14/03/2021

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #313 - Geo Abreu


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nossa entrevista de hoje é cinéfila, de Belém (Pará). Geo Abreu tem 41 anos, é historiadora, crítica de cinema e educadora popular em audiovisual. Já produziu, dirigiu e roteirizou um curta chamado A Mulher do Fim do Mundo. Hoje escreve para a Revista Multiplot! e compõe a equipe do Festival Semana de Cinema.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

O Cine Líbero Luxardo. Porque é uma sala com mais de 30 anos de atividade e faz parte da minha história: Foi lá que vi todos os clássicos da minha formação cinéfila. E mesmo depois de tanto tempo continua tendo a melhor curadoria da cidade, sendo hoje a última sala de cinema fora de um shopping.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Sinceramente não lembro e nem tenho uma resposta pronta pra isso mas, pensando aqui nas sessões históricas que vi no Líbero, vou citar O sabor do chá verde sobre o arroz, do Yasujiro Ozu. Vi numa cópia sofrível e ainda assim movimentou alguma coisa inexplicável em mim... arrisco dizer que uma espécie de encontro com o sublime, algo assim.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

To revendo parte da obra do Wim Wenders no Mubi e vou citar ele e Asas do Desejo. Mas podia ser também a Mati Diop, que tive o prazer de ver esses dias falando com Kênia Freitas no Janela de Cinema do Recife sobre Atlantique, um filmaço.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Copacabana Mon Amour, do Rogério Sganzerla, pra citar um clássico, e Aquarius do Kleber Mendonça Filho, pra citar algo contemporâneo. Eu moraria nos dois filmes, ou talvez já tenha morado neles de alguma forma. Ambos descrevem universos de familiaridade pra mim.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Puxa, você sabe, eu tô largando de mão esse lance de cinefilia. Vejo cada vez menos filmes pra ver cada vez mais os filmes. O que quero dizer com isso é que ver por ver, pra marcar numa lista e dizer que vi, já não me agrada. Prefiro ver um filme e pensar sobre ele durante uma semana inteira, por exemplo, como me ocorreu com About Some Meaningless Events, do Mostafa Derkaoui, do que acompanhar os lançamentos comerciais e parecer antenada com tudo.

 

Ser cinéfilo é, muitas vezes, só saber socializar ao redor do cinema: falar de filmes, frequentar salas e debates, ler e escrever críticas, perturbar os amigos pra que vejam um filme só pra que vcs possam conversar sobre. Nesse ponto, sigo sendo a mesma menina de 16, 17 anos que puxava assunto na fila da sessão e discutia com um cara - que veio a se tornar um namorado - apenas porque o encontrei sentado no lugar cativo que acreditava ser apenas meu, na minha sala de cinema preferida.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Não, nem de longe. 

 

7)  Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Depende do que vc considera uma sala de cinema: as salas de shopping, por mim, podem desaparecer. Já o cineclubismo, eu acredito, sempre irá existir e sempre irá armar sua tela pra reunir pessoas em torno de filmes, seja numa praça ou num calabouço.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Para Ter Onde Ir, da Jorane Castro. Mas pode ser também Alma no Olho, do Zózimo Bulbul, ou Sinfonia da Necrópole da Juliana Rojas. Todos os três estão em algum serviço de streaming, sejam os pagos ou os gratuitos, tipo Vimeo.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Não.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Acho que é sempre um cinema em experimento. São poucas as (pessoas) realizadoras que podem amadurecer em busca de formas cada vez mais sofisticadas de contar histórias, de acertar e errar em busca disso. Não digo que experimentar seja ruim, de forma alguma. Só acho que sempre falta tempo (e futuro) pras realizadoras contemporâneas brasileiras se dedicarem às suas pesquisas, a filmes "menores", filmes testes em vistas de algo mais ambicioso, estabelecerem uma carreira profícua, e quando digo isso estou falando de ofício mesmo, através do qual se pode pagar as contas. Nem a indústria, nem o artesanato de filmes parecem "permitidos" na atual conjuntura política nacional. Mas, olha, a gente vai passar por mais essa. Continuem a nadar!

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Vixe, vamo lá: Grace Passô, Catu Rizo, Anne Santos, Kênia Freitas, Bernardo Oliveira, Negro Leo, Juliano Gomes, Juliana Antunes, André Novais. Tá bom, né? São os que lembrei de pronto aqui.

 

12) Defina cinema com uma frase:

Ouvi esses dias num debate e vou tentar reproduzir aqui de orelhada: cinema não é apenas sobre o visível, mas também sobre o invisível.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Hummm, teve uma que me marcou muito, num Festival do Rio, naquela menor sala do Estação Botafogo. Era um documentário sobre o Hunter S. Thompson. Eu precisei sentar no chão porque cheguei atrasada e não tinha mais lugar. Logo juntou mais duas pessoas sentadas no chão também, bem próximas, e algo do espírito do Raoul Duke se manifestou ali e formamos um grupo divertido, reagindo às catarses do filme como se fossemos velhos conhecidos. Bom, eu sou taurina, do tipo fominha com minhas guloseimas mas, saquei uma barra de chocolate da bolsa e dividi com esses dois caras. Parece bobo contado assim, mas, ser uma pessoa tímida e travar intimidade tão imediata com dois estranhos foi um evento pra mim. Uma comunhão tão prazerosa quanto efêmera, mediada ali pelo Hunter, me fez sentir bem em pertencer ao mundo, sabe como?

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

 

Ainda não vi Cinderela Baiana, peço desculpas ao Brasil por isso hehe.

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Precisa não.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Monster, da Patty Jenkins. É um filme que não pretendo rever nunca na vida.

 

17) Qual seu documentário preferido?

A Cidade É Uma Só, do Adirley Queirós.

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?  

Várias vezes, uma das últimas foi numa sessão de Aquarius no Odeon.

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Coração Selvagem, do David Lynch.

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Revista Multiplot!

http://multiplotcinema.com.br/