09/09/2020

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #88 - Rafael Félix


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

Nosso convidado de hoje é crítico de cinema há cerca de 5 anos, residente no site Cambada de Críticos desde 2018, Rafael Félix, 24 anos, mora na bela Lisboa, em Portugal. Também é, co-criador dos espaço Please Rewind, no Youtube, e do podcast Barulho de Fundo, espaços inteiramente dedicados à sétima arte. Para conhecer um pouco mais sobre esse querido cinéfilo português fomos conversar com o Rafa para esse especial.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

O “Espaço Nimas” no centro de Lisboa é facilmente o “go to” para qualquer cinéfilo da capital portuguesa. Uma das poucas salas que sobreviveu à gentrificação da cidade, o Nimas é uma sala que valoriza o cinema do passado e o cinema contemporâneo, com constantes retrospectivas sobre os grandes nomes do século XX como Bergman, Fellini ou Kurosawa, mas nunca esquecendo que a sétima arte está viva e de boa saúde, dando espaço a filmes que secalhar não conseguem encontrar tanto espaço nas salas comerciais como Portrait of a Lady on Fire ou Parasite.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

The Curious Case of Benjamin Button foi o filme que acabou por mudar a minha perspectiva no que toca ao cinema. Devia ter os meus 12 ou 13 anos e foi o primeiro filme que vi em sala que retratava realmente temas adultos e tocou-me de uma forma que até hoje se torna bastante difícil de explicar.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Escolher um realizador é sempre difícil, mas provavelmente Paul Thomas Anderson, e o meu filme preferido dele, e ainda o melhor filme que o século XXI nos deu There Will be Blood.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

O cinema português era, e continua a ser, um dos meus calcanhares de Aquiles, mas vale a pena salientar o trabalho que Tiago Guedes fez o ano passado com A Herdade, um filme que prova que há mais esperança no produto nacional do que aquilo que tantos, incluindo eu, achamos.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Ser cinéfilo é ter uma mente aberta. É começar cada filme, seja ele qual for, preparado para tirar dali uma aprendizagem. Nem sempre é possível, seja porque o filme não o permite, seja porque nos deixamos tantas vezes sucumbir aos nossos próprios preconceitos e não deixamos que o filme o faça, mas o objetivo é sempre tirar o melhor daquilo que vemos. Isso e, obviamente, ver filmes o mais diversificados possível, seja em termos de língua, tempo ou género, não interessa, é sempre preciso sair da nossa zona de conforto e descobrir as maravilhas que estão além do cinema que nos é constantemente impingido pelos grandes estúdios, olhando apenas para o presente e esquecendo o passado.

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Quero acreditar que sim, mas uma parte de mim também sabe que quem decide muito dessas programações são os contabilistas. Eu percebo o porquê, mas é uma pena.

 

7)  Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Acabar de vez, não. Mas penso que cada vez mais as salas irão ficar reduzidas aos grandes blockbusters e o cinema independente, ou menos comercial pelo menos, vai acabar por viver do streaming. O que parcialmente, já está a acontecer.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Olhando para este ano, gostava imenso que Never Rarely Sometimes Always tivesse mais público, porque é de todas as formas um filme extraordinário.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Não penso que haja razão para não o fazer. A única razão que posso ver que possa causar problemas tem a ver com a subsistência das próprias salas, que a funcionar a 20, 30 ou 40% talvez acabem com mais prejuízo do que se se mantivessem fechadas. Salvo isso, e seguindo estritamente as medidas de segurança, acho que é mais do que possível a reabertura das salas.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema português atualmente?

A ideia que passa, é que o cinema português, ou o dinheiro nele colocado está a ser bastante canalizado para nomes que realmente fazem filmes que pouco ou nada oferecem de novo à cena, e os realizadores mais jovens são deixados ao abandono e à sua sorte, com pouco ou nenhum investimento neles, e com isso, o cinema português vai morrendo lentamente. Tem se visto alguns laivos de mudança positiva nos últimos anos, mas vai ser um processo lento. Para não falar do total desinvestimento na cultura em Portugal, mas isso é um assunto muito mais delicado.

 

11) Diga o artista português que você não perde um filme.

Reportório curto, um pouco como o meu investimento em cinema português, mas qualquer coisa que Filipe Melo faça, eu estarei na primeira fila para ver.

 

12) Defina cinema com uma frase:

A vida em imagens.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

O clássico “casal a ser expulso por estar a praticar relações sexuais consideravelmente barulhentas contra as costas da minha cadeira”.

 

14) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Não, mas acho que ser cinéfilo te pode tornar muito melhor realizador do que alguém que não procura ver coisas novas, inspirar-se e crescer. 

 

15) Qual o pior filme que você viu na vida?

O pior não sei, mas o que me deixou completamente enojado e a querer atirar um cocktail molotov ao ecrão foi o remake do The Lion King.

 

16) Qual seu documentário preferido?

Talvez Encounters at the End of the World de Werner Herzog ou The Endurance de George Butler.

 

17) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão? 

Já sim, até a meio do filme, tal como o resto da sala, na sessão de Parasite no Festival de Cannes.

 

18) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Raising Arizona ou Wild at Heart. São excelentes por razões diferentes, mas Nicolas Cage está no seu melhor em ambos.