15/07/2025

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Crítica: 'Cazuza, Boas Novas'


Falar de um artista que ainda pulsa por meio de sua obra nunca é simples. O documentário Cazuza: Boas Novas, exibido com grande sucesso no Festival In-Edit Brasil, mergulha de forma sensível e intimista em um recorte marcante do fim dos anos 1980 — um período turbulento e intenso na vida pessoal e profissional do eterno Cazuza. A produção revela a explosão de emoções e criatividade de um dos nomes mais geniais da nossa música.

A obra percorre histórias curiosas contadas por amigos e familiares, entrelaçadas com reportagens de TV e canções que muitos de nós sabemos de cor e seguimos cantando até hoje. Clássicos como Faz Parte do Meu Show, Codinome Beija-Flor e tantos outros não ficam de fora. O mais interessante é como essas músicas surgem dentro de um contexto que dialoga com os arcos da narrativa, permitindo que o filme flua com leveza, mesmo ao abordar temas polêmicos que marcaram a trajetória de Cazuza.

Repleto de depoimentos de figuras marcantes da nossa música, como Gilberto Gil, Ney Matogrosso e Roberto Frejat, o documentário acerta ao construir uma narrativa organizada que mistura falas emocionantes, reportagens, imagens de arquivo e apresentações musicais — algumas possivelmente inéditas. Entre os destaques, está o espetáculo O Tempo Não Para, que arrastou multidões por todo o país. Em seus 90 minutos de projeção, o filme prende do início ao fim: é emoção atrás de emoção, e o tempo, ironicamente, parece mesmo não passar.

Dirigido por Nilo Romero e co-dirigido por Robert Moret — primeiro amigo e diretor musical do show final de Cazuza — o documentário tem como maior mérito a proximidade genuína que alcança com seu personagem central. A cada história contada, o público é conquistado por uma narrativa que flui de forma artesanal, conduzida por alguém que viveu intensamente os bastidores daquilo que vemos na tela. As longas conversas dos convidados, e também amigos de Cazuza, com o próprio Nilo, carregadas de emoção e memórias vívidas, transformam-se na cereja do bolo de um filme que tem tudo para se tornar atemporal — como toda grande obra que revela, com honestidade, as verdades de um artista único.


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10/07/2025

Crítica do filme: 'Com Unhas e Dentes'


Sem grandes pretensões além de entregar sustos e tensão típicos do universo zumbi, o longa-metragem tailandês Unhas e Dentes aposta em uma narrativa desenfreada onde artes marciais colidem com cadáveres reanimados por um vírus desconhecido. Dirigido por Kulp Kaljareuk e já disponível na Netflix, o filme não busca reflexões profundas — é um convite direto a quem quer embarcar em uma jornada de ação desenfreada.

Ambientado em um mundo distópico onde a fome se tornou um dos graves problemas da humanidade, um lutador de Muay Thai (Mark Prin Suparat) sobrevive do jeito que pode ao lado da companheira, a cirurgiã Rin (Nuttanicha Dungwattanawanich). Quando o local onde ela trabalha é tomado por uma epidemia zumbi, o lutador fará de tudo para conseguir salvá-la.

Mesmo partindo de um cenário promissor — um planeta devastado por seus próprios erros, onde a fome já ultrapassou o nível de alerta e a opressão domina nas mãos de quem detém o poder — o projeto estanca qualquer tentativa de aprofundamento, evitando explorar com mais contundência as possíveis críticas sociais. Uma pena!

As cenas de ação e luta são bem feitas, com os mais conhecidos exageros de outras estruturas narrativas de filmes onde zumbis tem um certo protagonismo. É clichê pra tudo que é lado, mas aqui adicionado ao fato de fugir da previsibilidade, talvez o maior mérito da produção. Com sangue jorrando em toda parte, o cenário caótico se prende ao ambiente hospitalar, um lugar onde a cura é constante mas aqui ganha ares horripilantes.  

A proposta é muito simples: embarcar nos velhos e batidos dilemas de toda luta pela sobrevivência em um universo dominado pelo caos. Nessa batalha forçada entre o bem e o mal, com um lutador de artes marciais de um lado caminhando todos os passos e desafios na sua jornada do herói, e zumbis (do estilo corredores) dominando a vilania, é estabelecido um clássico molde narrativo onde pode entreter quem curte filmes do gênero.


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09/07/2025

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Pausa para uma série: 'Jogo Cruzado'


Com um olhar crítico sobre o universo machista do futebol, a série Jogo Cruzado usa a comédia escrachada e uma narrativa leve para abordar temas delicados que ainda são tratados como tabus no esporte mais popular do Brasil. Entre risadas e provocações, a produção oferece reflexões importantes e necessárias. Em oito episódios repletos de convidados especiais – todos já disponíveis na Disney Plus – a série busca apresentar o ambiente do futebol através de novos olhares sempre tendo o humor na ponta da chuteira.

Matheus (José Loreto) é o craque de um time que busca sempre os títulos mais importantes. Elisa (Carol Castro) é uma jornalista fiel aos princípios da profissão que escolheu em busca de novos desafios na carreira. Eles nunca se deram bem. Quando Matheus precisa parar com o futebol por ordem médica, seu destino volta a se cruzar com o de Elisa, e juntos são convidados a apresentar um programa esportivo que promete chocar o mundo do jornalismo esportivo.

Com um episódio piloto acelerado e confuso, seguido por um segundo capítulo aquém dos demais, a série só encontra seu verdadeiro rumo a partir do terceiro episódio — quando os temas centrais começam a ser apresentados com mais clareza. A partir daí, em um jogo de protagonismo que alterna entre personagens principais, o desenvolvimento se dá por meio dos conflitos em suas vidas pessoais e profissionais.

Imerso em um ritmo acelerado e uma ação reflexiva que muitas vezes se limita à superfície, o projeto segue por caminhos previsíveis — mas não sem antes levantar reflexões relevantes. Entre os temas abordados, destacam-se questões pouco exploradas, como os desafios enfrentados por jogadores homossexuais em um ambiente ainda machista, a propagação de fake news por falta de apuração jornalística, o sensacionalismo na mídia esportiva e as doenças psicológicas, como a depressão, que afetam atletas no auge da pressão.

O machismo no futebol também ganha um foco importante, talvez sendo o tema mais consistente ao longo dos episódios. A personagem Elisa, vivida por Carol Castro, revela situações enfrentadas por muitas mulheres no jornalismo esportivo. Por meio de cenas que espelham o cotidiano, a série levanta questões relevantes e convida o público a refletir sobre a desigualdade de gênero nesse meio.

Equilibrar comédia e drama é um desafio — e, neste projeto, a fórmula não se concretiza. Com forte inclinação para o humor, as possíveis camadas dramáticas acabam ficando na superfície, muitas vezes recaindo em clichês já conhecidos. Ainda assim, mesmo em meio a uma espécie de bagunça organizada, a série consegue transmitir mensagens relevantes, o que se torna um dos principais méritos da produção.


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08/07/2025

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Crítica do filme: 'Desastre Total: O Verdadeiro Projeto X'


Um convite para uma festa de aniversário de uma jovem de 16 anos viraliza pelo Facebook e logo vira o estopim de uma história que marcou uma cidadezinha na Holanda e ganhou as páginas policiais. Abordando esse peculiar caso que envolve inúmeras questões desde a falta de preparo das forças policiais até o comportamento descontrolado de jovens em busca de diversão, a Netflix, no seu ótimo projeto Desastre Total, apresenta um média-metragem documental marcante que gera muitas reflexões sociais.

Em 2002, na cidade de Haren, no município de Groningen (Holanda), uma jovem sonhava em comemorar seu aniversário com uma festa especial. Para isso, decidiu convidar amigos e conhecidos criando um evento no Facebook. No entanto, ao deixá-lo público por engano, o convite rapidamente se espalhou e viralizou, alcançando milhares de jovens que passaram a compartilhar e planejar a ida ao local. Naquele mesmo ano, um dos filmes mais marcantes quando pensamos em festas descontroladas - Projeto X - Uma Festa Fora de Controle - foi lançado nos cinemas, e logo uma inusitada associação foi criada impulsionando ainda mais o evento.

Dentro de um recorte temporal que liga dias antes do ocorrido ao início de toda a confusão, a construção da narrativa se movimenta através de depoimentos de pessoas próximas ao caso, além de reportagens e vídeos que foram divulgados na época. São 48 minutos de total imersão a uma série de situações que levaram ao verdadeiro caos em um lugar sem agitações.

Todos os aspectos que envolveram a situação são amplamente apresentados, desde o descaso da prefeitura local diante de riscos evidentes, até o papel da mídia na cobertura do caso. O documentário também expõe a postura inconsequente de parte dos jovens que só buscavam diversão, do despreparo policial, além dos desabafos da própria aniversariante, que acabou vivendo uma celebração completamente diferente do que imaginava — fruto de uma sequência quase inacreditável de acontecimentos.

Faltou somente alguma profundidade sobre as consequências das ações, seria interessante para um recorte amplo ter mais detalhes sobre o depois do ocorrido. Nesse ponto, o documentário se apressa em destacar a renúncia da autoridade local, mas oferece poucas explicações sobre outros fatores essenciais — peças-chave de um tabuleiro caótico que transformou uma simples festa de aniversário em um verdadeiro cenário de descontrole.

Dirigido por Alex Wood, este é mais um episódio da ótima série da Netflix intitulada Desastre Total que tem algumas outras histórias que beiram ao absurdo já contadas e disponíveis na plataforma.

 

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Crítica do filme: 'Coração Delator'


Trazendo para debate, mesmo que em plano de fundo, a importante questão da gentrificação e também do transplante de órgãos, o longa-metragem argentino Coração Delator chegou recentemente na Netflix. Escrito e dirigido pelo cineasta argentino Marcos Carnevale, de sucessos como Elsa & Fred - Um Amor de Paixão e Granizo, o longa-metragem busca num previsível romance água com açúcar criar caminhos para suas questões que atingem paralelos, de alguma forma, na realidade.

Juan Manuel (Benjamín Vicuña) é um empresário bem sucedido do ramo das construções. Um workholic declarado, com dificuldades em relacionamentos amorosos. Certo dia, no caminho para mais uma viagem com amigos milionários, passa mal e logo se constata que ele precisa de um transplante de coração urgente. Meses se passam e sua forma de olhar a vida começa a passar por mudanças, e ele resolve conhecer melhor a família do homem que lhe permitiu ser transplantado. Só não esperava se apaixonar pela viúva do doador, Vale (Julieta Díaz).

Com muitas filmagens acontecendo em Lanús, província de Buenos Aires, o foco aqui é o amor, ou mesmo a redescoberta desse sentimento poderoso. A narrativa se joga num mergulho sem olhar pra trás no mundo dos clichês do gênero. Com a já batida jornada de modificações do homem rico que se transforma ao passar por uma situação de vida ou morte, somos conduzidos para uma estrutura que apenas alcança pinceladas de senso crítico sobre o que vem ao redor.

O olhar mais atento chega numa crítica social importante sobre a valorização imobiliária e num automático êxodo da população com raízes culturais no lugar (gentrificação) e também para a importância da doação de órgãos, momento sempre delicado para toda família. Esses importantes assuntos que circulam pela trama são diluídos dentro de uma esticada de tapete vermelho para um amor inesperado, se tornando aos poucos um suco de ‘sessão de tarde’ completamente previsível.

 

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Crítica do filme: 'Um Pai para Lily'


Premiado com mais de 25 prêmios ao redor do mundo, Um Pai para Lily chegou à Netflix trazendo uma história real comovente que toca o coração de forma genuína. No centro da trama, duas pessoas solitárias se cruzam e descobrem, na amizade, um novo sentido para a vida. Escrito e dirigido pela cineasta texana Tracie Laymon — em seu segundo longa-metragem — o filme aborda traumas afetivos, luto e recomeços, criando uma atmosfera delicada e tocante que conquista rapidamente o público.

A vida da jovem Lily Trevino (Barbie Ferreira) não tá fácil, completamente esquecida pelo pai Robert (French Stewart), trabalha como cuidadora para se sustentar. Um dia, numa navegada pelo facebook acaba acidentalmente chegando até um homônimo de seu progenitor, um outro Bob Trevino (John Leguizamo), um homem casado e com uma perda recente irreparável. Logo uma linda amizade surge e juntos vão aprender um pouquinho sobre a arte do recomeçar.

A jornada dos personagens é bem estruturada e evolui de forma natural durante a narrativa. Com os olhos em Lily, percebemos todas suas dores e angústias, que vão da rejeição até a busca pelo pertencimento chegando também na beira da depressão, uma bolha criada por um passado com lacunas em relação ao pai e um presente completamente exposta a um mundo duro e cheio de armadilhas. A chegada de Bob a sua vida, é uma luz no fim do túnel, uma peça que faltava para mais coisas ao seu redor fazerem sentido.

O carisma nessa amizade que surge é a base de uma trama que busca sem delongas chegar ao transbordar das emoções. O papo é reto, sem meio campo, algo que aproxima espectadores da história. Mesmo assim o desacelerar da narrativa para destacar importantes momentos acaba atingindo o ritmo mas nada que atrapalhe o cometa de emoções que saltam na tela. É bem capaz de você se emocionar ao longo dessa jornada.  

O projeto é baseado em fatos reais que aconteceram com a própria diretora do filme, Tracie Laymon, quando ela acabou criando uma forte amizade com um alguém enquanto procurava, pelas redes sociais, pelo próprio pai. Transformar isso tudo em cinema deve ter sido um grande desafio mas essa proximidade com a história faz todo o sentido quando vemos a emoção em cada cena.

  

 

 

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07/07/2025

Crítica do filme: 'Um Tipo de Loucura'


Abordando a força do amor na batalha cruel contra o declínio nas habilidades mentais, o longa-metragem sul-africano Um Tipo de Loucura – completamente escondido no ótimo catálogo do Prime Video - nos leva até uma história apaixonante, com altos graus de emoções, em uma narrativa que mergulha de corpo e a alma nos últimos elos de lembranças enraizadas de uma linda história de amor. Escrito e dirigido pelo cineasta Christiaan Olwagen, o filme deve esquentar até aqueles corações mais gelados.

Elna (Sandra Prinsloo) e Dan (Ian Roberts) se conhecem há muitas décadas e abriram mão de tudo para formar uma família sempre com o objetivo de viverem juntos até os fins dos dias. Já com três filhos e vida consolidada, Elna começa a sofrer de demência, fato que a faz ser hospitalizada e ficar longe de seu grande amor. Sem saber como lidar com a situação, Dan resolve invadir o lugar e partir com Elna para o resgate de lembranças de momentos marcantes do casal.  

Como contar uma história de amor de forma dilacerante? Partindo de um inusitado resgate – que simplifica o poder de um amar – Um Tipo de Loucura atravessa qualquer esconderijo da mesmice para nos levar até o pulsar de um subconsciente através de lapsos de memórias de um alguém com um declínio progressivo nas funções cognitivas. Apresentar esse tema já é algo valioso, que gera muitas reflexões, mas o roteiro consegue ir mais longe e mostrar o olhar de toda uma família para a situação que se apresenta.

Com o uso inteligente de flashbacks e cenas repletas de entrelinhas, a narrativa se desenrola com naturalidade e harmonia. Lançado discretamente em um dos principais catálogos de streaming no Brasil, o projeto apresenta uma história de amor que atravessa décadas, enfrentando dilemas e obstáculos – mas nada tão doloroso quanto os acontecimentos do presente. É fácil para parte do público traçar paralelos com a vida real, já que o tema toca diretamente em aspectos sensíveis da nossa realidade.

Com a demência posicionada no centro da trama – ainda que sem grandes explicações sobre os sintomas envolvidos – a narrativa abre espaço para diversas camadas significativas. Elas vão desde os conflitos sobre como lidar com a condição, que afetam toda a família, até os fragmentos de consciência da protagonista a respeito da própria realidade. Esse carrossel de emoções, com ótimas interpretações, transformam Um Tipo de Loucura é um filme necessário e certeiro para você que vive ou já viveu um grande amor.

 

 

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Crítica do filme: 'Criatura Voraz'


Ao pensar em filmes de terror, é comum imaginarmos cenas carregadas de tensão, criaturas assustadoras e aquela constante busca pelo susto. Mas como transformar o medo e a tensão em algo eficaz dentro de uma narrativa simples? É justamente isso que o cineasta canadense Chad Archibald propõe em Criatura Voraz. Escrito e dirigido pelo mesmo, o filme — que chegou discretamente ao catálogo da MAX — utiliza de forma inteligente os temores do subconsciente para construir sua atmosfera, ao mesmo tempo em que conduz o espectador a reflexões profundas sobre a relação entre pais e filhos.

Cynthia (Ashley Greene) é uma psiquiatra com dom de Clarividência. Utilizando seus métodos não reconhecidos pela ciência, ela atende alguns casos em sua casa após um trauma que tomou conta de toda sua família. Um dia, uma jovem entra desesperada à procura de Cynthia, dizendo que precisa de sua ajuda já que afirma que uma entidade está destruindo a vida dela e a de seu pai. Assim, a protagonista, e sua filha Jordan (Ellie O'Brien), vão passar os dias que se seguem numa terrível batalha contra o sobrenatural.

A gente fala muito aqui sobre camadas que são atingidas em roteiros que se abrem conforme os acontecimentos se desenrolam. Em Criatura Voraz acontece uma quebra importante dessas camadas, ampliando nossos horizontes, nos levando de um terror sobrenatural até os traumas, o medo e estremecidas nas relações entre pais e filhos. Sem esquecer do sustos, das aterrorizantes maquiagens de entidades inexplicáveis e um pouco de clichês muito vistos em filmes do gênero terror, o projeto consegue prender nossa atenção do início ao fim.

Com poucos personagens aparecendo em cena, e com as criaturas misteriosas ligadas ao sobrenatural sendo apenas a ponto do iceberg, o projeto propõe um debate interessante sobre os fatos do passado (e não tratados) que influenciam comportamentos futuros e formas de enxergar um presente. Não chega a ser um grande aulão sobre a mente humana mas o debate encosta muito nesse tema. Por meio de mensagens indiretas, tendo o trunfo da narrativa alegórica e os possíveis paralelos com algum fato que encosta na realidade, enxergar essa obra além do terror é um exercício que se mostra interessante.  

 

 

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04/07/2025

Crítica do filme: 'Chefes de Estado'


Colocando no centro do palco o espinhoso universo da geopolítica mundial — desta vez focando em duas superpotências — o longa-metragem Chefes de Estado mistura comédia e ação em uma narrativa explosiva, onde o sarcasmo afiado e o deboche funcionam como combustíveis para situações tão absurdas quanto divertidas.

É um filme em que o impossível se torna possível, sempre com uma boa dose de irreverência. Dirigido pelo cineasta russo Ilya Naishuller (diretor do excelente Anônimo), o projeto, mesmo seguindo a famosa, e por vezes sonolenta, receita de bolo de muitos filmes de ação, consegue encontrar na comédia um abrigo.

Will Derringer (John Cena) é um ex-ator de filmes populares que vira presidente dos Estados Unidos. Nos seus primeiros meses de governo, ao fazer uma visita à terra da rainha, precisa dialogar com o primeiro ministro britânico Sam Clarke (Idris Elba). A questão é que os dois não se entendem já faz um tempo. Quando resolvem embarcar juntos no Air Force One rumo a uma reunião importante da OTAN, são alvos de um terrorista implacável. Assim, as duas autoridades precisarão unir forças, para desmembrar uma conspiração que coloca o mundo próximo de mais conflitos.

Para quem dá o play esperando um filme de ação exagerado e descompromissado, não está exatamente errado — essa é, sim, uma forma de enxergar o projeto. A aposta no trio clássico 'tiro, porrada e bomba' é evidente desde o trailer, deixando claro que o foco está na ação explosiva. O lado positivo é que essas cenas são muito bem executadas, com direção competente e ritmo envolvente. Naishuller já havia mostrado sua competência no universo da ação com o ótimo filme Anônimo.

O que pode diferenciar esse de outros projetos é exatamente o uso de um sarcasmo que traça paralelos hilários com o mundo real. John Cena se destaca em muitos momentos como um presidente que assume todas as facetas do homem mais poderoso do mundo. Mas quando tenta ingressar em assuntos da geopolítica, o roteiro derrapa nos exageros deixando as reflexões em segundo plano. A narrativa se projeta para gerar cenas de ação constantes mas o que brilha mesmo é a comédia aos moldes pastelão - um surpreendente trunfo - além da ótima harmonia em cena entre Cena e Elba.

Com filmagens na França e na Itália, Chefes de Estado estreou neste início de julho no Prime Video. É aquele passatempo que passa na média. Não é uma obra-prima, logo vamos esquecê-lo mas diverte, e isso é o que importa quando queremos apenas relaxar. Dê o play e tire suas próprias conclusões.

 

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Pausa para uma série: 'Raul Seixas: Eu Sou'


Um ídolo e sua eterna metamorfose ambulante. Produzido pela 02 filmes e disponível no catálogo do Globoplay, a minissérie Raul Seixas: Eu Sou nos leva até os detalhes na carreira profissional e da vida pessoal do cantor baiano - e um dos pioneiros do Rock no Brasil - Raul Seixas. Com detalhes conhecidos pelo público e outros nem tanto assim, o roteiro preenche com emoção o misticismo, as angústias, a criatividade, o sofrimento de uma voz que nunca vamos esquecer. No papel principal, o competente Ravel Andrade se entrega de corpo e alma dando vida ao ídolo de toda uma nação.

Recortando sua trajetória entre os anos 1960, 1970 e início dos anos 1980, a obra seriada levanta todos seus tópicos num episódio piloto competente, que preenche as primeiras peças de uma jornada pela vida e obra de um dos artistas mais originais que nossa música já teve. Utilizando leves flashbacks, dentro de uma narrativa que se mantém firme num apresentar em vez de decifrar – opção que se mostra um caminho eficiente e certeiro – ao longo de oito episódios vamos vendo os altos e baixos desse nômade do equilíbrio.

Sem esquecer da amizade de longa data com o escritor e compositor Paulo Coelho, os tempos de censura e ditadura militar, as dificuldades no início de carreira, até os dramas familiares provocados muitas vezes pelos seus vícios que afastaram pessoas que o amaram, podemos definir duas vertentes que seguem num mesmo caminho e fazem relação com suas letras e história. Tendo parte da potente canção Maluco Beleza no subtítulo da projeto, o roteiro se divide em dois momentos (o artista e o pai/marido) que se encaixam numa reta só.

O homem que já foi ‘o medo de amar’ tem relação com suas questões familiares, que ganham muitas camadas ao longo dos episódios – principalmente nos episódios finais. A sua ‘força da imaginação’ apresenta o processo criativo, as dúvidas no início da carreira onde numa decisão acertada, largando a carreira como produtor e embarcando na de intérprete. ‘A luz das estrelas’ está associada ao misticismo, algo bem construído com a fantasia ganhando força em muitas cenas. Há também o ‘tentar outra vez’, algo que fica fixo na época de declínio sempre na esperança de dias com novas oportunidades.

Recriar a vida e a obra de um artista que, mesmo após sua morte, continua vivo por meio de suas canções, é sempre um grande desafio. É possível que alguns detalhes tenham ficado de fora, mas, de modo geral, a série mergulha com força no universo enigmático de Raul Seixas. Ao som do rock and roll que embalou gerações, somos conduzidos por muitas das verdades de um artista que arrastava multidões.

Lançado semana passada, perto da data onde Raulzito completaria 80 anos de vida, Raul Seixas: Eu Sou mostra competência para percorrer a vela que acende e a luz que se apaga. Se interessou? Todos os oito episódios já estão disponíveis no Globoplay.


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30/06/2025

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Crítica do filme: 'Paraíso' [CineOP 2025]


Numa gangorra que varia da sutileza ao escancarado, apresentando verdades que rolam soltas pelo Brasil, o documentário Paraíso é um recorte antropológico, sem respiro, com ritmo acelerado, que busca nos conflitos das relações, no ponto de interrogação aos comportamentos, trazer para debate fragmentos de reflexões sobre a sociedade. Exibido no último dia da Mostra Competitiva do CineOP 2025, esse é o novo trabalho da cineasta Ana Rieper.

Utilizando uma ampla variedade de materiais de arquivo, o filme apresenta situações que expõem a desigualdade social, a violência e colocam a indignação no centro da narrativa. No entanto, em meio a esse mar de contextos complexos, a construção opta por abordar apenas fragmentos desse oceano, deixando de estabelecer conexões mais sólidas. Em alguns momentos, a narrativa se assemelha a um carro desgovernado, carregado de informações que buscam sustentação, mas nem sempre encontram equilíbrio.

Com inúmeras críticas sociais contornando a narrativa, o discurso não chega a se dispersar, nem a ser redundante, mas segue acelerado, sem respiro. Nessa montagem, por vezes confusa, o uso do chocar é interessante e salta aos olhos. Nesse ponto, a indignação se impõe, provocando reflexões imediatas. Todos já sabemos que o paraíso não é aqui — e talvez nunca tenha sido —, mas a forma como o filme apresenta diferentes comportamentos, muitas vezes com um deboche inteligente, é uma escolha acertada que prende a atenção e amplia o impacto.

Não sei se era exatamente essa a intenção, mas o filme funciona como um verdadeiro laboratório social — construído a partir de experiências que, de certa forma, definem a essência da obra. Ao longo de seus 75 minutos, busca-se soluções por meio de reflexões e de um recorte antropológico que atravessa a narrativa. Ainda assim, mesmo levantando debates relevantes para a sociedade, o filme corre o risco de atingir apenas um dos lados da bolha de nosso país polarizado.


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Crítica do filme: 'Meu Pai e Eu' [CineOP 2025]


Após uma longa jornada que remexe, de forma dolorosa, com o passado — desde a concepção do filme até sua estreia brasileira na CineOP, integrando a Mostra Competitiva da 20ª edição — Meu Pai e Eu acompanha a trajetória de um homem que decide, com impressionante coragem, embarcar de peito aberto em busca do perdoar ou, ao menos, de uma melhor compreensão de um alguém próximo que se tornou indecifrável. Ao tentar decifrar esse mosaico emocional embaralhado pelo tempo, o filme nos conduz por intensos contrastes de sentimentos, que ressoam profundamente ao longo dos seus 73 minutos.

Muitos anos após a partida do pai — um acontecimento marcado por sentimentos confusos e dolorosos, que ainda hoje machuca —, um futuro pai decide buscar novos significados para a relação com o homem que tantas vezes o decepcionou. Guiado por relatos de pessoas próximas e por objetos encontrados em uma mala jamais aberta, ele mergulha em uma investigação íntima, ciente de que poucas lacunas serão, de fato, preenchidas.

Perdão só faz sentido para quem o sente. Esse sentimento repleto de espinhos é uma das portas de entrada para uma história que faz uso sensível e preciso de depoimentos de familiares, cartas — algumas de conteúdo muito forte — e fotos antigas, compondo um panorama em busca de qualquer significado que permita lançar um novo olhar sobre uma relação paternal.

O desejo de compreender a figura que tanto fere é o núcleo da estrutura narrativa desta obra capixaba, que explora o amor profundo e o desencontro, moldando-se aos poucos como um retrato corajoso diante das barreiras emocionais de uma relação marcada pela ausência e um surgimento - por conta de um fato marcante – de tentativa de reconexão.

Marcando a estreia de Thiago Moulin na direção de longas-metragens, e logo no arriscado lugar de personagem/diretor, essa obra não é difícil de se entender quando pensamos em roteiro e os caminhos utilizados para preencher cinematograficamente uma narrativa bastante pessoal com camadas profundas. A questão é o amplo alcance das cargas emocionais que caminham em linhas tênues entre a dor e o amor – algo que se sustenta do início ao fim. O impacto é sentido de forma imediata nos momentos em que o filme toca suas duas faces: o desespero explícito e a incapacidade de lidar com ele. É uma obra intensa e angustiante, daquelas que não saem da cabeça tão cedo.

 

 

 

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Crítica do filme: 'Os Ruminantes' [CineOP 2025]


Partindo de fatos curiosos sobre um filme — considerado 'maldito' por muitos — que nunca saiu do papel, o documentário Os Ruminantes nos conduz por memórias de uma época marcada pela escassez de recursos e pela pressão política. A narrativa se constrói a partir da intimidade dos depoimentos e da presença de grandes trechos do cinema nacional, que ajudam a preencher as lacunas deixadas por um cineasta marcante na história do cinema brasileiro, falecido precocemente antes dos 40 anos. Dirigido por Tarsila Araújo e Marcelo Mello, o longa foi selecionado para a Mostra Competitiva da CineOP 2025.

O projeto parte da trajetória de Luiz Sergio Person, mas se expande para retratar todo um cenário audiovisual da época. Com olhar voltado para o final da década de 1960, o documentário se destaca pela sólida pesquisa e cuidadosa montagem. A partir de um roteiro que tinha potencial para se tornar mais uma obra marcante do nosso cinema, a narrativa nos conduz por contextos políticos e culturais do período, revelando curiosidades pouco conhecidas — como a intervenção do regime militar que impediu o sucesso de um dos filmes de Person nos Estados Unidos.

O roteiro em questão é uma adaptação do romance A Hora dos Ruminantes, de José J. Veiga — uma obra que explora a imprevisibilidade da vida por meio das transformações provocadas pela ruptura do cotidiano, após a chegada de misteriosos personagens à fictícia cidade de Manarairema. Os paralelos com a sempre conturbada política brasileira e com temas relevantes da sociedade saltam aos olhos — elementos que despertaram o interesse do cineasta Luiz Sergio Person e de seu grande amigo, o também cineasta Jean-Claude Bernardet.

A construção do documentário parte de perguntas ainda sem respostas sobre os motivos que impediram a realização do filme, e se desenvolve a partir dos depoimentos de Marina Person (filha de Luiz Sergio Person) e Jean-Claude Bernardet. Um de seus grandes méritos está em revelar as dificuldades de se produzir uma obra audiovisual em um contexto histórico adverso, ao mesmo tempo em que reforça a importância de manter viva a memória documentada — funcionando como uma espécie de continuidade da obra de um cineasta que, mesmo décadas após sua morte, segue como referência no cinema brasileiro.

Os Ruminantes mantém os pés no chão, mas não deixa de dialogar com o universo do realismo fantástico presente na obra original — um clássico da literatura brasileira. Por meio do inusitado, o filme abre espaço para aprendizados e provoca reflexões profundas. A história, agora novamente documentada, convida o espectador a olhar com atenção. Basta querer enxergar.



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24/06/2025

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Pausa para uma série: 'As Mil Mortes de Nora Dalmasso'


Um dos crimes mais cruéis de toda história da Argentina, com quase duas décadas desde seu ocorrido, e ainda sem solução. Retratando em uma contextualização profunda os desenrolares desse brutal assassinato, chegou na Netflix As Mil Mortes de Nora Dalmasso, um projeto que por meio de depoimentos de advogados, imprensa que fez a cobertura na época, reportagens da época e da própria família, monta recortes com pontos de vistas sobre todo o circo midiático que se tornou a investigação.

Río Cuarto, província de Córdoba, novembro de 2006. Uma mulher, sozinha em casa, é brutalmente assassinada, enforcada pela corda do seu próprio roupão. Seu corpo é encontrado e logo uma investigação se mostra em ação. O filho estava longe dali, a filha morando em outro país, o marido disputando um campeonato de golf longe dali. A pergunta que logo chega: quem matou essa mulher?

Nos dias que se seguem a descoberta do corpo, nos primeiros passos da investigação, logo se percebe uma polícia completamente perdida, com várias falhas apontadas até ações seguintes. Esse fator é crucial para os desenrolares e acusações infundadas que se seguiram. A produção seriada parte desse ponto para trazer os fatos ao público jogando um foco maior numa guerra entre a família e o quarto poder.

A minissérie documental True Crime consegue trazer para forte debate o papel da imprensa na cobertura de casos de assassinatos que logo se tornam midiáticos de uma forma bem mais profunda que outras produções. Perseguidos e muitas vezes induzidos como suspeitos, jogados aos leões da opinião pública, a família da vítima também ganha importante espaço contando o caos que virou suas vidas após o ocorrido.

Vale tudo pela notícia? As reflexões se acumulam quando pensamos nas linhas tênues que o jornalismo sensacionalista percorre em qualquer caso de grande repercussão. Em alguns casos, opiniões pessoais acabam iludindo e influenciando profissionais que deveriam prezar pela imparcialidade e focar em apresentar o fatos concretos. Momentos chocantes são vistos em relação a isso, como os impactos na vida pessoal do filho da vítima que teve sua vida e questões íntimas completamente exposta.

As Mil Mortes de Nora Dalmasso, ao longo de seus intensos três episódios, parte de uma enigmática morte na alta sociedade argentina para apresentar as hipocrisias em casos de grandes repercussões. Veja e tire suas próprias conclusões!


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23/06/2025

Crítica do filme: '1978'


Trazendo o horror sobrenatural para o centro do palco, com uma construção em forma de crítica social num primeiro momento, o longa-metragem argentino 1978, que entrou recentemente no catálogo da MAX, é uma roda gigante de emoções que vai de um início promissor até virar uma obra sem pé nem cabeça. Dirigido pelos irmãos Onetti (Luciano e Nicolás), esse suspense aterrorizante gera expectativas e decepciona na mesma proporção.

Em 1978, durante o terceiro ano de uma ditadura militar sangrenta na Argentina, um grupo de torturadores inescrupulosos recebem uma informação e invadem um lugar, levando com eles alguns jovens para um centro de detenção clandestino onde acontecem barbaridades diariamente. A questão é que os torturadores levaram as pessoas erradas e logo se percebe que os capturados são parte de um culto sombrio que se manifesta através de uma figura sobrenatural.  

A primeira parte da história é feita com uma construção interessante, mostrando através de cenas chocantes as verdades dos tempos sombrios de ditadura no conhecido país vizinho. Inclusive, o filme abre muito bem seu contexto, com uma história passando em apenas um dia e logo na data que marcou a final da copa do mundo de futebol masculino na Argentina, um evento que buscou camuflar os horrores que aconteciam naquele país. Há uma força na crítica social que envolve todo o primeiro ato.

A questão é que num segundo momento, a trama se perde completamente, virando uma série de cenas espaçadas que não encontram muito sentido. O roteiro se mostra confuso, não conseguindo ligar os pontos, em momentos que não entram em contraponto. A entrada do horror sobrenatural é feita sem muitas explicações, mesmo com efeitos até interessantes e alta carga de tensão. O chocar por chocar acaba não fazendo muito sentido quando não conseguimos entender absolutamente nada no meio do desenvolvimento até o desfecho.

1978 força uma ideia de confronto do ‘mal contra o próprio mal’, achando que só isso bastaria para realizar um obra eficiente nas suas mensagens. Tem o mérito de jogar um olhar crítico importante aos horrores dos tempos de ditadura mas o problema é que a narrativa – a maneira como se conta uma história -  não consegue construir elementos concisos suficientes nos levando através da violência e do banho de sangue para um lugar completamente sem sentido.

 

 

 

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