10/10/2020

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #125 - Hamilton Rosa Jr


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, jornalista atuante há mais de 30 anos na mídia. Hamilton Rosa Jr. foi crítico de cinema na Folha da Tarde e Folha de S. Paulo, editor das revistas Ver Video, DVD News e criador do blog CINELOG. Idealizou e dirigiu o programa de TV, Mundo do Cinema. De 2008 pra cá, passou a direção de cena onde mantém-se em atividade rodando comerciais e filmes corporativos. Escreveu e dirigiu cinco curtas metragens: Desencanto (2016) e Sua Excelência (2017), Abelha Rainha (2019), Trala Land (2020) e Meninas (2020). Prepara seu sexto curta-metragem: ATRIZ. É pesquisador, curador de Mostras de Cinema e professor.

 

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

O circuito de cinema da cidade se resume aos multiplexes, e eles raramente exibem uma programação que vale a pena. Neste sentido, sobra o MIS Campinas, que traz filmes alternativos, numa sala modesta que parece mais um home theater que um cinema. Pena, porque Campinas teve salas importantes, o Cineclube Barão, o Cineclube Campinas e depois, o Cinema Paradiso, formadores de boas gerações de cinéfilos nos anos 70, 80 e 90.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Devia ter uns 7 ou 8 anos e lembro de ter ficado assombrado ao ver 2001, Uma Odisséia no Espaço. Kkkk, passei anos tentando assimilar esse primeiro choque.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Os diretores que mais mexem comigo são Bergman, Kubrick, Kurosawa, Visconti, Murnau. Dos vivos: David Lynch e Michael Haneke. E os filmes: Persona, Barry Lyndon, Céu e Inferno, O Leopardo, Aurora, Cidade dos Sonhos e A Fita Branca.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Limite, do Mario Peixoto me emociona muito. Não só pela pesquisa de linguagem que Peixoto faz, mas, vejo na história daquelas três pessoas que ficam à deriva num barco, a síntese do que é o Brasil. Existe ali uma dor e uma angústia de quem sabe que foi tudo em vão, e que nada em volta mudará, mesmo que o desejo seja imenso. O filme foi feito em 1930, mas continua a traduzir a tragédia de promessas que neste país não se cumprem.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Puxa, o cinema sempre foi minha catedral, um lugar onde já tive muitos embates, e vários deles eu perdi. O cinema, pra mim, derruba barreiras. Ele joga na cara, por exemplo, que, muitas vezes, nossa jaula somos nós mesmos, que vivemos polindo as grades em vez de libertar-nos. E comprova, na prática, que talvez a coisa mais importante da vida seja caminhar ao lado dos outros e compartilhar nosso saber como uma experiência coletiva.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Ah, a programação do cinema comercial brasileiro é feito visando a oferta do que o cinema norte-americano entende como sendo popular e baseado na noção que os donos das cadeias de exibição acreditam ser atraente para chamar o público. Dizem que é um estudo de marketing que define isso. Eu duvido. Depois, a seleção é muito exclusiva, existem muitas cinematografias em volta sendo preterida, inclusive a prata da casa, a produção brasileira.

 

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Não acredito. Talvez mude a tecnologia, e ir ao cinema vire uma atração vintage, mas permanecerá.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Fim de Festa, do Hilton Lacerda.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Olha, está sendo muito difícil ser privado de estar numa sala de projeção, mas, veja a gravidade, essa infecção abrevia vidas, e continua levando caminhões de pessoas embora.

Por isso não vejo sentido em abrir nem o buteco na frente da minha casa.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Diversificado, rico de discursos, feito por pessoas muito batalhadoras e que teria uma ampla comunicação com o público, caso não tivéssemos toda a cadeia de exibição brasileira vendida para esse monte de porcaria que o cinema norte-americano nos empurra. O cinema norte-americano tem filmes de qualidade? Claro, uns 12 filmes por ano.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Diretor: Jorge Furtado e Karin Ainouz; Ator: Lázaro Ramos e Wagner Moura; Atriz: Fernanda Montenegro.

 

12) Defina cinema com uma frase:

O cinema é uma janela onde posso ver muitas paisagens e o mundo.

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Um pastor evangélico me viu sair chorando de um filme e me deu o panfleto de sua igreja, dizendo que eu seria salvo se eu fosse ao culto no domingo. Eu ouvi e... comecei a rir. Acho que ele se ofendeu e até hoje não entendeu o porquê. Se pudesse, eu explicaria: eu já estava salvo, por isso estava chorando.

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

Vixe, até o Lázaro Ramos participou! Kkkk.

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Não.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Procuro ser seletivo, e mesmo assim escapa, sorte que minha tolerância pra filme ruim é de 15 minutos. Abandono e até esqueço que vi.

 

17) Qual seu documentário preferido?

Cabra Marcado Pra Morrer, do Eduardo Coutinho.

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?

Aplausos funciona bem pra grupos fascistas. Eles se rejubilizam quando percebem que todo mundo em torno está cativado. Claro que me empolgo de vez em quando com um filme, mas quando há unanimidade, desconfio. Por que eu tenho que ter a obrigação de gostar da mesma coisa que você? Cada um de nós tem suas particularidades. Nossas idiossicrasias são diferentes.  Meu entusiasmo reside em conversar sobre um filme como Retrato de Uma Mulher em Chamas, e em ouvir pontos de vista divergentes, aí sim eu vejo riqueza.

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Do Cage eu gosto só dos laços de sangue que ele tem com o tio Francis e a prima Sofia.

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Leio o blog do Carmattos, o site do Chico Fireman, e os textos com análises do Sérgio Alpendre, do Inácio Araújo e da Andrea Ormond. Tem mais gente boa por aí, que com certeza estou esquecendo, mas, enfim, fujo dos "Espertinhos da Internet", o tipo de fulano afoito que tá na moda. Tem opinião pra tudo, mas se equivoca e não sai da superfície.