03/01/2021

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #234 - Tuna Dwek


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.


Nossa entrevistada de hoje é cinéfila, de São Paulo. Tuna Dwek é atriz, socióloga, crítica de cinema, locutora, tradutora, intérprete. Com mais de 40 trabalhos no cinema como atriz, mais de 25 trabalhos nos palcos do Brasil, premiada no cinema e no Teatro, inclusive com o importante Prêmio Bibi Ferreira como Melhor Atriz Coadjuvante de Teatro na peça de Jô Soares, A Noite de 16 de Janeiro. Poderia escrever vários parágrafos, Tuna é um fenômeno, carismática e alegre, vive da cultura, sua grande paixão.


Obs: querida amiga Tuna, lembro que eu e minha esposa fomos em São Paulo lhe assistir em um teatro em Pinheiros, na peça A Tartaruga de Darwin, de Juan Mayorga, com direção de Mika Lins. Mais uma fantástica atuação e sua carinhosa recepção quando nos viu ficaram marcados em meu coração e da minha esposa. Continue nos brindando com seu carisma único, é uma fortuna ser seu querido amigo cinéfilo.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Sem desmerecer todos cinemas que frequento, de todos os circuitos, o Cinesesc é o Cinema que mais faz meu cinéfilo coração vibrar. Por ser Cinema de rua, é por si só acolhedor, a qualidade da programação e da projeção são impecáveis. Por ser independente de um circuito comercial, pode apresentar Retrospectivas específicas como por exemplo, as mais recentes, Luchino Visconti, Ingmar Bergman, Michelangelo Antonioni, Stanley Kubrick, além das mostras anuais, Os Melhores do Ano (onde voto também) e a completíssima Retrospectiva do Cinema Brasileiro. A programação abrangente ainda traz os filmes selecionados premiados ou não, de festivais como os do Rio, de Tiradentes, e alguns Internacionais. Suas parcerias com a produção independente também garante Mostras interessantíssimas de filmes produzidos na África, Oriente Médio, Ásia. Panorama do Cinema Suíço, In-Edit de documentários musicais, Mix Brasil Festival de Cultura da Diversidade, são alguns dos muitos exemplos que oferecem uma programação gratuita garantida pelas parcerias do Cinesesc com instituições culturais ou Representações Diplomáticas como Embaixadas e Consulados .Já passei noites inteiras no Cinesesc como por exemplo, quando o Cinema apresentou as 8 horas de Satantango, dirigido pelo húngaro Bela Tárr, ou as quase 6h de Do que Vem Antes, sem contar as 4 vezes em que vi O Cavalo de Turim também de Bela Tárr. E o Fausto, de Sokurov entre outras obras primas.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Já quebrei muito a cabeça pra tentar me lembrar do primeiro filme que vi, mas existe um filme que me marcou muito na infância, O Maior Espetáculo da Terra, e o universo do circo, Os Dez Mandamentos, porque existe obviamente o fator geracional. O Cinema era meu refúgio, era o grande lazer. Nas férias de verão na praia, por exemplo, a crianças iam ao Cinema Praiano e no Cine Guarujá e pegávamos a balsa para irmos ao cinema em Santos, era uma maravilha. No meu caso específico, era uma necessidade vital, a evasão máxima de um cotidiano que tinhas suas particularidades.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

 

A pergunta mais difícil do mundo para um cinéfilo!!!!!! Impossível! Porque veja eu amo alguns filmes, muitos e se eu começar não termino, quer uns exemplos dos filmes da minha vida? Preparado? Vou falar aleatoriamente: Les Enfants du Paradis (Boulevard do Crime), do Marcel Carné, Asas do Desejo (Wim Wenders), Ilha Nua (Kaneto Shindo) Vertigo ( Alfred Hitchcock), o Sétimo Sêlo ( Ingmar Bergman), Roma , Cidade Aberta(Roberto Rosselini) e por aí vai, West Side Story, O Leopardo, Clamor do Sexo, Rocco e seus irmãos, todos os filmes do Valério Zurlini sem exceção, Laurence da Arábia, O Poderoso Chefão, Contos da Lua Vaga, Festa de Babette, Mulher sob Influência, A Doce Vida, Oito e Meio, Persona, Noite de Estreia, A Rosa, o que aconteceu com Baby Jane, A Malvada, São Paulo S.A., Deus e o Diabo na Terra do Sol, Novecento, Apocalypse Now, Hamlet (versão russa), Fausto, Encouraçado Potenkim, o fundo do ar é vermelho, Cantando na Chuva; Desejo, Perigo,; A regra do jôgo, o Jardim dos Finzo Contini, As coisas da vida, O Céu que no Protege, Crepúsculo dos Deuses, Sertânia, A Nostalgia da Luz, Rebento, Cães Errantes, Limite, Jogo de Cena, Brincando nos Campos do Senhor, Cinema , Aspirinas e Urubus, Chuvas de Verão, os Bons Companheiros, A noite, A mulher do lado, Ascensor para o Cadafalso, Ladrões de Bicicleta, Nós que nos amávamos tanto, Guerra e Paz ( o do Bondarchuk), Cidadão Kane, A Noviça Rebelde, A Lista de Schindler, A Guerra do Paraguay, Jeanne Dillman, Limite , Visages, Villages, Noite e Neblina, Adeus, Meninos,  e claro que devo ter esquecido muitos outros. Nossa história de vida passa pelos filmes que nos marcaram. Um melhor filme não é necessariamente do diretor predileto.

Vou a muitas mostras de cineastas independentes, assim descobri o húngaro Peter Forgács, o americano Jonas Mekas, a belga Chantal Akerman, a tcheca Vera Chitilová e muitos outros. Devoro as mostras!

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Também outra dificílima. São mais recentes, mas há dois que amo incondicionalmente. E já até citei anteriormente. A Guerra do Paraguay, de Luiz Rosemberg Filho. É cruel e poético ao mesmo tempo, une História e Arte. Não se esqueça que sou atriz. Um soldado volta da Guerra do Paraguay e encontra atores pelo caminho. O Texto é primoroso, uma metáfora sobre a estupidez da Guerra. E vou falar de um filme que, ainda que falado em Inglês, tem atores brasileiros e foi feito pelo Babenco que adotou o Brasil como sua pátria cinematográfica, Brincando nos Campos do Senhor.. Um cinema sem heróis, Babenco aborda a questão humana e suas angústias sem mocinhos e bandidos, com sua lucidez poética.

 

Há algumas cenas do Cinema Brasileiro, indeléveis como por exemplo, Marília Pera amamentando Pixote, a cena final de Fernanda Montenegro em Central do Brasil, Paulo Autran em Terra em Transe, Norma Benguell na praia em Os Cafagestes de Ruy Guerra, Wanda Lacerda e Jofre Soares em Chuvas de Verão de Cacá Diegues, Guarnieri em Eles não usam Black Tie...

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

É ver tudo porque é Cinema, acompanhar a filmografia completa de diretores que têm algo a dizer, e de atores , na medida do possível. Ver muito, se conectar com os que amam o Cinema e aprimorar o olhar cinematográfico. Muitas vezes, temos  um critério afetivo em primeiro lugar, o racional vem depois, mas o cinéfilo atravessa a cidade para ver um determinado filme , no horário que for. É estar disponível internamente para descobrir o que o outro quer dizer, que história ele tem para contar. 

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Acredito que muitos fatores comerciais tenham influência na programação. Os públicos são variáveis e muitas vezes o programador tem que escolher e, função do público. Em geral sim, e até entram em conflito porque gostariam de programar uma escolha pessoal mas existe uma necessidade de satisfazer a todos os segmentos do público. Tenho muito respeito pelos programadores, são escolhas difíceis e há questões de mercado que não necessariamente traduzem o perfil do programador nesse sentido e eles acabam sendo julgados e modo precipitado.

 

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Acabar não, mas lamentavelmente muitos estão destinados à falência.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Não sei se poucos viram pelo mundo mas há por exemplo , Thérèse Desqueyroux,(Relato íntimo) de Georges Franju com Emmanuelle Riva, Tio Vania em Nova York de Louis Malle. Quantas vezes não saímos do Cinema lamentando a plateia diminuta em filmes maravilhosos?

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Alguns reabriram e constatei em cabines de Imprensa protocolos rígidos de Segurança , distanciamento respeitado , poucas pessoas mas todas de máscaras. É uma questão polêmica. Os cinemas estão respeitando higienizam as salas, medem a temperatura, há alcool gel em todo canto, mas quero saber é se os espectadores estão se cuidando antes de entrarem no cinema.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente:

Excelente! Há um vigor, uma grande movimentação em curtas, médias, longas metragens, roteiros sendo inscritos em editais, festivas pelo Brasil inteiro, o Cinema Independente se mobilizando, o surgimento de vozes invisíveis, uma Resistência a todos os níveis contra as tentativas de aniquilamento de nosso Cinema. Como atriz tenho trabalhado muito e como crítica tenho visto uma produção incessante e um compromisso com a qualidade.

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Marcelo Gomes.

 

12) Defina cinema com uma frase:

A evasão necessária movida por uma paixão inexplicável desde sempre.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Não é tão inusitada, mas peguei no flagra um espectador gravando um filme pelo celular, e arranquei da mão dele e levei para o Segurança. Me senti heroica!

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

Vou ficar devendo essa, não ví. 

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Ele precisa ter referências, um repertório. Algumas opções estéticas homenageiam grandes mestres por exemplo, mas há cineastas jovens muito talentosos que são cinéfilos e outros que não e conseguem bons resultados, mas o diálogo entre atores e diretores que assistiram às mesmas coisas é muito mais rico, certamente. Então, para dirigir um filme, não precisa, mas para dirigir um bom filme, acredito que a cinefilia seja de grande valia.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

É tão odioso que se eu escrever o nome, tenho medo até de atiçar a curiosidade. Vem da Sérvia ..Atroz.

 

17) Qual seu documentário preferido?

Não há um só. O Fundo do Ar é Vermelho, de Chris Marker. Shoah de Claude Lanzman, recentemente Segrêdos do Putumayo, de Aurélio Michiles e Cidadão Boilesen, de Chaim Litewski, Coraçôes e Mentes, de Peter Davis.  Os 5, já aviso, nada têm de leves .

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?  

Sim! Antes do final até, em Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino quando Shoshana, interpretada por Melanie Laurent faz seu discurso de vingança na tela do Cinema.

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Rumble Fish, de Francis Ford Coppola e Despedida em Las Vegas de Mike Figgis.

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Cineweb, Blog do Miguel Barbieri Cineclick, Papo de Cinema, Adoro Cinema, Cenas de Cinema.