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16/03/2024

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Crítica do filme: 'O Livro da Discórdia'


O sexo e a punição. Exibido no Festival Varilux de Cinema Francês do ano passado a comédia O Livro da Discórdia apresenta reflexões sobre uma geração de imigrantes no choque entre as memórias do passado e o presente na visão de um escritor de meia idade, descendente de argelinos. Dirigido pela atriz e cineasta francesa Baya Kasmi, em seu segundo longa-metragem de ficção, o projeto abre também espaço para mercado editorial dos livros e seu circuito de interesses. Tudo funciona de forma equilibrada em um roteiro que preza pelo humor na medida certa.

Na trama, acompanhamos a trajetória de Youssef (Ramzy Bedia), um homem de 45 anos, que mora em Paris e busca seu primeiro grande sucesso como escritor. Quando seu novo livro, que relata experiências vividas na sua adolescência na cidade de Marselha, vira um fenômeno de vendas Youssef fica preocupado de falar com os pais sobre a obra que apresenta questões que vão longe do encontro de tudo que sua família acredita. 

Abrindo espaço para o enigmático mercado editorial e seus vícios em busca do sucesso, o filme usa do flashback para entendermos sentimentos do passado e os dilemas que se seguem no presente em uma França recheada de questões sobre imigrações, algo corriqueiro numa Europa dos nossos tempos. A forma como se apresenta os temas polêmicos ligados à religião e os costumes também geram ótimos debates, aqui acoplados na visão de uma família que flerta com o tradicional, por conta de suas raízes, mas que faz muito tempo vive num mundo atual onde as aparências se tornaram ferramentas de não enfrentamento de possíveis embates. 

Inteligente sem perder o humor. A causa e o efeito ganham sentido quando entendemos que as autocríticas chegam por meio de terceiros, pelos mais próximos do protagonista. Seu conflito, segue durante toda narrativa com a exposições de situações se tornando um elemento importante sem fugir do discurso do roteiro. O desenho de sua estrutura familiar é apresentado de forma bem humorada com Youssef preso na premissa de que a realidade sempre vai além da ficção.

 

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31/07/2023

Crítica do filme: 'Manhunter - Caçador de Assassinos'


Os labirintos que envolvem a mente humana. Primeira aparição na tela grande de um dos personagens mais enigmáticos do cinema, o Dr. Hannibal Lecter, Manhunter - Caçador de Assassinos, baseado na famosa obra do escritor e jornalista norte-americano Thomas Harris, Dragão Vermelho, explora com maestria os distúrbios da mente humana como forte elemento dentro de uma pulsante e minuciosa narrativa. Primeiro grande filme da carreira do genial cineasta Michael Mann (hoje com 80 anos e na ativa, com três projetos em pré-produção), o projeto percorre ao longo de quase duas horas de projeção detalhes de uma complicada investigação. Nessa obra, pouco explorada pelos amantes do cinema, repleta de curiosidades, a nomenclatura usada para o aterrorizante psiquiatra é Lecktor (então não estranhem). Mas o certo, das obras de Harris, é Lector como nos filmes que vem em sequência.


Na trama, conhecemos Will Graham (William Petersen) um licenciado agente do departamento de análise comportamental do FBI, que vive seus dias em calmaria, numa casa de frente pro mar quando é novamente recrutado para ajudar na caça de um terrível e brutal serial killer conhecido pela alcunha de ‘Dentes de Monstro’, um impiedoso assassino que age com a presença da lua cheia. Ao aceitar o convite, sabe que precisará interagir novamente com um outro serial killer que está preso, o ex-psiquiatra Dr. Lecktor (Brian Cox), um psicopata que quis matá-lo em eventos passados. Com traumas abertos nessa conflituosa relação com Lecktor, Will passará por muitos obstáculos para concluir esse misterioso caso.  


Atos nutrem fantasias. A narrativa consegue do início ao fim, criar um importante clima de tensão. Um jogo sobre vaidades intelectuais é instaurado, de um lado um exímio analista comportamental que percorre fatos dando ênfase à detalhes perdidos dentro da investigação, de um outro um serial killer completamente insano que age de uma forma peculiar à procura de sua vítimas. Em paralelo a isso, Lecktor que parece jogar outro tipo de tabuleiro, talvez muito mais sombrio, algo ligado ao passado dele com o de Will. Navegando entre a loucura e o brilhantismo, o protagonista embarca rumo as investigações utilizando métodos bastante particulares, excêntricos, ao juntar peças complicadas para traçar o perfil do assassino, algo como se precisasse pensar como ele, entrar na mente do criminoso. Um caminho muito perigoso e que afeta não só a ele mas todos ao seu redor.


Muito antes de ser o temido executivo Logan Roy no seriado de sucesso Succession, o experiente ator escocês Brian Cox foi o primeiro intérprete de Hannibal. Uma curta aparição nesse filme, diga-se de passagem, inclusive filmou as cenas do personagem em apenas três dias. E esse foi um papel bastante concorrido na época, Cox disputou o papel com Brian Dennehy, Bruce Dern, John Lithgow (esse que depois viria a ser outro impactante serial killer, o trinity na Série Dexter) e Mandy Patinkin. Um fato curiosíssimo é que quando Cox interpretava o Dr. Lecter nesse filme, Anthony Hopkins (o interprete do mesmo personagens em outras adaptações) estava fazendo uma montagem da obra de William Shakespeare, Rei Lear no Teatro. Quando Hopkins assumiu o papel de Lecter em Silêncio dos Inocentes, Cox também estava em cartaz com uma montagem da mesma peça!


Completando 37 anos esse ano, Manhunter - Caçador de Assassinos é uma obra-prima do suspense, um filme com cenas de tirar o fôlego. Para quem se interessar em assistir pela primeira vez, ou mesmo rever, o filme está disponível no catálogo do streaming Looke.



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24/07/2023

Crítica do filme: 'Driveways – Uma Amizade Inesperada'


As descobertas pelos caminhos mais distantes. Com um ritmo lento, detalhista, deixando inteligentes pausas para reflexões sobre o enigmático universo do abstrato ligado aos sentimentos, chegou ao catálogo da Looke um filme que respira a amizade dentro de um contexto de recomeços e despedidas. Driveways – Uma Amizade Inesperada dirigido por Andrew Ahn com roteiro assinado pela dupla Hannah Bos e Paul Thureen é uma jornada rumo as escolhas que a vida nos permite e as oportunidades que se chegam quando escolhemos a porta certa para desbravar. Esse é um dos últimos trabalhos do veterano ator Brian Dennehy, falecido em 2020.


Na trama, conhecemos Kathy (Hong Chau), uma mulher batalhadora que trabalha com transcrições médicas e tem o sonho de ser enfermeira. Ela, junto o filho pequeno, o sensível Cody (Lucas Jaye), estão indo reformar, para uma possível venda, a casa de sua irmã recém falecida. Chegando no lugar, uma cidadezinha no interior dos Estados Unidos, acaba conhecendo aos poucos a vizinhança, principalmente seu vizinho de porta, o veterano da Guerra da Coreia Del (Brian Dennehy). Aos poucos começa a perceber que o sentido de casa, lar, pode estar bem próximo dali.


O reflexo daquele presente está em cada cena, junto com as diferentes formas de enxergar a vida. A protagonista, interpretada pela ótima e recente indicada ao Oscar Hong Chau, se vê perdida em um momento de escolhas para ele a e o filho, com a oportunidade de lucrar com a venda de uma herança que chega no seu colo com uma imensa carga emocional ligada aos desentendimentos com a irmã. Aos poucos vai descobrindo mais sobre essa parente que antes próxima, se tornou distante, como se o lugar contasse histórias que ela não sabia, além de mexer com momentos importantes na passado dessa relação.


A visão de Cody é um ponto fundamental na trama, um menino solitário, com poucos amigos, começa uma amizade com o vizinho, um homem mais velho que tem vive seus dias reclusos com o único passatempo de ir ao bingo onde se encontra com outros amigos veteranos do exército. O jovem começa a entender melhor a vida, tendo essa outra referência no seu cotidiano. O sentido de lar começa a fazer mais sentido para mãe e filho e toda essa transformação é muito bem apresentada pela narrativa.  


O alzheimer, a solidão, as despedidas, as escolhas, a amizade, o amor entre mãe e filho, os arrependimentos, Driveways – Uma Amizade Inesperada parece um trem que para em cada uma dessas estações o tempo suficiente para se refletir e como consequência faz emocionar mostrando que a simplicidade é o melhor caminho para decifrar o abstrato das emoções.



 

 

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27/06/2023

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Crítica do filme: 'Horizonte'


Grande Vencedor do Prêmio de Melhor Longa-metragem na segunda edição do Festival de Cinema de Vassouras no Vale do Café, Horizonte nos mostra de forma delicada e poética a história de um homem condenado a vive em um cubículo, tendo seus direitos jogados para fora de um lugar que já chamou de lar, juntamente com seus restos de sonhos, ficando preso a uma solidão angustiante. A virada nesse projeto é um ponto de partida para surpresas e emoções, quando a coragem bate à sua porta e um novo amor chega trazendo de volta para sua vida tudo que lhe havia sido roubado. Dirigido por Rafael Calomeni, filmado em grande parte na cidade de Aparecida de Goiânia, segundo município mais populoso do estado de Goiás, Horizonte nos mostra que, as vezes, nas mais simples histórias estão inesquecíveis reflexões sobre a vida.


Na trama, conhecemos, um senhor já na parte final de sua vida (Raymundo de Souza) que se vê em um presente tumultuado, com a família em conflito após a morte de um membro. Morando numa casa onde não é bem-vindo, onde a solidão bate mais forte a cada segundo que passa, certo dia, após ouvir um anúncio numa rádio local, resolve se mudar para um condomínio de casas que está sendo construído com o apoio da prefeitura. Nesse lugar descobre um novo sentido da vida e até mesmo é surpreendido por um novo amor.


Onde há esperança em meio ao caos de um cotidiano triste, sem vida? As traduções de linhas do abstrato mundo dos sentimentos camuflados pela solidão, em muitas histórias dentro de uma casa dividida, acaba sendo o pontapé inicial desse roteiro surpreendente. Uma câmera inquieta, em constante movimento, busca completar lacunas por meio de detalhes. Seja num gesto, num olhar, num ato de confronto, aqui o espectador precisa estar preparado para refletir sobre a desconstrução, principalmente quando quatro paredes logo se tornam oito em um recorte profundo sobre a solidão que nunca encontra a solitude.


Se queres que eu sofra é grande o teu engano! Um clima de conflitos e mais conflitos, longe de primeiros passos para uma possível fuga acaba despertando no protagonista uma necessidade de viver melhor o tempo que lhe resta, ele sabe que só terá uma oportunidade quando essa chegar. É o que acontece! Quando resolve desbravar o mundo, sempre com seu violão no colo, a redescoberta da vida logo chega. E com ela, surpresas. Nesse caminho para um tantinho de esperança tudo começa a fazer mais sentido aos seus olhos, que não estão chorando!


Produzido por Dostoiewski Champangnatte (um dos roteiristas do sucesso Fala Sério, Mãe!), o filme conta com boa direção de Calomeni, uma fabulosa e inesquecível atuação do experiente ator Raymundo de Souza. Horizonte deixa suas reflexões pelo caminho, com um final aberto que deve gerar várias interpretações. A única certeza é de que é um filme que merece ganhar o circuito de exibição e emocionar plateias de todos os cantos de nosso país.



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20/09/2022

Crítica do filme: 'Utopia'


A melhor lei é a lei humana, ter a chance de existir. Indicado do Afeganistão ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro no ano de 2015, Utopia, dirigido pelo cineasta iraniano Hassan Nazer é uma jornada em torno dos dilemas da crença, dos absurdos limites ultrapassados da ética, um longa-metragem com fortes mensagens que nos mostra três destinos que acabam sendo interligados por uma situação. O roteiro possui esses três paralelos, em três lugares diferentes, de maneira que somente no final do filme entendemos sobre quais pontos futuros e de quais personagens as imagens no início mostram.


No Afeganistão, após o marido ficar durante anos em estado vegetativo após ser ferido em um conflito, Janan (Martine Malalai Zikria) embarca em uma jornada para ser mãe utilizando a técnica de inseminação artificial. Para isso, ela resolve ir até o Reino Unido para iniciar o procedimento em uma clínica que lhe fora indicada. Chegando lá seu destino se cruza com William (Andrew Shaver) um estudante de sociologia médica, egocêntrico, que trabalha nessa clínica. Esse último faz uma troca do sêmen que iria ser doado por um doador anônimo pelo dele. Paralelo a essa história, conhecemos um ex-professor alcoólatra que é preso por uma briga de bar e terá seu destino convergindo com Janan em um momento muito delicado dela.


Os paralelos buscam o presente de algumas pessoas afim de apresentar os personagens por meio de seus conflitos. Para Janan há um conflito interno sobre o desejo em ser mãe e a maneira como os outros ao seu redor vão reagir à situação por conta da situação do marido. Isso nos leva a refletir sobre a situação no país onde mora, extremamente conservador. Ela durante muito tempo lutou para ser independente em uma vida marcada pelas perdas que teve ao seu redor.  O lado de William é um pensar cheio de egocentrismo, até mesmo egoísta, ultrapassando limites éticos (como é bem mostrado no filme no papo com o diretor da clínica). Está em um momento conturbado, próximo do fim no seu relacionamento com a namorada. Seu pai era militar do exército britânico e morreu em serviço no Afeganistão. Parece viver em uma bolha onde se julga com direitos de como se os outros fossem marionetes transformar o destino deles.  


A utopia do título chega quando na imaginação de alguns onde um mundo onde raça, cultura e religião não seria mais um problema. Mas como chegar a isso? Algum ser humano tem o poder sobre todas as coisas e sobre todos os destinos? Essa co-produção Inglaterra e Afeganistão nos faz refletir sobre dilemas existenciais que se diferem entre crenças.  



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03/07/2022

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Crítica do filme: 'Golias'


A privatização da natureza e suas consequências. Abordando questões importantes e fazendo refletir sobre tantas outras, que vão desde à questão capitalista, ao universo sempre polêmico dos lobistas, a função política pública, as leis, as formas de buscar justiça, Golias, longa-metragem dirigido por Frédéric Tellier é um filme denuncia, baseado livremente em fatos reais. Incluso na seleção do ótimo Festival Varilux de Cinema Francês 2022, o filme de pouco mais de 120 minutos de duração, nos mostra três histórias que se caminham para o mesmo clímax a partir de descobertas impactantes sobre um pesticida criado por uma empresa poderosa.


Na trama, conhecemos três personagens, três destinos que se encontrarão. Patrick (Gilles Lellouche), é advogado ligado ao direito ambiental que embarca numa jornada atrás de provas contra uma poderosa empresa que usa um pesticida ofensivo para todos que tem contato. France (Emmanuelle Bercot) é uma professora de educação física que após a piora do marido percebe que precisa lutar de outras formas contra a empresa que detém os direitos de um produto usado diariamente por seu vizinho. Mathias (Pierre Niney) é um jovem destaque de uma empresa que tem o trabalho de influenciar e interferir diretamente nas decisões do poder público (lobista). Esses três destinos vão se unir na mesma estrada quando uma fazendeira comete um ato de protesto.


A informação aqui é um fator chave. A maneira manipulativa que enormes empresam adotam confundem parte dos consumidores e também toda uma sociedade. Quais são limites? Há limites? Dentro do jogo capitalista, desse olhar muitas vezes egoístas, muitas pessoas se veem como fantoche dessas grandes corporações que levam prejuízos de saúde para milhares. Aqui enxergamos melhor essas palavras pela personagem France, uma batalhadora, mãe, esposa, que se vê em uma estrada de escolhas sobre o que fazer quando começa a perceber, mesmo com a força contrária baseada em manipulativos dados, que o produto usado nas terras do seu vizinho pode ter provocado a doença do marido. Assim, se aproxima de um grupo ambiental e se envolve em protestos contra engravatados gananciosos. Uma caminhada árdua, de muita dor.


O lado político também ganha contorno explícitos. Exemplo é a trajetória, a rotina, de um dos personagens, um audacioso lobista, um paralelo com a realidade, conseguem acesso e influencia sobre quem deveria prezar pelo bem dos outros sem nenhuma questão de empatia. Mathias é o elo entre a empresa e os outros, essa última palavra no sentido amplo, que vai desde o lobby político até o afastamento dos reais detalhes sobre o que vende como sendo bom. A personificação absurda da ganância da privatização da natureza e todos os males que estão inclusos nesses atos.


As leis e suas linhas inconclusivas, interpretativas e os contornos políticos se mostram presentes quando a questão legal do processo vira algo para ser pensando de forma mundial. Nesse momento, conseguimos traçar paralelos bem nítidos com a realidade. Nesse momento também é que vemos duas forças desleais, uma luta desleal, uma representada por Golias (daí o título do filme) e sua força quase imbatível e do outro lado, o de todos os que lutam contra os absurdos provocados por muitas empresas. A ‘pedra atirada’ nesse Golias é o ato de uma fazendeira e toda a força e drama que esse momento emblemático na trama consegue provocar adiante.


Dentro do seu objetivo que é o de fazer refletir sobre um tema mundial e atemporal, Golias embarca de forma avassaladora nas razões, consequências, de muitos assuntos que estão nos jornais semanalmente deixando sempre para o público de forma detalhada abrir o seu pensar.





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03/06/2022

Crítica do filme: 'Quem me Ama, me Segue!'


A vida é feita de escolhas mas sempre é possível voltar atrás em algumas delas. Caminhando em cima do tema: ‘Nunca é tarde para mudar’, o longa-metragem francês Quem me Ama, me Segue! , disponível no streaming da Looke, é um projeto que apresenta as dores da não liberdade e as mudanças que podemos guiar nossas vida em qualquer fase dela. Os personagens, brilhantemente interpretados por um trio de ótimos experientes artistas franceses (cada um deles com mais de 90 trabalhos no currículo) dão o tom dessa simpática fita europeia escrita e dirigida pelo cineasta José Alcala.


Na trama, conhecemos o casal Simone (Catherine Frot) e Gilbert (Daniel Auteuil) que vivem em um vilarejo e estão juntos faz mais de 35 anos. A primeira é uma mulher infeliz que se relaciona com o vizinho Etienne (Bernard Le Coq), um amigo de longa data do casal. O segundo é um marido estúpido, machista, nada cavalheiro que sempre oprimiu sua esposa ao longo de todo esse tempo. Certo dia, Simone resolve fugir de casa e ir atrás de Etienne que havia se mudado fazia dias. Completamente perdido, Gilbert embarcará em uma jornada na tentativa de convencer a esposa a voltar pra casa, ele contará com a ajuda do neto que quase não tem contato por conta de uma briga antiga com a mãe do garoto (sua filha).


A força do filme está no seu elenco. O entrosamento é nítido, parece que Bernard Le Coq, Daniel Auteuil e Catherine Frot muitas vezes parecem se divertir em cena. A profundidade de seus ricos personagens nos chega através da falsa sensação de melancolia por conta de escolhas do passado que acabaram moldando de alguma forma a grande amizade que existe nessas relações. Mesmo mais focado em Simone e Gilbert, Etienne é uma espécie de contraponto e algumas vezes até mesmo ponto de interseção para entendermos os sentimentos que rolam na confusão instaurada.


Quando olhamos para Simone, o leque de reflexões cresce. Muito magoada por não se sentir livre para fazer o que deseja, passou anos de sua vida estacionada em um relacionamento agressivo sem o quase romantismo do início. Esse duelo interno de Simone, fugir ou continuar sendo infeliz, acaba moldando as ações dos outros personagens que na ausência dela acaba criando uma oportunidade de redenção, principalmente por parte do carrancudo Gilbert.


Simples e objetivo, Quem me Ama, me Segue! pode ter seus momentos confusos mas de alguma forma consegue passar sua mensagem sobre as escolhas que podemos ter na vida quando temos a liberdade bem na nossa frente.

 

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26/03/2021

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Crítica do filme: 'Currais'


O silêncio apaga tudo. Um homem, sua Kombi e suas buscas por respostas da história de seu avô, a reconstrução da memória de uma região, por quem ainda se lembra dessa época terrível, fatos que parte da elite se esforça em ocultar. As margens de uma estrada de ferro e no alto do sertão morriam centenas de pessoas nos chamados campos de concentração (os currais do governo), lugares criados no início da década de 30, sob conhecimento do governo federal, onde flagelados da seca eram tratados com indiferença e discriminação pela elite que já morava na cidade de Fortaleza. Escrito e dirigido pela dupla de cineastas David Aguiar e Sabina Colares, modelado em uma mistura entre documentário e ficção, Currais apresenta relatos impactantes, impressionantes, surpreendentes, além de fotos antigas mostrando o que as palavras dizem ao longo dos cerca de 90 minutos de projeção.


Uma história real, onde campos de concentração, chamados assim mesmo, lugares onde pessoas de baixa renda e sem praticamente nenhuma escolaridade, além de pessoas que fugiam da seca de outras regiões eram mantidos confinados, milhares de pessoas em raios pequenos. Um formigueiro humano. Eles eram mantidos nesses lugares, sem alimentação básica, pagamentos, para não conseguirem chegar as grandes cidades ao redor de fortaleza. A dor e o sofrimento são marcantes nos relatos de conhecidos de sobreviventes e alguns até testemunhas oculares dos horrores praticados nesses currais onde as pessoas tentavam sobreviver pessoas, trabalhadores brasileiros, desesperados que foram esquecidos pela história.


Depois que você assiste a esse documentário, é muito difícil de tirá-lo da memória. Pensar que uma cidade se ergueu sob suor e sangue é assustador. Nosso país é enorme. Tantas histórias...e muitas delas desoladoras, tristes. Como um ser humano pode fazer isso com outro ser humano? Um capitalismo desenfreado, um elitismo esnobe e arrogante, entendemos o reflexo dessas atitudes até os tempos atuais se formos comparar com a questão social das favelas, pessoas que vivem à margem de uma sociedade privilegiada. O filme abre espaço também para mostrar a religião ganhando contornos culturais através dos devotos das almas da barragem. Um documentário/ficção arrebatador que diz muito sobre a história de nosso país.

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20/03/2021

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Crítica do filme: 'Asia'


A única coisa que consegui de um homem foi você. Indicado de Israel para o Oscar desse ano, Asia é um pequeno recorte na vida de mãe e filha, os altos e baixos dessa relação que se mostra afastada, distante, mas que ressurge quando precisam enfrentar um dos maiores dramas que uma pessoa pode passar com uma iminência triste. É um filme muito doloroso, onde o foco é quase total na rotina da mãe, uma enfermeira, cuidadosa com seus pacientes mas submersa por uma melancolia por não conseguir olhar pra frente e ver a tão sonhada felicidade. Primeiro longa-metragem da cineasta Ruthy Pribar.


Na trama, conhecemos Asia (Alena Yiv), uma enfermeira batalhadora perto dos 35 anos que se encontra em um momento muito delicado de sua vida. Ela se relaciona com um médico casado, curte longas baladas após o serviço e em casa, sua adolescente filha Vika (Shira Haas) começa a demonstrar mais fortemente uma doença em constante evolução que aos poucos vai tirando seus movimentos. À beira do desespero, Asia resolve tentar melhorar o relacionamento com sua filha, que sempre fora bastante difícil.


Há uma melancolia explícita espalhada pelas ações e até mesmo inconsequências das personagens, de gerações diferentes, óbvio, mãe e filha precisam se encontrar antes que seja tarde mas anos de angústia e muros colocados atrapalham muitas das tentativas gerada pelos últimos desejos da filha perto de um desfecho sem saída para sua condição. Há muita verdade nos olhos dos personagens, em 90 minutos Pribar consegue com suas lentes captar a emoção que navega da tristeza ao êxtase mas como se fosse utilizada como saída para o caminho do esquecimento da realidade que as aflora.

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16/01/2021

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Crítica do filme: ' 14 jours, 12 nuits'


O amor de mãe a as suas congruências ao amor de quem cuida. Indicado do Canadá ao Oscar 2021, 14 jours, 12 nuits, nos faz refletir sobre o que podemos fazer após uma tragédia para seguir em frente (luto). Mostrando as belezas do Vietnã, muito de sua cultura, sob o olhar de uma canadense em uma ‘missão’, o longa-metragem definido com linhas temporais quase paralelas que nos explicam as razões e objetivos da protagonista, mesmo assim, possui momentos que precisamos ler as entrelinhas. Com uma melancólica trilha sonora de fundo,  vamos acompanhando melhor parte de histórias que se cruzam e sabemos melhor sobre a rigidez de um mundo que também tem o direito de viver sua liberdade. Dirigido por Jean-Philippe Duval, com roteiro assinado por Marie Vien.


Na trama, conhecemos Isabelle (Anne Dorval) uma mulher que sofre com os abalos de uma tragédia. Em paralelas passagens de tempo, acompanhamos essa oceanógrafa canadense que adota uma criança no Vietnã no início dos anos 90. Só que tempos depois descobrimos que algo acontece com a criança, fazendo ela retornar a cidadã natal dela. Nessa ida até o Vietnã, algo para superar o luto, acaba encontrando a mãe biológica da criança, a guia turística Thuy (Leanna Chea). Logo de cara não se identifica e acaba criando uma amizade com ela, assim, precisará encontrar o melhor momento para contar a verdade.


Os diálogos entre duas mães de uma mesma criança. Essa premissa é poderosa e acaba retratando muito bem o que acompanhamos em cerca de 100 minutos de projeção. As belas paisagens do Vietnã transformam toda a jornada em algo muito bonito de se ver, a questão do luto em duas formas diferentes é bastante interessante. Quase caindo em uma série de clichês provocados pelas iminências do seu contexto inicial, o projeto usa do recurso das linhas temporais para explicar ao espectador os porquês do abandono da criança por Thuy e o que houve com a criança quando já estava grande e aos cuidados de Isabelle. Também podemos imaginar, ou melhor, refletir sobre a questão do perdão incluso nas narrativas das duas mulheres só que de formas bem diferentes.


Sem previsão de estreia no Brasil, 14 jours, 12 nuits, belissimamente dirigido por Duval é um belo retrato sobre a força de ser uma mãe em um mundo tão cheio de obstáculos, onde, as escolhas que tomamos podem influenciar muito ao nosso redor e as gerações seguintes.  

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04/12/2020

Crítica do filme: 'Peggy Sue - Seu passado a espera' * Revisão *


Sabe quando você julga saber tudo sobre uma pessoa? Você acaba não sabendo nunca tudo sobre uma pessoa. Brincando de maneira muito inteligente dentro da tese de que a teoria do impossível possa ser possível, no ano de 1986 (ano inclusive que quem vos escreve nasceu) estreava nos cinemas a comédia repleta de fantasia Peggy Sue - Seu passado a espera. Dirigido por Francis Ford Coppola e com elenco de astros da época e futuros, como Kathleen Turner, Nicolas Cage, Jim Carrey, Joan Allen e Helen Hunt, o longa-metragem, inspirado em partes por uma canção do músico e um dos pioneiros do rock and roll Buddy Holly, nos faz uma mesma pergunta a todo instante: Que escolhas tomaríamos se tivéssemos o dobro da idade em uma época passada e já vivida? Qual recheio você colocaria se pudesse voltar no tempo?


Na trama, conhecemos Peggy Sue (Kathleen Turner), uma mulher de meia idade, mãe de dois filhos que está prestes a se divorciar do marido Charlie (Nicolas Cage) por conta de inúmeras traições por parte dele e do distanciamento que o mesmo mantém de sua família, deixando outros assuntos serem mais importantes. Durante um baile de comemoração de 25 anos da formatura da sua turma do High School, inclusive onde conheceu Charlie, a protagonista desmaia e acaba indo parar 25 anos atrás podendo assim reviver momentos, driblar algumas escolhas e seguir um novo caminho. Ou não. 

  

Memórias, experiências. O grande pulo do filme é buscar recriar momentos na vida de uma mulher que vivia um cotidiano sem muito brilho e a colocar de volta ao tempo onde tomou as principais escolhas que moldaram sua vida. 25 anos para trás e antes do homem pisar na lua o mundo era muito diferente e Peggy entra em conflito a todo instante, seja nos caminhos inicias de seu namoro com Charlie, outros possíveis amores da época. O roteiro assinado por Jerry Leichtling e Arlene Sarner é um reflexivo recorte sobre escolhas em uma época de juventude onde todos os sonhos eram possíveis de serem imaginados.

Indicado a três Oscars, Peggy Sue - Seu passado a espera é um filme pouco falado pelos cinéfilos. As dúvidas de uma futura divorciada, uma viagem no tempo e os conflitos sobre as escolhas perdidas em suas memórias são alguns dos bons ingredientes desse ótimo trabalho.

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27/10/2020

Crítica do filme: 'Uma Relação Delicada'


Ninguém mexe nas memórias do passado. Dirigido pela cineasta Linda Dombrovsky, Pilatos, é um filme húngaro que aborda uma relação conturbada entre mãe e filha. Com muitos méritos, usa do Simbolismo como referência ao tempo, principalmente, até mesmo, reflexões em forma de metáforas com curtos flashbacks sobre épocas passadas vividas por essa família. Delicado, com harmônicos arcos (Terra, Fogo, Água e Ar), o filme possui duas atuações destacadas: Ildikó Hámori e Anna Györgyi. A trama é uma adaptação do livro homônimo da autora húngara Magda Szabó.

Na trama, conhecemos Anna (Ildikó Hámori), uma senhorinha de vida simples que acaba de perder o marido. Tentando achar uma solução para não deixar a mãe sozinha, sua filha Iza (Anna Györgyi), uma importante médica, resolve levar a mãe para morar com ela. Isso acaba gerando uma série de problemas por conta da distância e diferente entre as duas, mesmo sendo mãe e filha. Há iminências de um conflito por todos os arcos.


Parece uma peça filmada, o ritmo se baseia na belíssima condução dos personagens. Há uma melancolia em todo canto nos menos de 80 minutos de projeção. Uma batalha emocional das memórias contra uma filha autoritária que parece desconhecer a trajetória simples de seus pais. Com diálogos profundos, a difícil tarefa de dizer adeus ganha luz nas visões de Anna, e um desfecho emblemático surge com diversas respostas que podem ser dadas para tal. Um filme simples e profundo. Um bom trabalho.

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23/01/2020

Crítica do filme: 'Take It or Leave It (A Escolha)'


A aceleração da maturidade. Indicado ao Oscar pela Estônia, Take It or Leave It, ou,Võta või jäta, no original, é um drama profundo sobre a maternidade/paternidade. Somos testemunhas de momentos de descobertas e alguns angustiantes de irresponsabilidades. Escrito e dirigido pela cineasta Liina Trishkina é um grande tesouro em meio aos centenas de filmes europeus lançados a cada ano pelo mundo. Com um ótimo roteiro e um final arrebatador, Take It or Leave It é um dos grandes filmes europeus dos últimos anos. Um filme corajoso, um retrato emocionante sobre como o amor nos leva a patamares que nunca imaginamos estar.

O protagonista é um jovem de cerca de 30 anos, de origem e família na Estônia, que não sabe direito o que fazer da vida profissional e trabalha em obras na Finlândia. Completamente confuso e sem saber o que fazer após a notícia de que é pai, embarca em uma jornada de assumir a paternidade e os cuidados da recém nascida sozinho já que a mãe não a quis assumir naquele momento. Completamente sem jeito, talvez pela rebeldia que o persegue faz anos e que fica claro desde o primeiro arco do roteiro, Erik (Reimo Sagor) aos poucos vai se descobrindo como pai, navegando pelas responsabilidades e derrapando nas irresponsabilidades.

As dúvidas pairam a cabeça dos jovens. Desde o básico sobre o que fazer quando a criança recém nascida começa a chorar até sobre se devem ficar com a criança ou leva-la para adoção. É um recorte muito interessante bastante próximo da realidade, afinal com toda certeza histórias parecidas acontecem diariamente em todo o planeta.

O filme aborda muito bem o impacto da notícia do novo papai acaba mexendo com toda uma família.  O relacionamento com seu pai e mãe (principalmente a segunda, que domina as cenas em vários momentos) também sofre uma reviravolta e ele precisa enfrentar julgamentos por conta da ajuda que recebe, além do irmão que sofre com sua esposa por não conseguir ter um filho.

As técnicas de filmagens são ótimas, há muito silêncio que diz muito em bons e preenchedores planos. Já na reta final um eminente desenrolar jurídico acontece e a cereja do bolo, já no arco final, vale o ingresso. Um filme corajoso, um retrato emocionante sobre como o amor nos leva a patamares que nunca imaginamos estar.

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06/04/2017

Crítica do filme: 'O Mundo Fora do Lugar'

A vida segue acontecendo nos detalhes, nas surpresas e nas alterações de curso que não são determinadas por você.  Escrito e dirigido pela excelente cineasta alemã Margarethe von Trotta (do ótimo Hannah Arendt - Ideias Que Chocaram o Mundo), O Mundo Fora do Lugar fala sobre os imprevistos e surpresas do destino quando segredos de uma família são revelados a partir de um rosto parecido de alguém que já se foi. O roteiro navega em uma história turbulenta, repleta de carga dramática e com duas atuações  impressionantes (Katja Riemann e Barbara Sukowa).

Na trama, conhecemos a doce Sophie (Katja Riemann) uma mulher forte e determinada que busca a carreira de cantora na cidade onde mora na Alemanha, além e trabalhar como mestre de cerimônias de casamentos. Certo dia, após receber uma ligação de seu pai, acaba descobrindo uma estranha história e a possibilidade de uma cantora de ópera norte americana Caterina Fabiani (Barbara Sukowa) ter algum parentesco com ela pela tamanha semelhança de Caterina com sua mãe já falecida. Assim, Sophie embarca em uma viagem para ir de encontro com as verdades de seu passado.

As canções  que somos testemunhas são interpretadas com emoção, as duas atrizes, carregadas em seus dramas singulares conseguem passar para o público todo o sofrimento dessa surpreendente relação que envolve surpresas e modificações na maneira de enxergar o passado de suas famílias.  O Mundo Fora do Lugar é o lírico encontrando belas formas de se predestinar na telona.

As verdades precisam ser ditas. Em busca de respostas para lacunas não preenchidas,  a protagonista se vê mais envolvida com essa investigação do que imaginava. Sophie é inteligente, chama o pai pelo nome dele, não consegue se estabelecer em uma relação amorosa por muito tempo. Muitas dessas características se modificam, junto com sua maneira de enxergar a todos que estão ao seu redor.

Mesmo com uma conclusão rasteira, que não chega a profundidade criada pelo clímax de seu roteio, O Mundo Fora do Lugar é um filme que chama a atenção pela delicadeza de uma nova relação e pelas surpreendentes descobertas que a vida pode nos trazer.


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25/03/2017

Crítica do filme: 'Paterson'

Não é a altura, nem o peso, nem os pés grandes que tornam uma pessoa grande, é a sua sensibilidade sem tamanho. Depois de um hiato de três anos desde seu último trabalho, o excelente Amantes Eternos (2013), o veterano cineasta norte-americano Jim Jarmusch volta às telonas com o sensível longa Paterson. O filme, grande sucesso de crítica e público pelos lugares onde já fora exibido, como em Cannes ano passado, é uma grande jornada emocional com recheios poéticos onde atravessamos e somos testemunhas de uma alma quase solitária que busca em seu rotineiro cotidiano, sem grandes eventos, formas lindas de ver a tão pacata vida.

Na trama, com cortes que vão se segunda a segunda, conhecemos Paterson (Adam Driver), um simpático e tímido motorista de ônibus que mora na cidade onde nasceu, Paterson (sim, o nome da cidade também é Paterson), onde vive uma vida simples com sua esposa Laura (Golshifteh Farahani). O protagonista tem um hobby que é escrever poesias todos os dias, geralmente com idéias que chegam para ele pelos papos e personagens diferentes que circulam sua vida constantemente, entre uma viagem e outra.

Ainda não teve esse ano personagem tão amável quanto esse motorista que conquista todos nós por sua sensibilidade sem tamanho. Interpretado com grande maestria pelo ótimo ator californiano Adam Driver (Star Wars: O Despertar da Força), Paterson, é especial, bom amigo, um homem correto de alma sensível.  Expressa seus sentimentos através das palavras, mesmo essas não tendo som, é escutado de alguma forma pelo universo. Somos testemunhas ao longo das quase duas horas de projeção de encontros peculiares com personagens fascinantes, vendo as reações dele quando algo que estava em seu particular ganhar forma de certa maneira com situações e pessoas. Seu cotidiano é pacato, quase silencioso, e mesmo assim Paterson transforma sua vida em um lindo livro cheio de emoções e pensamentos que vão do amor às grandes forças da natureza.

Sua relação com a esposa, bastante explorada pelo roteiro, é causadora de pequenos momentos cômicos – muito por conta da excentricidade dela; seja nas pinturas preto e branco e circulares dos vestidos, das cortinas, das almofadas, seja nos dois sonhos de ser empreendedora no mercado de cupcakes e ser uma cantora country de sucesso começando com um violão (das cores que gosta) que gastou centenas de dólares comprando pela internet. A relação dos dois possui muito amor e compreensão, Paterson demonstra, às vezes, não gostar de uma coisa ou outra mas sempre elegante e carinhoso busca as melhores das palavras para encantar seu amor. Os dois vivem juntos com um lindo cachorrinho mas levada pra caramba que apronta talvez o mais terrível dos absurdos para uma alma tão sensível como a do motorista.

Paterson chega aos cinemas brasileiros no próximo mês de abril. Mais um presente de Jarmusch para todos que amam as delicadezas que encontramos na nossa forma de amar a vida. Afinal, como dizia o eterno poeta português Fernando Pessoa, o poeta é um fingidor, finge tão completamente, que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente.


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05/06/2016

Crítica do filme: 'Meu Rei'



Não quero que pense em mim sem motivos, mas que faça de mim o motivo dos seus pensamentos. Depois de dirigir o excelente Polissia, quatro anos atrás, a cineasta e atriz francesa Maïwenn volta para trás das câmeras dessa vez para dirigir um intenso drama que em pouco mais de 120 minutos de projeção encara a difícil missão de mostrar a vida de um casal com temperamentos diferentes que quando se juntam uma série de inconsequências acontece levado ambos a um extremo destrutivo. Impressionante a atuação da dupla de protagonistas, Emmanuelle Bercot venceu o prêmio de melhor atriz em Cannes em 2015 por esse papel.

Na trama, acompanhamos a trajetória de Tony (Emmanuelle Bercot) e Giorgio (Vincent Cassel), um casal que briga mais do que faz amor, muito por conta do jeito possessivo de ser do segundo. O filme traça e mostra um paralelo sempre na visão de Tony, onde no primeiro andamento está se recuperando de uma grave lesão ortopédica e paralelamente vamos conhecer sua história e todo o começo da relação conturbada com o futuro marido. O público acompanha de perto todo o trajeto dessa história que emociona e toca profundamente nossos corações. 

São duas visões completamente diferentes sobre o relacionamento. Georgio é um saudosista da liberdade, da inconsequência, ano após ano muda muito pouco mesmo que comece a entender melhor o mundo ao seu redor e sua família. Já Tony é a parte que mais sente todo o desenrolar da trajetória do casal. Antes uma confiante mulher, começa aos poucos a perceber que seu marido é um homem desequilibrado que em muitos momentos deixa seu lado egoísta dominar a relação dos dois. Tony sofre demais, explora suas tristezas mais profundas e tenta a todo tempo dar a volta por cima (a construção de desconstrução de Tony é feito com maestria por Bercot que mostra todo seu talento em cena), contando com a ajuda de seu irmão Solal (Louis Garrel), o único que percebe logo de cara que Georgio levaria sua irmã ao limite.

O paralelismo que acontece, mostrando duas fases na vida de Tony é uma das grandes sacadas do roteiro, escrito pela própria diretora e pela roteirista Etienne Comar. Impressionante como as duas fases se encontram no final fazendo tudo um grande sentido para o público entender mais profundamente todas as transformações que passou a protagonista. Meu Rei, que será exibido no Festival Varilux de Cinema Francês deste ano é uma pequena obra-prima que o cinema francês brinda todos nós cinéfilos. Bravo!
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