09/10/2024

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Crítica do filme: 'Kasa Branca' [Festival do Rio 2024]


Um delicado recorte sobre amores, afetos e família. Partindo de um drama familiar e abrindo um leque de camadas contextualizadas por dilemas da vida, o longa-metragem Kasa Branca, que teve sua estreia no Festival do Rio 2024, é um passeio sobre verdades da realidade. Escrito e dirigido por Luciano Vidigal, de forma simples, objetiva e sem esquecer do bom humor, somos apresentados a carismáticos amigos, seus dramas e cotidianos.

Na trama conhecemos o jovem e gente boa Dé (Big Jaum) que está passando por um momento delicado. Sua avó, a única parente de seu presente, está numa estrada sem volta com a doença de alzheimer e, precisando cuidar dela, as contas só acumulam. Morador de um bairro de Mesquita, Chatuba, no Rio de Janeiro, ele resolve enfrentar esse momento vivendo o máximo de experiências com ela, contando com a ajuda de seus dois melhores amigos Adrianim (Diego Francisco) e Martins (Ramon Francisco).

O alicerce é a relação do protagonista com a avó. Abandonado pelo pai na infância, Dé se vê em um ponto crítico, sem dinheiro para o básico, prestes a ficar sozinho no mundo, se tornando refém do apenas sobreviver. Todo dia vendo o trem passar - um óbvio paralelo com suas memórias e na busca por algo que não o faça desistir e seguir em frente - acompanhamos sua história com um ritmo dosado, chegando nos demonstrativos de medos e aflições, esses, contidos em cada ponto da narrativa que, trazendo um assunto duro envolvido muitas vezes pela falta de esperança, traça suas reflexões sociais.

Tocando em temas delicados, que são amenizados pelas pausas dramáticas a partir da contagiante amizade dos três amigos e suas questões, esse é um filme sobre verdades. Indicando certeiros paralelos com o mundo real, não é esquecido uma contextualização que vão desde descasos do sistema de saúde pública, mílicia, a corrupção policial, até a falta de um facilitador via políticas públicas na compra de remédios caríssimos.

Como um cronista do cotidiano carioca, trazendo a força da simplicidade na estrutura narrativa, exemplificados por gestos de ternuras imensuráveis, Luciano Vidigal mostra que mesmo na falta de esperança é possível respiros. E ao transformar isso tudo num grande mar de reflexões numa tela grande a mensagem chega com força a todos que estão dispostos a conhecer, aprender e dar sua contribuição.

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06/10/2024

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Crítica do filme: 'Os Enforcados' [Festival do Rio 2024]


Apontando o dedo para o alto da pirâmide da criminalidade, o novo trabalho do cineasta Fernando Coimbra – também diretor do excelente O Lobo Atrás da Porta - é um ousado passeio por ações violentas, tramoias sangrentas, tendo no centro das atenções um casal inescrupuloso que entra numa espiral de ascensão e queda na organização criminosa familiar que fazem parte. Selecionado para o Festival do Rio 2024, o projeto tem uma narrativa pulsante, encostando no tragicômico e mantendo-se firme no discurso que logo se mostra uma contundente crítica social com mais que respingos na atualidade.

 

Na trama, ambientada no Rio de Janeiro atual dominado pelo poder de criminosos, conhecemos Regina (Leandra Leal) e Valério (Irandhir Santos), um casal, parceiros de planos, que vive abraçado à uma família de crime, ligada ao jogo do bicho e lavagem de dinheiro, na capital da cidade maravilhosa. Quando resolvem dar um passo nessa hierarquia, cruzando uma série de limites, planejam o que acham ser um plano perfeito. Só que uma série de consequências desse ato tomam conta dos próximos passos desse recorte rumo ao caos.

Coimbra não alivia ao mostrar os detalhes dessa caminhada rumo à ruína, se joga numa reta de ousadia quebrando os paradigmas familiares, adicionando a crítica social focada no poder corrupto, usando o chocar para criar a tensão e reflexão. Um dos elementos importantes, é a composição e desenvolvimento personagens, que encontram suas camadas em um tour pelo psicológico dominados pela inconsequência, envoltos num estado de alerta constante chegando até a validação da iminência onde a ciranda do poder pode girar a qualquer momento.

Para validar o forte impacto das cenas, uma direção de arte impecável se torna quase um personagem, um espelho complementar do que vivem e sentem os personagens – brilhantemente interpretados por Irandhir Santos e Leandra Leal. Sem alívio para as ações inescrupulosas e batendo forte na tecla de uma elite corrupta que se acha intocável, toda essa atmosfera criada deixa o público atento e surpreso ao longo das duas horas de projeção.

Exibido pela primeira vez no Festival de Cinema de Toronto, Os Enforcados tem como carta na manga a imprevisibilidade, algo que soma demais à narrativa, se consolidando através do caos de ações desenfreadas e do minucioso olhar para a elite do crime, como um forte retrato de nossa sociedade. Os vivos que assustam muito mais que os mortos.

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03/10/2024

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Crítica do filme: 'Emilia Pérez' [Festival do Rio 2024]


O filme de abertura da 26ª edição do Festival do Rio é uma constante explosão de brilhantismo que se joga em uma impecável estrutura musical, sem limites para profundidades de seus complexos personagens, conversando com um contexto repleto de variáveis que vão desde os fortes sentimentos que afloram, após uma radical mudança, até a ganância e o poder. Não há tempo para escantear a violência. A corrupção, os cartéis, ganham seus espaços e reflexões. Por esse caminho, chegamos na força de sentimentos que entram em conflito, que logo se tornam pulsantes, com números musicais inesquecíveis.

Vencedor de dois prêmios no prestigiado Festival de Cannes desse ano, Emilia Pérez nos apresenta a brilhante advogada dominicana - que mora no México - Rita (Zoe Saldaña), completamente infeliz por estar sempre em casos duvidosos que mesmo com a vitória a deixa com a consciência nada tranquila. Um dia, recebe uma proposta inusitada de um dos mais perigosos chefes da máfia do país, Manitas (Karla Sofía Gascón), que consiste em ela o ajudar a se tornar uma mulher e assim desaparecer, além de abandonar a vida no crime. Mas o que será que o destino aprontará ao longo dos próximos anos?

Livremente adaptada do romance Ecoute de Boris Razon, nesse filme marcante podemos equilibrar a narrativa em dois momentos que logo alcançam ações complementares, dentro do antes e depois de uma cirurgia de total mudança. Criar a desconstrução proposta e manter o discurso afiado, imersos em dilemas, é um caminho que o roteiro segue sem deixar as menções das emoções em cada parte. Através de números musicais que ficarão marcados em nossas memórias, o longa-metragem, fortíssimo candidato para o próximo Oscar – em algumas categorias – conhecemos personagens fascinantes com uma série de descobertas carregadas por sentimentos extremos.

Há um achado psicológico interessante, que navega por toda a trama. Como não existe a transferência de consciência, o roteiro estabelece a chegada da aceitação para se descobrir sentimentos próximos do amar, quase uma reversão em relação ao caos de outrora. Quando nos enxergamos nesse ponto, guiados por uma sensibilidade que salta ao exímio conjunto de imagens que conversam com o abstrato do pensar, temos dois olhares: a de um óbvio álibi e seus dilemas e o de um alguém em busca de mudanças mas não sabe muitas vezes lidar com marcas que acumulou por toda uma outra vida.

Indicado da França para o próximo Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e dirigido pelo cineasta francês Jacques Audiard – diretor também do excelente Ferrugem e Osso – esse é um dos filmes imperdíveis da edição do festival carioca.

 


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28/09/2024

Crítica do filme: 'Oeste Outra Vez' [CINEBH 2024]


Dos assobios iniciais ao amplo contexto de homens e suas fragilidades, o longa-metragem Oeste Outra Vez é uma cirúrgica equação rumo ao caos. Escrito e dirigido por Érico Rassi, o projeto atravessa a iminência pelo trágico transformando os momentos anteriores das grandes ações em verdadeiras percepções das vulnerabilidades. Rodado em 2019, na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, essa é história que logo domina a nossa atenção, se mantendo assim do início ao fim.

Na trama, conhecemos o amargurado Totó (Ângelo Antônio), dono de um bar decadente, que após ser abandonado pela companheira, resolve acertar as contas com um outro morador da cidade onde mora, Durval (Babu Santana). Totó então contrata Jerominho (Rodger Rogério), que diz ser um competente pistoleiro, para matar Durval. Mas as coisas não saem conforme o planejado, levando essa história para uma série de desencontros rumo às profundezas da solidão.

Tudo passa, nada fica. Muito bem filmado, e com diálogos maravilhosos, essa espécie de faroeste brasileiro bebe da fonte dos irmãos Coen - de Fargo principalmente - mas mostrando personalidade e originalidade em toda a condução da surpreendente narrativa. Nesse sertão caracterizado como uma terra sem lei, onde pulsa o acaso, ações com opostos desejados se tornam recorrentes, porém longe de redundâncias. Em um dos seus inúmeros méritos, percebemos uma fotografia que conversa a todo instante com o estado emocional dos personagens.

A partir do silêncio, de uma solidão nas linhas da amargura, se constrói e logo desconstrói, com subtramas ganhando espaço seguindo um discurso que pisa com força no tragicômico. Nessa pequena obra-prima do cinema brasileiro, personagens acumulam as emoções de uma frágil masculinidade se tornando nômades das próprias inconsequências. Pra jogar luz e compreensão a tudo isso, além e outros elementos – como a notória e já comentada radiante fotografia - uma marcante trilha sonora abrilhanta o equilibrado ritmo pelas imagens e movimentos.

Oeste Outra Vez, grande vencedor do Festival de Gramado esse ano, foi um dos selecionados para a Mostra Vertentes do CineBh 2024. Um filme que atravessa nosso refletir de várias formas ampliando o contexto através de personagens em conflitos que caminham passo a passo para o centro do tabuleiro emocional onde a solidão é um oasis corriqueiro.

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Crítica do filme: 'Sariri' [CINEBH 2024]


A crença das tradições e o confronto com a realidade. Abordando várias questões femininas por meio de duas irmãs oprimidas pelo machismo de todo um entorno onde vivem, sem esquecer de alcançar novas possibilidades através das tradições e fantasia, a cineasta chilena Laura Donoso apresenta um filme objetivo que consegue chegar em várias camadas de reflexões. Em 77 minutos de projeção, com o místico encontrando a fantasia num certo momento, Sariri é um filme que atravessa qualquer melodrama com a rigidez de um forte discurso.

Na trama, num povoado isolado chamado La Lágrima, em uma casa simples, moram duas irmãs de idades diferentes, a mais velha Dina (Catalina Rios) e a mais nova Sariri (Martina Gonzalez). Muito próximas, as irmãs tem sonhos e dúvidas sobre o futuro por viverem num lugar dominado pelas ações opressoras dos homens da região. Certo dia, após uma gravidez indesejada, Dina resolve planejar uma fuga e entra num dilema para saber o que fazer com a irmã. Ao mesmo tempo que essa última precisa enfrentar um desafio.

Há uma personificação do estado de espírito que caminha muito bem de forma complementar à narrativa. A mãe representa o passivo em meio a uma bolha machista, Dina os sonhos interrompidos mas não esquecidos, e a personagem título a esperança. Pelo olhar das duas irmãs a história vai se moldando através de ações e descobertas através de uma constante busca por mudanças, na constatação da infelicidade. Nesse ponto o protagonismo de Dina já se mostra evidente mas sendo Sariri o fator chave dos dilemas.

Buscando um enriquecimento na exploração das infinidades da linguagem, o roteiro mergulha no misticismo, nas crenças, para conversar com as tradições. Essa composição é muito bem elaborada, se torna interessante dentro do contexto de forte presença da razão emocional. Quando sai do campo da realidade e encontra elementos de fantasia, a narrativa se arrasta para o campo interpretativo para se chegar aos dilemas. Esse pode ser o divisor de águas para parte do público, é preciso embarcar nas importantes e reflexivas mensagens contidas.

Selecionado para a Mostra Território do CineBH 2024, Sariri também elabora a solidão de várias formas, seja na razão de existência, seja no palco onde se desenrola esse drama que costura os lapsos de esperança com a dor da opressão. Tomara que esse filme algum dia chegue no circuito brasileiro.


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27/09/2024

Crítica do filme: 'Pasárgada' [CINEBH 2024]


Lindas imagens que buscam algum significado. Primeiro trabalho na direção da competente atriz paraense Dira Paes, exibido primeiro no Festival de Gramado e logo depois no CineBh 2024, nos leva para uma proposta de imersão e denúncia ao redor de uma forte mas confusa protagonista e sua conexão com a terra, a natureza, o seu presente, os desejos e as lembranças. Ao longo de 93 minutos de projeção, tendo a Mata Atlântica e sua diversidade como cenário, o sensorial toma conta das ações que giram em torno dos desencontros da protagonista se amontoando em uma série de lacunas para serem preenchidas pelos espectadores.

Na trama, conhecemos Irene (Dira Paes), uma ornitóloga de prestígio que se joga numa expedição na Mata Atlântica para um mapeamento clandestino, um trabalho para um grupo criminoso especialistas em tráfico de pássaros silvestres – animais que não tem muito contato com os humanos. Ao longo do tempo nessa região, e contato apenas com outras duas pessoas, aos poucos vai refletindo sobre sua jornada até ali ao mesmo tempo que interage com grande intensidade com a natureza que se mostra ao seu redor.

Será o objetivo do filme ser um filme denúncia? Tentando se conectar com o que é mostrado – através de lindas imagens – muitas vezes paramos e nos perguntamos: Qual é o discurso? Esse elemento importante da linguagem cinematográfica possui, no caso, uma construção confusa, propõe reflexões sobre desconstruções, um presente repleto de culpas, mas muitas vezes diz nada com coisa nenhuma. Um exemplo nítido é a proposta de abordar o tráfico de animais e não ir a fundo nessa questão bastante complexa, com uma série de pessoas envolvidas, fato que pode acabar frustrando a atenção do público.

Quem você é? Quem você foi? Há um outro caminho para tentarmos entender melhor essa história, nesse caso dentro de uma reta para dentro do olhar da protagonista, seu antes e o atual momento. Aqui, busca-se personificações e imagens aleatórias para conversar com o abstrato das emoções. A saudade da filha, da relação com a família – mostrado no longo bate papo com a irmã – ganham um paralelo com o inconsciente, uma alegoria que se mostra atrapalhada e mais confunde do que esclarece.

Repleto de ações simbólicas, que logo se tornam interpretativas, dentro do ciclo proposto pelo roteiro – começa e termina de uma mesma posição mas com perspectivas diferentes – Pasárgada é uma jornada com riquezas de imagens que buscam qualquer significado. Algumas pessoas vão se conectar e embarcar no decifrar o emocional e o psicológico de Irene, outras não. O filme chegou aos cinemas nessa última semana de setembro. Prestigie o cinema brasileiro e tire suas próprias conclusões.


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Crítica do filme: 'Ramona' [CINEBH 2024]


Partindo da busca na composição de um Raio-x da futura personagem de um filme de ficção a cineasta Victoria Linares Villegas amplia os olhares com uma curiosa – e inteligente - condução documental, uma marca notória de um dos ótimos filmes exibidos na décima oitava edição do CineBh, o dominicano Ramona. Trazendo para os holofotes através de uma metalinguagem cirúrgica - uma produção cinematográfica, dentro do próprio filme - a maternidade na juventude ou início da fase adulta, o precoce amadurecer, da negação à discriminação, todo o processo de descobertas, acabam chegando até um recorte social profundo e cativante.

Através do criar dentro de um raciocínio nada genérico, atingindo em cheio o ‘pensar fora da caixa’, encontramos pela premissa uma atriz buscando em um intenso laboratório a inspiração para uma personagem que está grávida na adolescência. Assim, parte pelas ruas da periferia de Santo Domingo e encontra muito mais do que apenas uma história, mas uma representação social, logo chegando a uma construção múltipla, de algo que era para ser apenas uma personagem expande-se para um universo de possibilidades mudando a trajetória do filme.

A procura pelo conhecimento do processo proposto acaba não querendo dizer absorver experiência com a situação. Esse dilema acaba atingindo a atriz do filme que pelo desejo de retratar o mais fiel possível a realidade percebe na própria produção novos caminhos e olhares para a premissa dessa história. Explicar esse processo a partir do uso da própria sétima arte - o que podemos chamar de metalinguagem - é uma bela sacada. Ao concretizar as inspirações através desse uso objetivo da própria linguagem cinematográfica, o projeto ganha um conhecimento inesperado.

Integrando a Mostra Continente do CineBH 2024, o filme dominicano Ramona – que teve sua estreia mundial no Festival de Berlim – é uma daquelas ótimas surpresas que nos convida para novas possibilidades de alcances da linguagem sem deixar de acertar o alvo com um narrativa alinhada ao discurso.


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26/09/2024

Crítica do filme: 'A Mulher Selvagem' [CINEBH 2024]


A realidade caótica que lida com o julgamento dos outros. Abordando muitas questões sociais, tendo como cenário alguns lados de uma Havana do tempo presente, esse interessante projeto cubano com sua construção e condução muito bem equilibradas parte de um despertar que encosta nas inconsequências. Compondo a ótima seleção da Mostra Continente do CineBH 2024, A Mulher Selvagem tem como um dos seus inúmeros méritos o preciso olhar ao detalhar um forçado recomeço, um passo anterior a uma provável segunda chance.

Na trama, conhecemos Yolanda (Lola Amores), uma mulher amargurada e com muitos dilemas que se vê presa em um enorme conflito quando uma sangrenta briga entre o amante e seu companheiro expõe toda sua intimidade aos olhos dos outros. Tendo que agir rápido para proteger o único filho - que mora com a avó – parte em busca de uma fuga mas sem antes passar pelo sofrimento da exposição por conta de um vídeo que se tornou viral.

Em seu primeiro longa-metragem como diretor, o cineasta cubano Alán González vai a fundo num recorte que preenche questões vivas na sociedade como o cancelamento e a traição, ligados pelos pontos de rupturas de uma família repleta de rachaduras em seus elos. Por aqui a felicidade chega somente por lapsos, somos imersos a um estado emocional de desequilíbrio que é refletido em um cenário frio, cinzento, porém real.

Passando por alguns bairros pobres de Havana, a contextualização do espaço se soma ao abstrato dos sentimentos. Dessa forma, a narrativa dentro de uma linearidade acelera para encontrar as reflexões, muitas vezes parece que estamos em um suspense onde vamos resgatando peças que compõe uma personalidade forte e com um lado de desespero que grita frequentemente. A rejeição, as tentativas quase frustradas de afeto, a culpa, se agrupam rumo a um intrigante recorte sobre os sentimentos mais íntimos de uma protagonista brilhantemente interpretada pela atriz Lola Amores.

Exibido em diversos festivais, A Mulher Selvagem é um filme marcante, que pulsa o desespero ao mesmo tempo que abre olhares para uma Havana atual. Esse é um daqueles projetos que ficarão em nossas memórias por um bom tempo. Tomara que tenha a chance de ser exibido no circuito exibidor brasileiro, provavelmente será um dos filmes mais lembrados da 18ª Edição do CineBH.

 

 

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Crítica do filme: 'O Clube das Mulheres de Negócios' [CINEBH 2024]


As personificações para um chocar. Vencedor do Prêmio Especial do Júri no último Festival de Gramado e selecionado para o CineBH 2024, O Clube das Mulheres de Negócios propõe ao espectador um exercício provocativo onde de várias formas podemos enxergar o comportamento através de um uso ácido e debochado do arquétipo associado a personagens da nossa realidade. Suas possíveis várias leituras possibilitam ir do fato concreto ao imaginário. Não é um filme só de comédia, nem de suspense ou terror. É um liquidificador de emoções com tudo isso.

Na trama - que é bem difícil de definir uma sinopse simples e objetiva - conhecemos personagens que entram em total conflito, quando dois jornalistas resolvem entrevistar algumas poderosas mulheres envolvidas nas mais polêmicas situações. Para agravar as tensões que surgem, a fuga de um animal perigoso leva terror e medo a todos no lugar.

Ao buscar soluções para refletir sobre os absurdos, a narrativa encontra dificuldades de se manter firme no forte discurso deixando uma potencial premissa se perder. O exercício provocativo que o filme apresenta funciona numa primeira parte, com mensagens óbvias de paralelos estereotipados de figuras do mundo real. Nesse ponto, abre-se um leque de reflexões possíveis que vão desde as divisões de gênero, de classes, até a corrupção e o machismo.

Num segundo momento, numa grande virada do roteiro, com a chegada do abstrato e os delírios, o objetivo de apontar o olhar do espectador para algum lugar transforma o filme em uma grande viagem sem rumo e redundante. A partir desse ponto, as inspirações bem presentes dos recortes da política brasileira dos últimos anos costurados na primeira parte são esquecidas virando um show de desencontros do próprio discurso.  

Com inúmeras críticas sociais envolvidas entre o riso e a tensão, o projeto escrito e dirigido por Anna Muylaert vai dar o que falar pelas salas de cinema de todo o país a partir do dia 28 de novembro, quando estreia nos cinemas. É um daqueles filmes que você ama ou odeia.

 

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Critica do filme: 'Má Reputação' [CINEBH 2024]


As dificuldades de uma perseguição social e moral. Trazendo aos olhos do público um recorte intimista através de uma carismática protagonista e seus desabafos, o documentário uruguaio Má Reputação estaciona nas possibilidades, focado na sua figura central, sem deixar de deixar a sugestão de bons debates. Ao longo de 78 minutos de projeção, o tema da prostituição, do ativismo e dos direitos trabalhistas se mostram presentes.

Começamos essa caminhada através da rotina de Karina, uma profissional no sexo de quarenta e poucos anos que se joga dia após dia em uma estrada para oferecer seus serviços. Com a experiência de um profissão tratada sem respeito por grande parte da sociedade, certo dia ela resolve buscar a união para buscar direitos que logo se transforma numa luta com uma forte representatividade, através de uma associação para trabalhadoras do sexo – a Otras, Organización de Trabajadoras Sexuales. Além disso, Karina se joga em uma jornada para talvez enxergar novas possibilidades fora desse ramo.

Mostrando seu passo a passo até ali, seu relacionamento com as pessoas mais próximas do seu cotidiano, além da visão de outras mulheres que oferecem os mesmos serviços, vamos aos poucos entendendo as aflições da personagem principal em relação a todo um amplo contexto social e a posição marginalizada aos olhos de muitos. Há depoimentos de experiências passadas no seu tempo de estrada na profissão que ganham fôlego para reflexões através do olhar objetivo do que pode vir pela frente.

Dirigido por Marta García e Sol Infante, a primeira com vasta experiência no mercado de distribuição e a segunda como diretora de fotografia de vários projetos – uma junção que dá super certo com um olhar inteligente aos pontos que podem trazem reflexões – esse projeto não perde a chance de ser objetivo em nenhum momento. É uma história que vemos em nossa sociedade. Assim, Má Reputação adota uma narrativa que busca envolver através de uma imersão às emoções que culminam nas ações de luta de um presente repleto de desafios.  

 

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