26/12/2017

10 Melhores Filmes que vi em 2017 mas que não foram lançados (alguns ainda serão) no circuito brasileiro



Nós cinéfilos adoramos listas. J Todo ano olhamos nossas anotações e selecionamos os 10+ em várias categorias. Abaixo, seguem os 10+ que vi esse ano na categoria: Filmes que vi em 2017 mas que não foram lançados (alguns ainda serão) no circuito brasileiro

Me Chame pelo seu Nome

Se você fosse uma música seria as melhores notas. Baseado no livro homônimo, do autor André Aciman,Me Chame Pelo Seu Nome é um daqueles filmes emblemáticos que nos leva a década de 80, na belíssima riviera italiana e nos mostra em fragmentos poéticos todas as belezas da descoberta do amor na visão de um jovem inteligente e apaixonado. Dirigido pelo cineasta italiano Luca Guadagnino (Um Sonho de Amor) e com um elenco inspirado, podemos afirmar que poucas vezes nos últimos tempos assistimos uma obra tão delicada e profunda sobre o que com certeza é o amor. Vai estar, com toda certeza, indicado em muitas categorias do próximo Oscar.

Na trama, ambientada no início da década de 80 em algum lugar belíssimo do norte da Itália, conhecemos o jovem e inteligente Elio (Timothée Chalamet), que está passando férias na enorme casa que a família possui na Riviera italiana. Elio está na fase das descobertas, tem amigos mas prefere os livros, a música e uma calma solidão. Certo dia durante as férias, um estudante chamado Oliver (Armie Hammer), amigo de seu pai, o Sr. Perlmann (Michael Stuhlbarg), que é professor, chega para passar algumas semanas. Logo, Elio e Oliver começam a ver que possuem muitas coisas em comum, rapidamente se aproximam e sentimentos afloram de maneira intensa marcando para sempre as vidas dos dois.

A direção de Guadagnino beira a perfeição, rico em detalhes, explora as características dos personagens de maneira leve com ótimas pitadas cômicas aproximando o público do que acontece na telona a todo instante. Por ter altas carga de drama, o romance florece de maneira poética dando leveza as ações dos personagens. O roteiro inspirador, levanta a bandeira de todas as formas de amar.
É uma trajetória de começo, meio e fim de emoções viscerais onde somos testemunhas das belezas que é a sorte de amar. Essa construção do sentimento é feita de maneira intensa, sensual e com personagens carismáticos, inteligentes e com grande sede na arte do viver.

Impressiona a maturidade do modo de pensar, principalmente da família do protagonista que apoia seu filho em todas suas decisões. Em uma das cenas, talvez a mais impactante dentro do filme, somos brindados com um diálogo de Elio com seu pai de deixar um nó na garganta de tão profunda e emocionante. Michael Stuhlbarg larga na frente para a corrida ao Oscar de ator coadjuvante, baita atuação. Me Chame Pelo Seu Nome é um hino aos corações apaixonados e compreensão a todas as formas de amar.



Loveless


Não se pode viver em desamor. Na era dos selfies e das vitrines matrimoniais que a sociedade impõe para que a tal da incerteza da normalidade fique evidente e você não seja alvo de fofocas ou preconceitos, o novo trabalho do excepcional cineasta russo Andrey Zvyagintsev (dos excelentes Elena e Leviatã), Loveless, sensação nos festivais que fora exibido mundo a fora e um dos fortes candidatos ao Oscar de melhor filme estrangeiro, é um filme que fala sobre acima de tudo de família. Em uma Rússia dos tempos modernos, repleta de idas e vindas em relacionamentos, Zvyagintsev faz o espectador navegar nas emoções mais profundas quando nos sentimos olhando pelo buraco da fechadura.

Na intensa trama, conhecemos o casal Zhenya (Maryana Spivak) e Boris (Aleksey Rozin) que estão se separando em meio a muitas brigas. Eles tem um filho de 12 anos chamado Alyosha (Matvey Novikov) que sofre bastante pelas discussões diárias dos pais. Zhenya tanto Boris já estão em outros relacionamentos, o segundo inclusive já está esperando um outro filho com a nova namorada. Em meio a essa tumultuada relação, Alyosha some certo dia e os pais precisam reunir forças para enfrentar essa difícil situação.

Entendemos melhor as características emocionais dos personagens nos diálogos profundos que ambos possuem com seus novos parceiros, principalmente Zhenya, que possui uma dificuldade de relacionamento com a mãe, nunca amou o ex-marido e se joga completamente nessa nova relação. Seu cotidiano com o filho é distante e agressivo, a impaciência e o comportamento distante com o filho são reflexos da impaciência e solidão que vivia com seu ex-marido. Quando o jovem desaparece, tanto mãe quanto pai se sentem perdidos e começam a perceber aos poucos o quanto existia uma barreira entre todos eles.

A frieza da polícia na condução do início do caso chama a atenção. Durante o pequeno interrogatório com o grupo de salvação e resgate, fica nítido o grande descaso e falta de observação dos pais com o próprio filho, principalmente da figura materna. Alyosha sofria bastante com as brigas e principalmente com o que escutava dos pais. A ausência de amor, desafeição, desprezo, indiferença eram algumas das características que distanciavam os pais do filho.


Com belíssimas cenas de fundo e uma atmosfera melancólica que se envolve intensamente em pontos importantes, Loveless é um retrato humano, que assusta mas acontece, das imperfeições na roda familiar. Zvyagintsev se consagra mais uma vez com suas lentes que conseguem transmitir com muita intensidade o que acontece entre quatro paredes e nos mostrando os detalhes como se estivéssemos olhando pelo buraco de uma fechadura.

Her Love Boils Bathwater
A mãe compreende até o que os filhos não dizem. Chega do Japão um dos filmes mais sensíveis e emocionantes da temporada, uma mescla de comédia delicada com drama intenso que entra em nossos corações como uma flecha recheada de sentimentos bons. Her Love Boils Bathwater, ou no original, Yu wo wakasuhodo no atsui ai, é o indicado ao Oscar do Japão para a próxima cerimônia do Oscar e possui boas chances de conseguir uma vaguinha na lista final. Escrito e dirigido pelo cineasta Ryôta Nakano o filme apresenta a jornada de uma inesquecível personagem em busca do preenchimento de lacunas esquecidas em seu passado depois que descobre uma terrível doença. A sensibilidade que o filme preenche suas emoções é algo raro e transforma esse trabalho em um dos mais bonitos desses últimos meses.

Na trama, conhecemos a super querida Futaba (Rie Miyazawa, em uma atuação absolutamente fantástica) que mora sozinha com sua filha Azumi em uma casa humilde no delicioso Japão. Certo dia, Futaba descobre que tem uma doença terminal e quase paralelamente descobre onde seu ex-marido, que a abandonara, está morando. Vendo que precisa ter o ex-marido por perto, deixa ele voltar para a sua vida, sendo que o mesmo traz junto uma outra criança fruto de um caso que ele teve. Assim, os quatro embarcarão em uma jornada repleta de segredos para ajudar Futuba a realizar seus últimos desejos em vida.

O roteiro possui uma sensibilidade gigante. O primeiro arco, meio morno, na verdade é a construção inicial com inserções de detalhes que serão descobertos apenas com o passar do pouco mais de duas horas de projeção. Após a descoberta da terrível doença, Futaba começa a abrir seus segredos mais escondidos e o filme ganha contornos emocionantes (preparem desde já os lenços). Impressiona a qualidade dessa história que além de emocionar, tem um poder de surpreender o espectador.


O papel da mãe é algo abordado no filme nas óticas dos coadjuvantes em relação a protagonista. Mãe de muitos, mesmo sendo de poucos, Futaba é o reflexo de todo o amor que pode ter uma família quando tem uma figura carinhosa, forte, corajosa, para combater e proteger todos ao seu redor. A relação que a personagem principal tem com todos que a preenchem com amor é algo grandioso, sublime. Transborda na tela as razões de todo seu amor e o público se sente próximo a personagem em todo momento. A inesquecível atuação de Rie Miyazawa ajuda a deixar essa personagem na prateleira do imaginário cinéfilo como sendo um dos mais belos do cinema oriental contemporâneo.

A Ghost Story
É muito mais difícil um fantasma não existir do que matar uma realidade. Escrito e dirigido pelo cineasta norte americano David Lowery, A Ghost Story é uma fábula engenhosa sobre a solidão da perda. O forte tom de sua sinistra trilha sonora, junto a planos longos (alguns angustiantes) transformam a atmosfera do filme em algo realmente impactante. Protagonizado por Rooney Mara e Casey Affleck, o projeto é bem complicado de se entender, longe do trivial, um quebra cabeça melancólico, minimalista e porque não dizer um exercício interessante sobre o abandono.

Na trama, conhecemos o casal C (Casey Affleck) e M (Rooney Mara), jovens com o futuro todo pela frente que moram em uma casa um pouco isolada, provavelmente no interior dos Estados Unidos. Certo dia, C se envolve em um acidente automobilístico e acaba falecendo. Mas, o inusitado acontece, C vira um fantasma e acaba retornando para sua casa onde sua esposa passa por dificuldades emocionais tentando seguir em frente com sua vida. Assim, o filme embarca em uma série de situações, sem comunicação (ou quase isso) entre o casal onde as dores da tragédia são uma estrada ilimitada de emoções.

Esquecer de tudo?  As dores do mundo?  Não quero saber quem fui mas sim quem sou. Quando o tabuleiro começa a se juntar, as peças nos mostram as verdades e surpresas do roteiro. A questão do fantasma, ou algo do tipo, do inusitado, é um mero detalhe coadjuvante. A lógica desse roteiro complexo gira em torno da questão do tempo e suas passagens rápidas em algumas situações e demoradas em outras, mas com pouca alteração do ambiente. Os protagonistas vivem um primeiro ato de felicidade que logo acaba em tragédia, e, assim, começamos a enxergar dramas e sofrimentos através de uma figura incomum que parece não conseguir se libertar de sua situação.


Você se sente a todo instante assistindo a um filme do Terrence Malick, principalmente por conta dos contornos da trilha sonora e seu impacto no ritmo da trama. Essa mescla de drama e fantasia, ou algo que une isso como gênero, é um dos pontos peculiares e diferenciais desse projeto que tem tudo para dar o que falar. Aos que tem pouca paciência, um tédio terrível pode chegar. Aos que conseguem se conectar com a essência da trama, o lado emocional dos personagens, A Ghost Story pode ser um filme para se ver e rever, além de refletirmos muitos sobre as dores do mundo.

Contratiempo
Se o mundo girasse ao redor de você? Como seria o mundo para as pessoas que o cercam? Explorando as ambições, instintos e os limites do bom senso do ser humano, Contratiempo foi lançado na plataforma netflix alguns meses atrás e aos poucos vem ganhando uma notoriedade importante. Dirigido pelo cineasta espanhol Oriol Paulo (do ótimo El Cuerpo) o longa metragem é um daqueles suspenses arrepiantes que a cada ato entrega mais peças para o tabuleiro instalado em nossas mentes nos levando a uma jornada intensa de 106 minutos rumo as verdades dentre muitas mentiras.

Na trama, acompanhamos Adrián Doria (Mario Casas), um jovem homem de negócios que está na crista da onda profissionalmente falando. Já em sua vida pessoal, há várias contradições. Acusado recentemente de matar sua amante Laura (Bárbara Lennie), em um episódio que ele jura que não é como todos estão pensando, ele tem a decisão dos rumos de sua vida quando chega para entrevistá-lo uma das grandes advogadas de defesa da Espanha. Durante as próximas horas, muitas idas e vindas nas versões do crime cometido são detalhados e uma outra importante subtrama é jogada a limpa na mesa. Certo dia, após passar algumas horas com sua amante em uma casa isolada em uma região distante, acaba se envolvendo em um acidente de carro culminando fatalidade para um outro jovem que estava no outro carro. Assim, aos poucos vamos descobrindo e desmascarando a verdade que é chocante.

Nesse espetacular suspense,  tudo funciona cirurgicamente rumo a um final arrebatador. Começa com um primeiro ato intrigante, onde descobrimos as primeiras versões do assassinato cometido, mas obviamente deixando várias lacunas em branco. As subtramas são apresentadas cercadas de muito mistério, principalmente a entrada dos pais do jovem envolvido no acidente de carro. Tudo é cercado de mentiras camufladas de verdades. A relação do protagonista com sua amante e todas as reviravoltas que passam juntos é angustiante, somos testemunhas da ótica dos dois personagens em relação aos acontecimentos, a parte de Laura detalhada pelas suposições da advogada colocada para ajudar Adrián.

É muito difícil saber onde está a mentira entre tantos argumentos fortes. Até as verdadeiras facetas de alguns personagens serem reveladas vamos somando uma série de peças para tentar chegar ao que de fato aconteceu. O engraçado e de criatividade sensacional é que uma grande reviravolta acontece já no desfecho deixando parte da trama ainda em aberto mas que nem importante mais pois um mistério maior ainda é revelado aos nossos olhos e nos deixam simplesmente pasmos por essa revelação.

Contratiempo é um dos melhores suspenses do ano, sem dúvidas. Reúne grandes atuações, um roteiro magnífico e uma direção detalhista. Nem tudo é o que parece nessa arrepiante história. Não percam, disponível na netflix.

The King (Deoking)
Quem abre o coração à ambição, fecha-o à tranquilidade. Depois de um hiato de quatro anos depois de seu último longa-metragem Gwansang (2013), o cineasta sul coreano Jae-rim Han volta as telonas com um filme explosivo que abre feridas bastante expostas sobre a corrupção no submundo jurídico/político de uma Seul repleta de polêmicas e grandes trocas no poder. The King (Deoking) é um daqueles filmes onde a adrenalina toma conta de várias sequências, aproximando o espectador de subtramas repleta de gângsters, chantagens e muita ambição. O filme, que estreou no oriente em janeiro desse ano, ainda não tem data para desembarcar em nosso país.

Na trama, conhecemos, em um primeiro momento mais jovem, o brigão e relaxado Park Tae-su (interpretado pelo ótimo ator In-sung Jo), nascido na periferia da capital coreana, de família pobre, sendo criado por um pai trambiqueiro e que sempre arruma uma confusão. Estamos na década de 80 e aos poucos, via imprensa e por testemunhar seu pai desesperado implorando para um, cresce um desejo no protagonista em ser um promotor de justiça, cargo carregado de poder e influência em uma coreia recheado de casos violentos e corrupção em todos os escalões do poder. Assim, de preguiçoso e brigão, vira um estudioso intenso e consegue passar para a prestigiada faculdade de Direito se tornando um promotor. Chegando na nova função, nada do que sonhara (status, fama, dinheiro e poder) chega rapidamente e depois de insistir em um caso de abuso de um professor com uma aluna, acaba recebendo a chance de entrar para um grupo de promotores protegidos comandados por Han-Kang Sik (Woo-sung Jung) que exalam poder, fortuna e o controle do poder jurídico coreano. Vivendo agora do jeito que sonhou, acaba tendo também que sentir na pele as consequências de um lado sujo de sua profissão.

Tudo funciona muito bem no filme. O ritmo alucinante não deixa nem bebermos nosso refrigerante durante a sessão. Dividido milimetricamente em arcos poderosos, repleto de cenas com tons de humor dramático mesclando com dramas violentos, o filme conta em um pouco mais de duas horas a história do seu protagonista em décadas e toda a corrupção que a Coreia do Sul vive nesse tempo. O projeto não deixa de ser uma grande crítica ao sistema coreano mas que também pode ser ampliado a uma crítica mundial do setor. A troca de favores de pessoas influentes no campo jurídico/político, a escolha a dedo dos casos, a ligação com bandidos de alta periculosidade, tudo isso sabemos que acontece em muitas partes do mundo.


O filme tem méritos também por não fugir das responsabilidades do protagonista, e impor consequências severas pelos anos em que foi submisso a uma vida de riqueza de bens mas sem uma gota de compaixão humana. A transformação do personagem chega em torno de vingança, deixando o último arco com surpresas e cenas sensacionais, de tirar o fôlego. The King (Deoking) , sem previsão de estreia no Brasil (tomara que alguma distribuidora abra o olho para esse filmão) é um daqueles filmes que podemos dizer ser um dos melhores trabalhos do ano.

Trapped
A luta pela sobrevivência é uma questão de persistência. O drama camuflado de thriller Trapped (sem tradução para o Brasil), dirigido Vikramaditya Motwane é uma daquelas histórias inusitadas do cotidiano que acabam ganhando contornos épicos pelas lentes de um bom diretor e um ator protagonista inspirado. O filme, basicamente, fala sobre a sobrevivência, nossos instintos mais humanos e ainda provoca discussões no campo religioso. Diretamente na Índia, esse belo trabalho deixará você com os olhos grudados na tela e ainda imaginando teorias sobre seu final.

Na trama, conhecemos um jovem trabalhador chamado Shaurya (Rajkummar Rao) que após criar coragem consegue se declarar para uma outra jovem que trabalha  em uma empresa com ele. Só que tem um problema, a jovem está com data de casamento marcada com uma outra pessoa (o famoso casamento arranjado). Para tentar continuar com seu grande amor, o protagonista precisa encontrar um lugar para eles morarem em menos de dois dias. Por circunstâncias do destino, consegue um apartamento no último andar de um edifício em fase de espera do alvará para poder ser habitado. Na primeira noite que se muda para lá, quando acorda, Shaurya deixa a porta da rua bater com a chave do lado de fora. Totalmente sozinho, sem ter como sair do apartamento e em um prédio desabitado, ele precisará de muita criatividade e coragem para sobreviver.

O roteiro é cirúrgico. Define muito bem seus arcos, deixando um grande espaço de clímax em seu miolo onde explora as ideias criativas que surgem na cabeça do protagonista para sobreviver. Com apenas uma garrafa de água, ele monta um engenhoso sistema de resgate da água da chuva, faz um estilingue para tentar chamar a atenção dos vizinhos do prédio, mesmo estando a dezenas de metros de altura, precisa definir se vai contra sua religião ou sobrevive comendo um pombo. O filme não perde sua angústia em nenhum instante e isso é algo excelente pois nos conectamos rapidamente com o que acontece em cena tentando encontrar uma solução para o protagonista. Aliado a tudo isso, uma atuação assombrosa do ator Rajkummar Rao, praticamente sozinho em cena durante boa parte do filme, conquista a atenção do público.


Não é possível entender porque tantos poucos filmes indianos chegam no Brasil. Será falta de observação das distribuidoras nacionais? O último filme indiano que entrou no circuito exibidor que lembramos é o espetacular Lunchbox, lançado pela Imovision anos atrás. Um mercado tão influente na indústria como o indiano, com tantos cineastas excelentes, merece cada vez mais ter espaço por aqui. Pena que a maioria dos nossos cinemas que ainda continuam muito norte americanizados. 

Nocturama
Selecionado para alguns festivais pelo mundo e absurdamente sem a mínima chance de ser exibido pelo circuito exibidor brasileiro (talvez pela falta de faro de muitas distribuidoras), exceto em um festival ou outro, o novo e impactante trabalho do excelente cineasta francês Bertrand Bonello (L'Apollonide - Os Amores da Casa de Tolerância), Nocturama, é uma trama cheia de reviravoltas que expõe um confronto de ideias e a falta de limite que pessoas comuns podem ter. O filme é uma grande crítica e expõe argumentos fortes que fala de maneira bem efetiva sobre muitos dos conflitos que assombram países de todo o planeta.

Na trama, conhecemos jovens de diversas etnias que se espalham por uma grande cidade francesa tramando alguma coisa que é revelada aos poucos. Um pouco do cotidiano desses jovens, já no dia da ação, mostram que são pessoas comuns que não geram nem tipo de alerta da polícia. Com a chegada da noite, se reúnem em uma loja de roupas de vários andares, onde é exposto um plano aterrorizante de diversos atentados em lugares previamente estudados. Ao longo dessa noite, muitas questões serão abordadas e o roteiro volta em algo parecido com flashbacks para explicar um pouco de como eles chegaram até esse dia.

Fica claro, por diversos diálogos ao longo das sequências, que os jovens não aguentam viver na sociedade onde vivem, cada um com seu motivo. Isso gera um conflito interno muito grande, um jovem segurança de um edifício com andares desativados, um casal de namorados que tinham a vida toda pela frente, jovens com estruturas emocionais fortes outros nem tanto. Cada um a sua maneira vai deixando de tentar viver a vida como ela é e embarcam em um plano inconsequente. A ficha parece que só cai quando estão confinados em uma loja no fim da noite, discussões e ações, além do conflito de ideias, tomam conta dos diálogos e as incertezas e o medo apontam para todos eles.  Presos em seus próprios pensamentos, o não saber o que fazer dali para frente é uma verdade que eles não conseguem esconder.


Bonello, que dirige e assina o roteiro, mais uma vez volta às telonas com uma trama intrigante e corajosa que expõe uma parte da sociedade em crise de consciência e totalmente inconsequente que muitas vezes encontra refúgio no seu gritar em atitudes que impactam negativamente ao todo levando o medo para outras pessoas. Nocturama é um filme para ser visto, discutido e analisado. Uma aula de cinema desse cineasta francês que possui trabalhos interessantes em sua vasta filmografia.

Bad Genius
Um dos filmes mais eletrizantes do cinema asiático dos últimos anos e representante da Tailândia ao Oscar 2018 na categoria Melhor Filme Estrangeiro, ‘Bad Genius’, dirigido pelo ótimo cineasta Nattawut Poonpiriya, contorna as emoções de maneira sublime para explicar uma história que envolve estudantes, as pressões pelas provas que podem mudar uma vida e um outro lado que se descobre quando determinadas portas de oportunidade se abrem. Tudo é muito bem encaixado no excelente roteiro de assinado pelo diretor, Tanida Hantaweewatana e Vasudhorn Piyaromna. Uma excelente surpresa e infelizmente ainda sem data de estreia no circuito brasileiro de exibição.

Na trama, conhecemos a doce, inteligente, concentrada e tímida Lynn (Chutimon Chuengcharoensukying) uma estudante do ensino médio tailandês que consegue, depois de muito esforço de seu pai (Thaneth Warakulnukroh), um professor de classe média baixa, ingressar em uma famosa escola para terminar os seus estudos e conseguir uma boa formação. Lynn é super dotada, tira notas altas e rapidamente vira bolsista 100% da escola. Em uma sessão de fotografias para livros da escola, conhece a ingênua Grace (Eisaya Hosuwan), com quem logo começa uma amizade. Vendo a dificuldade da amiga nos exames da escola, Lynn resolve ajudar em uma das provas passando uma cola das respostas. Logo após esse episódio, Lynn encontra Pat (Teeradon Supapunpinyo), um filhinho de papai rico que propõe a ela um imenso plano onde a protagonista passaria as respostas das provas para um grande número de alunos utilizando uma maneira criativa em troca de dinheiro de todos eles. Com esse primeiro plano dando certo, Lyyn, Grace e Pat resolvem ir além e burlar um dos exames mais difíceis do mundo que dá vagas em universidades norte americanas. Só que para isso, precisarão contar com Bank (Chanon Santinatornkul), um rejeitado bolsista, tão genial quanto Lynn. Assim, o quarteto parte em busca do plano que pode mudar suas vidas para o bem ou para o mal.

O longa tem mais de duas horas de duração mas nem vemos passar o tempo. A adrenalina é absurdamente detalhista e faz com que nós, meros espectadores, não tiremos os olhos desse complexo plano. Para entender todas as ações do projeto, precisamos entender os porquês, principalmente da protagonista. Lynn, é criada com todo esforço por seu pai, não tem mãe. Tudo que conquistou veio da disciplina no estudo tendo pouco tempo para amizades. Quando percebe as dificuldades do pai mais de perto para sustentar os custos que possui isso inflama nela uma maneira de ajudar, aliando a oportunidade na hora certa mesmo ela sabendo que a punição maior será de sua consciência. Os detalhes e as angústias de Lynn durante todo o filme é muito bem mostrada pelas lentes de Poonpiriya. Uma bela atuação de sua intérprete, a jovem Chutimon Chuengcharoensukying.
Outra peça importante nesse tabuleiro é Bank, talvez o personagem que mais apresenta transformações de caráter ao longo do tempo. É nele que o plano corre o maior risco por conta de situações que o levam a aceitar fazer parte dessa trama engenhosa. Do segundo arco em diante, reviravoltas emocionantes acontecem no pré plano, na execução dele e no pós plano, deixando o público surpreso em muitos momentos.

Bad Genius é um dos fortes candidatos a conseguir estar entre os cinco finalistas ao prêmio de Melhor filme estrangeiro da academia em 2018, um filme empolgante e com um final pra lá de simbólico e surpreendente.

Loving
O casamento é o fim do romance e o começo da história. Dirigido pelo excelente cineasta Jeff Nichols (dos ótimos Midnight SpecialAmor Bandido e O AbrigoLoving fala, além de qualquer outra coisa, de maneira impactante, sobre o mais forte dos sentimentos humanos: o amor. O tom do filme é algo lindo, gera metáforas fabulosas mas sempre com uma verdade impressionante. A atuação dos protagonistas Ruth Negga e Joel Edgerton é algo inesquecível, marcante. Exibido no último Festival de Cannes, o longa possui alma e muita verdade também ao falar dos obstáculos que ambos precisam enfrentar por conta de seu casamento, numa época de muito preconceito em boa parte dos Estados Unidos.

Na trama, baseada em fatos reais e ambientado no final da década de 50 no Estado da Virgínia nos Estados Unidos, conhecemos o casal Mildred (Ruth Negga) e Richard (Joel Edgerton),  dois seres humanos apaixonados que resolvem oficializar seu amor se casando quase que secretamente em uma cerimônia bem simples. Mas as autoridades do local onde vivem começam a persegui-los, pois, por serem um homem branco e uma mulher negra, naquela época o casamento entre eles, naquela cidade, era proibido. Assim, enfrentando todo um preconceito de uma região, eles irão enfrentar a todos sempre fortalecidos pelo maior de todos os sentimentos do mundo, o amor.

Produzido por dois grandes do cinema da atualidade, o ator Colin Firth e o cineasta Martin Scorsese, Loving possui personalidade própria principalmente por conta de sua narrativa deveras lenta mas muito rica em detalhes e expressões. Jeff Nichols é um mestre em captar sentimentos e detalhes de contextos dramáticos e/ou situações complexas. Mas nesse filme seu principal papel foi dar o toque de genialidade em suas lentes para as impressionantes atuações dos protagonistas. O Richard de Joel Edgerton é comovente, com seu jeitão duro e ao mesmo tempo seu amoroso coração deixam o público impressionado com tanta empatia. A Mildred de Ruth Negga é forte, repleta de esperanças que busca todo seu refúgio nos braços do seu adorável marido. Loving entrega ao espectador uma das duas melhores atuações do ano e que deve ser lembrada na próximas lista do Oscar.


Loving ainda não tem previsão para desembarcar por aqui em nosso país. É uma linda história de amor, com grandes atuações, uma direção primorosa que fala com toda a verdade sobre a luta contra um preconceito absurdo que existia (e infelizmente ainda existe) em alguns cantos do planeta.