O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte
tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para
emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo
através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que
ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações
engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através
da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de
que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo
cinema.
Nossa convidada de hoje é cinéfila, de São Paulo. Adriana Nienna tem 39 anos. É
historiadora, pesquisadora de cinema e fotógrafa.
1) Na sua cidade,
qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da
escolha.
Minha sala de exibição favorita desde muito tempo é o Cinesesc, na Rua Augusta. Não somente
pela programação - que sempre recebe as principais mostras e festivais da
cidade, como também pela estrutura (é uma daquelas salas espaçosas, com tela
bem grande e que ainda por cima tem um bar em seu interior, de onde é possível
assistir o filme!). Outro ponto a favor é o preço do ingresso.
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
Quando revi na adolescência o primeiro filme que vi na vida
num cinema - "Branca de Neve e Os
Sete Anões" - e entendi que aquilo era muito mais que um filme de
princesa.
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
São 3 os principais: Ingmar
Bergman, Andrei Tarkovski e Agnès Varda. Do Bergman, adoro "Persona" (1966), do Tarkovski
elejo "O Espelho" (1975) e da
Varda, "La Pointe Courte" (1955).
4) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
Um filme que me impactou profundamente foi "Vidas Secas" (1963), de Nelson Pereira dos Santos. Quando
assisti pela primeira vez, devia ter uns 16 anos e ainda não tinha lido o livro
do Graciliano, não conhecia a história... Foi um choque! A fotografia era
linda, mas o filme era difícil, tão árido quanto a história que contava. Essa
aridez era percebida na ausência de diálogos, na expressão dos atores, no
excesso de vazio na tela.
5) O que é ser
cinéfilo para você?
Acredito que a cinefilia seja uma dedicação que se assume
quando se quer compreender o cinema para além do entretenimento. Não estou
dizendo que filme precisa ser "cabeçudo" pra ser "bom" ou
que um filme divertido, desses que se assiste pra dar umas risadas ou tomar uns
sustos é, necessariamente, de qualidade inferior.
Quando assumimos esse compromisso - que estou chamando de
cinefilia - passamos a ver um filme como uma obra multidimensional, com camadas
a serem escavadas, analisadas. O filme deixa de ser algo "plano",
cujo sentido se encerra na sua capacidade de entreter. Como cinéfila, estou
empenhada em tentar entender as escolhas do cineasta em termos de direção,
fotografia, trilha sonora, atuação... o filme é um universo a ser desbravado. E
quanto mais universos são desbravados, lidos, analisados, revistos, debatidos
com outros desbravadores-cinéfilos, mas aprendo sobre mim e sobre o mundo.
6) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por
pessoas que entendem de cinema?
Acho que existe de tudo. Existem espaços de exibição que
entendem cinema exclusivamente como um produto e tentam maximizar seus ganhos
através do filme. Normalmente esses espaços oferecem programação preguiçosa,
pouco diversificada, com milhares de sessões de um mesmo filme da moda. E
quando se sai desses lugares, pouca coisa se leva do que foi experienciado. É
claro que esta não pode ser uma análise simplista, afinal, até mesmo naqueles
espaços onde o cinema é entendido num outro contexto, como arte, ainda sim ele
continua sendo um produto. Mas nesses espaços existe uma curadoria
especializada que abre mão do lugar-comum e oferece uma programação mais
diversificada (de temas, de olhares, de protagonismos) e mais estimulante em
termos de reflexão. Nas grandes cidades, é possível encontrar estes - e muitos
outros modos de exibição de um filme -, mas nas cidades pequenas onde o acesso
ao cinema ainda é restrito, acredito que o primeiro tipo predomina.
7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?
Não vão. Mas irão mudar, como mudam desde o seu surgimento,
de acordo com a tecnologia e o suporte em vigor. Já tivemos salas de cinema
mais luxuosas, mais modestas, mais modernas, mais intimistas, e isso é
resultado, em parte, dos novos aparatos tecnológicos. Mesmo com o surgimento do
aparelho de tv, do vhs/dvd, das videolocadoras, da internet, dos streamings e
etc., as salas de cinema se mantêm e sua importância é ressignificada em
relação a essas mesmas mudanças. A estrutura de uma sala de cinema, a tela
grande, o tamanho e inclinação das poltronas, a organização das fileiras, o
som, a escuridão, enfim, todos esses detalhes são pensados para melhor abarcar
a experiência cinematográfica. Pode - e algumas vezes é - muito cômodo ver um
filme no computador ou celular, mas a sala de cinema ainda é especial.
8) Indique um filme
que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
Isso Não É um
Enterro, É uma Ressurreição, de
Lemohang Jeremiah Mosese. Esse filme do Lesoto é de uma sensibilidade
absurda. A história é daquelas que te faz torcer pela protagonista, as atuações
são ótimas, a fotografia é espetacular.
9) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Nesse momento, mais de 50% da população brasileira já
recebeu as duas doses (ou dose única) da vacina contra a covid-19, mas, apesar
disso, a pandemia não está completamente controlada. Cabe ao espaço exibidor
garantir a manutenção dos protocolos básicos de segurança sanitária: exigir
comprovante de vacinação na entrada, orientar o correto uso de máscara no
interior do cinema, organizar a ocupação das poltronas privilegiando o
distanciamento social, ofertar ingressos abaixo da capacidade máxima das salas
para evitar aglomerações, etc. Quando um cinema assume essa responsabilidade,
ele se compromete não apenas com a sociedade, ele declara sua preocupação com o
bem-estar de seus frequentadores. E o cinéfilo gosta do cinema que demonstra
gostar dele.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
Pôxa, o cinema brasileiro das últimas décadas estava indo de
vento em popa, né? Ainda estávamos longe do ideal (e de nossa capacidade
criativa/criadora), mas ganhamos lugar de destaque no panorama internacional,
com filmes exibidos nos principais festivais. Estávamos produzindo mais, melhor
e mais pluralmente do que em qualquer outra época da nossa história e isso se
deveu, em boa parte, às políticas de regulação do audiovisual e de fomento à
produção. Mas daí é aquela tragédia que todos já conhecemos e que se abateu
sobre nosso país a partir de 2019. A ascensão desse governinho fascistóide,
inimigo da cultura e propositadamente bagunçado ameaça o desenvolvimento do
setor, seja através da paralisação de financiamento, seja através dos desmontes
das instituições, como os da Cinemateca Brasileira e da Ancine, por exemplo. É
o famoso 7x1 de todo dia. Para o desespero dos apoiadores desse governinho, no
entanto, isso tudo vai passar e vamos superar esse atraso. Voltaremos a
produzir - ainda mais, ainda melhor, cada vez mais plural.
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Eu gosto de tanta gente, mas só pra citar algumas: Sabrina Fidalgo, Anna Muylaert, Kleber
Mendonça Filho, Maya Da-Rin, Patrícia Ferreira Pará Yxapy... Mas o que eu
mais gosto é conhecer novos nomes, descobrir novas histórias e formas de fazer
cinema.
12) Defina cinema com
uma frase:
Cinema, como modo de entendimento do mundo e de si própria.
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
Já vi gente virar uma garrafinha de água na cabeça do
coleguinha da poltrona da frente que não desligava o celular. A sessão estava
lotada e teve que ser interrompida por causa do auê.
14) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
Vanguarda...rsrs
15) Muitos diretores
de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta
precisa ser cinéfilo?
Quanto mais uma pessoa entende sobre seu trabalho, melhor
ela trabalha. Isso vale para tudo. No cinema, não poderia ser diferente. Um
cineasta limitado aos aspectos técnicos entregará um trabalho medíocre, raso,
sem paixão. É preciso ampliar o entendimento sobre o que é cinema para criar
algo capaz de tocar as pessoas. Um cineasta dedicado à sua arte possui
repertório não somente técnico, mas estético e intelectual e por isso é capaz
de criar filmes
16) Qual o pior filme
que você viu na vida?
"Cinderela
Baiana" :)
17) Qual seu
documentário preferido?
"Cabra Marcado
Pra Morrer", Eduardo Coutinho
18) Você já bateu
palmas para um filme ao final de uma sessão?
Com certeza sim e não me envergonho disso! rs O aplauso é
uma reação positiva a algo que se gosta muito. A pessoa que sente-se tocada por
um filme e reprime um aplauso por vergonha, essa pessoa já está morta e não
sabe!
19) Qual o melhor
filme com Nicolas Cage que você viu?
"Cinderela Baiana" :)
20) Qual site de
cinema você mais lê pela internet?
IMDB, Observatório do
Cinema, Críticos, Revista Cinética, Cineset, Papo de Cinema...
21) Qual streaming
disponível no Brasil você mais assiste filmes?
Mubi