18/07/2025

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Crítica do filme: 'Cabeça de Boi' [Festival Cinemato]


É sempre gratificante encontrar nos festivais obras criativas que apostam no inusitado para expandir nosso campo de reflexões. Selecionado para a Mostra Competitiva de Curtas-Metragens do Festival Cinemato, o curta Cabeça de Boi nos conduz por uma narrativa bem-humorada e debochada, inspirada em uma sequência de fatos curiosos que se desenrolam a partir de uma curiosa lenda sobre um terreno amaldiçoado em uma cidade remota do país.

Escrito e dirigido por Lucas Zacarias, o filme costura elementos da cultura e da arte por meio de uma fabulação conduzida pela voz de um forasteiro — cuja visão é marcada por constantes desencontros com a realidade. Com um discurso preciso, a narrativa articula três temas centrais que se conectam simbolicamente à figura da cabeça de boi, construindo um imaginário potente que dá forma a críticas sociais relevantes.

Dentro dos vestígios simbólicos que compõem a criativa construção narrativa, as contradições de uma cidade tendo o espiritismo como força, um lugar de descobertas paleontológicas e um espaço de referência ao gado, nos levam até surpreendentes constatações no híbrido entre documentário e ficção.

Essa jornada se mostra fascinante, elementos como a dança e até o inventivo uso de inteligência artificial na composição de um personagem narrador preenchem com força as mensagens. Críticas sobre o poder e a riqueza logo se mostram presentes dentro de um peculiar contraponto ligado as raízes culturais da tal cidade, logo alcançando reflexões variadas.

Tendo sua primeira exibição no circuito de festivais brasileiro no Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá – Cinemato – o filme também fora selecionado para o Festival de Gramado deste ano.

 

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Crítica do filme: 'Arame Farpado' [Festival Cinemato]


Selecionado para o Festival de Cinema de Berlim e um dos curtas que mais vai ser exibido em festivais pelo Brasil, Arame Farpado, de Gustavo de Carvalho, nos conduz por uma narrativa repleta de interseções, mantendo um discurso afiado sobre questões sociais e relações humanas. Impressiona a harmonia de cada elemento em cena, especialmente a fotografia belíssima, que potencializa a força das entrelinhas e traduz, com impacto, tudo o que precisa ser captado.

Uma família leva uma vida simples no interior de São Paulo, batalhando diariamente pelo sustento. Tudo muda quando os dois filhos mais novos provocam um acidente em uma área isolada, obrigando a irmã mais velha a conduzir a vítima até a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) mais próxima. Já à noite, ao chegar ao local, através de um silêncio ensurdecedor em muitos momentos, começam a revelar, pouco a pouco, os conflitos internos que marcam essa família.

A culpa — e o que fazer com esse sentimento dilacerante — parece ser o centro desse projeto marcante, que mergulha com sensibilidade em camadas profundas das relações familiares e da compaixão. A forma como a história é conduzida é precisa, com elementos que se harmonizam de maneira natural, permitindo que a narrativa flua com força. Pequenos gestos e escolhas sutis vão gradualmente tensionando a trama, sustentando um clímax contínuo que se estende, com intensidade, por quase todos os 21 minutos de projeção.

Com um retrato nu e cru dos desdobramentos do caso e das brechas para recomeçar, o projeto se destaca por sua abordagem direta, dura mas que encontra um abrigo na sensibilidade exposta. A partir de um acontecimento marcante que desencadeia consequências profundas, a narrativa encontra espaço para explorar os conflitos de uma família abalada pela chegada de um novo padrasto. À medida que verdades são reveladas e vividas, a trama ganha contornos de realidade, estabelecendo paralelos sociais que atingem em cheio o público.

Rodado em Paraguaçu Paulista, no distrito de Sapezal, Arame Farpado se firma como um dos melhores curtas-metragens brasileiros exibidos até agora em 2025. Um filme que nos atravessa com emoção, sem deixar de lançar olhares precisos sobre questões importantes. Vale já anotar o nome de Gustavo de Carvalho — um cineasta promissor que merece nossa atenção para os próximos projetos.

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16/07/2025

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Crítica do filme: 'Concerto de Quintal' [Festival Cinemato]


Menos é mais. Traçando sua narrativa rumo a um interessante recorte sobre a cena musical na cidade de Porto Velho, em Rondônia, tendo os diversos sons como elementos marcantes, o longa-metragem Concerto de Quintal usa o impulso de uma certa nostalgia para debater a identidade cultural de uma região. De histórias dos Beatles da beira da estrada, passando pelo rapper da floresta, uma série de relatos costura um panorama diverso.

O pontapé desse pot-pourri sonoro se dá a partir das memórias de uma família, de um músico e do vínculo afetivo com o pai, preservado em antigas fitas cassete. A partir daí, o filme se abre como um leque, revelando uma mistura de ritmos que ajudam a compor a identidade musical da cidade. De quintal em quintal, o discurso vai ganhando camadas, preenchendo lacunas aqui e ali. No entanto, a falta de aprofundamento em alguns momentos gera uma certa desordem na harmonia narrativa, o que acaba impactando o ritmo do filme.

Nessa trajetória que oscila entre momentos imersivos e outros mais superficiais, o filme também provoca reflexões — e até constatações — sobre o cenário musical local, algo intimamente ligado ao recente processo de formação da cidade (Porto Velho completou 110 anos em 2025). Músicos e compositores transformam o abstrato do som em sentidos concretos, com suas histórias abrindo caminhos que atravessam o social, o ambiental e o político.

É uma pena que o projeto siga uma linha reta, sem grandes clímax. Comedido, não chega a explodir. Faltou aquele grande momento para marcar! Ainda assim, mesmo rompendo a bolha do inusitado de maneira quase ingênua — mas eficaz —, o filme lança ao mundo uma rica expressão da cultura local, ramificando-se entre o legado, as curiosidades e até os desabafos sobre políticas públicas que, simplesmente, não alcançam a cidade.

Selecionado para a Mostra de Longas-Metragens do Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá – Cinemato –, Concerto de Quintal , dirigido por Juraci Junior, constrói um vasto retrato de uma região marcada pelo clima tropical superúmido e por sons que ecoam de todas as formas. Aos poucos, esses elementos se entrelaçam, compondo um capítulo vibrante das curiosidades históricas e culturais do nosso país.


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Crítica do filme: 'Benção' [Festival Cinemato]


Histórias que envolvem o elo entre netos e avós — figuras maternas em dobro — sempre carregam uma força especial, ainda mais quando exploradas com sensibilidade no audiovisual. Esse é exatamente o caso do curta-metragem baiano Benção, selecionado para a Mostra de Curtas-metragens do Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá – Cinemato.

Dirigido por Mamirawá e Tainã Pacheco, este singelo e poderoso curta de 11 minutos nos conduz ao reencontro de um jovem com suas raízes. Após ter saído ainda cedo da comunidade onde foi criado, ele retorna já adulto, em uma espera silenciosa para rever sua maior referência de vida: a avó. Nesse retorno, mais do que reencontrar uma pessoa, ele se reconecta com sua identidade e ancestralidade — marcas profundas que o tempo jamais conseguiu apagar.

O sentimento puro em relação aos avós é apenas o primeiro passo de um filme que ultrapassa as fronteiras de sua primeira camada fazendo uma reconexão com a terra, com a família, com ancestrais. Inspirada em uma história real, a narrativa preenche seu minutos com a força de imagens que dizem no olhar, nas entrelinhas pulsantes de sentimentos que parecem em conflito mas na verdade estão voltando a se alinhar.

Sem espaço para um aprofundamento mais amplo da relação, o projeto segue por uma estrada em linha reta rumo à própria história e raízes, deixando lacunas intencionais sobre o antes e o depois. Essas ausências, longe de afastar, acabam aproximando ainda mais o público da jornada apresentada. Fica uma vontade danada de mergulhar mais fundo e conhecer tudo o que há por trás dessa história.

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Crítica do filme: 'Dandara' [Festival Cinemato 2025]


Com uma criativa apresentação dos créditos que já prende a atenção nos primeiros segundos, o filme goiano Dandara, selecionado para a Mostra Competitiva de Curtas-Metragens do Festival Cinemato 2025, mergulha em reflexões potentes sobre o bullying e o racismo. A produção entrega um retrato sensível e carregado de emoção, equilibrando o peso da realidade com a potência transformadora da imaginação na forma de enxergar o mundo.

Dandara é uma jovem negra, super alegre, que certo dia começa a sofrer bullying na escola onde estuda. Tentando entender os porquês dessa ação, passa por um processo de entendimento da situação onde num primeiro momento se questiona sobre várias questões, inclusive sua identidade. Quando a mãe dela fica sabendo, a volta da alegria vira uma questão de tempo, embalada inclusive por ancestrais.

Com simplicidade e objetividade, a narrativa nos conduz por uma estrada de emoções intensas, onde aflição, medo, tristeza e insegurança ganham contornos comoventes na vivência da infância. Enxergamos o mundo pelos olhos de Dandara, uma criança negra que se depara com o preconceito justamente no espaço onde antes se sentia segura e feliz: a escola. Nesse momento, a figura da professora surge como um elo essencial, um abrigo sensível — mas é na reação da mãe que reside o entendimento mais profundo da situação. Entre idas e vindas emocionais, o filme se revela no aprendizado delicado, construído no tempo certo para tocar o público.

Trabalho de conclusão de curso da cineasta Raquel Rosa, Dandara é mais do que um exercício acadêmico — é um recorte sensível sobre como compreendemos e questionamos as relações humanas em sociedade. Com uma abordagem atual e elementos que dialogam diretamente com o presente, o filme preserva o olhar genuíno de uma criança diante de suas primeiras aflições. Em apenas 14 minutos, emociona e preenche a tela com delicadeza.


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Crítica do filme: 'Mãe' (2025) [Festival Cinemato 2025]


Exibido na Mostra Competitiva de Curtas-Metragens do Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá – o Cinemato –, o curta gaúcho Mãe aborda um tema potente e raramente retratado nas telas: a maternidade de uma mulher trans. Dirigido por João Monteiro – que também atua no filme – e roteirizado por ele ao lado de Julia Katharine e Homero Mendes, o projeto, com apenas 20 minutos de duração, rompe barreiras e amplia horizontes ao tocar em questões profundas como o racismo, a transfobia e os desafios sociais, tudo isso com sensibilidade e força narrativa.

Maria (Valéria Barcellos) é uma mulher trans que vive feliz ao lado do seu carinhoso marido Dário (João Monteiro). Certo dia, o jovem Zezinho é deixado pela mãe biológica na casa deles. O tempo passa e uma relação de afeto e amor é estabelecida pela família mas as barreiras sociais ainda se tornam um quebra-molas que gera insegurança.

Com profundidade e delicadeza, a narrativa prende a atenção desde os primeiros instantes, mergulhando em um recorte intimista e familiar sobre amor, reconhecimento e pertencimento. São poucos minutos, mas repletos de significado — deixam no ar o desejo por mais. O preconceito, embora presente em cenas marcantes, jamais se sobrepõe à força do afeto. O roteiro constrói, com sensibilidade, uma jornada de resistência e ternura, onde o amor não apenas sobrevive, mas triunfa.

A maternidade de uma mulher trans é o fio condutor que ilumina toda a narrativa, atravessando cada cena com a potência de uma personagem inesquecível, vivida com brilho e sensibilidade por Valéria Barcellos. Com representatividade pulsante, o filme confronta o preconceito de frente e reafirma, com firmeza e delicadeza, que o amor é capaz de transformar realidades.

Mãe deve circular por outros festivais, se você tiver a oportunidade de assistir, tenho certeza que não irá se arrepender.

 

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15/07/2025

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Crítica: 'Cazuza, Boas Novas'


Falar de um artista que ainda pulsa por meio de sua obra nunca é simples. O documentário Cazuza: Boas Novas, exibido com grande sucesso no Festival In-Edit Brasil, mergulha de forma sensível e intimista em um recorte marcante do fim dos anos 1980 — um período turbulento e intenso na vida pessoal e profissional do eterno Cazuza. A produção revela a explosão de emoções e criatividade de um dos nomes mais geniais da nossa música.

A obra percorre histórias curiosas contadas por amigos e familiares, entrelaçadas com reportagens de TV e canções que muitos de nós sabemos de cor e seguimos cantando até hoje. Clássicos como Faz Parte do Meu Show, Codinome Beija-Flor e tantos outros não ficam de fora. O mais interessante é como essas músicas surgem dentro de um contexto que dialoga com os arcos da narrativa, permitindo que o filme flua com leveza, mesmo ao abordar temas polêmicos que marcaram a trajetória de Cazuza.

Repleto de depoimentos de figuras marcantes da nossa música, como Gilberto Gil, Ney Matogrosso e Roberto Frejat, o documentário acerta ao construir uma narrativa organizada que mistura falas emocionantes, reportagens, imagens de arquivo e apresentações musicais — algumas possivelmente inéditas. Entre os destaques, está o espetáculo O Tempo Não Para, que arrastou multidões por todo o país. Em seus 90 minutos de projeção, o filme prende do início ao fim: é emoção atrás de emoção, e o tempo, ironicamente, parece mesmo não passar.

Dirigido por Nilo Romero e co-dirigido por Robert Moret — primeiro amigo e diretor musical do show final de Cazuza — o documentário tem como maior mérito a proximidade genuína que alcança com seu personagem central. A cada história contada, o público é conquistado por uma narrativa que flui de forma artesanal, conduzida por alguém que viveu intensamente os bastidores daquilo que vemos na tela. As longas conversas dos convidados, e também amigos de Cazuza, com o próprio Nilo, carregadas de emoção e memórias vívidas, transformam-se na cereja do bolo de um filme que tem tudo para se tornar atemporal — como toda grande obra que revela, com honestidade, as verdades de um artista único.


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10/07/2025

Crítica do filme: 'Com Unhas e Dentes'


Sem grandes pretensões além de entregar sustos e tensão típicos do universo zumbi, o longa-metragem tailandês Unhas e Dentes aposta em uma narrativa desenfreada onde artes marciais colidem com cadáveres reanimados por um vírus desconhecido. Dirigido por Kulp Kaljareuk e já disponível na Netflix, o filme não busca reflexões profundas — é um convite direto a quem quer embarcar em uma jornada de ação desenfreada.

Ambientado em um mundo distópico onde a fome se tornou um dos graves problemas da humanidade, um lutador de Muay Thai (Mark Prin Suparat) sobrevive do jeito que pode ao lado da companheira, a cirurgiã Rin (Nuttanicha Dungwattanawanich). Quando o local onde ela trabalha é tomado por uma epidemia zumbi, o lutador fará de tudo para conseguir salvá-la.

Mesmo partindo de um cenário promissor — um planeta devastado por seus próprios erros, onde a fome já ultrapassou o nível de alerta e a opressão domina nas mãos de quem detém o poder — o projeto estanca qualquer tentativa de aprofundamento, evitando explorar com mais contundência as possíveis críticas sociais. Uma pena!

As cenas de ação e luta são bem feitas, com os mais conhecidos exageros de outras estruturas narrativas de filmes onde zumbis tem um certo protagonismo. É clichê pra tudo que é lado, mas aqui adicionado ao fato de fugir da previsibilidade, talvez o maior mérito da produção. Com sangue jorrando em toda parte, o cenário caótico se prende ao ambiente hospitalar, um lugar onde a cura é constante mas aqui ganha ares horripilantes.  

A proposta é muito simples: embarcar nos velhos e batidos dilemas de toda luta pela sobrevivência em um universo dominado pelo caos. Nessa batalha forçada entre o bem e o mal, com um lutador de artes marciais de um lado caminhando todos os passos e desafios na sua jornada do herói, e zumbis (do estilo corredores) dominando a vilania, é estabelecido um clássico molde narrativo onde pode entreter quem curte filmes do gênero.


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09/07/2025

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Pausa para uma série: 'Jogo Cruzado'


Com um olhar crítico sobre o universo machista do futebol, a série Jogo Cruzado usa a comédia escrachada e uma narrativa leve para abordar temas delicados que ainda são tratados como tabus no esporte mais popular do Brasil. Entre risadas e provocações, a produção oferece reflexões importantes e necessárias. Em oito episódios repletos de convidados especiais – todos já disponíveis na Disney Plus – a série busca apresentar o ambiente do futebol através de novos olhares sempre tendo o humor na ponta da chuteira.

Matheus (José Loreto) é o craque de um time que busca sempre os títulos mais importantes. Elisa (Carol Castro) é uma jornalista fiel aos princípios da profissão que escolheu em busca de novos desafios na carreira. Eles nunca se deram bem. Quando Matheus precisa parar com o futebol por ordem médica, seu destino volta a se cruzar com o de Elisa, e juntos são convidados a apresentar um programa esportivo que promete chocar o mundo do jornalismo esportivo.

Com um episódio piloto acelerado e confuso, seguido por um segundo capítulo aquém dos demais, a série só encontra seu verdadeiro rumo a partir do terceiro episódio — quando os temas centrais começam a ser apresentados com mais clareza. A partir daí, em um jogo de protagonismo que alterna entre personagens principais, o desenvolvimento se dá por meio dos conflitos em suas vidas pessoais e profissionais.

Imerso em um ritmo acelerado e uma ação reflexiva que muitas vezes se limita à superfície, o projeto segue por caminhos previsíveis — mas não sem antes levantar reflexões relevantes. Entre os temas abordados, destacam-se questões pouco exploradas, como os desafios enfrentados por jogadores homossexuais em um ambiente ainda machista, a propagação de fake news por falta de apuração jornalística, o sensacionalismo na mídia esportiva e as doenças psicológicas, como a depressão, que afetam atletas no auge da pressão.

O machismo no futebol também ganha um foco importante, talvez sendo o tema mais consistente ao longo dos episódios. A personagem Elisa, vivida por Carol Castro, revela situações enfrentadas por muitas mulheres no jornalismo esportivo. Por meio de cenas que espelham o cotidiano, a série levanta questões relevantes e convida o público a refletir sobre a desigualdade de gênero nesse meio.

Equilibrar comédia e drama é um desafio — e, neste projeto, a fórmula não se concretiza. Com forte inclinação para o humor, as possíveis camadas dramáticas acabam ficando na superfície, muitas vezes recaindo em clichês já conhecidos. Ainda assim, mesmo em meio a uma espécie de bagunça organizada, a série consegue transmitir mensagens relevantes, o que se torna um dos principais méritos da produção.


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08/07/2025

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Crítica do filme: 'Desastre Total: O Verdadeiro Projeto X'


Um convite para uma festa de aniversário de uma jovem de 16 anos viraliza pelo Facebook e logo vira o estopim de uma história que marcou uma cidadezinha na Holanda e ganhou as páginas policiais. Abordando esse peculiar caso que envolve inúmeras questões desde a falta de preparo das forças policiais até o comportamento descontrolado de jovens em busca de diversão, a Netflix, no seu ótimo projeto Desastre Total, apresenta um média-metragem documental marcante que gera muitas reflexões sociais.

Em 2002, na cidade de Haren, no município de Groningen (Holanda), uma jovem sonhava em comemorar seu aniversário com uma festa especial. Para isso, decidiu convidar amigos e conhecidos criando um evento no Facebook. No entanto, ao deixá-lo público por engano, o convite rapidamente se espalhou e viralizou, alcançando milhares de jovens que passaram a compartilhar e planejar a ida ao local. Naquele mesmo ano, um dos filmes mais marcantes quando pensamos em festas descontroladas - Projeto X - Uma Festa Fora de Controle - foi lançado nos cinemas, e logo uma inusitada associação foi criada impulsionando ainda mais o evento.

Dentro de um recorte temporal que liga dias antes do ocorrido ao início de toda a confusão, a construção da narrativa se movimenta através de depoimentos de pessoas próximas ao caso, além de reportagens e vídeos que foram divulgados na época. São 48 minutos de total imersão a uma série de situações que levaram ao verdadeiro caos em um lugar sem agitações.

Todos os aspectos que envolveram a situação são amplamente apresentados, desde o descaso da prefeitura local diante de riscos evidentes, até o papel da mídia na cobertura do caso. O documentário também expõe a postura inconsequente de parte dos jovens que só buscavam diversão, do despreparo policial, além dos desabafos da própria aniversariante, que acabou vivendo uma celebração completamente diferente do que imaginava — fruto de uma sequência quase inacreditável de acontecimentos.

Faltou somente alguma profundidade sobre as consequências das ações, seria interessante para um recorte amplo ter mais detalhes sobre o depois do ocorrido. Nesse ponto, o documentário se apressa em destacar a renúncia da autoridade local, mas oferece poucas explicações sobre outros fatores essenciais — peças-chave de um tabuleiro caótico que transformou uma simples festa de aniversário em um verdadeiro cenário de descontrole.

Dirigido por Alex Wood, este é mais um episódio da ótima série da Netflix intitulada Desastre Total que tem algumas outras histórias que beiram ao absurdo já contadas e disponíveis na plataforma.

 

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Crítica do filme: 'Coração Delator'


Trazendo para debate, mesmo que em plano de fundo, a importante questão da gentrificação e também do transplante de órgãos, o longa-metragem argentino Coração Delator chegou recentemente na Netflix. Escrito e dirigido pelo cineasta argentino Marcos Carnevale, de sucessos como Elsa & Fred - Um Amor de Paixão e Granizo, o longa-metragem busca num previsível romance água com açúcar criar caminhos para suas questões que atingem paralelos, de alguma forma, na realidade.

Juan Manuel (Benjamín Vicuña) é um empresário bem sucedido do ramo das construções. Um workholic declarado, com dificuldades em relacionamentos amorosos. Certo dia, no caminho para mais uma viagem com amigos milionários, passa mal e logo se constata que ele precisa de um transplante de coração urgente. Meses se passam e sua forma de olhar a vida começa a passar por mudanças, e ele resolve conhecer melhor a família do homem que lhe permitiu ser transplantado. Só não esperava se apaixonar pela viúva do doador, Vale (Julieta Díaz).

Com muitas filmagens acontecendo em Lanús, província de Buenos Aires, o foco aqui é o amor, ou mesmo a redescoberta desse sentimento poderoso. A narrativa se joga num mergulho sem olhar pra trás no mundo dos clichês do gênero. Com a já batida jornada de modificações do homem rico que se transforma ao passar por uma situação de vida ou morte, somos conduzidos para uma estrutura que apenas alcança pinceladas de senso crítico sobre o que vem ao redor.

O olhar mais atento chega numa crítica social importante sobre a valorização imobiliária e num automático êxodo da população com raízes culturais no lugar (gentrificação) e também para a importância da doação de órgãos, momento sempre delicado para toda família. Esses importantes assuntos que circulam pela trama são diluídos dentro de uma esticada de tapete vermelho para um amor inesperado, se tornando aos poucos um suco de ‘sessão de tarde’ completamente previsível.

 

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Crítica do filme: 'Um Pai para Lily'


Premiado com mais de 25 prêmios ao redor do mundo, Um Pai para Lily chegou à Netflix trazendo uma história real comovente que toca o coração de forma genuína. No centro da trama, duas pessoas solitárias se cruzam e descobrem, na amizade, um novo sentido para a vida. Escrito e dirigido pela cineasta texana Tracie Laymon — em seu segundo longa-metragem — o filme aborda traumas afetivos, luto e recomeços, criando uma atmosfera delicada e tocante que conquista rapidamente o público.

A vida da jovem Lily Trevino (Barbie Ferreira) não tá fácil, completamente esquecida pelo pai Robert (French Stewart), trabalha como cuidadora para se sustentar. Um dia, numa navegada pelo facebook acaba acidentalmente chegando até um homônimo de seu progenitor, um outro Bob Trevino (John Leguizamo), um homem casado e com uma perda recente irreparável. Logo uma linda amizade surge e juntos vão aprender um pouquinho sobre a arte do recomeçar.

A jornada dos personagens é bem estruturada e evolui de forma natural durante a narrativa. Com os olhos em Lily, percebemos todas suas dores e angústias, que vão da rejeição até a busca pelo pertencimento chegando também na beira da depressão, uma bolha criada por um passado com lacunas em relação ao pai e um presente completamente exposta a um mundo duro e cheio de armadilhas. A chegada de Bob a sua vida, é uma luz no fim do túnel, uma peça que faltava para mais coisas ao seu redor fazerem sentido.

O carisma nessa amizade que surge é a base de uma trama que busca sem delongas chegar ao transbordar das emoções. O papo é reto, sem meio campo, algo que aproxima espectadores da história. Mesmo assim o desacelerar da narrativa para destacar importantes momentos acaba atingindo o ritmo mas nada que atrapalhe o cometa de emoções que saltam na tela. É bem capaz de você se emocionar ao longo dessa jornada.  

O projeto é baseado em fatos reais que aconteceram com a própria diretora do filme, Tracie Laymon, quando ela acabou criando uma forte amizade com um alguém enquanto procurava, pelas redes sociais, pelo próprio pai. Transformar isso tudo em cinema deve ter sido um grande desafio mas essa proximidade com a história faz todo o sentido quando vemos a emoção em cada cena.

  

 

 

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07/07/2025

Crítica do filme: 'Um Tipo de Loucura'


Abordando a força do amor na batalha cruel contra o declínio nas habilidades mentais, o longa-metragem sul-africano Um Tipo de Loucura – completamente escondido no ótimo catálogo do Prime Video - nos leva até uma história apaixonante, com altos graus de emoções, em uma narrativa que mergulha de corpo e a alma nos últimos elos de lembranças enraizadas de uma linda história de amor. Escrito e dirigido pelo cineasta Christiaan Olwagen, o filme deve esquentar até aqueles corações mais gelados.

Elna (Sandra Prinsloo) e Dan (Ian Roberts) se conhecem há muitas décadas e abriram mão de tudo para formar uma família sempre com o objetivo de viverem juntos até os fins dos dias. Já com três filhos e vida consolidada, Elna começa a sofrer de demência, fato que a faz ser hospitalizada e ficar longe de seu grande amor. Sem saber como lidar com a situação, Dan resolve invadir o lugar e partir com Elna para o resgate de lembranças de momentos marcantes do casal.  

Como contar uma história de amor de forma dilacerante? Partindo de um inusitado resgate – que simplifica o poder de um amar – Um Tipo de Loucura atravessa qualquer esconderijo da mesmice para nos levar até o pulsar de um subconsciente através de lapsos de memórias de um alguém com um declínio progressivo nas funções cognitivas. Apresentar esse tema já é algo valioso, que gera muitas reflexões, mas o roteiro consegue ir mais longe e mostrar o olhar de toda uma família para a situação que se apresenta.

Com o uso inteligente de flashbacks e cenas repletas de entrelinhas, a narrativa se desenrola com naturalidade e harmonia. Lançado discretamente em um dos principais catálogos de streaming no Brasil, o projeto apresenta uma história de amor que atravessa décadas, enfrentando dilemas e obstáculos – mas nada tão doloroso quanto os acontecimentos do presente. É fácil para parte do público traçar paralelos com a vida real, já que o tema toca diretamente em aspectos sensíveis da nossa realidade.

Com a demência posicionada no centro da trama – ainda que sem grandes explicações sobre os sintomas envolvidos – a narrativa abre espaço para diversas camadas significativas. Elas vão desde os conflitos sobre como lidar com a condição, que afetam toda a família, até os fragmentos de consciência da protagonista a respeito da própria realidade. Esse carrossel de emoções, com ótimas interpretações, transformam Um Tipo de Loucura é um filme necessário e certeiro para você que vive ou já viveu um grande amor.

 

 

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Crítica do filme: 'Criatura Voraz'


Ao pensar em filmes de terror, é comum imaginarmos cenas carregadas de tensão, criaturas assustadoras e aquela constante busca pelo susto. Mas como transformar o medo e a tensão em algo eficaz dentro de uma narrativa simples? É justamente isso que o cineasta canadense Chad Archibald propõe em Criatura Voraz. Escrito e dirigido pelo mesmo, o filme — que chegou discretamente ao catálogo da MAX — utiliza de forma inteligente os temores do subconsciente para construir sua atmosfera, ao mesmo tempo em que conduz o espectador a reflexões profundas sobre a relação entre pais e filhos.

Cynthia (Ashley Greene) é uma psiquiatra com dom de Clarividência. Utilizando seus métodos não reconhecidos pela ciência, ela atende alguns casos em sua casa após um trauma que tomou conta de toda sua família. Um dia, uma jovem entra desesperada à procura de Cynthia, dizendo que precisa de sua ajuda já que afirma que uma entidade está destruindo a vida dela e a de seu pai. Assim, a protagonista, e sua filha Jordan (Ellie O'Brien), vão passar os dias que se seguem numa terrível batalha contra o sobrenatural.

A gente fala muito aqui sobre camadas que são atingidas em roteiros que se abrem conforme os acontecimentos se desenrolam. Em Criatura Voraz acontece uma quebra importante dessas camadas, ampliando nossos horizontes, nos levando de um terror sobrenatural até os traumas, o medo e estremecidas nas relações entre pais e filhos. Sem esquecer do sustos, das aterrorizantes maquiagens de entidades inexplicáveis e um pouco de clichês muito vistos em filmes do gênero terror, o projeto consegue prender nossa atenção do início ao fim.

Com poucos personagens aparecendo em cena, e com as criaturas misteriosas ligadas ao sobrenatural sendo apenas a ponto do iceberg, o projeto propõe um debate interessante sobre os fatos do passado (e não tratados) que influenciam comportamentos futuros e formas de enxergar um presente. Não chega a ser um grande aulão sobre a mente humana mas o debate encosta muito nesse tema. Por meio de mensagens indiretas, tendo o trunfo da narrativa alegórica e os possíveis paralelos com algum fato que encosta na realidade, enxergar essa obra além do terror é um exercício que se mostra interessante.  

 

 

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04/07/2025

Crítica do filme: 'Chefes de Estado'


Colocando no centro do palco o espinhoso universo da geopolítica mundial — desta vez focando em duas superpotências — o longa-metragem Chefes de Estado mistura comédia e ação em uma narrativa explosiva, onde o sarcasmo afiado e o deboche funcionam como combustíveis para situações tão absurdas quanto divertidas.

É um filme em que o impossível se torna possível, sempre com uma boa dose de irreverência. Dirigido pelo cineasta russo Ilya Naishuller (diretor do excelente Anônimo), o projeto, mesmo seguindo a famosa, e por vezes sonolenta, receita de bolo de muitos filmes de ação, consegue encontrar na comédia um abrigo.

Will Derringer (John Cena) é um ex-ator de filmes populares que vira presidente dos Estados Unidos. Nos seus primeiros meses de governo, ao fazer uma visita à terra da rainha, precisa dialogar com o primeiro ministro britânico Sam Clarke (Idris Elba). A questão é que os dois não se entendem já faz um tempo. Quando resolvem embarcar juntos no Air Force One rumo a uma reunião importante da OTAN, são alvos de um terrorista implacável. Assim, as duas autoridades precisarão unir forças, para desmembrar uma conspiração que coloca o mundo próximo de mais conflitos.

Para quem dá o play esperando um filme de ação exagerado e descompromissado, não está exatamente errado — essa é, sim, uma forma de enxergar o projeto. A aposta no trio clássico 'tiro, porrada e bomba' é evidente desde o trailer, deixando claro que o foco está na ação explosiva. O lado positivo é que essas cenas são muito bem executadas, com direção competente e ritmo envolvente. Naishuller já havia mostrado sua competência no universo da ação com o ótimo filme Anônimo.

O que pode diferenciar esse de outros projetos é exatamente o uso de um sarcasmo que traça paralelos hilários com o mundo real. John Cena se destaca em muitos momentos como um presidente que assume todas as facetas do homem mais poderoso do mundo. Mas quando tenta ingressar em assuntos da geopolítica, o roteiro derrapa nos exageros deixando as reflexões em segundo plano. A narrativa se projeta para gerar cenas de ação constantes mas o que brilha mesmo é a comédia aos moldes pastelão - um surpreendente trunfo - além da ótima harmonia em cena entre Cena e Elba.

Com filmagens na França e na Itália, Chefes de Estado estreou neste início de julho no Prime Video. É aquele passatempo que passa na média. Não é uma obra-prima, logo vamos esquecê-lo mas diverte, e isso é o que importa quando queremos apenas relaxar. Dê o play e tire suas próprias conclusões.

 

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