25/05/2025

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Crítica do filme: 'Entre Dois Mundos'


Tendo como protagonista um dos rostos mais emblemáticos do cinema francês contemporâneo — Juliette Binoche — ao lado de atores e atrizes sem experiência profissional, o longa-metragem francês Entre Dois Mundos nos mostra uma observadora dos fatos que se apresentam, que quis viver o próprio tema da sua obra. Indicada ao prêmio César de Melhor Atriz por essa atuação, Binoche interpreta uma personagem envolta em inverdades que logo se vê próxima das histórias que encontra, se colocando de frente com dilemas éticos e a morais.

Dirigido pelo cineasta francês Emmanuel Carrère e baseado no livro de não-ficção Le Quai de Ouistreham, da jornalista Florence Aubenas, o filme constrói-se gradualmente a partir das descobertas de uma escritora que se envolve de forma íntima em uma investigação sobre as condições de trabalho no norte da França. Aos poucos somos apresentados as dificuldades enfrentadas por trabalhadores precarizados — também, a escassez de oportunidades, a exploração da força trabalhista de classe baixa. Logo, o cenário se amplia, com reflexões além de uma França atual, se expandindo para um recorte geral europeu.

Ambientado na região da Normandia, em Entre Dois Mundos conhecemos a escritora Marianne Winckler (Juliette Binoche) que para seu novo trabalho, resolve abandonar um tempo sua vida em Paris e desembarcar na cidade de Caen. Lá, busca escrever sua nova obra baseada na experiência de viver como auxiliar de serviços gerais, escondendo sua identidade. Ao longo desse período, faz amizades com trabalhadoras que vivem de frente com a exploração da classe trabalhadora e começa a passar por conflitos pela proximidade que chega em laços que vai construindo.

A sensação de não existir em contraponto ao egoísmo na necessidade do ofício. Dentro de conflitos que se estendem ao longo dos pouco mais de 100 minutos de projeção, vai sendo construindo um alicerce rico cheio de críticas sociais mas onde a paciência é parte da experiência, tudo chega com um ritmo desacelerado, resgatando o que poderia ficar na entrelinha. A fluidez para devolver esses conflitos que se amontoam é um dos pontos altos desse longa-metragem que roda festivais pelo mundo desde 2021.

A partir de uma inesperada enxurrada de laços verdadeiros baseada em partes de uma mentira, imerso a um egoísmo na necessidade, enxergamos pelos olhos da protagonista reflexões dentro da ‘vida como ela é’, um pedaço de vivência distante de suas experiências até ali. É ético? É moral? Há algumas interpretações quando pensamos sobre o objetivo da personagem principal, com seu desfecho que encosta no novelesco mas sem perder a força de suas revelações.

Vencedor do Prêmio do Público de Melhor Filme Europeu no Festival de San Sebastián, Entre Dois Mundos finalmente chega aos cinemas brasileiros nesse final de maio. Mais uma atuação competente, num filme com camadas profundas, de uma das mais importantes artistas do cinema francês.