferir, o filme está disponível no catálogo da MUBI.



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21/12/2023

Crítica do filme: 'Ninjababy'


Os rabiscos de uma porta que se abre para a maturidade. Com uma narrativa envolvente, onde, por meio de ilustrações traça-se paralelos com as emoções conflitantes que passa a protagonista no seu presente repleto de dúvidas, o longa-metragem norueguês Ninjababy é um pot-pourri de reflexões sobre a chegada da maturidade tendo como elemento central uma jovem com a mente fértil, imaginativa, que descobre estar grávida de 6 meses. Baseado na história em quadrinhos Fallteknikk, de Inga Sæthre, o projeto navega sua ampla narrativa pelos espelhos das emoções dos personagens.


Na trama, conhecemos Rakel (Kristine Kujath Thorp), uma jovem de vinte e poucos anos que parece perdida na vida, lotando sua agenda semanal com inúmeras festas após abandonar o curso de designer gráfico. Certo dia, ela descobre de maneira surpreendente estar grávida, fato que a faz entrar em uma zona de reflexões nunca antes frequentada. O aborto, a adoção, são alguns dos temas que envolvem seus primeiros impulsos sobre o que fazer. Inclusive, começa a conversar com o desenho que fez do seu futuro filho no qual batiza carinhosamente de Ninjababy. Em paralelo a isso, personagens entram nessa história: um pai que não quer assumir a responsabilidade, uma irmã na esperança de ser mãe, um pretendente amoroso que parece chegar na sua vida no momento mais difícil dela.


Uma história de amor? De amadurecimento? Sobre maternidade? Ninjabbay é muito mais que isso, se consolida aos poucos como um profundo recorte de uma mulher e uma auto análise sobre sua vida até ali. As variáveis que a cercam: seu lado profissional paralisado, sua vida amorosa sem compromissos, se transformam em metáforas sobre a vida. O espectador se torna um ouvinte de suas aflições, seus medos e principalmente suas inseguranças, fruto de uma narrativa empolgante que faz rir e chorar em fração de segundos. Quando as dúvidas sobre a gestação começam a aparecer, algo que se torna um eterno clímax no filme, será que testemunhamos o início de um amadurecimento necessário para lidar com a situação? Ta aí uma pergunta para se pensar!


E por falar em narrativa. De maneira arriscada mas com uma solução final brilhante, os espelhos das emoções dos personagens são compostos por ilustrações, enormes diálogos entre mãe e seu futuro filho. Parece loucura mas tudo se encaixa na mais perfeita harmonia ainda mais com uma direção impecável da norueguesa Yngvild Sve Flikke. Ninjababy está disponível no ótimo catálogo da MUBI.

 



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13/10/2023

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Crítica do filme: 'How to Have Sex'


Recortando a juventude e as badalações de uma fase de transição para a vida adulta com um alvo em expectativas, além de toda a frustração que chega de forma traumática, How to Have Sex é um poderoso drama que encosta no suspense, nos abalos psicológicos provocados pela violência contra a mulher. Dirigido pela cineasta britânica Molly Manning Walker, de apenas de 30 anos, em seu primeiro longa-metragem, o projeto tem uma reviravolta angustiante trazendo a reflexão sobre um forte tema.


Na trama, conhecemos três adolescentes britânicas que já pensando no futuro após a conclusão do ensino médio embarcam em uma viagem para Mália, na Grécia, um lugar paradisíaco de aventuras, bebedeira, possibilidades de relações. Só que uma delas, Tara (Mia McKenna-Bruce), começa aos poucos a perceber que a alegria e descobertas que esperava se transforma num enorme pesadelo com abalos traumáticos que levará por toda a vida.  


A narrativa esconde muito bem o que de fato traz pra refletir. O primeiro ponto é a amizade, um laço profundo aqui representado por três amigas que no meio do descontrole de um lugar sem limites vão descobrir mais sobre uma a outra. A sexualidade, a ação e inconsequência, a inveja, são tópicos que se somam. Poderia ser mais um filme sobre a juventude e o descontrole de ações impensadas. Mas o filme é muito mais que isso. Após um fato, a grande reviravolta do roteiro, começamos a caminhar no desespero de uma personagem que revela sua aflição pelo olhar e não se sente bem mais ali naquele lugar, transformando a alegria em uma marca para sempre de tristeza e aflição.


Um novo olhar para o mundo chega para Tara, a real protagonista dessa história. E tudo isso é mostrado com sequências que parecem confrontar sua nova visão sobre as relações, sobre os homens, o consentimento, o sexo, sobre o lugar onde está e também sobre as amizades com as duas amigas. A direção de Molly Manning Walker é estupenda, capta as emoções com maestria juntamente com uma trilha sonora que parece chegar como um complemento para tudo que assistimos.


Premiado no Festival de Cannes 2023, How to Have Sex estreia dia 15 de novembro nos cinemas e logo após entra no catálogo da MUBI.



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28/08/2023

Crítica do filme: 'O Despertar de um Homem' *Revisão*


A fuga como arma para fugir da desilusão. Trazendo para debate e reflexões a trajetória de uma profunda e sensível relação de amor, carinho e esperança entre uma mãe e seu filho, chegava 30 anos atrás nos cinemas de todo o planeta a primeira grande aparição do hoje aclamado ator Leonardo DiCaprio, O Despertar de um Homem. Baseado na obra This Boy's Life: A Memoir, de Tobias Wolff e dirigido por Michael Caton-Jones, o longa-metragem apresenta uma narrativa que se projeta em um minucioso olhar sobre o processo de rápido amadurecimento, mesmo à mercê das pancadas do destino onde a desilusão se choca com o cúmulo da esperança.


Na trama, ambientada no final da década de 50, conhecemos Caroline (Ellen Barkin) e Toby (Leonardo DiCaprio), mãe e filho, uma única família um do outro, em busca dias melhores que embarcam em um carro antigo rumando para algum lugar incerto. Certo dia, chegam em Seattle e vão parar na minúscula cidade Concrete onde Caroline acredita que encontrou enfim um lar para ela e seu filho se casando com Dwight (Robert De Niro), esse último se mostrava muito amoroso no início do relacionamento mas aos poucos foi se tornando uma pessoa hostil, violenta, imatura, disciplinadora que vive das invejas para justificar sua vida limitada. Com o passar do tempo, o jovem Toby, que gosta de ser chamado de Jack por causa de um de seus escritores favoritos, Jack London, passa por um intenso processo de amadurecimento.


Nos primeiros segundos de filme já somos apresentados aos personagens principais ao som de Let's Get Away from It All na voz de Frank Sinatra, seria esse um indício de que coisa boa viria pela frente? Absolutamente!  Com forte presença de um narrador personagem vamos percorrendo os contrapontos entre sonhos e desilusões de um jovem que mistura rebeldia e um cotidiano repleto de leituras que se torna nômade pelos seus próprios sonhos. Quando a esperança encontra a infelicidade, na relação conturbada de pai e filho que se estabelece, Toby se choca com o machismo (numa época com fortes correntes conservadoras), a sexualidade, as ações e consequências.


Pelo olhar de Toby também encontramos os detalhes do caminho de Caroline, brilhantemente interpretada por Ellen Barkin. Abandonada pelo primeiro marido, que inclusive levou seu filho mais velho junto, busca na força de sua relação com o filho que tem por perto uma razão para não perder a esperança de encontrar um lar aos dois. As desilusões e os obstáculos chegam forte na figura de um mal caráter egoísta que busca conflitos na qualidade dos outros, uma frustração pelas suas próprias não conquistas. Caroline e Toby, se unem cada vez mais em busca da felicidade associada à liberdade deixando muitas lições para todos que conseguem captar as mensagens deixadas pelo caminho.


Com um elenco maravilhoso que tem Chris Cooper, Robert de Niro, Ellen Barkin e Leonardo DiCaprio em uma atuação irretocável, o filme também marca a estreia de Tobey Maguire nas telas do cinema. Pra quem se interessar, o filme está disponível no catálogo da Prime Video.



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19/08/2023

Crítica do filme: 'Holy Spider'


Aos olhos de Deus cada vida é sagrada. Exibido no Festival do Rio 2022 e vencedor do prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes no mesmo ano, o chocante filme iraniano Holy Spider, dirigido pelo cineasta Ali Abbasi (que inclusive dirigiu os dois últimos episódios do aclamado seriado The Last of Us), é um projeto que mostra de forma dura e impactante uma absurda história baseada em fatos reais num país onde as mulheres não tem voz, independência e sofrem preconceitos por todos os lados. As filmagens ocorreram em outro país do oriente médio, na Jordânia, já que no Irã, provavelmente o filme encontraria forte resistência.


Na trama, conhecemos Arezoo Rahimi (Zar Amir Ebrahimi) uma jornalista que já passou por maus bocados na profissão e resolve partir para uma complexa investigação de um possível serial killer de prostitutas que promove o terror na cidade de Mexede, segunda maior em população e situada no nordeste do Irã. Na sua caçada por provas de quem seria esse assassino e contando com a ajuda de um jornalista local, enfrenta todo tipo de desconfiança além de inúmeras situações políticas ligadas ao caso que ganha os olhos da opinião pública.


A narrativa molda seu suspense trazendo os dois lados da moeda e onde o assassino é logo apresentado. Há um olhar para esse assassino, um homem já de certa idade, frustrado por não ser reconhecido por um mártir, psicologicamente perturbado que vê em suas atitudes algo ligado ao sagrado tamanha sua devoção às regras de um país conhecido pela repressão dos direitos humanos. Pela parte da jornalista, onde se desenvolve a maior parte da história, vemos uma forte mulher que sabe que está em território hostil, tendo que enfrentar o machismo e o assédio para que mais assassinatos contra mulheres não ocorram. Uma luta difícil, cansativa. Pela narrativa contornamos detalhes de uma região que reflete toda uma sociedade de difícil upgrade na sua forma de enxergar o não conservadorismo.


Veredito, opinião pública, o caso vira uma enorme questão política com influentes e poderosos se colocando como peças importantes na história. A posição da polícia local chama a atenção, repleto de machismo e jogando olhares de incertezas na investigação da jornalista (muito pelo simples fato dela ser uma mulher). Inspirado em fatos reais, acontecidos entre 2000 e 2001 na mesma cidade onde o filme é ambientado, Holy Spider é um thriller intrigante que joga um enorme olhar para uma sociedade que parece estacionada no tempo. Disponível no ótimo catálogo da MUBI.



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06/01/2023

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Crítica do filme: 'Aftersun'


Uma eterna busca por respostas sobre alguém que achávamos que conhecíamos. Um dos filmes mais dilacerantes que chegaram ao circuito exibidor nos últimos anos, Aftersun nos mostra lembranças de uma mulher sobre um feriado que passou com o pai anos atrás, na época que tinha ainda 11 anos. Há conflitos nesse pai que são aparentes, parece a todo instante controlar-se de algum pensamento, alguma tristeza profunda, algo que o filme se dedica aos detalhes. Depressão? Sim, podemos pensar nessa variável. Escrito e dirigido pela cineasta escocesa de 35 anos Charlotte Wells, em seu primeiro longa-metragem da carreira, o filme muitas vezes acontece no detalhe, quando percebemos a importância daquele momento, tudo isso somado a uma narrativa que deixa nosso refletir respirar. Um trabalho primoroso que vai demorar para sair de nossos corações.


Na trama, conhecemos Sophie (Frankie Corio), uma jovem bastante esperta, curiosa, de recém completos 11 anos, que vai passar férias com o pai Calum (Paul Mescal), que é separado da mãe, na Turquia. Desde a chegada ao local, Sophie registra tudo com uma câmera, as alegrias, as discussões, as dúvidas, as descobertas, os marcantes momentos daquele curto período. Percebemos logo que são lembranças, memórias, com uma carga alta de sentimentos vindos de vários lados.


Durante o filme você se vê perguntando constantemente: o que aconteceu com esse pai? Tudo aqui é importante para você buscar entender as peças embaralhadas da personalidade dele, que tem 30 e poucos anos, e reúne em sua vida algumas frustrações nas quais está preso emocionalmente. Tudo parece ter um significado, como se fosse uma pontinha do iceberg do que dizia internamente, no caos das emoções mais profundas. Por exemplo, a prática do Tai Chi Chuan com o objetivo de meditação e terapia nos mostra uma busca por algum ponto de equilíbrio, algo como se fosse uma segurança para um descontrole dessas tristezas e frustrações constantes.  


Rodado em locações na Turquia, vagamente baseado na experiência pessoal da diretora Charlotte Wells, em um feriado que ela passou com o pai, esse projeto, que demorou quase uma década para acontecer, também gera reflexões sob a perspectiva de Sophie, nos dois momentos de sua vida que parecem entrar em choque em buscas de respostas na tentativa de decifrar o pai, que nos seus momentos introspectivos se fechava sem possibilidades de diálogos.


‘Eu falei demais?’ ‘Eu não disse o suficiente?’ ‘Eu acho que pensei ter visto você tentar.’ Impressionante como a música Losing my Religion, uma das música da trilha sonora, composição da banda R.E.M. , encaixa como uma luva no que assistimos em tela. Há culpa? É saudade? Não há perspectivas de respostas até o desfecho, os arcos conclusivos parecem vir com mais força chegando com alta carga emocional em um clímax interpretativo e repleto de significado, principalmente sobre a importância para a personagem daquelas memórias. Quando deciframos o valor daquelas recordações, nossos corações ficam apertados, como um abraço que nunca termina, uma música que nunca para de tocar.



 

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16/12/2022

Crítica do filme: 'Os Filhos de Isadora'


A dor que desperta movimentos. Exibido no Festival de Locarno em 2019 onde foi o vencedor do prêmio de Melhor Direção, Os Filhos de Isadora nos apresenta um recorte bastante profundo para as interpretações de um solo de dança pelo olhar de quatro mulheres. Escrito e dirigido pelo cineasta francês Damien Manivel, somos testemunhas de uma jornada que começa em outubro e acaba se mostrando algo infinito, cíclico, com o alcance da força do complemento da mensagem dos movimentos que virou arte através de uma eterna homenagem em forma de dança, uma tentativa de transformar uma dor inesgotável em beleza pelos olhos da arte. Um legado deixado para a dança moderna pela coreógrafa e bailarina californiana Isadora Duncan.


A narrativa gira em torno do legado de Isadora Duncan, dançarina norte-americana percursora da dança moderna, e a tragédia que fez parte de sua vida. Ela perdera os filhos pequenos em um terrível acidente às margens do Rio Sena. Sem forças para um simples gesto, com o luto batendo na porta de suas emoções sem folga, criou um solo chamado de ‘A Mãe’. Essa série de movimentos ao longo dos anos tocou corações, profissionais da dança ou não, por onde fora exibido. Aqui em Os Filhos de Isadora, acompanhamos quatro mulheres e suas interpretações e sentimentos sobre esse solo emocionante.


O poder da dança para se refletir sobre um momento. Na busca de paralelos entre as artes, aqui a dança e o cinema, vemos uma série de tentativas para se conseguir unir essa narrativa de dor e sofrimento em algo próprio do artista. A força dos movimento parece dizer tanta coisa, sem uma fala. Os caminhos de cada indivíduo é que os levam para suas interpretações aqui atravessados pelas histórias de cada um.


A tragédia pode se tornar beleza? O abstrato ganha contornos, como se as emoções ganhassem vida através da dança, assim chegamos na saudade, na dor, no aprendizado, no elo de todo um caminho entre pais e filhos.



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23/08/2022

Crítica do filme: 'The Humans'


As reflexões sobre a vida por meio das frustrações das relações. Buscando trazer à luz um engenhoso e instigante abrigo para conflitos familiares, o cineasta e dramaturgo Stephen Karam nos apresenta uma família beirando ao disfuncional em uma reunião repleta de momentos chave. O filme pode ser definido como um recorte intimista, duro, intenso, marcante sobre as relações interpessoais de uma família que chegam em um ponto de erupção de suas emoções cada qual nos seus dramas individuais que de alguma forma afetam como um todo. Disponível no ótimo catálogo da MUBI, o projeto é baseado numa famosa peça da Broadway, onde inclusive a atriz Jayne Houdyshell ganhou um Tony (o Oscar do teatro norte-americano) por sua atuação.


Na trama, acompanhamos a reunião de uma família para comemorar o dia de ação de graças no novo apartamento duplex do casal Brigid (Beanie Feldstein) e Richard (Steven Yeun) no centro de Manhattan. Novo porque eles estão a pouco tempo lá, porque o local está precisando de vários concertos, com fiações expostas e outros problemas. Assim conhecemos Erik (Richard Jenkins), um esforçado pai de família que recentemente cometeu um grave erro no seu trabalho, Deirdre (Jayne Houdyshell) a mãe que passa por frustrações e tem um relacionamento complicado com sua filha Brigid, Aimee (Amy Schumer) uma mulher buscando recomeços em várias partes de sua vida. Tem também Momo (June Squibb) a vovó que a família cuida. Ao longo de uma noite fria, intensa e cheia de situações que beiram ao inexplicáveis, vamos percorrendo à curta lembrança de todas essas gerações que se chocam refletindo sobre a vida uns dos outros.


Há uma parábola na narrativa quando pensamos na associação do espaço com os sentimentos. Nessa mensagem indireta, enxergamos o apartamento quase caindo aos pedaços em alguns pontos se tornando um paralelo para enxergamos o desabrochar das emoções dos personagens de forma lenta e até mesmo cíclica. Seguindo nessa linha e mais focado na ótica de Erik e sua busca constante em descobrir maneiras de consertar os estragos ao seu redor (emocionais e estruturais do apartamento), já que ele é o paizão e na cabeça dele ele deveria encontrar as melhores saídas para os conflitos que cada um passa, os olhares pela janela e a translucidez se tornam o seu próprio paralelo.


Uma das filhas com seus inúmeros problemas e uma relação que não consegue suportar o fim, a outra buscando sua independência e fugir do mimo da família encontra no novo companheiro uma nova jornada de esperança. Esse último um novo membro da família que busca antes de qualquer coisa ser aceito por todos. Cada qual no seu conflito, alguns mais profundamente apresentados, outros nem tanto assim. Você como um exercício de reflexões pode acompanhar somente um ou outro personagens pelos quatro cantos do primeiro e segundo andar desse apartamento mas a jornada para ser mais completa é tentar enxergar as brechas que o roteiro deixa para você tirar as conclusões dos conflitos como um todo, algo em estado constante, cíclico, igual a muitas famílias e seus conflitos do lado de cá da telona.



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20/08/2022

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Crítica do filme: 'Ata-me!'


Os impulsos da mente longe do equilíbrio. Abordando a loucura e um curioso retrato da Síndrome de Estocolmo, Pedro Almodóvar escreve e dirige Ata-Me! seu último filme da década de 80. Estrelado por Antonio Banderas e Victoria Abril o longa-metragem contorna os transtornos obsessivos de um protagonista desequilibrado que busca suas afirmações no presente na figura de uma ex-atriz pornô por quem sente um amor impulsivo. Ao longo dos 101 minutos de projeção vamos percorrendo essa curiosa história sem deixar de refletir sobre tudo que acompanhamos pelo caminho.


Na trama, conhecemos Ricky (Antonio Banderas) um jovem sedutor que passou grande parte do seu tempo em vida em instituições psiquiátricas. Quando enfim consegue a liberdade, não pensa duas vezes e vai atrás de sua atual obsessão, Marina (Victoria Abril) uma ex-atriz pornô que está atualmente rodando um longa-metragem. A perseguição começa e logo Ricky consegue prender Marina em seu próprio prédio buscando durante dias fazer com que ela o aceite como seu amado.


Há uma tentativa de preenchimento de lacunas sobre a personalidade de Ricky (principalmente no desfecho), o que pode ser considerado como algo simplista se levarmos e conta todo o contexto dos assédios cometidos. Sua afirmação, seu propósito de vida é ligado ao desejo que sente por aquela mulher. O descontrole é uma palavra chave para definição desse intrigante personagem. Desequilíbrio é outra. A síndrome de Estocolmo aqui é colocada como complemento, talvez até mesmo um fechamento de recorte psicológico da personagem Marina, uma mulher que sofre com o assédio (não só de Ricky) constantemente.


O uso da comédia não alivia o denso e profundo refletir sobre os assuntos que levanta essa poderosa fita do grande cineasta espanhol. Almodóvar usa o paralelo da loucura e do amor como se entrassem em choque, assim gerando argumentos para reflexões de diversas formas.



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