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19/03/2024

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Crítica do filme: 'As Quatro Filhas de Olfa'


A angústia de um desaparecimento duplo. Exibido no Festival de Cannes do ano passado, o documentário As 4 Filhas de Olfa, por meio de ensaios, bate-papo entre personagens reais e atrizes, nos mostra uma história que vai se montando por seus detalhes tendo como alicerce toda forte relação familiar entre uma mãe e suas quatro filhas. O reabrir as feridas se torna uma marca presente dentro de um contexto no passado doloroso que influenciou a trajetória de todas elas. Indicado ao Oscar de Melhor Documentário em 2024, o projeto é escrito e dirigido pela cineasta tunisiana Kaouther Ben Hania.

Ao longo de 107 minutos de projeção vamos acompanhando recortes nas vidas de Olfa e suas filhas. Desde a infância, o crescimento das meninas, a vivência no período da conhecida Revolução de Jasmim até uma radicalização e sumiço de duas delas que acaba trazendo dor e sofrimento sem fim. Reviver tudo o que passaram se transporta para a tela, com encenações de momentos das duas filhas que ficaram e duas atrizes substituindo as que foram. Memórias se misturam com as incertezas que duram até os dias atuais.

A angústia do desaparecimento é algo que percorre todo o filme. Não sabemos a princípio o que realmente aconteceu com as duas filhas mais velhas de Olfa. Fugiram? Foram sequestradas? Quando as peças se alinham nas posições de revelação, o campo de reflexões se amplia nos levando até alguns porquês. Dentro desse contexto, se expõe o processo criativo do projeto como um complemento da narrativa.

Nesse interessante documentário, com 18 prêmios internacionais, todo rodado em um hotel abandonado, passamos por uma Tunísia em plena revolução e a protagonista buscando a própria, chegando até uma temida organização jihadista que justifica seus atos pela aplicação da lei religiosa islâmica e muitas questões políticas que se amontoam. As 4 Filhas de Olfa é um forte e contundente retrato de uma sociedade que parte da dor de uma família até os caminhos da perplexidade.


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13/03/2024

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Crítica do filme: 'Eu, Capitão'


Contando a saga de dois jovens que vai do sonho de uma vida melhor passando por um enorme pesadelo sem fim na busca do objetivo, o longa-metragem Eu, Capitão, indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional nesse ano, é um profundo recorte cheio de temas atuais que nos faz refletir a todo instante. Dirigido pelo cineasta italiano Matteo Garrone o filme embarca em uma narrativa que relata muito dos conflitos dos nossos tempos se tornando uma história impactante sob o ponto de vista de refugiados e suas superações.

Na trama, conhecemos os primos Seydou (Seydou Sarr) e Moussa (Moustapha Fall), dois jovens senegaleses que resolvem fazer uma viagem de Dakar até a Itália em busca de seus sonhos. Só que essa jornada não será como ele imaginam, sofrem com os horrores da ganância humana, conflitos geopolíticos, esgotando as curtas margens de esperança mas também encontrando pelo caminho novas formas de entender o mundo.

Vencedor de alguns prêmios no Festival de Veneza, o filme coloca em seu principal holofote os valores da moral e a humanidade tendo como referência o olhar imaturo e até ingênuo de dois jovens que acabam descobrindo os horrores que os seres humanos são capazes durante a caminhada. Os dilemas se tornam constantes, continuar ou não continuar? É possível confiar com o pesadelo batendo na janela dos sonhos a toda hora?

A questão dos refugiados é amplamente debatida. Um refúgio num lugar seguro, uma premissa básica de quem sofre na sua terra natal, vai entrando em contraponto à políticas governamentais, pessoas maldosas que buscam se aproveitar da esperança alheia, esgotando a esperança e a transformando em lapsos entrando quase sempre em uma situação de sobrevivência. A história mostrada no filme se aproxima demais com a de milhares de outras pessoas que buscam outros países para chamarem de lar, por isso a importância do ponto de vista deles que aqui é brilhantemente retratado.

Eu, Capitão é um dos filmes mais impactantes da lista dos indicados ao Oscar desse ano. Um filme pra ver e refletir, uma brilhante narrativa que vai demorar a sair de nossas memórias.



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27/02/2024

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Crítica do filme: 'American Fiction'


Indicado para cinco Oscar em 2024, inclusive na categoria Melhor Filme, American Fiction usa sua brilhante e hilária narrativa para ir na contramão dos hipócritas de plantão, que recheiam olhares com estereótipos. Baseado na obra Erasure do escritor e professor da USC (Universidade do Sul da California) Percival Everett, o filme apresenta recortes na vida de um escritor em crise, entediado, completamente sem paciência com as hipocrisias na sua frente que tem uma ideia que o coloca no epicentro de tudo que pensa. Excelente estreia na direção do cineasta norte-americano Cord Jefferson.

Na trama, conhecemos Monk (Jeffrey Wright), um escritor e professor num presente repleto de conflitos não deixando barato os absurdos culturais que percebe ao seu redor. Após ser afastado pela universidade que leciona, vai passar um tempo na casa de praia da família se aproximando dos irmãos e da mãe em fase inicial de Alzheimer. Um dia, resolve escrever um livro de forma aleatória, longe das complexidades de suas outras obras e acaba vendo o sucesso chegar de forma curiosa e mostrando muitas verdades da sociedade.

As pessoas não se resumem aos erros. Um dos méritos do roteiro é chegar numa ampla reflexão sobre seu protagonista através do relacionamento com a família. A narrativa é empolgante, até uma cena espetacular de personificação da escrita nós vemos. Perdido nos pensamentos que se juntam a absurda conclusão de uma ideia inusitada, nas perdas recentes, a volta do convívio com os mais próximos familiares, um espaço para um novo amor, o protagonista duela com seus conflitos sem nunca deixar de expressar sua opinião. Tudo isso é colocado de forma brilhante na tela.

Personagens surgindo aos montes só validam o pensar de Monk, aqui uma analogia com a sociedade e seus valores se torna uma reflexão importante. O mercado literário também ganha holofotes, o lucro com o entretenimento raso, preconceituoso em muitos momentos, se mostra evidente através da armadilha feita pelo personagem principal dessa história maravilhosa que ficará nas nossas lembranças por muito tempo.

As entrelinhas da moral da história chega através dessa narrativa dinâmica, envolvente, que nos faz rir, emocionar e pensar sobre muitas verdades que estão por aí pra quem quiser ver.


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16/02/2024

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Crítica do filme: 'Zona de Interesse'


A normalidade de uma família e o horror de milhares de outras separados por poucos metros. Indicado em cinco categorias no Oscar 2024, inclusive Melhor Filme, o longa-metragem Zona de Interesse é uma jornada inquietante que nos leva de volta aos horrores feitos pelos nazistas sob a ótica de uma família alemã. Baseado no livro homônimo escrito por Martin Amis esse é um daqueles filmes que de tão impactantes demoram a sair de nossas memórias. Impressionantemente realista joga o espectador para os pensares daqueles terríveis tempos.

Na trama, ambientada na segunda guerra mundial, conhecemos Rudolf Höss (Christian Friedel), alta patente nazista e comandante do campo de concentração de Auschwitz que vive com sua esposa Hedwig (Sandra Hüller) e seus filhos em uma casa confortável levando a vida que sempre sonharam. O lugar é situado ao lado do campo de concentração mencionado, onde atrocidades foram cometidas.

Primeiro filme do cineasta britânico Jonathan Glazer em língua não inglesa, o projeto consegue passar sua forte mensagem através de uma captação de imagens impressionantes, entre outros fatores, com muitos planos abertos que se transformam na imersão à dinâmica daquela família. A naturalidade em contraponto as atrocidades sendo cometidas a poucos metros são chocantes e muito do que não é mostrado fica óbvio nas entrelinhas. Essa construção da linguagem cinematográfica e toda a sensação de aflição de um contexto marcante na história da humanidade é feito de forma sublime.

Esse é um daqueles projetos audiovisuais que precisam ser debatidos. Não só por sua apurada técnica quando pensamos em cinema mas também pelos debates que levanta a partir de um registro histórico doloroso porém necessário e pra nunca cair no esquecimento.


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08/02/2024

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Crítica do filme: 'O Menino e a Garça'


Um novo começo numa aventura repleta de possibilidades. De volta aos longas-metragens de animação após uma década, o genial cineasta Hayao Miyazaki, co-fundador do Studio Ghibli, mais uma vez transforma a realidade em fantasia com um recheio repleto de camadas que nos levam a metáforas sobre a amizade, a dor, o luto, onde portas vão se abrindo e escolhas surgindo. Um mundo mágico, onde quase tudo também é possível repleto de enigmáticos personagens que vão gerar diversas interpretações, é o palco de O Menino e a Garça, indicado ao Oscar de Melhor Animação em 2024.

Na trama, ambientada no Japão em tempos de Segunda Guerra Mundial, conhecemos Mahito, um jovem que perde a mãe muito cedo em uma tragédia por conta dessa terrível guerra. Tempos depois ele se muda com o pai para uma enorme propriedade na zona rural japonesa onde tem o primeiro contato com a nova madrasta. Essa última de quem não consegue se aproximar por achar que ela está roubando o lugar de sua mãe. Desbravando a extensa propriedade que é seu novo lar, acaba descobrindo um lugar que logo se mostra uma espécie de portal. Quando sua madrasta some, o protagonista embarca na sua aventura indo até esse lugar mágico junto com uma curiosa garça e lá o confronto com um universo de situações que ele jamais imaginaria encontrar se mostra à sua frente.

Primeiro filme de animação da história a ser o escolhido para a abertura no prestigiado Festival de Toronto, O Menino e Garça apresenta em seu primeiro ato um detalhismo minucioso sobre o contexto de uma época de tensão em um Japão consumido pela guerra, fato que causou uma série de consequências para seus habitantes. Dentro desse contexto, que é bastante representativo pela proximidade do protagonista com a situação já que o pai é um projetista de peças de combate, a narrativa com um dinamismo próprio começa sua poesia quase enigmática a partir desse personagem principal nas dores do luto e com a inconsequência sendo uma constante.  

Ao longo das suas duas horas de projeção, a jornada do herói é muito bem estabelecida com embates sendo refletidos nas ações o que impulsiona a narrativa para um ritmo intenso onde não conseguimos desgrudar os olhos da tela. Conflitos familiares viram molas propulsoras para um choque com a realidade, um lugar comum na trajetória de todos nós, onde erramos e acertamos mas nunca deixamos de ter elementos ao nosso redor que nos posicionam em zonas de equilíbrio.

O projeto, todo desenhado a mão, que demorou cerca de sete anos para ficar pronto, com Miyazaki trabalhando cerca de um minuto do filme por mês, possui um engenhoso roteiro que recheia a tela com personificações que traduzem o abstrato dos sentimentos. As leituras dos curiosos personagens serão diversas, é um show de criatividade, fruto da mente de um gênio, já na casa dos 80 anos, que pode ter nesse trabalho sua última assinatura.

Um dos filmes mais caros produzidos no Japão, O Menino e a Garça é um forte favorito a ganhar o Oscar de Melhor Animação, o que seria a segunda conquista de diretor (em 2003, venceu pelo inesquecível A Viagem de Chihiro). Colocando os sonhos no papel sem esquecer de fatos que marcaram a trajetória de seu país, Hayao Miyazaki continua sendo uma indestrutível ponte com nosso sonhar.


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02/02/2024

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Crítica do filme: 'Segredos de um Escândalo'


A ultrapassagem das linhas da moral. Indicado para um Oscar, o de roteiro original, o novo trabalho do cineasta californiano Todd Haynes joga ao público uma história repleta de variáveis tendo um complexo decifrar, com fundo investigativo, que transforma o filme em um dosado suspense que tende seus esforços na leitura de uma personagem enigmática que se esconde em uma nada aparente tranquilidade. Segredos de um Escândalo tem um roteiro que busca nos detalhes e descobertas, circular com profundidade nos conflitos.

Na trama, conhecemos a famosa atriz Elizabeth (Natalie Portman) que aceitou recentemente um papel no cinema que é o de uma personagem real, Gracie (Julianne Moore), que no passado teve sua vida exposta e envolvida em um crime, já que manteve relações com um jovem menor de idade que hoje é seu marido Joe (Charles Melton). Buscando ir atrás de segredos desse relacionamento, Elizabeth não medirá esforços para descobrir novas verdades desse casal, moradores da cidade costeira de Savannah.

Exibido no Festival de Cannes em 2023, onde foi logo adquirido pela toda poderosa dos streamings Netflix, o projeto apresenta diversos questionamentos mas com as peças já definidas pelo ato absurdo no passado, a união bastante contestada que vira o estopim de todos os conflitos que se seguem. A partir disso, uma análise psicológica vai moldando o ritmo de uma narrativa que encaixa seu foco em um triângulo de personalidades distintas que deixam margens interpretativas nas entrelinhas.

Assim, chegamos em uma atriz e meio a uma pesquisa minuciosa que insiste em cruzar as linhas da moralidade, uma mulher que parece se esconder do seu crime, um jovem adulto totalmente imaturo que parece ter perdido sua adolescência se dedicando a um relacionamento que nem sabe se julga como amor. Quando se encontram, a partir de uma iminente nova exposição, os desencontros em versões são as surpresas que são entendidas de diversas formas pelos próprios personagens. Quando pensamos em Elizabeth e Gracie e seus embates por trás da aparente amistosa relação, são interessantes as cenas com os espelhos que aparecem, mais de uma vez, dando real sentido de um buscar entender uma a outra, dentro de um contexto de fatos inadmissíveis.

Filmado em apenas 23 dias, Segredos de um Escândalo não é uma história fácil de se contar, talvez por isso a narrativa pode se perder ao buscar seu ritmo em um suspense mas com fortes conflitos emocionais batendo na porta a toda hora.  


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Crítica do filme: 'Pobres Criaturas'


A libertação aos olhos ingênuos de um renascimento. Indicado para 11 Oscars e com um chamativo estilo visual repleto de referências, absorvendo uma peculiar identidade na linguagem, o novo trabalho do cineasta grego Yorgos Lanthimos pulsa em tons e sensações, longe do pudico, apresentando uma história de uma volta à vida que dialoga com os tabus de uma época. Adaptação de uma obra homônima escrita pelo escritor britânico Alasdair Gray no início dos anos 90, Pobres Criaturas foi exibido pela primeira vez no Festival de Veneza, onde levou o prêmio máximo do evento, o Leão de Ouro.

Na trama, conhecemos Bella Baxter (Emma Stone), uma jovem que ganhou uma segunda chance na vida após ser salva da morte pelo Dr. Godwin Baxter (Willem Dafoe), um excêntrico cientista famoso por experiências bizarras. Buscando reaprender valores e o básico da vida, Bella logo se abraça a necessidade do livre-arbítrio embarcando assim em uma enorme aventura quando foge com um duvidoso advogado chamado Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo).

Com muitas cenas filmadas em estúdio, é notório o uso de um estilo visual fascinante com total domínio de uma própria criação na identidade da linguagem, com experimentos na fotografia, trocas de lentes e a busca constante pelo alcançar o peculiar. Méritos de Yorgos Lanthimos, cineasta grego que antes de impactar o mundo do cinema logo no seu terceiro longa-metragem (Dente Canino) foi uma das mentes criativas da abertura e encerramento das Olimpíadas de 2004 em Atenas.

A narrativa, com um impressionante dinamismo, nos leva para uma verdadeira epopeia que alcança o desejo da descoberta em um contexto inserido dentro da era vitoriana em um cenário europeu ainda tímido em relação as interpretações sobre a moralidade. O roteiro usa com habilidade a atemporalidade ligada à críticas sociais para realizar um trabalho primoroso que gera muitas reflexões.

O uso de imagens chocantes dentro de uma linha surrealista que vai do absurdo ao sensível, explorando o abstrato das emoções através de um eficiente tour, transborda até seus ótimos personagens, com destaque para a atuação impecável de Emma Stone como a grande protagonista. Pobres Criaturas pode ser definido como uma fábula ligada ao comportamento humano que caminha pela estranheza para debater o atemporal em uma sociedade ainda carente de bons debates.

  

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Crítica do filme: 'Os Rejeitados'


Não nascemos só para nós mesmos. Indicado para cinco Oscars e trazendo para reflexões o acordar para a maneira que levam a vida alguns personagens que possuem em comum a ausência e suas lacunas, Os Rejeitados parte das companhias inusitadas, passando pelo luto, problemas familiares, abrindo seu leque de emoções através de um roteiro sublime que nos faz pensar sobre a importância do entender um outro alguém. Dirigido pelo ótimo cineasta norte-americano Alexander Payne e escrito por David Hemingson (em seu primeiro roteiro para um longa-metragem) esse é um daqueles filmes que vão morar nos corações de muitos nesse ano.

Na trama, ambientada no início da década de 70, conhecemos Paul (Paul Giamatti), um exigente, até mesmo rabugento, professor de história das civilizações antigas que se dedicou toda sua vida lecionando em Barton, um colégio internato de grande prestígio na região da nova Inglaterra. Perto das comemorações de natal, ele fica responsável por alguns alunos que não visitarão as famílias e ficarão nesse lugar. Assim, acaba tendo seu destino cruzado com um dos alunos, Angus Tully (Dominic Sessa), um jovem que se mete em muitos problemas desde que sua mãe iniciou uma nova família, e também com a cozinheira do lugar, Mary (Da'Vine Joy Randolph), uma mãe com uma enorme perda recente.

O que é o equilíbrio no seguir em frente na vida? O pensar, o sentir, o agir são estágios, aqui vistos como camadas dos conflitos, que são minuciosamente colocados em tela através do caminho e interseções dos três personagens. Um lugar frio (que remete ao estado emocional dos personagens), o luto, problemas familiares, situações não resolvidas no passado veem à tona modelando assim uma narrativa linear, detalhista, que empurra seu clímax em arcos conclusivos, desenvolvidos através das interações, a troca de experiências, dentro de um olhar sensível para o relacionamento interpessoal.

Os corações preenchidos tem espaço para mais momentos felizes? Qual o sentido da felicidade? Através da compreensão do olhar ao próximo, o desabrochar para novas maneiras de pensar seus próprios conflitos se tornam um objetivo de cada um dos personagens. Mesclando a imaturidade com seu total oposto, o foco é centralizado no professor amargurado pelo seu passado que usa a disciplina como um escudo para nunca o verem por completo através dessa defesa. É uma linda composição de personagem de Paul Giamatti, que merece todos os prêmios por seu impactante papel. Outro destaque é Da'Vine Joy Randolph, impecável no seu difícil papel, emociona e diz muito pelo olhar.

Estreando aos olhos do mundo no prestigiado Festival de Toronto do ano passado, todo rodado em locações reais, longe de qualquer estúdio, Os Rejeitados se posiciona como uma parábola social, expondo os reflexos através de profundas camadas ligadas às emoções variadas e os mais distantes tipos de ausência.


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19/01/2024

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Crítica do filme: 'Anatomia de uma Queda'


As hipóteses de uma tragédia. Vencedor de muitos prêmios, inclusive a Palma de Ouro em Cannes além dos prêmios de melhor roteiro e melhor filme estrangeiro no Globo de Ouro, o longa-metragem Anatomia de uma Queda nos leva para o campo das suposições, dos dilemas, na vida de uma família que desmorona por completo após uma fato impactante. Escrito e dirigido pela cineasta francesa Justine Triet, o projeto caminha de forma minuciosa pela exclusão da determinação, jogando todos seus holofotes para os fatos, conclusões e achismos que envolvem um casamento em crise que se afunda em frustrações, com a presença de um fardo emocional marcante, após uma outra tragédia no passado.

Na trama, conhecemos Sandra (Sandra Hüller), uma famosa escritora alemã que mora com o marido francês, o também escritor Samuel (Samuel Theis), e o filho Daniel (Milo Machado Graner), de 11 anos, na região dos alpes franceses. Certo dia, Samuel é encontrado morto em uma parte na frente da casa. A polícia logo começa uma investigação e começa a suspeitar que Sandra cometeu o crime, iniciando assim uma jornada de incertezas rumo as verdades em um detalhado julgamento onde o filho do casal, que ficou com deficiência visual após um acidente num passado recente, pode ser uma testemunha chave.

Um rompimento após uma tragédia. O roteiro é engenhoso, detalhista, traça os perfis de suas peças chaves com bastante eficiência. Somos jogados para dentro de verdades de um casamento que desmorona de vez quando se choca com um fato marcante. O egocentrismo, o egoísmo, a inveja, se tornam recorrentes na vida desse casal de escritores. Há também o ponto de vista do jovem Daniel, suas interpretações para tudo que presencia no cotidiano, onde os dilemas se seguem dentro de uma angustiante situação.

Mas como se chega até a culpa ou a inocência? O filme foca nisso? Anatomia de uma Queda é também um filme de tribunal, onde todos buscam compreender o ocorrido, mesmo essa conclusão sendo posta em segundo plano. A narrativa busca olhares para essa família mas com a falta do dinamismo, onde cada detalhe da investigação se sustenta no campo das suposições, assim é compreensível achar o filme maçante em alguns momentos.

O desmoronar através de um fato é uma das peças do efeito dominó que se chega na sua conclusão onde não existe uma verdade absoluta, onde a frustração vira uma tatuagem marcada nas emoções. Anatomia de uma Queda deve marcar presença no mais famoso prêmio do cinema, o Oscar, em algumas categorias. É um projeto que necessita de atenção total durante suas duas horas e meia de projeção.


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04/01/2024

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Crítica do filme: 'A Sociedade da Neve'


Comer para viver. Outubro de 1972. Um lugar inóspito. 45 pessoas sofrendo as consequências de uma tragédia podendo contar apenas uns com os outros. Chegou nesse início de janeiro no catálogo da Netflix mais uma obra que busca seu recorte sobre uma dolorosa história já vista em dois longas-metragens de ficção e outros dois documentários, a mais famosa tragédia com um avião na Cordilheira dos Andes. Adaptação de um livro homônimo escrito por Pablo Vierci e dirigido pelo ótimo cineasta espanhol J.A. Bayona, A Sociedade da Neve é uma angustiante jornada onde relações humanas são colocadas em xeque, uma nova sociedade surgindo a partir dos fatos impostos por uma situação desumana onde os métodos de sobrevivência variam em sua forma de pensar.

Na trama, voltamos ao início da década de 70 onde um grupo de pessoas, integrantes ou amigos e parentes de um time de rúgbi uruguaio que ia até o Chile para uma partida precisam sobreviver após o avião em que estavam se chocar com as montanhas numa região praticamente inacessível da temida Cordilheira dos Andes. Ao longo de muitos dias, a esperança e o luto andaram lado a lado. A fé, o acreditar, se tornam figuras presentes nos pensamentos de cada um deles.

A virada de chave de uma tragédia e a busca por um milagre. Passando rapidamente pelos contextos locais em um Uruguai prestes a presenciar um golpe de Estado (fato que ocorreria no ano seguinte) em 15 minutos já estamos no epicentro da trama. Muitos jovens com a vida toda pela frente, muitos em sua primeira viagem para longe de casa, batem de frente com o caos. Assim conhecemos um pouco de cada um deles, suas maneiras de pensar, se expressar, e seus entendimentos sobre o que precisam fazer para não perder a esperança.

Como seguir em frente a partir do constante luto? Esse ponto contorna cada um daqueles dias que eles viveram e se junta a peça chave e tecla mais batida nas outras produções que abordaram o tema. A narrativa não se esconde, mostra os fatos, inclusive da situação mais polêmica enfrentada por aquelas pessoas, o canibalismo. J.A. Bayona apresenta seu olhar sobre tema de forma delicada e respeitosa.

O que você faria se estivesse naquela situação? É possível julgar? Essas e outras perguntas se tornam uma onda frequente visto em cada situação que acompanhamos. A vontade de viver e todas as variáveis que a cercam numa linha angustiante que segue até o último segundo de fita se completam com uma narração em Off que se torna um achado da narrativa, podemos dizer até mesmo uma homenagem, uma surpreendente revelação ao longo das hipnotizantes quase duas horas e meia de projeção.

A Sociedade da Neve chega para mostrar mais detalhes ao mundo sobre uma tragédia que marcou gerações, uma obra primorosa com uma fotografia impecável, uma aula de narrativa e uma direção merecedora de prêmios.



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29/12/2023

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Crítica do filme: 'Assassinos da Lua das Flores'


A ganância e os absurdos contra uma tribo indígena. Lançado aos olhos do mundo no Festival de Cannes desse ano, Assassinos da Lua das Flores, novo trabalho do aclamado cineasta Martin Scorsese nos mostra mais um retrato doloroso da história americana que envolve a ganância de intrusos brancos a um território rico dos indígenas Osage em um período que também marcou o início do hoje conhecido FBI, agência na época liderada por J. Edgar Hoover. Baseado em um livro homônimo do jornalista nova iorquino David Grann e com um orçamento na casa dos 200 milhões de dólares além de uma narrativa impecável somos guiados por um imenso vale de lágrimas, rastros de dor e tristeza que alguns tentaram esconder mas que agora, mais que nunca, jamais serão esquecidos.

Na trama, conhecemos Ernest (Leonardo DiCaprio), um jovem que acabara de voltar da primeira guerra mundial e vai de encontro a William Hale (Robert De Niro), um tio influente na região de Oklahoma, terra essa dos indígenas Osage que ao longo do tempo foram descobrindo uma enorme riqueza ligadas ao tão cobiçado petróleo transformando aquela região em uma das mais ricas do mundo na década de XX. Dentro desse cenário, Ernest descobre o amor entrando na sua vida a indígena Mollie (Lily Gladstone) mas também logo se mete nos planos de uma enorme conspiração de homens brancos contra os indígenas, com direito a manipulações, explorações e assassinatos.  

Antes de qualquer coisa, a importância do reaparecimento dessa história, agora viva não só pelo livro mas principalmente a chegada desse filme, apagada de contextos, é fundamental para que as reflexões sobre as verdades não sejam esquecidas e sim debatidas! Dito isso, o recorte da época do filme, muito bem transmitido pelas lentes de Scorsese, era um cenário total de manipulação feita por homens brancos, sedentos pelo dinheiro jorrando na região com cúmplices em escala federal. Sim, aqui não tem só um vilão!

Scorsese, antes de ampliar sua discussão para o todo, opta pelo olhar ao relacionamento de Ernest e Mollie, desabrochando suas personalidades completamente distintas além de todo o passado cultural de um e de outro. O embate entre o que Ernest tinha de sabedoria e o que Mollie absorveu de toda sua cultura indígena viram elementos importantes para entendermos alguns porquês que seguiriam pelos destinos dos personagens. Sem passar o pano e metendo o dedo em feridas dolorosas de páginas que muitos quiseram que ficassem esquecidas da história americana, a brilhante narrativa arranca até o último suspiro da ganância e interesses que logo se interligam. Não há dúvidas que Scorsese sabe como contar uma história!

Uma variável que chega com tremenda importância e talvez tenha sido o fator surpresa para os engravatados que comandavam os jogos de interesse pela aquelas terras foi que nesse mesmo período dava-se o início aos primeiros grandes avanços na forma da lei do departamento federal de investigação, o Federal Bureau of Investigation, ou sua sigla mais conhecida, FBI, agência na época liderada por J. Edgar Hoover que entra de cabeça na investigação dos assassinatos. A importância desse fato é fundamental para mudanças em alguns rumos.

Assassinos da Lua das Flores é um importante registro histórico, um filme que brinda os cinéfilos com suas quase três horas e meia de duração no mais alto nível cinematográfico, fruto de uma mente brilhante e sua inquietude em mostrar algumas verdades de seu próprio país.  



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Crítica do filme: 'Vidas Passadas'


A incontrolável contramão do destino. Debutando na carreira de diretora, a cineasta sul-coreana Celine Song não podia ter começado com um melhor pé direito. Seu filme transborda sentimentos conflitantes aos olhos de duas almas que parecem complementares mas que o momento certo de se encontrarem muda completamente os rumos de seus destinos. Vidas Passadas é uma poesia em forma de cinema, onde declamações marcantes são vistas, sentimentos borbulham, nos levando de forma avassaladora para o núcleo do sentimento mais profundo que existe.

Na trama acompanhamos em algumas passagens de tempo a relação de amizade e quem sabe até mesmo amor entre Nora (Greta Lee) e Hae Sung (Teo Yoo). No início amigos de escola, com a imigração da primeira para um outro país ficam distantes, voltando a se encontrar pela internet mais de uma década depois. Após mais uma pausa, sem conseguirem dar aquele passo necessário na relação, se reencontram mais uma década depois, já adultos e estabelecidos profissionalmente, ela uma escritora em Nova Iorque casada com o também escritor Arthur (John Magaro), ele um engenheiro ainda na Coreia do Sul. Um último encontro pelas ruas da cidade mais famosa do mundo, contemporânea, acontece, onde precisam lidar com o que o tempo e o destino tem para oferecê-los. Será o suficiente?

Uma amizade? Um possível amor? A narrativa navega de forma dinâmica e nada melancólica pelos caminhos turbulentos dos encontros e desencontros onde a saudade, palavra forte mas que só tem real significado na nossa língua, acaba virando uma variável constante mesmo na contramão do destino. O roteiro se fortalece com diálogos profundos (alguns fabulosos), na linha ‘pés no chão’, longe de qualquer fantasia, próximo do real, aproximando do espectador as reflexões sobre as inúmeras formas de amar. Há um elemento também forte por aqui, a lembrança. Por ela, conseguimos entender a força que essa relação não definida (e pra que definição né?) ganha novos capítulos com o passar do tempo.

Nessa relação que se estabelece à distância, em distantes linhas temporais, dentro de um discurso que nunca perde o sentido sobre o que se propõe a falar, era necessário uma dupla de artistas que entendessem as interrogações dos borbulhantes sentimentos. Isso acontece. O elenco é fabuloso, Greta Lee e Teo Yoo se completam em cena elevando a qualidade do projeto.

Tendo a força do destino como algo inalcançável, como é na realidade, seja pelas ruas de Nova Iorque ou de qualquer cidade do mundo, Vidas Passadas deixa enormes lições sobre algumas verdades do viver.


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21/12/2023

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Crítica do filme: 'Maestro'


O desgaste de se amar alguém que não se ama e não se aceita. Um dos mais badalados filmes de 2023 finalmente chegou ao catálogo a Netflix nos trazendo a história de amor entre um brilhante, requisitado talento musical e uma atriz chilena. Cinebiografia do grande músico Leonard Bernstein, Maestro aborda a sexualidade do protagonista como tema central para a construção de uma relação modelada ao longo do tempo, com idas e vindas na incerteza, com uma pergunta que parece constante: Será que ela pode sobreviver ao seu lado com o que ele pode lhe dar?


O preto e branco e logo após a chegada das cores, transformam a narrativa em uma jornada de fortes emoções mesmo as peças se embaralhando de forma sonolenta, com um discurso redundante, e nos levando para um caminho muitas vezes sem brilho onde se sustenta na atuação simplesmente magistral da atriz britânica Carey Mulligan e uma fotografia sublime.


Na trama, conhecemos Leonard Bernstein (Bradley Cooper), um nova iorquino, nascido em 1918 que viria a ser um dos maiores talentos que o mundo da música já viu. Em meados da década de 40, conhece um dos grandes amores de sua vida, a atriz chilena Felicia Montealegre (Carey Mulligan) com quem tem um casamento tumultuado de quase 30 anos. Acostumados com aplausos, ela atriz, ele um renomado maestro, a desconstrução da poesia desse amor é duramente abalado pelas puladas de cercas de Leonard com outros homens.


É importante um pequeno contexto para a experiência ser mais completa, algo que o filme não introduz com muitos detalhes. Nova iorquino, formado em Harvard, viu o estrelato chegar logo aos vinte e poucos anos. Depois, já estabelecido como o primeiro grande maestro norte-americano com reconhecimento mundial, foi responsável pela música do famoso musical West Side Story e o filme protagonizado por Marlon Brando, Sindicato de Ladrões.


Produzido por Spielberg e Scorsese, Maestro busca seu pontapé inicial, que logo se torna um alicerce, as poesias de todo o início de um grande amor. A primeira parte do filme, toda em Preto e Branco nos leva aos primeiros passos da relação conturbada entre os protagonistas, com as verdades logo sendo ditas mas depois parecem esquecidas, fato que leva a um discurso redundante em um enorme mais do mesmo de cerca de duas horas.


Mas a fotografia merece um belo destaque para suas inúmeras interpretações. O preto e branco remetendo ao passado entrega um sentido também de paralisia das emoções, transformando a intensidade em algo constante, também marcante. As cores chegam e os problemas conjugais vão se afunilando em torno de um mesmo tema.


Dirigido, roteirizado e protagonizado por Bradley Cooper, o maior destaque do filme é a atuação simplesmente magistral da atriz britânica Carey Mulligan. O êxtase de todo o início, com uma vida profissional intensa, dedicada ao seu ofício, mira o protagonista de menção no título mas acerta nas profundas questões que caminha sua esposa. Entre suas criações, conhecidas sinfonias, balés, óperas. Esse compositor, maestro, pianista é resumido a um retrato pela sua insensibilidade e sua escolha em nunca se aceitar.



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04/11/2023

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Crítica do filme: 'Nyad'


É preciso saber lidar com o fracasso para se chegar ao objetivo. Contando uma incrível história real de uma experiente especialista em maratona aquática já na casa dos 60 anos que vai atrás do seu último grande objetivo no esporte que abraçou. Nyad, dirigido pela dupla Jimmy Chin e Elizabeth Chai Vasarhelyi, diretores também do incrível documentário Free Solo (vejam, tem na Disney Plus), aborda também os traumas do passado da atleta, muitos desses ligados aos abusos que sofreu de um ex-treinador quando ainda era uma iniciante na natação. Não acreditando em qualquer limitação, principalmente as impostas, Diana luta contra as variáveis  tempo, o desgaste emocional, exaustão, tubarões, arraias mostrando que o possível está dentro de nós.


Na trama, conhecemos Diana Nyad (Annette Bening) uma esportista conhecida por toda a américa que algumas décadas atrás tentou uma façanha até então que outros também não conseguiram. O tempo passou, afastada das piscinas por muito tempo, virou comentarista de uma emissora de televisão. Certo dia, volta a buscar realizar o objetivo mencionado de décadas atrás, percorrer nadando mais de 160 quilômetros, entre Cuba e a Flórida, uma travessia repleta de perigos bem mais impossível do que possível. Ao lado da inseparável amiga e técnica Bonnie (Jodie Foster) e de uma equipe super gabaritada, Diana precisará treinar o corpo e combater os conflitos emocionais provocados por traumas do passado em busca desse incrível objetivo.


Não é fácil pegar uma história conhecida, com uma protagonista que é uma personalidade do esporte norte-americano e transformar em cinema.  Mais de 160 quilômetros, entre Cuba e a Flórida, uma natação em mar aberto, repleto de perigos. O roteiro é cirúrgico ao contornar para sua narrativa a seguinte questão: O que leva alguém a esse feito? Buscando responder essa resposta através dos conflitos emocionais, ligados à traumas que a seguem durante toda uma vida, também sem deixar de mostrar a personalidade forte da protagonista muitas vezes egoísta, beirando a arrogância em muitos momentos, o longa-metragem que estreou na Netflix Brasil nesse início de novembro caminha para a desconstrução de um ícone do esportes aquáticos, uma mulher que pelo seu objetivo inspirou outros tantos.


Extremamente bem filmado, parece que estamos ali ao lado da nadadora o tempo todo sem nunca ser maçante, fruto de um brilhantismo dupla Jimmy Chin e Elizabeth Chai Vasarhely em seu primeiro projeto de ficção mas com uma experiência gigantesca em mostrar outros lados de intensos desafios, como no já mencionado Free Solo e em outros trabalhos com o selo National Geographic. Vale o destaque também para todo o elenco, em especial a maravilhosa Annette Bening que brilha intensamente num papel bem difícil.



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07/10/2023

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Crítica do filme: 'Perfect Days' (Festival do Rio 2023)


A arte de contemplar o momento, vivendo. Indicado do Japão ao próximo Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, o novo trabalho do aclamado cineasta alemão Wim Wenders, Perfect Days é uma jornada atenta aos detalhes que percorre o curioso recorte sobre um homem de poucas palavras, que contempla o momento na sua forma mais simples, chegando no olhar para o outro em meio as verdades do cotidiano. Uma empolgante trilha sonora aparece como algo complementar e nos momentos de reflexões também embarcamos nessa caminhada que vai ficar marcada em muitas memórias. Um primoroso trabalho de direção e uma atuação de um protagonista impecável.


Na trama, conhecemos Hirayama (Kôji Yakusho) um homem metódico, de uma simplicidade notável, que trabalha limpando banheiros públicos em uma tóquio atual. Avesso à tecnologia na contramão dos agitos de um Japão pulsante nesse sentido, seu cotidiano é regado por seu gosto por fotografia, leitura e música (com direito a uma bela coleção de fitas k7). Será ele um ser humano estacionado no tempo? Qual será sua história até ali? Alguns personagens que surgem em sua vida vão começando a remexer lembranças, encostando no seu passado.


As verdades do cotidiano as vezes são o que precisamos ter. Filmado em 17 dias e vencedor do Prêmio de Melhor Ator no Festival de Cannes desse ano, o longa-metragem de cativantes duas horas de projeção nos leva para uma análise profunda sobre uma bolha criada por uma pessoa que conseguiu se desprender de seu passado mas sem o esquecer. Será isso uma proteção? Talvez fruto de um vazio emocional? Um trauma? As perguntas são diversas nos levando da simplicidade para as inúmeras teorias sobre alguns porquês nos fazendo enxergar paralelos com a realidade.


O protagonista é intrigante. Ele contempla o momento, ele observa tudo atentamente. Sua quebra de rotina chega no caos emocional que se instaura quando lembranças de outros tempos (não apresentadas por completo) voltam como um raio, gerando um certo instante de instabilidade e desequilíbrio. Kôji Yakusho fala com o olhar, emociona num pequeno gesto, uma atuação para a galeria das melhores das últimas décadas.


O engraçado é que o espectador também encontra momentos de pausas para seu refletir. A narrativa não se desencontra do dinamismo, associa o passado ao presente, reflexões sobre a imagem, o movimento. Ainda por cima, temos canções na trilha sonora que são dicas para tudo que vemos, que sentimos. Perfect Days beira ao brilhantismo, do sorriso à angústia, num acordar e recomeçar tudo outra vez.



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19/07/2023

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Critica do filme: 'Oppenheimer'


Como resumir uma história complexa que envolve sentimentos conflitantes e brilhantismo em paralelo a impactantes poderes dentro de um cenário bélico mundial que se estende até os dias atuais? O novo trabalho do cineasta britânico Christopher Nolan, baseado no livro vencedor do Pulitzer, American Prometheus, uma biografia de J. Robert Oppenheimer escrito pela dupla Kai Bird e Martin J. Sherwin, explora com maestria o uso das possibilidades de uma narrativa, buscando em detalhes chaves os elos para contar uma história de brilhantismo e caos emocional que influenciou poderes que vemos até hoje na geopolítica mundial. Sem adotar o tão batido CGI (imagens geradas por computador), o filme mais longo da carreira de Nolan, com 180 minutos, nos mostra de forma impactante a vida, os romances, os fundamentais encontros, sua relação conturbada com o governo americano, as decisões polêmicas do ‘pai da bomba atômica’.


Na trama, em meio a passagens de tempo, voltamos até o início do século XX, onde um prodígio aluno do curso de química da prestigiada universidade de Harvard, J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy) daria seus primeiros passos rumo a física teórica, viajando pelos principais centros de estudos do tema, conhecendo nomes depois renomados da ciência, até chegar ao comando do ‘Projeto Manhattan’ encarregado de desenvolver armas de destruição em massa, no laboratório de Los Alamos, e onde foi criada as famosos bombas atômicas que atingiram Hiroshima e Nagazaki já no final da segunda guerra mundial. Em paralelo a isso, vamos conhecendo também sua vida pessoal, repleta de amores, traições, problemas nos relacionamentos interpessoais, e seus embates com a política norte-americana, muito por conta dos tempos em que foi considerado comunista, inclusive o filme retrata o tempo em que foi vítima da caça às bruxas durante o Macartismo.


Nesse segundo filme onde Nolan encontra um recorte para sua narrativa dentro do cenário caótico da segunda guerra mundial (o outro foi Dunkirk), passamos a refletir sobre por boa parte de um dos períodos mais conflitantes da história norte-americana, próximo do fim da segunda guerra mundial, com a não acenada dos japoneses em se renderem. Mas antes de encontrar esse ponto da história, vamos percorrendo a vida de estudos e descobertas do personagem título, um homem que parecia uma chaminé ambulante que se dedicava de forma integral ao seu trabalho. O lado psicológico aqui também ganha destaque, o protagonista se vê em um quadros depressivos constantes e ao longo de sua trajetória foi se aproximando dos movimentos políticos pelo mundo principalmente depois dos impactos do nazismo e fascismo. Ele se associou ao partido comunista nos Estados Unidos, apoiou greves, ajudou amigos cientistas a saírem de uma Europa em chamas, entre outras ações, algumas delas são relatadas no filme.


Mecânica quântica, física nuclear... O fisiquês aqui é mostrado de forma bem didática, objetiva, um caminho inteligente para uma narrativa que quer trazer o refletir para o máximo de pessoas possíveis. Desde a descoberta do Neutron até a concepção de uma bomba com poder de várias, períodos que acabam andando em paralelo a vida de Oppenheimer, contar essa história do início ao fim acaba sendo um dos grandes desafios da produção. Um fato curioso, é que Nolan ligou o sinal positivo de realizar essa obra, entre outros pontos, quando recebeu de presente um livro sobre a vida de Oppenheimer dado a ele pelo ator Robert Pattinson.


Com um elenco estelar, com nomes como: Robert Downey Jr, Emily Blunt, Florence Pugh, Matt Damon, e claro, Cillian Murphy , Oppenheimer é mais uma obra-prima de um diretor que usa da inteligência, da grande pesquisa, para ampliar a imersão do espectador dentro de uma sala de cinema.

 

 

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