23/01/2014

Crítica do filme: 'Trapaça'



Depois de sucessos como O Lado Bom da Vida e O Vencedor, o badalado diretor norte-americano David O. Russell resolve inovar em seu novo projeto criando uma atmosfera cômica em um cenário ambientado na estilosa década de 70. Trapaça é uma doida mistura narrativa, projetada com alicerces em cima de um ótimo roteiro, aliada a excelentes personagens muito bem executados pela maioria dos astros de Hollywood que parecem em cena. Mas nem tudo são flores, por mais marcantes e exuberantes que algumas sequências podem parecer, o filme cai em um senso comum estranho, esquecendo de colocar a cereja no bolo.

Na trama, acompanhamos a trajetória de Irving Rosenfeld (Christian Bale), um especialista na arte das malandragens e transações duvidosas. Amante de Jazz, com seu chamativo barrigão e adepto da peruca contra a calvice precoce, vive empreendendo criminosamente pelas ruas de sua cidade. Certo dia, durante uma festa, conhece o amor de sua vida, a bela ruiva Sydney Prosser (Amy Adams) e juntos são procurados pelo FBI para ajudar na prisão de diversos políticos e figuras importantes da alta sociedade norte-americana. O plano, que é o passaporte de fuga da prisão para eles, corria perfeitamente bem até a chegada da mulher de Irving, Rosalyn Rosenfeld (Jennifer Lawrence) que arruma uma confusão após outra.

Esse é um daqueles trabalhos que podemos dizer ter um certo charme. O décimo primeiro trabalho de Russell como diretor (entre curtas e longas), concorrente ao Oscar de Melhor Filme neste ano), começa com uma saudosa história de amor entre dois seres humanos requintados que se tornam uma dupla infalível na malandragem profissional. A virada no roteiro acontece quando os personagens deixam de ser superficiais e somos jogados, em meio a uma trama policial, em um triângulo (quase quadrado) amoroso recheado de cenas engraçadas mas nem tão marcantes.

David O. Russell teve um leque de bons artistas para comandar seu show. Ousando com todo seu charme à flor da pele e vestindo roupas milimetricamente decotadas, Amy Adams cumpre muito bem sua missão no filme. Jennifer Lawrence, a atual queridinha de Hollywood, aparece na segunda metade da história e se destaca em um papel diferente de tudo que já fez na carreira. Christian Bale, que interpreta o protagonista, é o responsável pelas cenas mais cômicas ao longo da fita, méritos desse excelente ator. Jeremy Renner, faz uma breve ponta mas também se destaca. O ponto negativo em torno das atuações gira em torno de Bradley Cooper e seu Richie DiMaso. Exagerado, quase descontrolado, possui sequências de loucura extrema que não passa um pingo de verdade.

Indicado a muitos Oscars neste ano, Trapaça é um pipocão Cult inteligente que vai agradar parte do público. A genialidade dos diálogos, ponto mais positivo do projeto, transformam esse roteiro em um dos mais criativos e bem elaborados desta temporada. Mesmo com um personagem destoando do restante do elenco, o filme não deixa de ser um prato cheio para nós cinéfilos de carteirinha mesmo que ao final do filme você também perceba que faltou alguma coisa, ou que comeram a cereja do bolo antes do tempo.
Continue lendo... Crítica do filme: 'Trapaça'

22/01/2014

Crítica do filme: 'Grand Central'



Quando o amor não basta, o medo consome. Para falar sobre as problemáticas nucleares, uma pincelada crítica dos abalos energéticos de muitos países, a diretora Rebecca Zlotowski (em seu segundo longa-metragem) utiliza uma cobertura romântica protagonizada pela mais nova musa do cinema francês, Léa Seydoux. Grand Central pode ser definido também como a história de homens e seu traiçoeiro trabalho que geram conflitos emocionais, físicos e familiares muito bem reproduzidos na telona.

Na trama, conhecemos Gary Manda (Tahar Rahim), um homem sem objetivos que vive pulando de trabalho em trabalho em diversas cidades. Quando os ventos do destino mudam outra vez sua direção, consegue um emprego em uma usina nuclear na França. Por lá faz novos amigos e conhece um grande amor, Karole (Léa Seydoux), namorada de Toni (Denis Ménochet) um dos que o melhor o recebe na nova cidade. Lutando contra um desejo reprimido, tenta sobreviver a um trabalho perigoso e a um amor proibido.  

A conflituosa relação que o destino cravou gira quase que exclusivamente em torno do protagonista, um homem que nunca esteve apaixonado e que vive de maneira intensa sua vida. Nas mesas de sinuca ou na estrada andando como nômade à procura de uma razão para sua existência, encontra no amor seus conflitos mais profundos. Um jogo de paixão, desejo e razão vão se misturando, deixando o personagem à deriva de ações inconseqüentes.

Obviamente, a intenção da fita era transmitir e criar uma discussão em cima da problemática e os perigos das usinas nucleares. Só que a história que a princípio viria em segundo plano, o amor singelo e bruto entre dois personagens, acaba tomando o papel de protagonista no processo de interação com o espectador muito por conta da intensidade e competência da atriz Léa Seydoux, iluminada (mais uma vez) em cena.

Longe de ser o melhor filme da coadjuvante principal de Azul é a Cor Mais Quente (nem tão pouco seu filme mais polêmico), Grand Central merece ser conferido por todos os cinéfilos pois consegue encontrar em suas subtramas uma inteligente razão de existência.

Continue lendo... Crítica do filme: 'Grand Central'

20/01/2014

Crítica do filme: 'Todas as Canções Falam de Mim'



Quanto mais vasto o tempo que deixamos para trás, mais irresistível são os pensamentos que nos convidam ao retorno. Passando pelo Brasil como um foguete, no já distante ano de 2010, o maravilhoso filme Todas as Canções Falam de Mim dirigido pelo espanhol Jonás Trueba, é uma jornada amistosa que fala sobre a palavra que não existe tradução em muitos outros idiomas, a saudade. A química que os atores Oriol Vila e Bárbara Lennie provocam em cena pode ser comparada com a que Julie Delpy e Ethan Hawke conseguem na trilogia amorosa de Richard Linklater.

Ramiro (Oriol Vila) e Andrea (Bárbara Lennie), como todo casal comum viveram seus momentos intensamente, durante seis anos. Quando resolveram se separar, houve um trauma e uma dor muito grande por parte do primeiro. O filme mostra delicados pontos de vistas desses dois românticos personagens e um sonho distante de um dia se reencontrarem e quem sabe viverem uma nova história de amor.

Por mais que sejam dois protagonistas, acompanhamos muito mais a face masculina dessa história. Ramiro sentia que tudo o que lia tinha haver com ele e suas histórias com Andrea, um sentimento igual tinha em relação à música. Nessa “Road Trip” pelas estradas do sentimento, vemos o sofrimento e a eterna busca em esquecer seu eterno amor. Livros, palavras, mulheres bonitas, antigas amizades, todos que passam por sua vida contribuem para que Ramiro encontre alguma zona de conforto em sua guerra contra o amor de Andrea.

Todas as Canções Falam de Mim chama a atenção de qualquer alma sensível por conta deste título maravilhoso. Mas o filme é muito mais que isso. É uma visão madura sobre a reconquista de um amor. Somos testemunhas das auto descobertas dos personagens e suas garantias de melhoria para seus futuros relacionamentos. Os coadjuvantes influenciam as decisões dos personagens e misturam seus conflitos geralmente expostos em uma mesa de bar regado à risadas, bate papo, surpresas e emoção.

Entre citações de grandes romancistas e músicas que confortam qualquer coração ansioso para amar novamente, o espectador é premiado com uma história sobre duas almas muito mais comuns na vida real do que no mundo mágico do cinema. Se você viveu ou vive alguma história parecida, ao final do filme escute seu coração. Quem sabe essa história não era o combustível que faltava para você reconquistar um grande amor?
Continue lendo... Crítica do filme: 'Todas as Canções Falam de Mim'

19/01/2014

Crítica do filme: 'Ela'



Se apaixonar é uma forma socialmente existencial de insanidade? Depois de apresentar ao mundo uma versão peculiar da tristeza por meio de metáforas e universos inimagináveis, no longa-metragem Onde Vivem os Monstros, o diretor norte-americano Spike Jonze volta aos cinemas, quatro anos depois, com um projeto audacioso que fala sobre o diferente relacionamento no futuro entre um homem e uma máquina, Ela. Com muita suscetibilidade aplicada nas ações dos personagens, o famoso diretor precisava de um ator completo para executar o complexo protagonista. E acreditem, não havia escolha melhor do que Joaquin Phoenix. O porto-riquenho de 39 anos conquista o público, já nos primeiros segundos, com um maravilhoso monólogo.

Na trama, conhecemos Theodore Twombly (Joaquin Phoenix), um escritor de cartas melancólico sem muitos amigos e que vive pacatamente sua rotina de trabalho. Sua restrição social é provocada pelo rompimento com sua ex-mulher Catherine (Rooney Mara), de quem não consegue se libertar. Certo dia, caminhando pelas ruas vê o anúncio do primeiro sistema operacional com inteligência artificial e resolve levar para casa. Para sua surpresa, esse sistema é uma entidade intuitiva que entende Theodore por completo. Em uma rápida busca, um nome entre 180 mil encontrados foi o escolhido, e a dona desse nome vai mudar sua visão do mundo para sempre, e a dos cinéfilos também já que quem faz a voz do tal sistema operacional é a musa Scarlett Johansson.

É muito difícil perder alguém que a gente gosta. Aos poucos Theodore começa a entender que amar também é deixar ir embora. A melancolia do personagem é maravilhosamente bem interpretada pelo ótimo ator Joaquin Phoenix. Conseguimos sentir toda a tristeza, sentimentos e em certos pontos nos identificamos com Theodore. Muitas vezes com sua emblemática camisa de cor salmão, o inteligente personagem, escrito por Jonze, tem um pensamento triste e constante de que já sentiu tudo que deveria sentir na vida e não sentirá nada de novo, só versões menores do que um dia já viveu. Sair dessa melancolia, sem a ajuda do Lars Von Trier, é uma caminhada muito bonita que acompanhamos atentos em cada detalhe, cada atitude do personagem.

A esquisita relação de amor entre um homem e uma máquina é brilhantemente bem explorada ao longo de todo o filme. Uma coisa nunca antes imaginada, se torna para Theodore uma experiência grandiosa de auto descoberta, renovação de seus sentimentos e da sua vida. A visão que todos os outros ao seu redor possuem sobre essa relação também é um ponto interessante, existem muitos apoios para que ele continue, principalmente por conta das mudanças positivas que o personagem passa ao longo desse relacionamento.

Ela é um filme sobre momentos, experiências, atitudes, formas de viver. Um projeto diferente, inovador e deveras inteligente. Esse é um daqueles filmes que pode fazer você realmente mudar sua visão sobre o mundo em que vive. Abra seu coração. Você, ela e todo mundo precisam conferir essa fita e deixar de vez viva uma das premissas mais verdadeira que existem, a de que o passado é só uma história que nós contamos. Bravo!
Continue lendo... Crítica do filme: 'Ela'

14/01/2014

Crítica do filme: 'A Menina que Roubava Livros'



O que traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado? Após ter feito muitos filmes “Made for Tv” e ser praticamente um desconhecido no cenário cinéfilo mundial, o diretor Brian Percival topou o enorme desafio de transformar uma obra, que só no Brasil vendeu mais de dois milhões de exemplares, em um longa-metragem digno, pelo menos, de emoção. Com a ajuda de um trio de atores iluminados em seus respectivos papéis (Sophie Nélisse, Geoffrey Rush e Emily Watson), o diretor não só consegue realizar uma pequena grande obra como também faz o espectador sair da sessão de cinema direto para as livrarias para comprar, ou ler de novo sobre essa mágica história.   

Com a fantástica trilha sonora criada pelo gênio John Williams, A Menina que Roubava Livros conta a história, narrada por uma voz sombria, de Liesel que precisa ir morar com uma nova família na Alemanha da Segunda Guerra após sua mãe ser acusada de comunismo. Aprende a cada dia a amar e ser amada, vive de seus sonhos e da vivência dos que tem ao seu redor. Uma longa lista de vidas se misturam com a dela e, desafiando quem já viu as maiores barbáries do planeta e trabalhou para os mais diversos vilões da história mundial, contagia, mostrando que a vida pode, deve e merece ser vivida dia após dia.

O livro é infinitamente mais detalhista, tanto em relação à história dos personagens quanto a todo o contexto mundial, tendo os nazistas em evidência. Mas isso não quer dizer que esse trabalho deixa muito a desejar. A Menina que Roubava Livros é um belo filme, onde a tática do feijão com arroz adotada deu certo. O diretor seguiu o máximo que pôde todas as linhas e idéias de Markus Zusak e transportou para as telonas, principalmente, a emoção o que amarra a história e prende a atenção do espectador do começo ao fim.

Depois de seu magnífico e emocionante trabalho no filme O que Traz Boas Novas, a jovem Sophie Nélisse ganhou um dos papéis mais concorridos dos últimos anos. Com uma sensibilidade de gente grande, transforma cada olhar em palavra conduzindo o público brilhantemente para as profundezas da razão e emoção contidos em cada parágrafo dessa bela história.

Todo livro é um mestre que fala mas que não responde. Partindo dessa verdade grega, a destemida Liesel encara a dura vida de maneira criativa e diversas vezes recheada de alegrias por conta da mágica que acontece quando acaba de desfrutar um livro. Com a ajuda de seu novo pai Hans (interpretado de forma brilhante pelo eterno Shine, Geoffrey Rush) e os amigos que faz durante toda a história, a menina rouba livros e devolve em emoção ao espectador.  Você merece conferir essa história.
Continue lendo... Crítica do filme: 'A Menina que Roubava Livros'