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14/07/2023

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Crítica do filme: 'Cadê o Amarildo?'


Um caso que chocou o Brasil e até hoje com pontas soltas. Trazendo para o público mais um olhar para uma história que completa 10 anos em 2023, uma abordagem policial feita por membros da UPP da rocinha, no Rio de Janeiro e o sumiço de um ajudante de pedreiro, o novo documentário da Globoplay Cadê o Amarildo? ao longo das quase duas horas de projeção, busca encontrar mais respostas através de depoimentos da família, das autoridades policiais da época, de testemunhas nunca ouvidas e do julgamento de policiais envolvidos em uma ação que até hoje parece ter peças que não se encaixam. A dor e o sofrimento dos familiares também é mostrada, uma busca por justiça constante ao longo de todo esse tempo.


O contexto por aqui é muito importante para entendermos melhor tudo que se passou. Implementada em 2008 no Estado do Rio de Janeiro, no governo do ex-governador e depois condenado pela justiça Sergio Cabral, as Unidades de Polícia Pacificadora, conhecidas por UPP, eram uma aposta das autoridades do Rio de Janeiro para o combate ao tráfico de drogas nas favelas cariocas e uma melhor relação entre os moradores e a polícia. Dentro desse cenário e uma pressão por resultados da polícia na maior favela carioca desencadeou uma série de ações que culminou na abordagem e sumiço de Amarildo.


O documentário, produzido pelo Jornalismo da Globo, busca recriar o passo a passo de Amarildo na noite do sumiço, contando também com uma reconstituição com atores e um cenário virtual. Depoimentos na justiça de todos os envolvidos e autoridades da época são mostrados, além dos pontos de vistas de quem acompanhou o caso desde seu início. Alguns desses depoimentos são impactantes, chocantes, até mesmo contraditórios. Dá pra sentirmos um pouco da dor de uma família que perdeu um membro querido de forma tão violenta e até hoje não foi indenizada pelo Estado.


Com direção de Rafael Norton, direção de produção de Clarissa Cavalcanti e roteiro de Andrey Frasson e João Rocha, o documentário tem o mérito de conseguir criar uma narrativa cinematográfica interessante, pulsante, com um trabalho de pesquisa e investigação jornalística que se destacam, não deixando de mostrar detalhes importantes desse caso que é uma emblemática crítica social e política em um país que se pergunta há 10 anos: Cadê o Amarildo?

 

 

 

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25/03/2023

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Pausa para uma série: 'Origem' ('From')


Os fatos que levam a contradição lógica. O que você faria se estivesse em uma estrada dirigindo seu carro e encontrasse um lugar aparentemente sem saída, com pessoas que nunca viu na vida e ainda por cima tendo que se proteger de aterrorizantes seres quando anoitece? Criada por John Griffin e produzida pelos irmãos Russo e Jack Bender que também produziu e dirigiu a saudosa série Lost, Origem, também conhecida como From, possui um roteiro inteligente, repleto de proposições teóricas onde há um clima de tensão constante. Os paralelos com um jogo de xadrez, impostos nos primeiros episódios retratam bem o que é proposto dali pra frente, uma batalha contra o desconhecido, onde a paciência e a combustão emocional se tornam elementos que se chocam. Disponível na Globoplay, Origem é altamente indicada para os amantes de mistérios e também aos órfãos de Lost, Fringe, até mesmo as subestimadas Wayward Pines e Jericho.


Na trama, conhecemos Jim (Eion Bailey), um engenheiro que constrói atrações de parques de diversões e sua esposa Tabitha (Catalina Sandino Moreno), um casal em crise, perto de assinarem o divórcio que resolvem fazer uma última viagem juntos de trailer com os dois filhos após uma tragédia. Durante o caminho, são surpreendidos por uma árvore que impede de continuarem, regressando para uma outra parte da estrada onde se veem presos em uma cidade, dividida em dois grupos, que tem como referência o ex-militar e atual autoridade do lugar Boyd (Harold Perrineau). Muitas perguntas aparecem: será que eles sobreviveram ao acidente que sofreram? Aonde eles estão? O ótimo episódio piloto prende a atenção sem deixar de esconder os principais mistérios e nos contextualizar de boa parte do que seria a jornada dali pra frente.


Espíritos que manipulam? Pessoas presas em um pedaço de uma cidade? Lançada em fevereiro de 2022 no streaming MGM+ (antiga EPIX), e ainda pouco falada aqui no Brasil, Origem explora lacunas herméticas, adota o paralelo e teorias de paradoxo como fonte de reflexão. Pra quem curte ir mais profundo no pensar, teorias complexas reforçadas pelo evidente paradoxo, como o experimento ‘O Gato de Schrödinger’, criado pelo físico e vencedor do Nobel Erwin Schrödinger, são amplamente debatidas abrindo um enorme campo de interesse no espectador mais atento.


Os paralelos entre o estado caótico e a esperança (aqui revertida de fé) dominam as ações e consequências dos personagens, esses intrigantes, cada qual com sua forma de enxergar a situação em que não conseguem sair. A chegada dos novos membros na cidade acaba desencadeando conflitos no pensar, deixando muitos deles em dilemas profundos. Tem os que enlouquecem, os que pensam em como ajudar a comunidade como um todo deixando qualquer tipo de egoísmo para trás, os que enxergam o sonho de um lugar mais alto do que o pesadelo. Batendo na tecla do princípio darwiniano, de que quem consegue se adaptar vai ter chances de sobreviver, acompanhamos o cotidiano dessas pessoas, dentro de um liquidificador de sentimentos, que chegaram naquele lugar por cidades e estradas diferentes.


A organização da cidade nos leva para a reflexão de que uma sociedade só sobrevive quando há uma certa cadeia de comando e aqui tudo isso é colocado em prova na trajetória do ótimo personagem Boyd. Intitulado xerife da cidade, o homem que precisa tomar as decisões que precisam serem tomadas, por mais difícil que sejam, se vê em grandes conflitos procurando a fé, passando pela raiva, ainda buscando entender o que houve com a esposa logo depois que chegaram naquele lugar.

 

As histórias e embates dentro da trama nos guiam como se fosse uma mapa de personalidade. Os traumas vividos, as experiência compartilhadas, a chegada de muitos deles até ali, a forma como reagem quando são instigados pelas criaturas noturnas que fazem de tudo para entrar nas suas casas. Bebendo da fonte da premissa da ótima Wayward Pines, Origem é interpretativa sem deixar de ser inteligente seja qual o entendimento que você tiver sobre os surpreendentes acontecimentos da ótima primeira temporada. Que chegue logo a segunda!



 

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21/03/2023

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Crítica do filme: 'O Rio do Desejo'


A angústia do desejo. Tema de várias obras ao longo do desenvolvimento da humanidade, a traição, o desejo, o amor proibido se chocam em conflitos quase sempre amargurados onde os pontos de vistas se tornam a estradas para reflexões. O Rio do Desejo, do ótimo cineasta Sérgio Machado, nos leva para esse paralelo, uma jornada muito bem construída, objetiva, que busca criar um recorte dentro do universo abstrato do desejo na visão de um quadrado amoroso. Baseada em um conto chamado O Adeus do Comandante da obra A Cidade Ilhada do escritor amazonense Milton Hatoum, o filme consegue dar vida, movimento, a sentimentos conflitantes.


Na trama, conhecemos o capitão da polícia Dalberto (Daniel Oliveira) um homem sério que resolve abandonar a corporação e comprar um barco depois de se apaixonar perdidamente pela bela e alegre Anaíra (Sophie Charlotte). Ainda em fase de mudança de vida, Dalberto resolve levar a amada para morar por um tempo na casa onde vive com os dois irmãos, Dalmo (Rômulo Braga) e Armando (Gabriel Leone), o primeiro um fotógrafo que tem um pequeno empreendimento na cidade, o outro um amante do universo musical que faz apresentações com sua banda. Mas a aparente harmonia é colocada à prova quando Dalberto precisa fazer uma viagem de quase dois meses e Anaíra começa a se aproximar de Dalmo e principalmente Armando.


Os pontos de vista dos ótimos personagens criam recortes instigantes no quadrado amoroso estabelecido. Os laços dos irmãos são rompidos com a presença de Anaíra, esse é o estopim que navega durante todo o clímax. O ciúmes, o proibido, tornam-se elementos constantes na trajetória de cada um deles. Dalberto se vê completamente perdido em seu descontrole, o irmão do meio embarca no desconhecido onde o perdoar não é uma opção. Dalmo, o mais velho se vê no cárcere do voyeurismo buscando a razão, estando próximo do seu desejo mas mantendo distância na realidade dura que chega na sua frente, prefere o sofrer. Armando é o lado da imaturidade misturado com inocência do lado desbravador de um primeiro intenso amor. Anaíra, o ponto de interseção dessa história, se vê em enorme conflito, se sentindo abandonada, aflorando seus desejos a cada novo pensamento de desilusão.


Essa reflexiva obra, que já foi até questão de vestibular em 2017 na UFN (Universidade Franciscana), teve uma carreira internacional consolidada passando por alguns festivais, e inclusive já está vendida para muitos países (terá exibições em cinemas, da Coreia do Sul, Japão, França, Itália, Portugal).


Com filmagens na bela Itacoatiara (AM), um pouco antes da chegada da Pandemia da Covid-19, O Rio do Desejo se constrói em torno da iminência da tragédia, através dos conflitos, ações e consequências, de personagens amargurados dentro de laços fortes que são quebrados. A narrativa, muito bem construída, apresentação a situação sem esquecer de contextualizar elementos para a história, acelera para seu competente clímax que perdura nas linhas da melancolia deixando um profundo retrato que envolve essa família.



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07/11/2022

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Crítica do filme: 'Paloma'


O desabrochar de um sonho. Vencedor do Prêmio de Melhor Atriz e Melhor Longa-metragem da mostra competitiva da Première Brasil do Festival do Rio de 2022, Paloma nos leva para uma história, baseada em uma notícia de jornal, sobre uma mulher transexual que tem o sonho de se casar na igreja. Dirigido pelo experiente cineasta pernambucano Marcelo Gomes, o projeto apresenta uma forte protagonista em uma jornada de conflitos, incertezas, amores, traições, que fortalece a força da fé num recorte sensível e profundo sobre os desenrolares do desabrochar de um sonho.


Na trama, conhecemos Paloma (Kika Sena), mãe da pequena Jenifer que mora com o companheiro Zé (Ridson Reis) em uma casa humilde em Saloá, município de Pernambuco, uma pequena cidade nordestina com pouco mais de 15.000 habitantes. Paloma é transexual e trabalha diariamente como agricultora (numa colheita de mamão) e de vez em quando faz bico como cabeleireira. Ela tem um desejo dentro dela que acaba saltando em seu presente: ela quer se casar na igreja de véu e grinalda. Em uma conversa com o padre da cidade, ela fica sabendo que somente o papa poderia dar autorização para ela casar na Igreja. Assim, resolve escrever uma carta para a maior autoridade católica do planeta. A partir dessa iniciativa, conhecemos alguns conflitos que a protagonista atravessa na caminhada para seus sonhos e sem nunca perder sua fé.


Também exibido na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Paloma contorna as linhas sempre dolorosas do preconceito mas aqui combatidas com uma força impressionante de uma alegria genuína. De forma contagiante parece convencer, até mesmo inspirar, a todos ao seu redor para embarcar no seu sonho. Mas a estrada é cheia de obstáculos, a impunidade de uma violência desumana está muito próxima. Essa filha de Deus como qualquer outra pessoa busca uma aceitação dentro de um cenário conservador que muitas vezes parece não enxergar que o amor está em toda e qualquer relação de duas almas que se amam. 


Sua relação com Zé também tem grande profundidade na narrativa. Há muito amor nesse lar mas também conflitos sobre o principal sonho de Paloma. Por exemplo: a mãe de Zé não aceita essa relação e isso vira um outro conflito com o circo midiático que acaba se estabelecendo com o casamento. Há também escolhas que a protagonista faz pelo caminho, como seu relacionamento relâmpago com um terceiro, erros e acertos que aqui são empurrados pela força dos seus desejos. Kika Sena se doa completamente a sua personagem em uma interpretação emocionante que ficará gravada para sempre na memória do cinema brasileiro.


Quando a realização chega em paralelo ao seu sonho (o sacramento sagrado do patrimônio), parece um momento de descobertas mais sombrias e preconceituosas de um entorno conservador, preconceituoso, que dilacera sua felicidade mas sem nunca deixar de seguir em frente como todos que sabem lutar pela sua verdade. Paloma chega ao circuito exibidor brasileiro em novembro, uma oportunidade para todos assistirem mais uma impactante obra-prima do cinema brasileiro.



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14/10/2022

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Pausa para uma série: 'Vale Tudo com Tim Maia'


O Spielberg frustrado que virou um ícone da música brasileira. Com exibição de dois episódios no Festival do Rio 2022, a série documental Vale Tudo com Tim Maia, já toda disponível na Globoplay, consegue por meio de uma ótima edição e montagem contar a trajetória de um dos artistas mais peculiares da história da música popular brasileira, por ele mesmo. Dirigido por Nelson Motta e Renato Terra, com manchetes de jornais, vídeos da vida pessoal, entrevistas na televisão, imagens inéditas, até mesmo uma passagem de um curta-metragem da década de 80 do cineasta Flávio Ramos Tambellini, e também gravações na antiga TV Tupi, o projeto nos mostra vários momentos do eterno síndico.


Caçula de onze irmãos de uma família tijucana pobre dos anos 50, Tim Maia andava muito entre as famosas ruas do bairro da zona norte do Rio de Janeiro, Haddock Lobo e Rua Matoso, por aí começou sua trajetória. Com uma série de entrevistas e papos com amigos, histórias dos tempos que entregava marmita (inclusive na casa do Erasmo Carlos) estão presentes. Já perto dos 12 anos iniciou o fascínio pela música com um violão de presente dado pelo pai, dali formou um conjunto ‘Os Tijucanos do Ritmo’, na igreja onde frequentava. Depois os Sputniks, já com Roberto Carlos.


No final da década de 50 ele foi para os Estados Unidos com um grupo de padres, após a decepção com o término dos Sputniks. Lá ele morou na cidadezinha de Tarrytown, em Nova Iorque, onde trabalhou como enfermeiro, mordomo, trabalhando cerca de 12 horas por dia mas sempre tendo a música em paralelo. No final da década de 60, alguns artistas começaram a gravar suas composições, como Elis Regina que gravou ‘These are the Songs’. Logo começou a aparecer no cenário musical chegando inclusive a ter música em trilha sonora de novela, com ‘João Coragem’ música de ‘Irmãos Coragem’, novela escrita por Janete Clair.


A relação de seu profissionalismo (que às vezes ficava de lado, faltando muitos shows) e a irreverente genialidade musical, ele que não sabia escrever música e tentava transmitir aos maestros o que precisa sair de som para entrar sua voz, marcam presença no projeto. Há relatos curiosos sobre composições marcantes, um deles: o dia que na parede de um lugar onde estava se sentindo sozinho, viu um retrato de uma moça na parede e um mar por trás, assim surgiu o sucesso ‘Azul da Cor do Mar’.


Algumas polêmicas também não faltam por aqui, seu envolvimento com uma curiosa seita, seus problemas com os vícios, com a lei. Ao mesmo tempo, também conferimos trechos de apresentações arrepiantes de um dos criadores do Soul brasileiro que chegam mais presente no desfecho, no último episódio. Vale Tudo com Tim Maia ativa nas nossas memórias sobre esse cantor especial, contador e protagonista de muitas histórias.



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16/05/2022

Crítica do filme: 'Miss França'


O acreditar nos sonhos de alguém que busca a felicidade. Em seu quarto trabalho atrás das câmeras, o cineasta Ruben Alves (do ótimo A Gaiola Dourada), de maneira leve e divertida, caminha em questões profundas nos mostrando a saga de Alex, que tem o sonho de ser Miss França. O ator Alexandre Wetter, modelo andrógino que se destacou no mundo da moda a trabalhar para o estilista francês Jean-Paul Gaultier, foi indicado ao César, em 2021, como revelação masculina mais promissora por seu papel nesse filme.


Na trama, conhecemos Alex (Alexandre Wetter) que desde adolescente tem um mesmo sonho. Após o acidente com os pais quando era mais jovem, fora criado em orfanatos e hoje se vê morando numa pensão, sem muitas pretensões profissionais. Mas Alex tem seu sonho guardado com ele, ser Miss França, e a força de vontade de chegar até seu objetivo transforma essa jornada colocando muitos obstáculos mas sempre indo em frente. Assim, irá iniciar essa jornada contando com os próximos amigos que moram com ele na pensão.


Um fórum para ideias políticas? Um símbolo do sexismo? De maneira um pouco além do superficial, mas sem deixar de ser um tópico importante, há um embate sobre a importância ou não do concurso de Miss, além de seus critérios de seleção. Inclusive, um paralelo à realidade: no ano de 2021, o concurso Miss França foi processado por discriminação após selecionar concorrentes com base nas suas aparências físicas, entre alguns outros critérios considerados abusivos aos olhos da legislação trabalhista francesa.


Estimado em pouco menos de 5 milhões de euros, transitando entre o drama e a comédia, Miss França acende debates importante em um mundo ainda muito conservador. Explorando também como uma pessoa se sente em relação ao próprio gênero (aqui exemplificado na questão não-binário: pessoas que se identificam como homem e mulher, nenhum dos dois, os dois ou nenhum gênero em especifico), navegamos por essa deliciosa história, repleta de obstáculos para Alex e que ensina a cada nova chance de levantar, erguer a cabeça a ir atrás dos sonhos.



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03/05/2022

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Crítica do filme: 'Pureza'

 


A força e determinação de uma mãe de muitos. Livremente inspirado em fatos reais, Pureza mete o dedo na ferida em um grave problema que acontece não só no Brasil mas em vários lugares do mundo: o trabalho escravo. Em um país onde a palavra não vale nada, onde há corrupção por todos os lados, o projeto traz à luz feridas em aberto de uma sociedade que tem muitas dificuldades em buscar seus direitos pela lei. Dirigido pelo cineasta Renato Barbieri o filme teve exibição no Festival do RJ em 2019 e só agora em 2022 consegue chegar aos cinemas brasileiros.


Na trama, ambientada ainda na época do cruzeiro real, conhecemos Pureza (Dira Paes) uma mulher batalhadora que vive uma vida simples com seu filho Abel (Matheus Abreu). Quando esse último resolve ganhar a vida em uma região distante de onde mora, sua mãe logo fica sem saber notícias sobre ele. Assim, a protagonista, durante meses, resolve ir atrás do paradeiro de seu único filho e acaba caminhando pelos caminhos do absurdo político, do trabalho escravo, em lugares onde a lei não existe. Essa mãe que iniciou uma busca por seu filho acabou sendo uma intensa força propulsora para denúncias contra o trabalho escravo no Brasil.


A forte protagonista acaba sendo nossos olhos nesse filme denúncia que além de escancarar os absurdos do trabalho escravo, fala do sentimento de uma mãe e toda coragem de uma mulher batalhadora que aprendeu a ler aos 40 anos. A forte relação, maternal, que Pureza cria com os trabalhadores nas fazendas da região amazônica que esteve nos levam a refletir sobre a tristeza e solidão de muitos que precisam sobreviver sem auxílios, lidando com condições de trabalho precárias, sem carteira de trabalho e todos os direitos que a lei determina.


O projeto, que teve um mês de gravações com muitas cenas realizadas em Marabá (no Pará) é inspirado na história real de Pureza Lopes Loyola, cuja luta deu origem à criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, a primeira ação na História do Brasil destinada a combater o trabalho escravo em todo o território nacional. Uma mulher guerreira com uma causa importante. Para vocês terem ideia, em 2018, pode-se afirmar que cerca de 40 milhões de pessoas foram submetidas a trabalhos escravo em todo o mundo.





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13/04/2022

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Crítica do filme: 'Medida Provisória'


Uma distopia que diz muito sobre nossa sociedade. Baseado na peça Namíbia, Não!, de Aldri Anunciação, o longa-metragem que marca a estreia de Lázaro Ramos na direção, Medida Provisória, é um dos mais impactantes projetos cinematográficos dos últimos anos. Metendo o dedo em feridas de uma sociedade que enxerga o preconceito mas faz pouco para que ocorra mudanças, o projeto debate sobre as questões sociais, econômicas, políticas de um país que vive em constante condições de extrema opressão e desespero. De maneira muito inteligente, vemos dentro de uma distopia muito do que enxergamos pela janela todos os dias.

Na trama, em um futuro sem data definida mas longe de ser muito diferente da nossa realidade, conhecemos o advogado Antônio (Alfred Enoch) que mora com Capitu, sua esposa e médica (Taís Araújo) e o primo, o jornalista André (Seu Jorge). Certo dia, uma medida de reparação financeira pelos tempos de escravidão no Brasil é proposta, e a mesma é golpeada por outra medida provisória criada pelo Governo Brasileiro, que consiste em obrigar os cidadãos negros a ‘voltarem’ à África como forma de reparar os tempos de escravidão. Assim os três personagens enfrentarão absurdos, os primos trancados dentro de casa e Capitu fugindo pelas ruas da cidade.


Quem nunca viu uma ação preconceituosa no seu cotidiano? E o que você fez, sentiu, pensou quando enxergou tal situação? Exibido no Festival do Rio, na edição que aconteceu no final de 2021, Medida Provisória busca suas reflexões dentro de situações que não deixam de ser grandes paralelos com o que enxergamos em nossa sociedade. O uso do tragicômico, reforçado pelo ótimo personagem André, fortalece o discurso da narrativa colocando o espectador perto de situações próximas do nosso cotidiano.


A questão da resistência e a rede de apoio que acaba se formando para ir de encontro à opressão é muito bem definida. Vivendo próximos de outros que compartilham de mesmo valores, pensamentos e laços de identidade, representados aqui pelos lugares de resistência denominados Afrobunkers e também pela situação que se encontram Antônio e André, e todo o pensar sobre esse momento em que vivem, os medos, as incertezas, mas também a necessidade de lutar.


A questão política, e todo o preconceito embutido, é refletida através das consequências dos absurdos da medida provisória que anula outra medida que era uma reparação financeira pelos tempos de escravidão no Brasil. Um peito aberto preconceituoso, sem medo de se mostrar, que representa que o preconceito sempre esteve presente. Assim como a direção política que o Brasil tomou nesse governo que estamos, repleto de ‘medidas provisórias’ que vão bem longe do encontro de uma sociedade mais justa, unida e respeitosa com todos.


Medida Provisória é um impactante projeto. Merece ser visto, revisto e debatido. É um grito, é resistência, é uma demonstração de que a força para a luta dos seus direitos pode e deve ter o seu valor. Bravo!


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08/04/2022

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Crítica do filme: 'Belchior – Apenas um Coração Selvagem'


O grito de um poeta quase indecifrável da música popular brasileira. Exibido no Festival é Tudo Verdade 2022, Belchior – Apenas um Coração Selvagem nos mostra por meio de depoimentos do próprio ao longo de muitas entrevistas que concedeu ao longo de sua carreira parte da trajetória desse compositor, cantor, letrista que usava sua música para falar sobre a vida, a juventude, sobre o cidadão comum sujeito a vida, não interessado em nenhuma teoria, com foco em ajudar a refletir. A fama, o sucesso, o sumiço, também geram pensares, reflexões. O posicionamento dos artistas sobre questões sociais também. Em um momento onde a cultura é diariamente ferida por um governo que não enxerga o poder de transformação da arte na vida das pessoas, sempre bom lembrarmos ou até mesmo conhecermos pessoas que dentro do seu refletir reproduziram a essência existencial de um Brasil atemporal.


Nascido no norte do Ceará, um dos filhos de 23 irmãos, o mais bem sucedido deles, foi para São Paulo, viver de sua arte. Vivia o dia, vivia a noite sem precisão na sua definição artística, que era uma soma de muitas influências. Em cerca de uma hora e meia de projeção, acompanhamos sua impactante chegada na música popular brasileira, seu modo de pensar caminhando para a morte pensando em vencer na vida.


Pela dor e a incerteza há como descobrir o poder da alegria? Dono de um pensar carismático sobre o que enxergava sobre a vida, refletia sobre a vida do nordestino na cidade grande, principalmente quando chegou em São Paulo para ganhar a vida no mundo das artes. Há um recorte do nordestino na visão de um homem que refletia a todo instante sobre sua origem. A religião como influência, o canto popular nas festas das cidades, o seu olhar sobre uma região, um povo, tudo que viveu, viu, leu, da poesia para a música. Afirmação de ideias e sentimentos dentro de um trabalho contemporâneo, atemporal e nordestino ao mesmo tempo que era devoto de que os homens não tinham raízes permanentes. Em alguns momentos do documentário poemas e letras do artista são declamadas pelo ator cearense Silvero Pereira.


Uma aventura cheia de romantismo? Uma encarada como ofício? Emergindo do underground, sua chegada na música como ofício é guiada por um forte sentimento poético, além de referências como: Luiz Gonzaga, Joao do Valle, Jackson do Pandeiro, o movimento da Tropicália, Os Beatles, e mais da música popular de sua época. Seus encontros com grandes nomes da música, como com a cantora Elis Regina, que gravou uma de suas composições mais conhecidas, Como Nossos Pais, são mostrados rapidamente.


O filme atravessa alguns detalhes de seu álbum mais consagrado, Alucinação, lançado em em meados da década de 70 e que de alguma forma inaugura a distância da maçante metáfora da época dentro de um discurso não claro, um trabalho de confronto com a realidade onde não apenas os rapazes latino americanos sem dinheiro banco se sentiam representados mas todos que de alguma forma enxergavam que para viver é necessário a resistência de seus sonhos e no acredita.  


Bocejos ou sonhos matinais? Delírio dentro de suas experiências com coisas reais? Participante de movimentos democráticos, Belchior, adepto do amar e o mudar, dava luz aos problemas da até então nova geração, dentro de um quase paradigma do que seria a básica ação de suportar o dia a dia sem comprometimento com o passado.


A fórmula de buscar decifrar o artista numa espécie de ‘Belchior por Belchior’ é mais que certeira. Você pode terminar esse documentário e querer sair correndo para conhecer as canções de Belchior, eternizadas no universo constante e radiante da Música Popular Brasileira. Um belíssimo trabalho dos diretores Natália Dias e Camilo Cavalcanti.




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16/02/2022

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Crítica do filme: 'Cabeça de Nêgo'


As realidades de um Brasil. No final do ano passado, depois de uma carreira em festivais de cinema no Brasil e em outros países, chegou ao circuito exibidor um dos filmes mais impactantes do cinema brasileiro dos últimos anos, Cabeça de Nêgo. Discutindo e fazendo refletindo sobre o preconceito, o racismo e muito sobre o precário sistema de educação pública do nosso país, o longa-metragem dirigido por Déo Cardoso é um soco no estômago que escancara a realidade vivida por muitos em um país sem oportunidades e preso a interesses. Disponível no catálogo da Globoplay.


Na trama, conhecemos Saulo (Lucas Limeira), um jovem muito inteligente que após uma discussão em sala de aula e ser ofendido por um outro colega de classe, resolve protestar não saindo das dependências da escola. O assunto ganha as redes sociais e junto a outros colegas começa a divulgar as precárias condições do colégio onde estuda que acabam provocando um grande embate com a direção do colégio, políticos e poderosos da região.


Quando nada vai bem, é preciso reagir. Explorando a questão da importância do protestar, o projeto coloca o dedo na ferida do sistema educacional brasileiro que vem se deteriorando ao longo dos anos causando um descaso contra muitos jovens de nosso país que estão matriculados na educação pública. Por meio das ações do protagonista, vemos cenas muito parecidas que acompanhamos do lado de cá da telona.


A questão do racismo é outro foco. A partir do insulto, Saulo provoca reflexões, muitas dessas inspiradas por um livro dos Panteras Negras (organização urbana socialista revolucionária fundada por Bobby Seale e Huey Newton em outubro de 1966) a partir da sua ação em ficar no colégio.


As reflexões são inúmeras nesse belíssimo trabalho de Déo Cardoso. É um filme que precisa ser mostrado em sala de aula, ter muitos debates sobre os poderosos temas que aborda. É pra ver e rever! Filmaço brasileiro!



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23/01/2022

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Crítica do filme: 'Eduardo e Mônica'


Existe razão nas coisas feitas pelo coração? Com uma tarefa árdua de transformar em filme uma das músicas mais emblemáticas da carreira da inesquecível Legião Urbana, banda de rock liderada pelo genial Renato Russo, o cineasta René Sampaio (que em 2013 adaptou Faroeste Caboclo para o cinema) consegue pegar uma estrada de emoções, escolhas, dentro de duas visões completamente diferentes do viver e o resultado é um filme emocionante que transpira muitas fases da vida. Gabriel Leone e Alice Braga estão em grande harmonia na pele dos protagonistas.


Na trama, conhecemos Eduardo (Gabriel Leone) e Mônica (Alice Braga). Eles não sabem mas vão se apaixonar perdidamente. Ele, um jovem que está perto de prestar o vestibular, joga futebol de botão com seu avô (com quem mora após o falecimento de sua mãe), tem o sonho de ser engenheiro, nunca se apaixonou. Ela, uma jovem já na fase final da residência em medicina, que faz experimentos visuais em festas e espaços, mora sozinha e anda de moto, gosta do movimento Nouvelle Vague, está antenada em manifestações e na luta por dias melhores para sua comunidade. Essas duas almas vão se encontrar em uma festa e o destino deles estará entrelaçado para sempre.


Assim como em Faroeste Caboclo, esse é mais um filme que dezenas de caminhos poderiam ser tomados quando pensamos em narrativa para contar essa história. Procurando ser bastante fiel aos ricos detalhes da letra de Renato Russo, Sampaio e companhia navegam na construção crescente do sentimento, sendo muito precisos nos conflitos que essa relação tende a enfrentar. A questão da diferença de idade nunca foi um grande tabu, nem epicentro desse amor, partimos então para as reflexões em torno de como já pensam sobre o mundo e sobre um do outro. A partir disso, conflitos vem as montes misturados com acréscimos em forma de crítica política. O maior exemplo desse acréscimo é o fato do avô de Eduardo ser militar e consequentemente no emblemático embate que acontece quando Mônica (que teve o pai exilado) vai conhecê-lo pela primeira vez.


Mas para sentirmos o filme como ele deve, precisamos falar sobre a construção do maior dos sentimentos. Para o amor, essa força pulsante que nos guia, ser recriado em uma tela de cinema vários elementos precisam estar em harmonia, não só os excelentes atores em cena. Há uma poesia de background em cada cena que os dois sonham e declamam seus sentimentos, em resumo podemos afirmar que a construção dos personagens é belíssima. Tudo faz muito sentido nessa difícil adaptação de uma letra de música para formato audiovisual.


Mesmo carente de um clímax, talvez falte aquela cena para ficar guardada nos corações cinéfilos, Eduardo e Mônica já pode ser considerado um dos ótimos filmes desse início de 2022. Será que Sampaio já está pensando em outra adaptação de alguma letra de Renato Russo? Ou ainda é cedo?



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04/01/2022

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Crítica do filme: 'O Auto da Compadecida'


A malandragem de uma boa história. Divertido, empolgante, com personagens inesquecíveis que aborda a cultura popular, a tradição religiosa, o amor no mais puro sentido desse sentimento, O Auto da Compadecida foi lançado nos cinemas brasileiros em setembro do ano 2000 dirigido por Guel Arraes. Baseado em um clássico homônimo da cultura nordestina brasileira escrito por Ariano Suassuna, além de outros dois contos do famoso escritor, O Santo e a Porca e Torturas de um Coração, todos de meados da década de 50, o filme foi um grande sucesso de público e crítica levando mais de 2 milhões de pessoas às salas de cinema de todo o Brasil.


Na trama, ambientado na década de 30 no nordeste brasileiro, conhecemos dois amigos inseparáveis que se metem em diversas confusões próximo à região de Taperoá, na Paraíba. Chicó (Selton Mello) e João Grilo (Matheus Nachtergaele) são dois jovens, pobres, que fazem vários bicos em busca de suas próprias sobrevivências. Conhecendo bem a região e seus moradores, envolvem a maioria desses em diversas situações que mexem com a fé, com as tradições, com a ambição, com o desejo. O Auto da Compadecida é, sem dúvidas, um clássico do cinema brasileiro. Uma parte do texto, antes virara peça de teatro, tendo sua primeira exibição sendo feita em 1956 em Recife, em forma de auto, em três atos. Grandes artistas já encenaram os saudosos personagens, Agildo Ribeiro por exemplo foi um dos grandes intérpretes de João Grilo nos palcos.


O elenco é fantástico. Temos Selton Mello e Matheus Nachtergaele, nos papeis principais, temos Luis Mello de Diabo, Fernanda Montenegro de Compadecida (a própria Nossa Senhora), Marco Nanini como Severino (o perturbado Cangaceiro), Lima Duarte e Rogério Cardoso nos papéis religiosos, Paulo Goulart como Major Antônio Morais, pai de Rosinha, interpretada por Virginia Cavendish. Tem também os ótimos Denise Fraga e Diogo Vilela que fazem um casal, ela uma assanhada dona de casa ele o padeiro da região.


Da cultura à boa história. Assistindo a esse belo filme nós rimos, nos emocionamos, conhecemos melhor toda uma cultura de um nordeste criativo, das origens do cordel, dos traços do barroco, da importância religiosa e as devoções. Um dos méritos do roteiro, que teve surpervisão de Suassuna, é encontrar uma forma alegre e descontraída de mostrar o retrato de uma vida dura de muitos dentro de uma sugestiva magia e criatividade da cultura brasileira. Mas não fica apenas em referências daqui, já que até há traços de Decamerão, de Boccaccio, no filme. 


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08/09/2021

Crítica do filme: 'O Bom Doutor'


As inconsequências sobre os limites da ética. Milagres de natal ou irresponsabilidades médica? Passado praticamente durante uma noite bastante alucinante, O Bom Doutor, longa-metragem francês, nos mostra dois mundos completamente diferentes que se encontram de maneira inusitada, um médico rabugento e já com preguiça da profissão que atende à domicílio e um ingênuo jovem entregador de encomendas que quase nunca pensa sobre seu futuro. A partir desse encontro, várias linhas reflexivas são geradas, dentro do ponto de vista do não médico e das irresponsabilidades do que possui a licença para medicar. Os contrapontos dos absurdos se mesclam entre o improvável e o aceitável nessa comédia feita pra rir que tem no elenco o comediante e Youtuber Hakim Jemili e o veterano ator Michel Blanc . Quem assina a direção é Tristan Séguéla.


Na trama, conhecemos o médico Serge Mamou-Mani (Michel Blanc), um homem que vive com o luto da perda do filho presente em seu cotidiano. Ele é médico, com muita experiência, que hoje em dia atende à emergências na casa dos próprios pacientes. Certo dia, após seu destino cruzar com o de Malek (Hakim Jemili), um simpático entregador, ele resolve pedir ajuda dele para cuidar do restante dos pacientes que faltam no turno pois Serge está com uma dor aguda na coluna e não consegue mais se movimentar. Assim, Malek se faz passar por médico e por meio de uma escuta/headphone/telefone executa o que Serge lhe diz pelo ponto no ouvido. Febre, diarreia, dor de garganta, prisão de ventre, dos mais simples aos mais complexos casos aparecem durante essas intensas horas desse dia natalino.


Os limites da ética viram quase um background que envolve todas as ações e inconsequência que testemunhamos, sem medir os riscos possíveis a dupla vira cúmplice dos absurdos diagnósticos à distância feita presencialmente por aquele que nunca exerceu a medicina. Há um ritmo acoplado na comédia, deixando a história com leveza mesmo tendo um ponto de objetivo cenários eminentes de caos em busca das consequências. Os artistas possuem uma harmonia muito visível, ótimas cenas dentro do absurdo todo proposto.

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06/12/2020

Crítica do filme: 'Terra Selvagem' (Jungleland)


O que você escolhe, medo ou esperança? Falando sobre força de dois Irmãos e seus distantes sonhos em uma realidade cruel lutando contra a falta de dias melhores, Jungleland, dirigido por Max Winkler (em seu terceiro longa-metragem) e produzido por Ridley Scott é um filme forte que mostra a dureza de duas almas nômades sem foco no mundo, caminhando por uma melancolia diária, que resolvem apostar todas suas fichas em um torneio de visibilidade no circuito amador de boxe sem luvas, além de serem obrigados a embarcar em uma missão misteriosa para conseguir pagar uma dívida. Exibido no Festival de Toronto, o projeto é estrelado por Charlie Hunnam, Jack O'Connell e Jessica Barden.


Na trama, conhecemos os irmãos Stanley (Charlie Hunnam) e Walter 'Lion' (Jack O'Connell), que vagam pelas ruas de uma cidade norte-americana em busca do sonho de serem famosos dentro do universo do boxe amador. Quando se veem encurralados por uma dívida, são obrigados a levar Sky (Jessica Barden), que eles não fazem a mínima de ideia de quem seja, até uma pessoa em San Francisco, em troca disso tem a dívida perdoada e conseguem a inscrição em um torneio de boxe de alta visibilidade em San Francisco. Assim, os três entram em uma jornada sem muito foco que passa por abalos emocionais enormes.


Explorando o Looping em eternos recomeços, Jungleland, mostra todo o sofrimento emocional de dois irmãos com poucos pontos de interseção mas que de alguma forma apresentam uma grande lealdade mútua mesmo que isso implique em confusões e caminhos que ambos não pensam iguais. Há um foco marcante na questão da desestrutura familiar, nessa ótica nos apresentam esporádicos momentos de profundidade sobre o passado dos irmãos e dentro de uma subtrama pouco explicada que é a trajetória de Sky. As lacunas preenchidas das consequências dos atos transformam o desfecho aberto em algo compreendido de quem conseguir ler nas entrelinhas das atitudes de cada personagem em suas trajetórias. Jungleland é forte, duro e mostra uma realidade quase dentro de um universo paralelo para muitos que não conhecem ou não viveram dificuldades na vida.

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07/11/2020

Crítica do filme: 'Longe da Árvore'


O consenso cultural nem sempre retrata a melhor maneira de enxergamos como podemos nos amar sendo quem somos. Explorando a montanha russa, os altos e baixos, da relação de pais e filhos, Longe da Árvore impactante documentário dirigido pelas cineastas Rachel Dretzin e Jamila Ephron, baseado em partes em um livro (Far from the Tree) do escritor Andrew Solomon, percorre um olhar por dentro da vida de algumas famílias. São profundos e alguns dolorosos relatos, emocionante em muitos momentos, pais e filhos e suas descobertas diárias nessa relação que para uns parecem fáceis mas que sempre vão ter bons e nem tão bons momentos.


São vários os olhares que acompanhamos ao longo de cerca de 90 minutos de projeção. Jason tem síndrome de Down e seus pais sempre enfrentaram todo o tipo de preconceito com avanços corajosos na educação dele, que, mesmo com essa deficiência, consegue realizar tarefas básicas como a rápida matemática de maneira igual aos de sua idade; os relatos emocionados da mãe de Jack, um dos personagens, um jovem com autismo, sobre todas as maneiras que buscarão para melhor a situação dele, principalmente na hora de interagir com os outros; Loini, que sofre por ser diferente e não ter contato com outras como ela que possuem o nanismo mas acaba se encontrando em uma convenção anual da associação gente pequena dos Estados Unidos. O idealizador do livro e sua batalha antes perdida em entender seus pais após anunciar para a família que era gay; pais que levam uma culpa para sempre após uma tragédia impactar para sempre as suas vidas.


São registros por meio de vídeos, depoimentos atuais, reflexões sobre os impactos da criação de uma família. Não é uma escolha os pais amarem seus filhos. Em Longe da Árvore vamos acompanhar batalhas emocionais, força de vontade, novas descobertas, desejos, condições tudo isso de maneira muito reflexiva e que de alguma forma deixa muitas lições para todos nós.  

 

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31/10/2020

Crítica do filme: 'Shirley'


Originalidade não é algo que simplesmente se manifesta. Exibido nos prestigiados Festivais de Berlim, Sundance e Mostra de SP desse 2020 atípico, Shirley, entre outras questões, aborda o relacionamento matrimonial em duas óticas. Mesmo dentro de um compasso de uma história dentro de uma outra, o roteiro prioriza o ritmo, sem perder completamente o sentido em seus complexos arcos, pois, no final das contas, acaba sendo muito interpretativo. Dirigido pela cineasta norte-americana Josephine Decker e baseado no livro homônimo da escritora Susan Scarf Merrell, o longa-metragem conta com um elenco brilhante, destaque para mais uma atuação impressionante de Elisabeth Moss, uma das mais completas artistas da atualidade.


Na trama, conhecemos a Indelicada, inconveniente, provocativa, excêntrica, adivinhadora de futuros, que sofre com conflitos internos, tem uma visão complicada do mundo, vive tragédias diárias em seu casamento, a escritora Shirley Jackson (Elisabeth Moss) que passa sua vida reclusa em uma casa confortável, tendo a companhia do seu marido Stanley (Michael Stuhlbarg), um prestigiado professor de universidade. Com a chegada do jovem casal Rosa (Odessa Young) e Fred (Logan Lerman) para morarem durante um tempo na casa de Shirley e Stanley, a nova dinâmica mexerá bastante com a rotina depressiva da primeira que entre outros feitos, embarca em uma análise angustiante sobre si mesma e tudo que cria nos seus elogiados textos influenciando a imatura e sem experiência de vida Rosa.


Não é um filme fácil, um quebra-cabeça com peças difíceis de encontrar. A relação de marido e mulher é tensa, com limites ultrapassados, enquanto somos testemunhas de uma desconstrução, ao mesmo tempo vemos uma nova construção de caminhos. As imposições se tornam bastante questionáveis, principalmente, quando começamos a perceber um machismo nada sutil em várias linhas dos arcos com foco no ótimo personagem Stanley (brilhantemente interpretado por Stuhlbarg, um grande ator bastante subestimado).


Nos arcos finais, há uma loucura de acontecimentos intercalados, onde, às vezes, demoramos a encontrar algum sentido. Mas, aliás, as entrelinhas nunca foram tão ricas em paralelos e analogias nesse trabalho que acaba sendo um grande faz de conta do mundo real.

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24/01/2020

Crítica do filme: 'Entre Facas e Segredos'


Escrito e dirigido pelo ótimo cineasta norte-americano Rian Johnson (Looper: Assassinos do Futuro), Entre Facas e Segredos beira ao brilhantismo ao demonstrar a psicologia por trás da ganância e egoísmo de uma família da alta sociedade americana. Um ótimo elenco em personagens cheios de complexos e segredos. O projeto, que fora lançado nos cinemas brasileiros semanas atrás, mais que um filme básico de suspense para procurarmos o assassino, ou as verdades por trás de mentiras, costura com bastante maestria as facetas dos limites do ser humano e nos leva a lugares surpreendentes de um suspense repleto de argumentos interessantes.

Na trama, conhecemos o milionário escritor de suspenses Harlan Thrombey (Christopher Plummer) na noite do seu aniversário de 85 anos. Toda a família reunida e também Marta (Ana de Armas) uma jovem enfermeira, imigrante, que cuida das medicações e do bem estar do dono da casa. O tabuleiro narrativo se transforma em um grande quebra-cabeça com inimigos virando amigos, uniões improváveis, após o assassinato de Harlan. Para tentar descobrir o que houve no fim daquela noite, um detetive ao melhor estilo Agatha Christie aparece em cena, Benoit Blanc (Daniel Craig) e não medirá esforços e excentricidades para conseguir chegar a conclusão desse complicado caso.

Durante os arcos, atentos olhos cinéfilos buscam explicações e tentam desvendar futuros mistérios sobre as personalidades e possíveis motivos de todos os personagens, cada um mais excêntrico que o outro. A dobradinha entre a imigrante e o peculiar detetive ditam o tom de boa parte da curiosa narrativa. A primeira, a protagonista, ouve tudo sobre a investigação e busca seus objetivos na mesma. O segundo, caricato e interpretado de maneira contagiante pelo 007 Daniel Craig aparece nas horas mais incomuns em busca de chegar aos seus argumentos finais com êxito.

O circo pega fogo, as discussões em família são hilárias, sarcásticas e com grande tom de ressentimento uns pelos outros. A cena da leitura do testamento é escancarada e cheio de tons sarcásticos mostrando as facetas ocultas de algumas personalidades que navegam pela trama. Jamie Lee Curtis, Toni Collette, Michael Shannon, Don Johnson, Chris Evans desfilam em seus personagens como um grande abre alas de um desfile, observamos e tentamos ler tudo. Tudo encaixa dentro do tabuleiro culminando em um forte clímax para o gran finale.

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27/07/2019

Crítica do filme: 'Casal Improvável'


Quando o choque entre dois mundos diferentes faz o amor acontecer. Existem atores tão peculiares que se um projeto (e todos que o envolvem) topam a ideia de entrar nesse universo, às vezes meio doido (como no caso), tudo acaba encaixando com ótimo ritmo: críticas sociais, políticas, etc. Exatamente isso o que ocorre nesse filme protagonizado pela ganhadora do Oscar Charlize Theron e o famoso comediante Seth Rogen. Dirigidos pelo cineasta Jonathan Levine, com roteiro de Dan Sterling e Liz Hannah, esse ‘Casal Improvável’ é uma mistura de inteligentes pitadas cômicas e argumentativas sobre o universo político norte-americano ao longo de todo o tempo.

Na trama, conhecemos a secretaria de estado dos Estados Unidos, Charlotte Field (Charlize Theron), uma mulher inteligente que luta por causas nobres e acaba tendo a oportunidade de concorrer ao lugar mais cobiçado da Casa Branca. Em certa noite, em uma festa reservada, acaba reencontrando Fred Flarsky um jornalista de que ela cuidava quando criança. Logo a empatia entre os dois aparece e Charlotte resolve chama-lo para ser seu redator de discursos, isso acaba abrindo margem para o surgimento de um sentimento intenso entre os dois ao longo de todos os preparativos de lançamento de candidatura à Presidência.

Com pré estreias espalhadas pelo Brasil na semana do dia dos namorados, Casal Improvável, antes de uma comédia é realmente um filme que conta uma inusitada história de amor. Mas a comédia e o amor acabam sendo um grande background para críticas e mais críticas sobre a ótica dos que tem o poder em um grande duelo contra ideais. O pensamento x realidade é colocado em cheque várias vezes, e, em vários contextos, deixando as entrelinhas comandarem todo o espetáculo.

Tudo se molda ao jeito Seth Rogen de atuação, todos embarcam nessa onda e o filme ganha demais com isso, é como se um time jogasse por aquele companheiro que não é um craque mas tem suas peculiaridades interessantes. Com um orçamento de cerca de 20 milhões de dólares, Casal Improvável foi uma boa surpresa nesse circuito exibidor dominada por mega blockbusters.


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27/10/2018

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Crítica do filme: 'Dogman'


Como você enxerga as brutalidades da vida? Indicado da Itália ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro para a próxima grande festa do cinema, Dogman é um retrato social, brutal, passado em uma periferia italiana onde vários questionamentos são levantados a cada nova virada no roteiro. O longa é dirigido pelo cineasta italiano Matteo Garrone, do inesquecível e impactante Gomorra, e protagonizado pelo ator Marcello Fonte, vencedor da Palma de Ouro em Cannes de melhor ator esse ano por esse papel.

Na trama, passada em uma cidadezinha na Itália não identificada, conhecemos o carinhoso, peladeiro e boa praça Marcello (Marcello Fonte), um humilde e gentil dono de uma petshop localizada na região central dessa cidadezinha. Marcello vive tranquilo seus dias e adora passar o tempo com sua única filha. Mas Marcello acaba envolvido em várias situações com Simoncino (Edoardo Pesce) um perturbador, baderneiro que incomoda todos na cidade, sempre arrumando confusão. Após uma dessas situações terminar em consequências terríveis para Marcello, o protagonista busca sua vingança da maneira mais radical que poderia.

O bom roteiro é aquele que sabe flexionar sua trama para chegar ao clímax de maneira certa, sem pressa, levando ao público um estrondoso ar de surpresa. É exatamente isso que Dogman faz! De drama, vira thriller em frações de segundos, levando o espectador a ser o juiz das ações de Marcello na segunda parte do filme. A ação e consequência que sofre o dono da pet shop, por ter a reputação abalada e o desespero de não saber o que fazer para acabar com aquela dor são parte desse quebra cabeça psicológico instaurado e muito bem dirigido por Garrone.

Coisas ruins vão acontecer com pessoas boas. É praticamente um versículo vital. Os coadjuvantes dão ótimo tom a todo o liquidificador de pensamentos que chegam até o protagonista quando está em crise existencial, sozinho, tendo que combater o vilão de todos e que fora muito mais para ele. Somos testemunhas de uma desconstrução total do personagem e nos levam a pensar à margem da sociedade, como se vivessem em áreas sem regras, nem leis, onde os homens caminham pelos seus próprios e nublados pensamentos. Um soco no estômago esse belo trabalho.

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28/09/2018

Crítica do filme: 'Mandy'

Quando o sinistro se une ao esquisito. Exibido no Festival de Sundance desse ano, Mandy, novo trabalho do diretor italiano Panos Cosmatos, é uma caótica narrativa inventiva com pitadas fervorosas de tendências à psicodelia. Sim, é uma doideira danada. Esteticamente, o projeto ganha muitos pontos, visualmente embarca na loucura de seus excêntricos personagens fazendo ligações o tempo todo com os sentimentos que afloram frame a frame.

Na trama, ambientada no início da década de 80, conhecemos Red (Nicolas Cage) e Mandy (Andrea Riseborough), um casal que mora em um lugar no interior dos Estados Unidos, muito isolado dos grandes centros, praticamente dentro de uma floresta. Nesse mesmo lugar isolado, um culto repleto de pessoas loucas resolve implicar com Mandy e decidem sequestrá-la. Pensamento somente em vingança e munido de uma motossera, uma espada medieval (ou algo parecido) e muita sede de sangue, Red embarca em uma jornada infernal em busca de paz interior.

Violento, polêmico, sanguinário. Mandy se encaixa em vários gêneros mas não foge de vestir a camisa do terror. Elementos quase sobrenaturais e conceitos para lá de malucos compõe as razões e emoções de tudo que vimos ao longo dos intensos 121 minutos de projeção. Muito vão dizer que Red e seu embarque à loucura combina com Cage e outros personagens excêntricos de sua contestada carreira, mas o sobrinho de Coppola tem atuação apenas aceitável (por mais que não venha na cabeça outro ator a não ser ele para desempenhar esse papel).

Cosmatos e sua estética quase delirante jogam em sintonia com as bizarras cenas de violência que acompanham o longa. Mandy, filme que deve chegar ao Brasil em outras janelas exceto cinema, é uma experiência cinematográfica para poucos, ou você chega até o fim ou abandona em poucos minutos.

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