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28/10/2025

Crítica do filme: 'Ataque 13'


Apresentando um terror que abre espaço para reflexões sobre os tratos sociais, chegou na Netflix um longa-metragem tailandês que coloca o bullying no centro de uma trama onde pesadelos, assombrações e rituais ligados ao sobrenatural ganham forma através de jovens personagens em conflito, explorando também o anti-heroísmo. Nem tudo funciona com consistência – há pontas soltas no roteiro -, mas um plot twist totalmente inesperado na sua parte final entrega novos sentidos às ações e consequências.

Dirigido por Taweewat Wantha, com roteiro assinado por Thammanan Chulaboriruk, Ataque 13 busca romper camadas que, em um primeiro momento, parecem adormecidas na superfície, mas que logo se apresentam como boas críticas sociais - mesmo com o foco em ir de encontro com a tensão a todo instante, através do macabro, das invocações de espíritos e possessões.

Jin (Korranid Laosubinprasoet) chega a um novo colégio, onde Bussaba (Nichapalak Thongkham) toca o terror, fazendo bullying com outras meninas. Dividindo a quadra nos treinos de vôlei, as duas logo se tornam inimigas juradas. Após uma série de conflitos, Bussaba é encontrada morta na quadra do colégio. Dias depois, seu espírito retorna para aterrorizar Jin e suas amigas.

A dificuldade de socialização e a baixa autoestima - consequências do bullying - são bem explorada pela narrativa, talvez o ponto de maior relevância da obra. Como esse é um assunto de muitos cotidianos, a premissa funciona, nos levando para a gangorra entre o drama e o terror. Nesse segundo momento, com ajuda dos efeitos especiais e um uso excessivo de ‘jump scares’, nos deparamos com o sombrio e o inexplicável, através de uma trama que vai se revelando aos poucos.

Para você que gosta de levar uns bons sustos, Ataque 13 vai cumprir esse papel. No entanto, para análises mais amplas e reflexões profundas, o filme deixa um pouco a desejar, por mais que encoste muitas vezes em dramas sociais que vão do assédio à violência psicológica.

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27/10/2025

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Pausa para uma série: 'Ninguém nos Viu Partir'


Inspirado em uma história real relatada no livro Nadie nos vio partir, de Tamara Trottner – uma das personagens da obra –, a nova série da Netflix, Ninguém nos Viu Partir, que alcançou o Top 1 da plataforma, é um projeto mexicano que relata um sequestro parental e, a partir de camadas, chega nos conflitos emocionais que atingem uma mulher em uma época marcada pelo preconceito, pelas tradições e pela desigualdade de gênero.

Ambientado na década de 1960, em Ninguém nos Viu Partir, conhecemos Valeria (Tessa Ia), uma jovem que largou o mestrado e foi obrigada a se casar com o arquiteto Leo (Emiliano Zurita), em um acordo entre as famílias judias que residem no México. O casal tem dois filhos. O tempo passa e Valeria se apaixona pelo cunhado do marido, Carlos (Gustavo Bassani). Após descobrir a traição, Leo, com a ajuda do pai, Samuel (Juan Manuel Bernal), sequestra as crianças e foge para a Europa. Durante muitos meses, Valeria se vê em uma busca cheia de reviravoltas, movida pelo sonho de voltar a ver as crianças.

Direto para sua premissa, em um primeiro episódio que apresenta seu ponto de partida através de um homem impulsivo e facilmente influenciável pelo pai – um poderoso empresário judeu – que, em um ato desumano e criminoso, sequestra os filhos para longe da esposa.  Passo a passo, vamos entendendo melhor essa história por meio de flashbacks que mostram alguns dos motivos para tal ato de crueldade, além dos conflitos ao redor da família, ampliando o contexto.

A narrativa utiliza o ‘antes e depois’ para nos situar nos acontecimentos, não encostando no suspense, seguindo sua estrada pelo forte drama vivido pela protagonista. O que é sugerido logo é mostrado, compondo cinco episódios sem perder o ritmo, com a carga dramática aumentando gradativamente, além de ótimas atuações.

O mais interessante desse projeto é que ele aborda a imaturidade em algumas vertentes, sendo a principal deles os olhares não óbvios que chegam através de uma traição. Parece algo meio contraditório, mas, se formos analisar com uma lupa percebemos o desenvolvimento emocional dos personagens – até mesmo sua desconstrução - nessa linha tênue entre a moral e a aceitação.

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Crítica do filme: 'Um Fantasma na Batalha'


Inspirado em fatos reais ocorridos na Europa, mais precisamente entre a Espanha e a França, a partir das ações terroristas de um grupo separatista que logo chegou à luta armada cometendo atentados em diversos lugares, o longa-metragem Um Fantasma na Batalha, recém-adicionado à Netflix, é um thriller político com pitadas generosas de espionagem, que joga nossos olhares para o lado sombrio do ser humano, onde a inconsequência é rompida.

Escrito e dirigido por Agustín Díaz Yanes – vencedor do Goya de direção e roteiro em 1996, pelo filme Ninguém Falará de Nós Quando Estivermos Mortos – a obra retrata o caótico momento político de um período onde o medo podia estar em qualquer esquina, em uma Europa turbulenta. Para entendermos melhor o contexto, algo apresentando apenas brevemente pelo filme com inserções via legendas no início, é preciso algum conhecimento sobre o ETA.

Nascido nos tempos de ditadura e o regime autoritário e centralizador de Francisco Franco, o ETA (sigla traduzida para ‘Pátria Basca e Liberdade’) buscava, nos seus primórdios, a independência para o País Basco – iniciada no final de 1950, a partir de um movimento estudantil. Ao longo do tempo, células desse grupo tornaram as ações mais violentas e atentados se tornaram constantes, resultando em um banho de sangue que marcou as páginas europeias. Um Fantasma na Batalha é situada já na fase de declínio do ETA.

Ambientado em meados da década de 1990, acompanhamos a história de Amaia (Susana Abaitua), uma jovem oficial da guarda civil espanhola que se infiltra em uma célula do grupo separatista ETA, com o objetivo de localizar alvos e prevenir futuros atos terroristas praticados pelo grupo. Durante quase uma década, ela se vê em vários dilemas, descartando a vida pessoal e se jogando numa estrada marcada por tensão e violência.

Com imagens da época e reportagens sobre alguns dos atentados mostrados, inseridas em uma narrativa ficcional que atinge a tensão durante boa parte da projeção, este longa-metragem consegue apresentar um amplo recorte de um panorama político de uma época, ao mesmo tempo que chega em camadas através do desenvolvimento de seus personagens - guiados para dilemas morais a partir de uma protagonista sob constante atenção.

Um Fantasma na Batalha é uma produção muito bem feita, com ótimas atuações e uma direção de arte coerente, capaz de alcançar a atmosfera de tensão e conflituosas emoções. Esse clima pesado que o filme apresenta é exatamente o sentimento daquela época. Mesmo o sugerido prevalecendo sobre o descritivo – algo que atinge a compreensão de um contexto mais amplo – esse é um filme interessante que merece reflexões e debates.  

 

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Crítica do filme: 'O Elixir'


Os filmes de Zumbis – inclusive os com seres mortos que voltam à vida corredores, como é o caso – existem aos montes por aí. A questão está sempre em como vai ser desenvolvido o contexto, que pode (ou não) ajudar a contar uma história fugindo da mesmice. O novo filme da Netflix, O Elixir, que logo alcançou o Top 10 da plataforma aqui no Brasil, parte de uma dinâmica familiar com atritos, no estilo ‘novelão’ - tudo se desenrolando em torno de um conflito central – para então chegar à sua ação sangrenta, com os iminentes sacrifícios e dilemas, dentro de uma fórmula que segue à risca a cartilha dos filmes de sobrevivência.

Com uma boa direção de Kimo Stamboel – que vem de uma longa leva de filmes de terror no currículo –, esta produção indonésia não apresenta nada revolucionário em sua construção narrativa. Mesmo com certa criatividade, parte logo para uma ação desenfreada, que se passa em alguns ambientes, trazendo perspectivas variadas. Como já mencionado, a modalidade zumbi aplicada aqui é a dos ‘corredores’ – e, no centro dos holofotes, estão os figurantes, em atuações que devem ter sido bem divertidas serem gravadas.

Um bem-sucedido empresário do ramo de produtos de origem vegetais (Donny Damara) se vê em uma tempestade de conflitos na sua família após se casar com a melhor amiga da filha (Eva Celia Latjuba). Além disso, está disposto a continuar com a sua empresa, mesmo com ofertas generosas de terceiros, fato que não é bem aceito por outros integrantes. Durante uma reunião familiar, ele toma um novo composto que o faz rejuvenescer quase instantaneamente, mas logo acaba vindo os efeitos colaterais, propagando um surto zumbi na região onde mora.  

A trama busca até se desprender do ‘mais do mesmo’ trazendo a busca pela juventude como uma rasa crítica social – algo que encosta, em escalas bem menores, na premissa de A Substância. Mas o desenvolvimento dos personagens logo se perde no espaçamento do núcleo. Com sangue pra todo lado, acompanhamos uma mãe em busca de encontrar o filho, a redenção de uma amizade, um jovem casal que está prestes a oficializar uma união e o filho deixado de lado por conta da imaturidade com que enxerga a vida. É como se estivéssemos jogando um videogame, onde temos que escolher nosso herói ou heroína e seguindo o seu ponto de vista.    

O Elixir não perde tempo em apresentar o caótico quando se propaga uma substância transformando humanos em zumbis. A tensão é alcançada, trazendo o medo como uma ferramenta de confronto. Nessa sucessão caótica de eventos, prazeroso pra quem curte filmes do gênero, mas nada além de um entretenimento raso, provocando poucas reflexões.

 

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21/10/2025

Crítica do filme: '27 Noites'


Chegou esta semana à Netflix um filme argentino que apresenta, de forma bem-humorada, um drama sobre internação não voluntária – questão que teve mudança na legislação argentina anos atrás. Dirigido e protagonizado pelo uruguaio Daniel Hendler, o projeto, baseado na obra Veintisiete Noches, escrita por Natalia Zito, busca, sem se prolongar, ampliar os debates sobre o bem-estar psicológico.

Buscando, em uma fórmula que combina ponderação e sutileza, alguns caminhos para boas reflexões, um dos méritos desse filme é suavizar o ‘pé da letra’ sem se reduzir a uma obra simplória. Entre, emoções, comportamentos e uma passada rápida nas burocracias jurídicas, o tema da saúde mental vira um elemento crucial - e nada maçante - que circula durante toda a trama. 

Leandro (Daniel Hendler) é um perito designado por um tribunal para avaliar Martha (Marilú Marini), uma mulher octagenária, depois que suas filhas a internam, de forma involuntária, em uma clínica, com a justificativa que sofre com demência frontotemporal e vem tomando atitudes suspeitas. Conforme vai se aproximando da mulher, ele acaba entendendo melhor todo o contexto, passando também por uma enorme transformação em sua própria vida.  

O conflito geracional e as formas de compreender a vida são alguns dos assuntos que permeiam os personagens, sempre tendo uma direção rumo ao lado humano e suas contradições. Mesmo com coadjuvantes colocados em segundo plano, a troca de perspectiva entre Leandro e Martha funciona muito bem, garantindo um alicerce para o ritmo não se perder.    

A simpática narrativa molda seu desenrolar equilibrada entre o presente - ambientado algumas décadas atrás – e os flashbacks, ajudando a contar essa história. Sob o ponto de vista do protagonista – um personagem longe do carisma - chegamos até as poucas camadas que se abrem. Nada é muito profundo por aqui, mas a obra não deixa de ser relevante, principalmente por explorar com eficácia e leveza pontos de vistas, descontruindo assim o tema cisudo.

 

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17/10/2025

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Crítica do filme: 'A Vizinha Perfeita'


Com uma narrativa brilhante, que encontra enorme coesão na sua montagem, o novo documentário da Netflix, A Vizinha Perfeita, detalha uma tragédia real e chocante que atingiu em cheio a cidade de Ocala, no Condado de Marion (Flórida). Dirigido pela cineasta Geeta Gandbhir, o projeto – que prende a atenção desde seu início até o sufocante desfecho - levanta questões importantes sobre preconceito racial, leis de legítima defesa e o papel da polícia, chegando em um recorte profundo sobre a sociedade norte-americana.

A partir de desentendimentos – que já duravam semanas – entre vizinhos e uma específica moradora da região, acontece um fato mortal. Tendo esse episódio como pontapé inicial, acompanhamos uma cronologia de acontecimentos bem detalhada, apresentada sob diversos pontos de vistas. Aos poucos, sem perder o ritmo e tensão, somos guiados até os horrores de um caso que chocou os Estados Unidos alguns anos atrás.

O antes, o ocorrido e o depois. Exibido no Festival de Sundance deste ano, esse True Crime apresenta seus personagens reais e conflitos através de uma criativa narrativa que utiliza apenas gravações feitas por câmeras – muitas delas corporais, daquelas que policiais usam. Assim, vamos descobrindo a origem dos fatos que nos conduzem até o final nada feliz dessa história – vou logo falando, os minutos finais são de partir o coração.

Na composição dessa tragédia real, chegamos a alguns pontos de argumentação, o principal deles é sobre a Lei Stand Your Ground. Por conta dessa polêmica lei de defesa pessoal – em vigor em alguns estados norte-americanos, como a Flórida, desde 2005 -, que permite o uso de força letal caso se sinta em risco de morte e autoriza uma reação imediata ao que julgar ser uma ameaça, uma das personagens envolvidas demorou para ser presa, gerando uma série de protestos.

Os debates em torno dessa questão apresentada acima é um dos ótimos tópicos que o documentário levanta para reflexões sociais sobre alguns dos caminhos que levam à violência. Da cultura da impunidade ao preconceito racial, A Vizinha Perfeita apresenta essa história forte e real, que dilacerou uma família e colocou em evidência - mais uma vez - as leis mais permissivas de uso e porte de armas, fator preponderante para a crueldade ocorrida.   

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16/10/2025

Crítica do filme: 'Limpa'


Há filmes que começamos a assistir e parecem não levar a lugar nenhum. Por isso, é sempre  importante ter paciência - pode ser que grandes surpresas nos aguardem. É exatamente isso que acontece com o longa-metragem chileno Limpa. Com camadas profundas que se abrem distantes do seu início, o projeto nos leva a uma imersão na dinâmica familiar repleta de reflexões, tendo como ponto central uma protagonista que se vê em um labirinto em busca de momentos felizes.

Estela (María Paz Grandjean) é uma jovem que deixa o interior do Chile para trabalhar como empregada doméstica na casa de um casal rico, na cidade de Santiago. Ela passa grande parte do tempo ao lado da filha deles, uma garotinha escanteada pelos pais que encontra em Estela uma grande amiga. Quando algumas situações acontecem, Estela começa a perceber que sua presença no lugar está chegando ao fim, culminando numa série de ações rumo às tragédias. 

Uma caixinha de surpresas quando uma avalanche de conflitos se sucedem. Lançado há poucos dias na Netflix - onde logo alcançou o Top 10 da plataforma - Limpa pode ser definido assim. Dirigido por Dominga Sotomayor e roteirizado por ela em parceria com Gabriela Larralde e Alia Trabucco Zerán, chegamos de forma lenta em um retrato na vida de uma jovem cheia de desilusões, que confronta seu momento conturbado segurando um fio de resiliência que sobrou nas suas marcas da vida.

Não é fácil chegar até suas descobertas, que se revelam aos poucos. Até o minuto 40, um mar estático de ações isoladas parece construir uma história sem grande capacidade reflexiva. Mas as camadas se abrem, ressuscitando a narrativa. A partir de um estopim, o choque social ganha muitos contornos - exemplificado mais com olhares que palavras - onde o ambiente, a mansão bem estruturada dos chefes, vira um elemento importante, quase um personagem ativo para nos guiar pelas emoções que transbordam.   

Cada vez mais próxima da menina que cuida – uma relação maternal, incompreendida pela mesma –, a protagonista também se apaixona por um frentista, enquanto vê o passado mandar mensagens por lembranças ligadas a um cachorro. Sempre na corda bamba quando almeja planos para um futuro, as limitações da vida viram um banho de água fria. Não deixa de ser um reflexo de tantas pessoas espalhadas pelo mundo, à espera de alguma oportunidade para sentir a felicidade.

No desfecho emblemático, percebemos que, mesmo a construção tendo questões que atrapalham o andamento dessa história, chegamos num poderoso recorte – potente, dilacerante e capaz de neutralizar toda nossa atenção. Dê uma chance a esse filme.

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14/10/2025

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Pausa para uma série: 'Animal'


O amor pelos animais e a lições do dia a dia. Em apenas nove episódios – deliciosos - que você maratona rapidamente na Netflix, a série Animal chegou sem muito alarde para conquistar através da rabugentice carismática de um protagonista com o mundo virado de cabeça pra baixo, que encontra em um novo trabalho lições para sua jornada. Essa é uma obra que busca, na simplicidade de seu desenvolvimento, colocar à mesa reflexões sobre o trato social – um tema mais atual, impossível.

Criada por Víctor García León, o projeto propõe um olhar gentil – ainda que, por vezes, ácido – sobre um conflito geracional que atinge um homem que acredita no amor pelos animais, mas demonstra rejeição em compreender o próximo. Um conflito existencial que adiciona combustível nas novas relações que aparecem. Esse recorte sociológico utiliza o humor e bons diálogos para preencher a tela com uma narrativa leve e com ótimas atuações.

Antón (Luis Zahera) é um experiente veterinário de uma zona rural no noroeste da Espanha que está passando por uma tempestade de conflitos. Seus clientes de toda uma vida estão sem dinheiro, as dívidas só acumulam e a tentação de uma assinatura que vai contra seus princípios bate à sua porta a todo instante. Um dia, recebe uma oportunidade de recomeço: trabalhar em uma enorme loja de pets gerenciada pela sobrinha Uxía (Lucía Caraballo). Nesse novo emprego, precisa lidar com detalhes que o incomodam, mas aprende novas lições nessa parte avançada da vida.

Desde o primeiro episódio – acelerado, mas sem deixar de preencher com elementos importantes futuros - até o desfecho aberto e cheio de lições, nessa primeira jornada dessa obra, que pode muito bem ter uma continuação, somos conquistados por personagens que, à primeira vista, parecem presos nas suas características principais, mas logo se revelam para conquistar nossa atenção. Luis Zahera dá vida a um clássico rabugento engraçado, enquanto Lucía Caraballo interpreta uma sonhadora que adora relacionamentos com pessoas complicadas. Dois artistas que encontram um norte interessante de harmonia e identificação com o público.

Sem perder o fôlego e eficiente no seu desenvolvimento, em uma trama que distribui seu discurso por ações e consequências ligadas ao comportamento humano, Animal conecta a ternura da compaixão com os animais às amarras de uma figura central cisuda. Essa mistura vira uma fórmula de sucesso, atingindo mais o humor, sem deixar de encostar em profundas camadas, que relacionam o fator existencial às necessidades de mudanças.

 

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01/10/2025

Crítica do filme: 'French Lover'


Na simpatia e bom humor se leva uma história batida. Tratando com maturidade alguns temas – mesmo entupido de clichês – o novo longa-metragem da Netflix French Lover é aquele mais do mesmo que consegue nos divertir. Trazendo como protagonista um dos mais carismáticos artistas do cinema mundial - o francês Omar Sy – a produção coloca seus holofotes para um casal que busca a felicidade no equilíbrio entre dois mundos completamente diferentes.  

Abel (Omar Sy) é um ator francês em plena ascensão na carreira. Já Marion (Sara Giraudeau) é uma recém-divorciada que sonha em ter um food truck. Um dia, esses dois se encontram por acaso e logo nasce uma paixão avassaladora. Com o tempo, precisam enfrentar os obstáculos que aparecem pelo carinho.

Dirigido por Nina Rives, em seu primeiro longa-metragem, o filme busca a todo tempo alcançar um clímax previsível – desde o início, fica evidente onde chegaria o desenvolvimento dos personagens. O caminho até esse destino é marcado por altos e baixos: por vezes rompe a camada superficial de alguns temas, em outros passa batido, se fortalecendo apenas pela harmonia e carisma em cena dos protagonistas. Junto a isso, um ritmo frenético imprime ao fluxo narrativo um dinamismo que encaixa como uma luva e que no fim das contas prende a atenção.

Mas o roteiro é pra lá de indeciso em seu discurso – algo que incomoda o olhar mais atento. Sem saber direito se quer ser um ‘conto de fadas’ sonolento ou se provar como um projeto maduro para refletir sobre relacionamentos, vamos caminhando até os detalhes dos dois universos que se unem aos trancos e barrancos. De um lado, o status do artista, com gravações, sonhos, aquela vida cheia de exposição que já conhecemos. Do outro, uma mulher num momento de instabilidade, com o coração ferido, lidando com as limitações que a vida lhe trouxe até esse momento. Absolutamente nada de novo: Já vimos essa história várias vezes em alguns filmes, né?

French Lover vale para quem curte comédias românticas: tem seu charme, mas carece de desenvolvimento dos personagens para se tornar inesquecível. Esse calcanhar de aquiles torna tudo previsível.

 

 

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09/09/2025

Crítica do filme: 'O Clube do Crime das Quintas-Feiras'


Mesmo com o suspense em segundo plano, a nova comédia da Netflix O Clube do Crime das Quintas-Feiras é aquele passatempo gostoso em que nem percebemos o tempo passar. Trazendo a melhor idade para frente dos holofotes, acompanhamos os risos e aventuras de um grupo de pessoas que enxergar na fatalidade uma oportunidade de se sentirem vivos.

A divertida narrativa nos conduz pela acidez da violência em contraponto ao olhar com delicadeza sobre uma fase da vida em que os suspiros de aventuras se tornam oportunidades que não podem ser deixadas passar. Assim, em uma mistura de tensão e humor, somos recompensados com uma trama que ainda consegue deixar lições por todos os lados.

Com atuações maravilhosas e um ritmo equilibrado, percorremos a história de um grupo de pessoas na melhor idade que vivem em um enorme lar e se reúnem para refletir sobre crimes. Até que, um dia, um assassinato acontece bem próximo a eles, levando-os a embarcar pelas verdades sobre o ocorrido.

Dirigido por Chris Columbus, de sucessos como Esqueceram de Mim e Uma Baba quase Perfeita, o projeto traz a pegada de um tabuleiro de 'Detetive' com pitadas de Agatha Christie. Mas não pense que o mistério domina as ações: nesse filme, a maturidade em lidar com perdas domina as ações, conduzindo o público para camadas além da superfície - distante da melancolia.

Mesmo com algumas escorregadas nos clichês, o projeto baseado no livro homônimo do escritor Richard Osman - lançado em 2021 - é uma delícia de história que passa longe de qualquer trama piegas, com um desenvolvimento eficaz e personagens carismáticos dominando cada cena. Encabeçado pela maravilhosa Helen Mirren, o elenco é um show à parte.

Se você está procurando um filme para se divertir e passar boas horas na frente da sua televisão, liga na Netflix e dá o play em O Clube do Crime das Quintas-Feiras.

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01/09/2025

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Pausa para uma série: 'Duas Covas'


Uma obra audiovisual em que nada é o que parece. Assim podemos começar a falar de Duas Covas, a nova minissérie espanhola que alcançou ao Top 1 da Netflix logo em sua semana de estreia. Apesar de apresentar um episódio piloto apenas morno, consegue encontrar um rumo interessante quando mete o pé no acelerador numa trama que aposta nas surpresas escondidas pelo caminho. No papel principal, a ótima Kiti Máver da vida a uma avó angustiada que liga o modo detetive na busca da neta.

Isabel (Kiti Mánver) é um senhora aposentada que vive numa confortável casa no alto da belíssima cidade de Frigiliana, na província de Málaga. Tudo ia bem em sua vida até o dia fatídico em que sua neta preferida desapareceu, junto de uma amiga - filha do mafioso Rafael (Álvaro Morte). Anos após o ocorrido, ainda em busca de informações sobre o que aconteceu, Isabel começa a descobrir peças importantes desse quebra-cabeça.

O clima de suspense é constante, com a imprevisibilidade dos personagens se tornando uma ponte importante - mesmo que alguns deles não sejam tão bem desenvolvidos na trama. Do luto prolongado aos segredos de família e à incapacidade policial, o suspense encontra mais camadas que o drama.     

Parafraseando Confúcio, e colocando a vingança como ponto central, o projeto parte de disfunções familiares, esticando a corda dos acontecimentos com uma revelação atrás da outra. Presa totalmente ao ponto de vista da protagonista – o que limita o discurso –, Duas Covas parece apostar no chocar de uma violência marcante para trazer luz sobre as consequências ligadas à dilemas morais.

Com três episódios, todos já disponíveis na Netflix, Duas Covas é mais uma minissérie que tenta prender a atenção por seus mistérios, mas deixa uma sensação de que falta algo para que esse caldeirão de segredos se torne realmente inesquecível.

 

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Crítica do filme: 'Devo'


Pode ser que você – assim como eu – nunca tenha ouvido falar de uma banda formada no início da década de 1970 que, misturando música, teatro e principalmente, filosofia, conseguiu alçar voos dentro do movimento New Wave. Pioneiros no foguete de visibilidade que foi a MTV, o Devo, como eles próprios se definem, incompreendidos, merece ser redescoberto! E esse é justamente o trunfo de um documentário que acabou de chegar à Netflix.

Com um idealismo surgido há 50 anos, em meio a um cenário caótico dos EUA - em plena guerra do Vietnã - e refletindo cada vez mais sobre a arte como instrumento de ideias, por qualquer meio que seja, um grupo de amigos da Universidade de Kent State despertou para sua própria ideia após o absurdo assassinato de quatro estudantes. Com raízes no art rock, logo assumiram um viés subversivo, sem nunca perder a identidade: pensando de forma crítica, decidiram se expressar através da música.

O documentário Devo nos leva desde o início até os dias atuais dessa banda de décadas de importância – embora talvez não tão reconhecida quanto deveria. Com ótimo material de arquivos e entrevistas, vamos sendo guiados por uma narrativa fascinante, numa cronologia detalhista e repleta de conceitos que marcaram a trajetória de seus membros fundadores. Tendo a ironia afiada e os acordes intensos de suas guitarras, chegamos aos princípios básicos de uma banda que sempre criticou questões que norteiam – até hoje – a sociedade.

Adeptos do termo ‘Involução’ - na qual consiste em acreditar que a humanidade regredia, não evoluía - o Devo chamava a atenção por onde andavam, através de canções que pulsam sátira e os vícios constantes da hipocrisia. Caminhando na incógnita do sucesso, a banda seguiu jornadas nada comerciais e, por incrível que pareça, nunca perdeu sua identidade, fato que formou uma pequena, mas fiel, legião de fãs até hoje. 

Exibido em alguns festivais de cinema pelo mundo, o documentário Devo é muito mais do que o retrato de uma banda de rock que foge do comum. Com ampla contextualização, traz reflexões sobre os caminhos da humanidade, encontrando importantes sentidos - críticas, certezas, afirmações – dentro da sempre conturbada cultura Pop.

 

 

 

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31/08/2025

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Pausa para uma série: 'Pssica'


É tão bom assistir a uma produção audiovisual brasileira com tanta qualidade! Esta, em especial, provoca reflexão atrás de reflexão! Baseada no livro homônimo do escritor paraense Edyr Augusto, a nova série da Netflix – Pssica – empolga do primeiro ao último episódio, conduzindo o público por um mosaico de violência, cujas peças se encaixam com certa precisão, ao apresentar uma tonelada de temas importantes. Somam-se a esse retrato, que escancara as feridas de uma sociedade dominada pela criminalidade, atuações viscerais de um elenco coeso.

Já vá se preparando: esta é uma daquelas séries que merecem uma maratona! Do drama à ação, embarcamos em histórias que correm em paralelo, com dinâmicas conturbadas entre pais e filhos atravessando toda o discurso. Personagens muito bem desenvolvidos, são levados ao extremo de qualquer limite moral, em um lugar dominado pela corrupção, por crimes violentos - um paraíso consumido pelo crime.

Tudo começa quando Janalice (Domithila Cattete), após uma situação que leva seus pais a deixá-la na casa da tia (Fátima Macedo), em Belém, é sequestrada por um grupo criminoso ligado ao tráfico de mulheres. Paralelamente, conhecemos outros personagens: um ex-policial em busca da afilhada; Preá (Lucas Galvino), um bandido que se apaixona e vê sua bolha ligada à crimes desmoronar; e Mariangel (Marleyda Soto), uma ex-militar colombiana que vê sua família despedaçar e parte em busca de vingança. Ao longo da trama, esses caminhos se cruzam, nos conduzindo a um desfecho imprevisível.

Com ritmo eletrizante, desde seu piloto brilhante, vamos percebendo que a complexidade do texto de Edyr Augusto é muito bem diluído em quatro episódios com cenas fortes que vão nos levando até um mar de inconsequências. As protagonistas são nossos maiores guias nessa história. Uma adolescente sequestrada e vivendo horrores, busca encontrar soluções para a situação em que está. A outra, uma heroína sul-americana, com marcas no presente e no passado, que embarca numa sede de vingança.   

A narrativa busca seu caminho por meio das infinidades que o cinema pode provocar – inclusive com um achado que se soma ao desenvolvimento: a ilustração de trechos do livro, que volta e meia ganham espaço entre as cenas. A trilha sonora marcante e cenas, muito bem dirigidas pelo diretor Quico Meirelles, conduzem o espectador por paisagens empolgantes na fronteira amazônica, escancarando de forma intensa os diferentes tipos de corrupção que corroem o senso de humanidade.

Pssica, em seus quatro episódios já disponíveis na Netflix – nos apresenta o contraste de um pedaço do nosso país, do paraíso ao inferno. Uma minissérie provocante, que nos faz refletir bastante sobre nossa sociedade.

 

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25/08/2025

Crítica do filme: 'Quero Você'


Não é possível que, ainda hoje, uma história rasa, com atuações fracas e sem um pingo de reflexões inteligentes, consiga, de alguma forma, chamar a atenção do público. Nesta semana, chegou ao catálogo da Netflix um filme alemão que se propõe a discutir as desilusões amorosas de maneira atabalhoada, misturando um romance - que não se sustenta - a um thriller cheio de clichês.

A auditora fiscal Lilli (Svenja Jung) chega até a ilha de Maiorca para se reencontrar com a irmã Valeria (Tijan Marei). Chegando nesse paraíso, logo se depara com uma situação que não esperava: Valeria está em um relacionamento e ainda quer a sua assinatura para vender o imóvel da família. Tendo que absorver esse dilema, acaba conhecendo Tom (Theo Trebs), o gerente de uma boate badalada da região. Aos poucos, Lilli começa a perceber que as peças não estão no lugar, descobrindo um grande golpe.

Com roteiro escrito por Stefanie Sycholt e direção de Sherry Hormann, o projeto, que chegou à Netflix no dia 21 de agosto deste ano, transita por assuntos desconexos que se juntam num mix de achismos – algo que fica evidente na narrativa. Golpes mirabolantes de sedução, uma mal explicada especulação imobiliária e perdões por absurdos cometidos compõem uma série de elementos que não passam desapercebidos pelos olhos mais atentos. Outro ponto que incomoda é a desinteressante tentativa de estabelecer definições e conclusões sobre vilões e heróis em uma história sem pé nem cabeça, onde as coincidências surgem como num conto de fadas.

O roteiro ingênuo e superficial, parece tentar prender a atenção dos espectadores por meio da sensualidade de cenas picantes - que surgem repetidamente entre os arcos de desenvolvimento dos personagens. Sempre que a trama parece não saber como prosseguir, entra uma cena de intimidade, em um lopping eterno, sustentado por um discurso confuso e entediante. Nesse ponto, a vontade de desligar a televisão se torna cada vez mais frequente.

Quero Você é mais um passatempo desinteressante que chega ao universo dos streamings. Provavelmente vai estar incluído em várias listas de piores filmes neste ano. É um show de mesmices e clichês, com atuações nada competentes.

 

 

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Pausa para uma série: 'Magreza na TV: A Verdade de The Biggest Loser'


Buscando refletir sobre o caos de alguns veículos de mídia que insistem em se arriscar no polêmico universo do ‘tudo pela audiência’, a nova minissérie da Netflix Magreza na TV: A Verdade de The Biggest Loser conduz o espectador a uma análise relativamente profunda, guiada por depoimentos marcantes de pessoas envolvidas em um controverso reality show que deu o que falar ao longo de 17 temporadas, num dos principais canais de televisão nos Estados Unidos.

Dirigido pela cineasta norte-americana Skye Borgman – responsável também pelo ótimo documentário, da Netflix, A Garota da Foto –, a minissérie busca não fugir do seu foco que tem duas estradas: a questão da obesidade e as polêmicas em torno do programa. Cada episódio amplia o debate, e em alguns casos, embates de opiniões entre os entrevistados, algo que de alguma forma reforça os dramas reais expostos na série.

O The Biggest Loser foi um programa altamente rentável, que explodiu de sucesso entre os anos 2004 a 2016. O foco eram participantes de diferentes faixas etárias com obesidade, que competiam por uma grande quantia em dinheiro: vencia quem alcançasse o menor peso ao final. Os escolhidos eram divididos em grupos e guiados por treinadores que exigiam o máximo de cada pessoa – muitas vezes ultrapassando limites em relação a agressões verbais e outras práticas questionáveis.

Dividido em três episódios, o projeto se propõe em sua narrativa explorar a curiosidade, e revelar detalhes nunca mostrados, trazendo relatos de ex-participantes, de um dos treinadores, ex-produtores, e do médico responsável. Dessa forma, contextualiza bastidores e o reflexo da experiência na vida dessas pessoas após o programa.

Desde a apresentação de personagens importantes para os pontos reflexivos, passando pelas provas exigentes que o programa permitia, até os problemas com a forte opinião pública em relação ao que era feito no programa, somos colocados de frente com pontos de vistas deixando mais fácil cada um de nós tirarmos nossas próprias conclusões.

A obesidade é um tema importante, não só nos Estados Unidos, mas em todo o mundo. Ao levar a questão para milhões de televisores através de um reality show, a exposição constante acaba rompendo barreiras morais, deixando o lado comercial falar mais forte que qualquer debate inicial. Acesse a Netflix e veja, tire suas próprias conclusões.

 

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20/08/2025

Crítica do filme: 'A Noite Sempre Chega'


Baseado no livro escrito por Willy Vlautin, o novo drama da Netflix, A Noite Sempre Chega, é um retrato caótico das inconsequências que busca ligar os pontos de um drama pessoal ao processo de gentrificação, ampliando seus horizontes por meio dos respiros de sobrevivência. Com uma das grandes atrizes da atualidade interpretando a personagem principal - Vanessa Kirby – o longa-metragem não oferece respiros, nem almeja o clássico final feliz; busca trazer um recorte visceral e ‘pés no chão’ do viver à margem da sociedade.  

Lynette (Vanessa Kirby) precisa sobreviver em um contexto familiar complicado, convivendo com a mãe, Doreen (Jennifer Jason Leigh), e o irmão mais velho, Kenny (Zack Gottsagen). Quando ficam à beira de perder a casa onde moram, a protagonista precisa arranjar uma alta quantia em apenas 24 horas. Percorrendo, noite adentro, o submundo de uma cidade de oportunidades perdidas, ela é obrigada a confrontar o passado e ultrapassar qualquer limite de inconsequência.

Até onde você iria para salvar sua família? Através dessa pergunta - que parece cair em um senso cada vez mais comum no mundo do cinema -, o discurso acoplado ao roteiro busca reflexões sociais, apoiado por uma contextualização social que se mostra eficiente ao unir gêneros cinematográficos em uma saga de sobrevivência construída a partir de personagens e seus conflitos.

Do drama de perder a casa (uma crítica à gentrificação) aos conflitos internos familiares (pena  Jennifer Jason leigh ser tão pouco aproveitada) e à necessidade de encarar as verdades que a assombram, a protagonista é como um pêndulo cuja trajetória que desce ao inferno várias vezes, mas nem alcança a beira do céu, andando muito longe de qualquer rastro de esperança.  

Para chegar a esse resultado, a narrativa busca um ritmo dosado, acelerando aos poucos, com uma fotografia que reforça a sensação de melancolia e introspecção. Nada fica pelas entrelinhas. Nosso guia pela história, a machucada personagem principal, reage não apenas com a razão: busca as emoções lá do fundo, gerando um mar de incertezas. Dentro desse caos emocional, a trama se desenrola, sustentada pela força da atuação de Vanessa Kirby, que mantém a atenção para essa complexa personagem.     

Dirigido pelo cineasta britânico Benjamin Caron, que tem em seu currículo a direção de episódios de badaladas series recentes como Andor, Sherlock e The Crown, esse projeto é um duro soco no estômago: incomoda, cutuca feridas, e apresenta um retrato profundo da infelicidade e dos momentos em que nos vemos sem saída.

 

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06/08/2025

Crítica do filme: 'Uma Vida Honesta'


De vez em quando, a Netflix surpreende com obras que fogem do óbvio - e Uma Vida Honesta é um desses achados. O longa-metragem sueco, dirigido por Mikael Marcimain e roteirizado por Linn Gottfridsson e Joakim Zander, mergulha no espírito anarquista a partir das desilusões de um jovem protagonista. Preso em um labirinto de ideais, ele atravessa um intenso processo de amadurecimento ao se envolver com outros jovens que vivem à margem das convenções sociais. O filme constrói, com camadas bem estruturadas, uma reflexão sobre a inconsequência, os limites do idealismo e as complexidades das relações humanas.

O jovem estudante Simon (Simon Lööf) chega à cidade de Lund com o objetivo de cursar Direito em uma prestigiada universidade, mesmo carregando o sonho de se tornar escritor. Logo se depara com as desigualdades sociais à sua volta, especialmente ao conviver com colegas de quarto abastados, o que o coloca diante de um cotidiano de contrastes. É nesse cenário que conhece Max (Nora Rios), uma jovem carismática e integrante de um grupo que comete pequenos delitos contra os mais ricos. Fascinado pela rebeldia e pelo idealismo do grupo, Simon se vê cada vez mais envolvido — até que eventos marcantes o forçam a encarar as consequências de suas escolhas.

A confusão diante da realidade ao seu redor é o ponto de partida do protagonista — nossos olhos ao longo dessa jornada. Seu amadurecimento, quase precoce, é impulsionado pelos dilemas morais que surgem a cada nova decisão. Inserido em uma narrativa de ritmo envolvente, o personagem tem seus conflitos desenvolvidos com profundidade, sustentando uma história que entrelaça questões de moral, sociologia e capitalismo, enquanto expõe a solidão como um dos pontos mais vulneráveis da experiência humana. Com camadas bem construídas, o filme oferece reflexões densas, equilibrando com habilidade elementos de ação, drama e suspense.

Ao explorar as desilusões por meio de um gatilho disfarçado de oportunidade, o roteiro mantém-se fiel ao seu discurso e ainda acerta ao apostar na imprevisibilidade como trunfo — entregando um desfecho realista, longe de qualquer tom novelesco. Um dos pontos que contribuem para a harmonia da narrativa são as reflexões sobre as motivações por trás de cada ato, abrindo espaço para uma discussão profunda sobre a inconsequência. Mesmo quando alguns clichês surgem aqui e ali, eles não comprometem a força nem a coerência da trama.


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10/07/2025

Crítica do filme: 'Com Unhas e Dentes'


Sem grandes pretensões além de entregar sustos e tensão típicos do universo zumbi, o longa-metragem tailandês Unhas e Dentes aposta em uma narrativa desenfreada onde artes marciais colidem com cadáveres reanimados por um vírus desconhecido. Dirigido por Kulp Kaljareuk e já disponível na Netflix, o filme não busca reflexões profundas — é um convite direto a quem quer embarcar em uma jornada de ação desenfreada.

Ambientado em um mundo distópico onde a fome se tornou um dos graves problemas da humanidade, um lutador de Muay Thai (Mark Prin Suparat) sobrevive do jeito que pode ao lado da companheira, a cirurgiã Rin (Nuttanicha Dungwattanawanich). Quando o local onde ela trabalha é tomado por uma epidemia zumbi, o lutador fará de tudo para conseguir salvá-la.

Mesmo partindo de um cenário promissor — um planeta devastado por seus próprios erros, onde a fome já ultrapassou o nível de alerta e a opressão domina nas mãos de quem detém o poder — o projeto estanca qualquer tentativa de aprofundamento, evitando explorar com mais contundência as possíveis críticas sociais. Uma pena!

As cenas de ação e luta são bem feitas, com os mais conhecidos exageros de outras estruturas narrativas de filmes onde zumbis tem um certo protagonismo. É clichê pra tudo que é lado, mas aqui adicionado ao fato de fugir da previsibilidade, talvez o maior mérito da produção. Com sangue jorrando em toda parte, o cenário caótico se prende ao ambiente hospitalar, um lugar onde a cura é constante mas aqui ganha ares horripilantes.  

A proposta é muito simples: embarcar nos velhos e batidos dilemas de toda luta pela sobrevivência em um universo dominado pelo caos. Nessa batalha forçada entre o bem e o mal, com um lutador de artes marciais de um lado caminhando todos os passos e desafios na sua jornada do herói, e zumbis (do estilo corredores) dominando a vilania, é estabelecido um clássico molde narrativo onde pode entreter quem curte filmes do gênero.


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08/07/2025

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Crítica do filme: 'Desastre Total: O Verdadeiro Projeto X'


Um convite para uma festa de aniversário de uma jovem de 16 anos viraliza pelo Facebook e logo vira o estopim de uma história que marcou uma cidadezinha na Holanda e ganhou as páginas policiais. Abordando esse peculiar caso que envolve inúmeras questões desde a falta de preparo das forças policiais até o comportamento descontrolado de jovens em busca de diversão, a Netflix, no seu ótimo projeto Desastre Total, apresenta um média-metragem documental marcante que gera muitas reflexões sociais.

Em 2002, na cidade de Haren, no município de Groningen (Holanda), uma jovem sonhava em comemorar seu aniversário com uma festa especial. Para isso, decidiu convidar amigos e conhecidos criando um evento no Facebook. No entanto, ao deixá-lo público por engano, o convite rapidamente se espalhou e viralizou, alcançando milhares de jovens que passaram a compartilhar e planejar a ida ao local. Naquele mesmo ano, um dos filmes mais marcantes quando pensamos em festas descontroladas - Projeto X - Uma Festa Fora de Controle - foi lançado nos cinemas, e logo uma inusitada associação foi criada impulsionando ainda mais o evento.

Dentro de um recorte temporal que liga dias antes do ocorrido ao início de toda a confusão, a construção da narrativa se movimenta através de depoimentos de pessoas próximas ao caso, além de reportagens e vídeos que foram divulgados na época. São 48 minutos de total imersão a uma série de situações que levaram ao verdadeiro caos em um lugar sem agitações.

Todos os aspectos que envolveram a situação são amplamente apresentados, desde o descaso da prefeitura local diante de riscos evidentes, até o papel da mídia na cobertura do caso. O documentário também expõe a postura inconsequente de parte dos jovens que só buscavam diversão, do despreparo policial, além dos desabafos da própria aniversariante, que acabou vivendo uma celebração completamente diferente do que imaginava — fruto de uma sequência quase inacreditável de acontecimentos.

Faltou somente alguma profundidade sobre as consequências das ações, seria interessante para um recorte amplo ter mais detalhes sobre o depois do ocorrido. Nesse ponto, o documentário se apressa em destacar a renúncia da autoridade local, mas oferece poucas explicações sobre outros fatores essenciais — peças-chave de um tabuleiro caótico que transformou uma simples festa de aniversário em um verdadeiro cenário de descontrole.

Dirigido por Alex Wood, este é mais um episódio da ótima série da Netflix intitulada Desastre Total que tem algumas outras histórias que beiram ao absurdo já contadas e disponíveis na plataforma.

 

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Crítica do filme: 'Coração Delator'


Trazendo para debate, mesmo que em plano de fundo, a importante questão da gentrificação e também do transplante de órgãos, o longa-metragem argentino Coração Delator chegou recentemente na Netflix. Escrito e dirigido pelo cineasta argentino Marcos Carnevale, de sucessos como Elsa & Fred - Um Amor de Paixão e Granizo, o longa-metragem busca num previsível romance água com açúcar criar caminhos para suas questões que atingem paralelos, de alguma forma, na realidade.

Juan Manuel (Benjamín Vicuña) é um empresário bem sucedido do ramo das construções. Um workholic declarado, com dificuldades em relacionamentos amorosos. Certo dia, no caminho para mais uma viagem com amigos milionários, passa mal e logo se constata que ele precisa de um transplante de coração urgente. Meses se passam e sua forma de olhar a vida começa a passar por mudanças, e ele resolve conhecer melhor a família do homem que lhe permitiu ser transplantado. Só não esperava se apaixonar pela viúva do doador, Vale (Julieta Díaz).

Com muitas filmagens acontecendo em Lanús, província de Buenos Aires, o foco aqui é o amor, ou mesmo a redescoberta desse sentimento poderoso. A narrativa se joga num mergulho sem olhar pra trás no mundo dos clichês do gênero. Com a já batida jornada de modificações do homem rico que se transforma ao passar por uma situação de vida ou morte, somos conduzidos para uma estrutura que apenas alcança pinceladas de senso crítico sobre o que vem ao redor.

O olhar mais atento chega numa crítica social importante sobre a valorização imobiliária e num automático êxodo da população com raízes culturais no lugar (gentrificação) e também para a importância da doação de órgãos, momento sempre delicado para toda família. Esses importantes assuntos que circulam pela trama são diluídos dentro de uma esticada de tapete vermelho para um amor inesperado, se tornando aos poucos um suco de ‘sessão de tarde’ completamente previsível.

 

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