Seguimos em nossa jornada, com uma parte 2 repleta de diversidade
nas tramas, para apresentar ótimos filmes dirigidos por mulheres de todo o
mundo. Mesmo com uma longa batalha para vencerem dentro de um universo audiovisual
ainda muito machista, cada vez mais mulheres estão trabalhando com cinema em
diversas áreas da indústria cinematográfica.
Nosso especial contínuo, de muitas partes que serão postadas ao
longo dos meses, tem o intuito de mostrar ao público diversos filmes, alguns
que passaram desapercebidos pelo público inclusive, que são dirigidos por excelentes
profissionais de cinema.
Diretoras dos longas-metragens abaixo:
Catherine Corsini, Kelly Fremon Craig, Lorene Scafaria, Bettina Oberli, Emma Seligman, Maïwenn, Emily Ting, Chloé Zhao, Isabella Eklöf e Silja Hauksdóttir.
Um Belo
Verão (França, 2015)
Tão bom
morrer de amor e continuar vivendo. Dirigido pela cineasta francesa Catherine Corsini, do ótimo Partir (2009), Um Belo Verão, que
fez parte da programação do Festival Varilux de Cinema Francês 2016, é um filme
que fala sobre a luta das mulheres na década de 70 e um amor que nasce ingênuo
e vira uma página importante na história das envolvidas. Um dos grandes
destaques do longa-metragem é o belo roteiro assinado pela dupla Catherine Corsini e Laurette Polmanss que consegue com
maestria dominar a atenção do público contando sempre com a ajuda de uma
singela dose de empatia das ótimas personagens.
Na trama,
acompanhamos a trajetória da jovem Delphine (Izïa Higelin), filha única que vive no interior da França com seu
pai e sua mãe. Certo dia, resolve abandonar sua família para descobrir o mundo
em uma Paris no ano de 1971, lugar onde está passando por uma época de
transformações intensas ligada à liberdade sexual e ao feminismo. Assim que
chega na capital francesa, logo se aproxima de uma grupo de mulheres que lutam
pelos direitos das mesmas, fazendo inúmeros protestos e invadindo conferências
sobre temas polêmicos. Uma das líderes do grupo é Carole (Cécile De France), uma bela mulher que vive com seu namorado
Manuel. Com o passar do tempo, Delphine e Carole vão se aproximando e acabam de
apaixonando intensamente, provocando uma série de conflitos para ambas.
Um
Belo Verão se sustenta na força do amor. Fala com garra
e inteligência sobre a força das mulheres em sua constante luta de igualdade de
direitos. Entre esses dois universos, o do amor e o da luta feminina, giram as
ótimas personagens interpretadas pela excelente atriz belga Cécile de France e
pela jovem francesa Izïa Higelin. Delphine é uma jovem que sempre ajudou seu
pai nos trabalhos na fazenda onde mora. Quando descobre Carole, uma mulher
independente, pra frente, com muita atitude e delicadamente bela se entrega
completamente a uma paixão cercada de preconceito e dúvidas em relação à
liberdade desse amor. Carole descobre sua sexualidade com Delphine, se entrega
e se apaixona como nunca antes fizera, vive a cada dia tentando mostrar ser
merecedora do amor de Delphine. O conflito entre as duas acontece por conta da
fragilidade nas atitudes de Delphine que tem muito medo do que os outros vão
pensar se descobrirem sobre elas.
Se o final
é triste ou não, não vou dizer. Mas acredito muito que esse belo trabalho deixa
em nossa memória uma linda mensagem sobre como viver. A liberdade, a igualdade,
pontos importantes na ideologia francesa ao longo das décadas, são fundamentais
para que tenhamos o livre arbítrio de respirar as experiências de vida que
achamos as mais felizes para nossa existência.
Quase 18 (EUA, 2017)
Na
adolescência tudo parece o fim do mundo, mais é apenas o começo. Escrito e
dirigido pela estreante em direção de longas metragens Kelly Fremon Craig, Quase 18 é uma
grande aventura na estrada sempre complicada da adolescência. Diferente de
outros longas com o tema que não conseguem reunir um grupo de
situações/argumentos interessantes, Quase 18 navega
com muita sabedoria e honestidade nessas águas conturbadas dessa fase da vida.
O elenco é de primeira, encabeçado pela jovem veterana Hailee Steinfeld e com coadjuvantes de peso como os ótimos Woody Harrelson e Kyra Sedgwick.
Na trama,
conhecemos a ‘aborrecente’ Nadine (Hailee Steinfeld), uma jovem com diversas
dificuldades em se socializar com pessoas de sua idade que acaba perdendo seu
pai, um dos seus únicos portos seguros. Sua relação com sua mãe Mona (Kyra
Sedgwick) e seu irmão Darian (Blake Jenner) sempre foi complicada e as coisas
só pioram quando uma de suas poucas amigas Krista (Haley Lu Richardson) acaba
se apaixonando pelo seu irmão. Assim, ao longo dos conflituosos dias, Nadine
terá que viver situações para chegar ao verdadeiro entendimento sobre os
valores da vida, para isso contará com a ajuda inusitada de seu professor Mr.
Brunner (Woody Harrelson).
O roteiro,
escrito pela diretora, é excelente. Passamos em cerca 105 minutos por algumas
fases da vida da protagonista, uma adolescente rebelde que mantém um
relacionamento extremamente difícil com sua família. No primeiro arco, vemos
uma fase pré adolescente que, de maneira bem rápida, nos ajudar a compor as
principais características e modo de pensar da personagem. O desespero fica
maior quando sua melhor amiga, e praticamente única, já na fase de high school,
acaba se apaixonando por seu irmão e resolve optar pela distância e embarcando
em uma fase de novas descobertas e abrindo os olhos para pessoas que já
conhecia mas não conseguia enxergar. O professor Brunner, acaba chegando como
um amigo, fazendo um papel parecido com um pai tentando dar bons conselhos e
usando, muitas vezes, a mesma linguagem da personagem, é a memória do pai, seu
maior porto seguro, que o professor acaba personificando aos olhos da
jovem.
Quase
18, tinha tudo para ser mais um enlatado norte-americano
esquecível mas logo nos primeiros minutos vamos percebendo que esse filme seria
uma grata surpresa. Não percam esse filme!
A
Intrometida (EUA, 2015)
A felicidade é uma estação intermédia entre a carência e o excesso.
Escrito e dirigido pela diretora e roteirista Lorene Scafaria, que entre outros trabalhos foi roteirista do
ótimo Nick & Norah: Uma Noite de Amor e Música e
dirigiu o peculiar Procura-se um Amigo para o Fim do
Mundo, A Intrometida é um drama
disfarçado de comédia com um tom melancólico muito profundo que é atenuado pela
atuação carismática da veterana Susan Sarandon. Falando com propriedade de
assuntos que vão da dor da perda à vontade de se reencontrar, aos poucos, o
filme se torna uma grata surpresa que vai deixar muito cinéfilo com sorrisão
aberto.
Na trama, conhecemos a carinhosa Marnie Minervini (Susan Sarandon), uma mulher já na metade final de sua vida que
recentemente perdeu seu companheiro de toda uma vida. Completamente sem rumo,
resolve se mudar para mais próximo de sua filha Lori (Rose Byrne), em Los Angeles, na Califórnia. Expondo sua solidão de
diversas e muitas vezes engraçadas maneiras, Marnie acaba invadindo a
privacidade de sua filha a todo instante (fruto de uma carência do momento) e
após um chega pra lá de Lori, Marnie embarca em uma jornada de descobertas onde
irá conhecer pessoas que mudarão para sempre esse momento instável que
vive.
Com um orçamento que girou em torno de 10 Milhões de Dólares, A Intrometida se sustenta, além de outras coisas,
na força de seus coadjuvantes. Os dramas de Lori, a filha da protagonista, são
tão complexos quanto os de Marnie, perdeu o namorado para outra mulher, se
encontra sozinha e depressiva. O filme às vezes brinca com essa depressão da
dupla, envolvendo o espectador em cenas hilárias, talvez para dar um tom um
pouco mais leve para falar sobre assuntos bem densos e complicados. J.K.
Simmons, nosso eterno professor Fletcher (Whiplash) e seu ótimo personagem
Zipper, preenche uma lacuna muito interessante na história que é o amor. Susan
Sarandon, ganhadora do Oscar em 1996 pelo excelente Os Últimos Passos de um Homem, aproveita todos esses
elementos e transforma sua personagem em uma curandeira dos seus próprios
conflitos internos, uma aula de simpatia e atuação dessa sempre surpreendente
atriz.
Exibido no Festival de Toronto 2015, esse longa metragem é um daqueles
projetos que vão melhorando a cada cena. Com um começo meio morno onde o foco é
explicar, em pouco tempo, toda uma personalidade complexa e abalada pela
carência, o filme a partir do segundo arco foca nas reviravoltas das consequências
que impactam na vida da protagonista, e aí o filme cresce muito. Com a
personagem principal exalando carisma, diversas cenas hilárias, um roteiro pra
lá de competente e uma direção firme, a dramédia se coloca como um grande aulão
de terapia com o foco na arte de viver.
Minha
Incrível Wanda (Suiça, 2020)
Como uma família pode buscar soluções para uma situação de crise que
engloba a todos? Tudo é movido a dinheiro nessa vida? E se não? Qual a
solução? Minha Incrível Wanda, que esteve na programação da
Mostra de SP de 2020, é um conto atual que reúne uma família rica repleta de
personalidades diferentes e uma trabalhadora polonesa que precisam resolver,
com todos saindo ganhando, uma situação pra lá de inusitada. Dirigido pela
cineasta Bettina Oberli (que também assina o roteiro ao lado
de Cooky Ziesche) somos levados as loucuras do fato com
muita habilidade e com riqueza nos detalhes que compõem as excentricidades em
contraponto à inconsequência. Há simbolismos bastante delicados na construção
do eminente, marca registrada de todo bom cineasta.
Na trama, conhecemos a jovem trabalhadora polonesa
e mãe de dois filhos Wanda (Agnieszka Grochowska)
que a cada nova temporada trabalha durante alguns meses para uma família rica
na Suíça. Sua prioridade nos afazeres é cuidar do já debilitado Josef (André Jung) como uma espécie de enfermeira. A família
adora Wanda, principalmente Josef. Só que as vezes, principalmente quando chega
de madrugada, Wanda e Josef, escondido dos demais, entram em um acordo que
causará graves confusões e situações para toda a família.
O imprevisível engenhoso roteiro, muito bem
definido em seus arcos expostos em números romanos, produz uma série de
situações complicadas que vamos buscando compreensão pela ótica conturbada e
emocionalmente abalada dos ótimos personagens. Há vários contrapontos
interessantes que vão se solucionando como reflexões da sociedade, até mesmo
conflitos mais do que batidos entre classes sociais. No primeiro arco,
entendemos os personagens, e somos apresentados ao conflito; no segundo chega o
conflito e suas primeiras impressões de todos; no terceiro, as tentativas de
soluções para que todos ganhem com a situação. Tudo muito simples, objetivo e
bastante verdadeiro. Destaque também para a trilha sonora assinada pelo
duo Grandbrothers formado em Düsseldorf pelo
suiço Lukas Vogel e o alemão Erol Sarp. Ótimo filme.
Shiva Baby (EUA, 2021)
Quando o trágico encontra seu
equilíbrio no cômico. Disponível na plataforma MUBI, Shiva Baby nos mostra segredos, famílias,
mentiras. Todo tipo de drama se afunila no campo das surpresas, em encontros
quase inimagináveis, além de situações mal resolvidas em um passado recente de
uma jovem em grandes conflitos quando resolve ir com os pais a uma reunião
tradicional após um funeral, parte da tradição judia. O confronto com seu modo
de viver, do qual foi criada, essas tradições de sua família judia, vira
rebeldia e parece que acompanhamos o clímax, da primeira cena até os
acontecimentos dentro de um leque de situações constrangedoras que se juntam
aos montes somadas a um eminente insucesso nas suas tentativas já frustradas de
liberdade sem limites. Um grande filme, escrito e dirigido pela cineasta Emma Seligman, um dos melhores disponíveis pelos streamings
aqui no Brasil.
Na trama,
conhecemos Danielle (Rachel Sennott), uma jovem que se
prostitui sem que seus pais saibam de nada. Um dia, resolve acompanhar os pais
(que a bancam desde sempre), a um pós funeral de uma amiga da família judia que
pertence. Nesse dia, que é uma reunião em uma casa, acaba encontrando antigos
amores, conflitos com seus pais por conta dos seus objetivos na vida,
desconfiados olhares de conhecidos e uma surpresa ligada à sua vida na
prostituição. Prestes a chegar a um ataque emocional, vamos descobrindo todas
as fraquezas e inconsequências que acompanham a complexa protagonista. Lembra
um pouco, mesmo com inúmeras diferenças, a também ótima comédia britânica Morte no Funeral.
Parece que
estamos olhando pelo buraco da fechadura no campo das emoções da protagonista,
um mérito de um afiado roteiro e uma lente detalhista de Seligman. Há também um
equilíbrio entre o trágico e o cômico. A protagonista busca sua liberdade ser
alguém à frente do seu tempo. Mas comete o erro, fruto de sua imaturidade, de
não buscar desenvolver alternativas para suas inconsequências, como se
estivesse em órbita somente com seus impulsos esquecendo dos complementos
vitais para um equilíbrio de felicidade e dedicação.
Eminentes
conflitos, um peso na consciência, buscando no desespero de se sobressair,
almejando uma perfeição por meio de mentiras, elementos que obviamente levarão
a personagem a um limite emocional, quase um divisor de águas sobre sua vida.
Há uma busca de reconhecimento de seus pais mas envolvida em muitas mentiras e
foco descontrolado sobre o que quer da vida, fora a mordaça imaginária que se
coloca que fica evidente quando se vê sem saída sobre como resolver todas as
situações que estão em descontroles na sua frente. Shiva Baby apresenta um complexo cenário sobre
abalos emocionais, reunidos com um certo clima de tensão, um filme que todo
psicólogo deveria assistir, além de todos que amam uma boa história, um bom
cinema. Bravo!
Meu Rei (França,
2015)
Não quero
que pense em mim sem motivos, mas que faça de mim o motivo dos seus
pensamentos. Depois de dirigir o excelente Polissia, quatro
anos atrás, a cineasta e atriz francesa Maïwenn
volta para trás das câmeras dessa vez para dirigir um intenso drama que em
pouco mais de 120 minutos de projeção encara a difícil missão de mostrar a vida
de um casal com temperamentos diferentes que quando se juntam uma série de
inconsequências acontece levado ambos a um extremo destrutivo. Impressionante a
atuação da dupla de protagonistas, Emmanuelle
Bercot venceu o prêmio de melhor atriz em Cannes em 2015 por esse papel.
Na trama,
acompanhamos a trajetória de Tony (Emmanuelle
Bercot) e Giorgio (Vincent Cassel),
um casal que briga mais do que faz amor, muito por conta do jeito possessivo de
ser do segundo. O filme traça e mostra um paralelo sempre na visão de Tony,
onde no primeiro andamento está se recuperando de uma grave lesão ortopédica e
paralelamente vamos conhecer sua história e todo o começo da relação conturbada
com o futuro marido. O público acompanha de perto todo o trajeto dessa história
que emociona e toca profundamente nossos corações.
São duas
visões completamente diferentes sobre o relacionamento. Georgio é um saudosista
da liberdade, da inconsequência, ano após ano muda muito pouco mesmo que comece
a entender melhor o mundo ao seu redor e sua família. Já Tony é a parte que
mais sente todo o desenrolar da trajetória do casal. Antes uma confiante
mulher, começa aos poucos a perceber que seu marido é um homem desequilibrado
que em muitos momentos deixa seu lado egoísta dominar a relação dos dois. Tony
sofre demais, explora suas tristezas mais profundas e tenta a todo tempo dar a
volta por cima (a construção de desconstrução de Tony é feito com maestria por
Bercot que mostra todo seu talento em cena), contando com a ajuda de seu irmão
Solal (Louis Garrel), o único que
percebe logo de cara que Georgio levaria sua irmã ao limite.
O
paralelismo que acontece, mostrando duas fases na vida de Tony é uma das
grandes sacadas do roteiro, escrito pela própria diretora e pela roteirista
Etienne Comar. Impressionante como as duas fases se encontram no final fazendo
tudo um grande sentido para o público entender mais profundamente todas as
transformações que passou a protagonista. Meu Rei, que fora
exibido no Festival Varilux de Cinema Francês de alguns anos atrás é uma
pequena obra-prima que o cinema francês brinda todos nós cinéfilos. Bravo!
Already
Tomorrow in Hong Kong (EUA, 2016)
Selecionado para diversos festivais durante todo o ano de 2015, estreou
nos Estados Unidos em fevereiro de 2016, uma curiosa trama, que um pouco se
assemelha à clássica trilogia de Richard
Linklater, Antes do Amanhecer/Antes do Pôr-do-Sol/Antes
da Meia-Noite. Already Tomorrow in Hong
Kong é uma micro mais contagiante história de amor intangível.
Ao longo dos curtíssimos 78 minutos de projeção, somos testemunhas de profundos
diálogos que vão de uma criativa crítica ao mundo da tecnologia até as razões
pelas quais amamos alguém. Jamie Chung
e Bryan Greenberg, os protagonistas,
dão um espetáculo de harmonia e fazem toda a magia do cinema acontecer a partir
do poder que as palavras possuem na hora que você conhece alguém. Ótima direção
da cineasta Emily Ting.
Na trama, conhecemos Josh (Bryan
Greenberg), um jovem banqueiro norte-americano que mora faz uma década em
Hong Kong. Certo dia, quando está do lado de fora de onde acontece a festa de
sua atual namorada, acaba conhecendo a bela Ryby (Jamie Chung), com quem acaba passando as horas seguintes passeando
pelas ruas de Hong Kong. Em certo momento, quando Ruby descobre que Josh tem
namorada, eles se despedem. Um ano mais tarde, por uma brincadeira do destino
talvez, eles voltam a se encontrar por acaso e agora precisam se entender,
saber realmente se vão ser marcantes na vida de cada um.
Todo bom diretor sabe, assim como os jurados de Master Chef Brasil, que
o menos é mais. A diretora e também roteirista deste singelo e profundo
trabalho Emily Ting, em sua primeira direção de um longa-metragem, adota essa
tática de confiar 100% no roteiro e na interação dos seus personagens
principais. Com diálogos inteligentes e objetivos, além de compreendemos melhor
as personalidades dos protagonistas, conseguimos ficar com aquele sentimento de
surpresa na espera do que realmente pode acontecer quando esss dois mundos bem
diferentes se chocam. Há semelhanças com a trilogia de Linklater, mas Already Tomorrow in Hong Kong consegue ter sua
própria essência, mexe com nossos corações e foca num princípio sempre
sugestivo, o da escolha que precisamos fazer em momentos chaves de nossas
vidas.
A única coisa de ruim que possa ter nesse texto sobre esse lindo
trabalho é a quase certeza de que esse filme não chegará ao circuito brasileiro.
Talvez pela falta de observação cinéfilas das distribuidoras, talvez pela falta
de coragem que ainda faltam em alguns de apostar em filmes que mexem com nossos
corações e não tem artistas famosos contando a história. De certo, é que se
você caro leitor tiver a chance de assistir a essa película, não perca essa
chance.
Nomadland (EUA, 2021)
O que é lembrado, vive. Um dos
filmes mais badalados da premiação do Oscar desse ano, Nomadland, escrito (baseado no livro homônimo de Jessica Bruder), dirigido e editado pela cineasta
chinesa Chloé Zhao é um road movie cíclico sobre a solidão
e os desencontros em relação ao lugar no mundo de uma forte e solitária
protagonista (interpretada pela ótima Frances McDormand).
Nos faz refletir bastante sobre nossa existência e também sobre as estradas da
vida que todos enfrentamos, cada qual a sua forma. Assuntos atuais como a crise
econômica e as gangorras de um capitalismo que leva a maioria dos trabalhadores
a serem um mero número sem piedade quando as dificuldades ou rendimentos abaixo
do esperado chegam também estão presentes nesse belo trabalho vencedor do Leão
de Ouro no Festival de Veneza.
Na trama,
conhecemos Fern (Frances McDormand) uma mulher mais
velha que vive em uma Van antiga, nômade, pelas estradas da vida. Sem lugar
fixo, trabalha em determinadas época do ano na mesma filial de distribuição da
Amazon. Combate a solidão, o frio, as desconfortantes situações que precisar
enfrentar para buscar respostas que tanto procura. Quando o amor chega
inesperadamente, ou algo parecido com isso, acaba gerando uma espécie de
conflito dentro dela e decisões precisarão serem tomadas.
Lar é só
um nome ou é algo que carregamos conosco? A protagonista não é uma mulher
perdida no mundo, na verdade é uma corajosa ser humana, dona de uma atitude
para muitos radical mas que para ela se torna uma única saída. A decisão de
viver sozinha a leva a um combo de emoções. A perda do marido, conexão com a natureza,
à espera de uma palavra amiga nos momentos mais duros e difíceis, há muitos
pontos para análise nessa construção profunda de uma personagem forte que aos
poucos vai aprendendo a cada dia mais sobre a vida sozinha e sobre os
obstáculos que pode enfrentar pelo caminho.
A direção
é magistral. Zhao consegue nos mostrar as belezas da solidão, o elo da
protagonista com a natureza (em cenas belíssimas) e a dureza de momentos
conflituosos onde as lágrimas se tornam as grandes companheiras de viagem.
Alguns acharão um ‘filme lento’ mas as conexões com a histórias estão por todo
lugar, além disso, por conta de depoimentos de outros na mesma situação de
Fern, em praticamente um retrato real sobre nômades, vamos refletindo sobre
essa situação de muitas almas solitárias e suas escolhas em estarem sozinhos
nas respectivas fases da vida que se encontram. Belo filme.
Holiday
(Holanda/Suécia, 2021)
O paradoxo entre luxo e a
violência sem limites. Após dois curtas-metragens e ter assinado o roteiro do
polêmico filme Border, a cineasta sueca de 43 anos Isabella Eklöf chega ao seu primeiro
longa-metragem na direção dando um grande bico na porta contando a trajetória
de uma ingênua jovem e seu relacionamento abusivo com um gângster durante a
passagem deles na cidade portuária de Bodrum, na Riviera turca. História
impactante, cenas pesadíssimas, que embrulha o estômago mas faz refletir sobre
a questão da redenção dentro de um camuflado deslumbre, se existe ou não.
Holiday está disponível no ótimo catálogo do streaming Reserva Imovision.
Na trama, conhecemos
Sascha (Victoria Carmen Sonne), uma jovem que desembarca em um
aeroporto na Turquia para passar um tempo na casa de praia do namorado bandido
Michael (Lai Yde) e acaba encarando uma normalidade de violência
e abusos dentro do universo do namorado. Quando parece que começa a perceber
que há algo errado, ou pelo menos que deseja sair daquele universo mesmo que de
maneira não convicta, ela conhece um velejador holandês mas Michael não deixará
as coisas irem para o rumo que estavam caminhando.
Selecionado
para o Festival de Sundance no ano de 2018, Holiday, aborda
paralelos que nos fazem entender melhor a protagonista, consumida por uma
ingenuidade tamanha. Por exemplo, o medo vira um paralelo para o ar dessa
ingenuidade que envolve a personagem, escolhas aparecem na sua frente a todo
instante mas o deslumbre para com um vida de luxo e a acomodação de uma falsa
liberdade parece que a deixam confusa a todo instante, mesmo seus instintos a
levando para uma busca por uma outra realidade pois aquilo que vive não pode
ser nem de longe um padrão para uma vida calma e tranquila. Nada ao seu redor a
ajuda nesse caminho complicado, a chegada do velejador holandês parece que
desperta nela uma reação de esperança, quase uma desconstrução sobre a sua
visão daqueles dias naquele lugar.
Violência
física, psicológica, o filme é recheado de fortes cenas que deixarão o
espectador impactado. Esse poder de atingir chocando é o caminho tomado
por Eklöf para mostrar os caminhos quase sem volta da
vida, por escolhas que estão na nossa frente mas com todos os obstáculos que as
vezes não nos fazem enxergar.
Agnes Joy (Islândia, 2019)
O choque do espírito pragmático
com o espírito sonhador. Escrito e dirigido pela cineasta islandesa Silja Hauksdóttir, Agnes Joy, indicado
pela Islândia ao Oscar no ano de 2019, caminha a curtos passos entre conflitos
de mães e filhas de duas gerações, imposições sobre a vida, aquelas dentro da
lógica de doutrinas de senso comum andando na linha do ‘normal social’. A
rebeldia aliada à inconsequência, como as aparências enganam, como equilibrar a
arte do sonhar, são questões que chegam forte nas nossas mais óbvias reflexões
sobre o que vemos ao longo de menos de 90 minutos de projeção. Por mais que o
nome do filme seja Anges Joy (nome da filha), a trama gira quase sempre em
torno da mãe (interpretada pela ótima atriz Katla M. Þorgeirsdóttir).
Um interessante trabalho, mais profundo do que aparenta ser.
Na trama,
conhecemos Rannveig (Katla M. Þorgeirsdóttir), uma mãe
rígida, controladora, comandante da empresa da família, a qual teve que assumir
assim que seu pai faleceu interrompendo seus outros sonhos. Infeliz no
trabalho, ela se desdobra entre a educação da filha adotada Agnes Joy (Donna Cruz), alguma atenção que busca do marido Einar (Þorsteinn Bachmann) e as aparências para os outros de
sua ‘família perfeita’. Quando a chegada
de um novo vizinho, um ator conhecido por alguns, acaba mexendo um pouco nessa
história vamos descobrindo os sentimentos escondidos dos personagens. Embaralhados
pontos de vistas sobre o casamento mãe e pai completamente distantes ganham
argumentos diversos.
Encontramos
mais sentido sobre a vida, sentados vendo o mar, do que no meio do caos e
estresse que pode virar nossa rotina. Nessa batalha entre o nublado e o céu de
brigadeiro quando pensamos sobre nosso futuro, o foco para os paralelos acabam
sendo dentro da questão familiar. Mãe, filha e pai, cada um à sua forma, buscam
ser uma família perfeita aos olhos dos outros mas o cotidiano só comprova que
não existe família perfeita. A primeira a se rebelar contra a mesmice infeliz é
Agnes o que acaba preparando o terreno para Rannveig buscar se reinventar,
dando sorrisos aos desejos, buscando não controlar tanto tudo e a todos mas as
linhas do roteiro não desenvolvem Einar o que acaba deixando lacunas a serem
preenchidas para um entendimento mais completo das transformações que
acontecem.
O filme
possui poucas questões sobre o trabalho de Rannveig mas o pouco que aborda abre
uma ótica para a questão de trabalhadores estrangeiros que arriscam tudo e
imigram para países europeus em buscam de boas oportunidades mas muitas
empresas colocam salários lá embaixo e poucas oportunidades, diferente do que
seriam se fossem por um trabalhador local. Quase uma escravidão moderna. Mesmo
na superfície, o filme levanta essa ótima questão global.