12/11/2020

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13 Filmes sobre Pais e Filhos - Parte 2


Voltando para essa segunda parte desse especial que não deixa de ser para mim uma grande jornada em busca de respostas (ou até mesmo mais perguntas) sobre relacionamentos entre pais e filhos. Na lista abaixo são mais 13 filmes. Tem produções da Sérvia, Japão, França, Estados Unidos, Suécia, Argentina e México, um pouco de cada cultura, um pouco de muitos conflitos que se resolvem cada um a sua forma deixando para nós espectadores momentos de reflexões assim que sobem os créditos finais.

 

Sonata de Outono

Você se importa com alguém além de você? Conversas profundas que viram análises sobre a fé, vivência, experiência de um passado conturbado, Sonata de Outono, escrito e dirigido pelo cineasta sueco Ingmar Bergman é um algoritmo de emoções tão rico e brilhante em detalhes. Não deixa de ser objetivo, preparando o terreno para angustiantes cenas de desabafos e mágoas de um passado que não volta mais. Para mostrar um retrato de uma mãe em conflito com suas escolhas e uma filha que precisa desabafar sobre suas dores, duas artistas entregam emoção e alma em cena, atuações magistrais de Ingrid Bergman e Liv Ullmann.


Na trama, conhecemos Charlotte (Ingrid Bergman), uma pianista de sucesso que durante anos deixou de acompanhar a vida presente de sua família em troca de uma excelência da arte musical. Já em fim de carreira, é convidada por sua filha Eva (Liv Ullmann), uma mulher deprimida e com mágoas do passado, para passar uns dias em sua casa. Com a chegada de Charlotte, prelúdios juntam dores do passado com um conflito logo à frente.


Tudo que tinha vida, você tentou sufocar. Há uma guerra fria embutida nos passos iniciais dos arcos que abrem essa obra-prima mas logo somos colocados em uma zona de conflitos emocionais, um ataque e defesa com argumentos sólidos. A dona de todas as palavras dentro de casa contra o olhar de uma infância prejudicada pela distância de sua mãe. Somos colocados quase dentro de cena, vários momentos sobre mãe e filha, resistentes de um passado nunca esquecido, magoado, jogados à mesa de forma dura. A infelicidade de uma, era a infelicidade da outra, como se o cordão umbilical nunca tivesse sido cortado.


Sonata de Outono, umas das obras que mais atingem o alvo quando pensamos em relacionamentos pais e filhos, é mais um filme maravilhoso desse genial cineasta que sabia como poucos expressar sentimentos dentro de uma dinâmica simples, porém, com uma objetividade que nos traz as verdades que andam pelo mundo. Que nem Chopin, emocional mas nunca enjoativo.

 

Los Lobos

Vocês são lobos fortes. Lobos fortes não choram. O abraço é um dos gestos mais importantes para expressarmos aquilo que não conseguimos dizer. Em seu segundo trabalho como diretor de longa-metragem, o cineasta Samuel Kishi nos traz um recorte de muitas famílias imigrantes, as poucas chances, atravessada pela ótica de duas crianças e as dificuldades encontradas pela chegada em outro país com sua mãe. Com o sonho de irem na Disney, os obstáculos chegam e há muito o que processar, somos testemunhas de um salto de fase no processo do amadurecimento, principalmente, de Max, o mais velho dos irmãos. Profundo e delicado, Los Lobos é um filme que gera inúmeras reflexões sobre o mundo lá fora.

 

Na trama, exibida no Festival de Berlim desse ano, conhecemos a batalhadora Lucía (Martha Reyes Arias), uma mexicana que chega sozinha como imigrante nos Estados Unidos junto com os dois filhos. Buscando um lugar para ficarem, de acordo com o pouco dinheiro que tem, acaba necessitada em conseguir um emprego e assim tem que deixar as duas crianças sozinhas no pequeno apartamento recém alugado. Utilizando a imaginação como ferramenta de passatempo, as crianças passam a criar uma visão do mundo através dos obstáculos da saudade que os segue.

 

Uma mãe, dois filhos. O filme detalhista em emoções, intimista, busca mostrar a relação de carinho entre esses três. Partindo do princípio que é um recorte de muitas famílias imigrantes, o projeto busca algum sentido dentro da relação entre pais e filhos não só através dos personagens principais mas também de muitos que os cercam. O ritmo é lento mas quem conseguir se segurar na cadeira é premiado com arcos finais maravilhosos quando os irmãos abrem a porta da rua e descobrem os personagens de sua vizinhança.

 

Kramer vs Kramer

Até onde vai o amor dos pais por seus filhos? Dirigido pelo cineasta Robert Benton, com roteiro do mesmo baseado no livro homônimo do romancista Avery CormanKramer vs Kramer é um filme do final da década de 70, porém, tão atemporal que até assusta quando encontramos diversas analogias aos dias de hoje. Um retrato comovente de uma família que abruptamente é desfeita levando a uma batalha nada sensível no tribunal pela custódia de do filho de 8 anos. Um filme sobre os valores da família e as lições que o amor pode nos dar. Vencedor de 5 Oscars.

 

Na trama, conhecemos o casal Ted (Dustin Hoffman) e Joanna (Meryl Streep) pais do pequeno Billy que de um dia para noite, a segunda resolve ir embora abandonando sua família durante meses sem nunca entrar em contato. Assim, durante esse complicado período, Ted, um profissional da arte das criações publicitárias, em busca de altos cargos, precisará lidar com o fato de ter que criar o filho sozinho. Cada dia acaba se tornando um grande aprendizado até o momento onde Joanna de repente volta e entrando na justiça pela guarda de Billy.

 

Há muitos pontos a se analisar nessa grande obra. O papel do pai, a quebra de hipocrisia nas questões legais e nas informações sobre a guarda, dentro da tendência dos tribunais em dar a guarda para as mães. O filme mostra Joanna como a grande vilã da história mesmo que através dos olhos conscientes de Ted entendamos que o abandono dela fora uma junção de situações que vamos deduzindo aos poucos pois o abre alas já é com ela indo embora.  

 

O filme se constrói pela ótica do pai esforçado que precisa entender as rotinas diárias de seu filho e o que acabando o levando a uma transformação que influencia seu emprego e de certo modo a visão que ele tem do mundo. É um trabalho emocionante do excelente elenco em um tema tão bom de sentar e discutir.

 

Mães de Verdade

Mesmo não tendo luz nos meus olhos, vou te encontrar onde estiver. Um incrível e puro relato sobre mães e as escolhas que fazemos ao longo de nossas vidas, uma das maneiras de enxergarmos esse belíssimo trabalho de Naomi Kawase é dessa forma, mas só quem é mãe pode sentir toda a força desse filme. Asa ga Kuru, no original, é um poderoso e envolvente drama alinhado por uma perfeita harmonia de duas óticas, reunidas por um emblemático ponto de interseção. Há uma melancolia quase indecifrável, como se a emoção transbordasse buscando deixar tudo um pouco mais interpretativo para o espectador. A condução da direção de Kawase é uma das mais belas dos cineastas atuais.

 

Na trama, conhecemos Satoko (Hiromi Nagasaku) e Kiyokazu (Arata Iura), um apaixonado casal, com ótima condição financeira que vivem seus dias na busca de ampliar sua família. Porém, quando descobrem que um deles é impossibilitado de terem biologicamente um bebê, resolvem procurar uma agência de adoção. Ouvindo relatos de todos os lados, dúvidas, incertezas e as condições para adotar batem o martelo e assim conseguem um recém nascido para adotar. O tempo passa e uma situação acontece: a mãe biológica da criança os procura. Assim embarcamos em uma história com dois lados. 

 

Exibido nos festivais de Toronto e San Sebastián, Mães de Verdade mostra os dois lados de uma adoção: os dramas, conflitos e escolhas. Consegue ser delicado e sensível para tratar desse tema complicado.  Há uma sutileza e respeito enormes para contar essa história sobre duas mulheres que representam muitas outras. O roteiro, baseado na obra homônima de Mizuki Tsujimura, é profundo e consegue passar ao público, ao longo dos 140 minutos de projeção uma metáfora linda entre as forças da natureza e as emoções.

 

Valentin

A vida, desde sempre, é uma eterna arte do sonhar. Escrito e dirigido pelo cineasta Alejandro AgrestiValentin, película argentina lançada no ano de 2002 é um drama profundo com pitadas cômicas por todos os lados. Busca na leveza e simpatia conversar com o espectador sobre um tema muito duro que é a falta de responsabilidade de pais e o olhar de uma criança para esse mundo tão cruel.  A chegada do K7, a morte de Guevara, estamos no final da década de 60 e o fantástico mundo da lua do protagonista é ativado para lutar contra as tristezas que afetam seu lindo e carinhoso coração.

 

Na trama, conhecemos Valentin, um menino de 8 anos, muito maduro para sua idade, garoto sonhador, solitário, que possui um desejo enorme de astronauta quando crescer. Mora com a avó faladeira (Carmen Maura), sente uma tremenda saudade de sua mãe, vê pouco o pai distante e sonha em ter uma nova mãe. Certo dia, seu pai o apresenta a uma nova namorada, Leticia (Julieta Cardinali) e Valentin acredita que essa com certeza será a sua nova mãe.

 

Quão imaginativo podemos ser? A falta da presença do pai e da mãe faz a pequena cabecinha brilhante de Valetin ter uma lacuna, uma carência, preenchida pela avó, pelo tio, pelo amigo vizinho pianista e por Letícia. Mas seus objetivos quase sempre não dão resultado mesmo assim ele não perde a vontade de tentar novamente, como todo bom sonhador. A história de Valentin é um paralelo lindo com a realidade desse mundão aqui de fora, dos que crescem acreditando nos seus sonhos e porque não também mostrar que obstáculos existem mas que nada é mais forte que um coração sonhador.

 

 

Otac

O amor dos pais é a coisa mais importante para as crianças. Com um background de um desesperado pai lutando para conviver novamente com os filhos e abordando um dramático retrato social e político de um país completamente desconhecido em suas estruturas por muitos de nós, Otac, longa-metragem sérvio escrito (também por Ognjen Svilicic) e dirigido pelo cineasta Srdan Golubovic é uma baita pancada em nosso estômago. Em linhas profundas o filme aprofunda assuntos como o desemprego, o papel da lei na figura associada ao serviço social, a corrupção, o papel da imprensa. Um filme duro como muitas realidades do lado de cá da telona.

 

Na trama, com um abre alas impactante, conhecemos o desempregado Nicola (Goran Bogdan) um homem de poucas palavras, que vive de bicos. Após um desesperado ato de sua esposa, tendo os seus dois filhos, um menino e uma menina, de testemunha, acaba embarcando rumo a uma desesperante luta (quase silenciosa) contra as leis de sua cidade e os absurdos da corrupção que assola a lei da região. Com os filhos tirados dele, resolve ir até a maior cidade da Sérvia, Belgrado, a pé, para contestar a sentença que recebera.

 

Os interesses, a corrupção... onde estão os limites da lei? Dor e sofrimento por todos os lados. O longo caminho percorrido por Nicola é árduo, cansativo e muito dramático. Há contrapontos por todo o trajeto que acabam de alguma forma refletindo em sua história atrás de uma solução difícil perante uma burocracia boboca que infelizmente existe em qualquer lugar do mundo. A fé o encontra mas adere ao positivismo como forma de seguir em frente, o ato final é primoroso contextualiza tudo que foi mostrado ao longo das quase duas horas de projeção. Nas lições que aprendemos, uma é a mais cruel: homens de bom coração também sofrem.

 

 

The Day After i’m Gone

O que fazer quando se deparar com a idade da ingratidão? Existe mesmo essa questão? As desgraças da distância na comunicação entre pais e filhos é o tema central do longa-metragem de Israel The Day After i’m GoneSelecionado para o Festival de Berlim em 2019, usa com eficácia as pausas reflexivas do protagonista para dizer muito sobre relacionamentos. Direto e reto, o filme desde seu primeiro arco se torna uma batalha difícil de um pai em busca de entender melhor sua filha. É uma desconstrução (e depois construção) bastante comovente. Belo trabalho do cineasta israelense Nimrod Eldar (debutante em longas-metragens), que dirige e assina o roteiro desse filme.



Na trama, conhecemos o cirurgião veterinário Yoram (Menashe Noy), um homem de meia idade, sério e comprometido com seu trabalho. Quando sua filha Roni (Zohar Meidan) tenta o suicídio, ele precisa buscar ajuda aonde pode para voltar a ter diálogos com ela. Tentando ouvir todos que giram ao seu redor, Yoram embarca em uma viagem de autoconhecimento, quebrando paradigmas existentes em suas geladas e magoadas emoções.

 

Nada melhor define (com direito a cena inicial e perto do desfecho) esse trabalho como uma investigação, sobe a tal da roda gigante das emoções. Diálogos profundos sobre a vida, emoções, mostrando um recorte na relação de pai x filha. Há uma grande busca pela interseção, algum ponto onde os dois se encontram para poderem desenvolver. É emocionante de uma maneira bem profunda e quieta a busca desse atormentado pai. Mesmo oscilando em um ritmo muito estático, quase dizendo ao espectador onde são seus momentos para reflexão, The Day After i’m Gone é um filme que todo o psicólogo e psiquiatra deveria assistir para até mesmo debater sobre esse importante tema. Um bom primeiro filme do debutante Nimrod Eldar.

 

 

Canastra Suja

Quando em momentos de conflito não existe nem uma alma estranha para aconselhar. Escrito e dirigido por Caio SóhCanastra Suja é um drama, um retrato nu e cru de uma família recheada de problemas, onde muitos se blindam na dependência alcoólica do pai, Batista, interpretado pelo ótimo Marco Ricca. Impressiona a capacidade do roteiro em prender o espectador. Talvez pelos ‘plot twist’ existentes, talvez pela curiosidade do olhar do público em saber qual o final de cada personagem. É um filme sobre família, seus problemas, seu cotidiano. Cada personagem é uma peça nesse tabuleiro. A eminência da tragédia é algo que percorre todos os intensos 120 minutos de projeção.

 

Batista (Marco Ricca) e Maria (Adriana Esteves) são casados e são pais de três filhos: Emília (Bianca Bin), Ritinha (Cacá Ottoni) e Pedro (Pedro Nercessian). Eles levam uma vida de aparências, regados de problemas do cotidiano, muito por conta do fato de Batista ser um alcoólatra. Sem confiança de ninguém de sua família, o pai desconta toda sua raiva e frustrações da vida bebendo e no relacionamento repleto de dificuldades com o filho. Alguns acontecimentos surpreendentes vão contornar essa história.

 

As reviravoltas do roteiro são importantes para o ritmo da trama, vamos aos poucos vendo faces ocultas dos personagens que causam surpresa e mudam nossa ótica sobre eles. Cartas de baralho definem arcos. Extremamente complexos individualmente, completamente desalinhados como família, Canastra Suja apresenta um leque de portas se abrindo ao mesmo tempo que muitas outras se fecham. O olhar para o futuro com alegria vai virando um pequeno feixe de luz na porta mais distância que conseguimos enxergar.

 

As subtramas são muito bem elaboradas, exploram as características de cada personagem. Os dramas tomam camadas densas e profundas. Muitos personagens parecem estar no limite. Pedro usa os problemas do pai como justificativa para sua falta de rumo na vida, colocando-o sempre em evidência. Emília  é um epicentro importante da família. Parece que todas as variáveis passam por ela, possui um papel de equilíbrio, pelo cuidado que tem pela irmã Ritinha. Namora Tatu (David Junior), mas também gosta do seu chefe dentista. A partir do segundo arco, conhecemos um pouco mais a fundo a dama do baralho, que parece esconder segredos, sonhos e objetivos, Maria, a mãe. Quando a família volta do trabalho, seu papel permanece como outra vertente de equilíbrio, principalmente na relação conturbada entre o filho e o marido. A batalha entre pai e filho percorre todos os arcos. Um coloca no outro a culpa pelos seus problemas. Batista é um pai rígido mas não consegue se livrar de seus fantasmas com a bebida, o que coloca em xeque todo o respeito que os outros poderiam ter por ele.

 

A bela apresentação inicial, ao melhor estilo teatral, onde a câmera passa pelos personagens já indicava um certo tipo de ciclo que veríamos, talvez com uma redenção, talvez com esclarecimentos sobre os futuros dos personagens. Canastra Suja é um trabalho sólido e surpreendente.

 

 

O Filho de Jean

 

As surpresas da vida que renovam nossa maneira de ver o mundo. Indicado em duas categorias (Melhor ator e Melhor ator coadjuvante) no César - o Oscar Francês, o fabuloso O Filho de Jean, absurdamente nunca teve chances no circuito exibidor brasileiro, nada mais é do que um homem em busca de preencher lacunas em branco sobre seu pai que nunca conhecera. O inusitado é figura presente nessa surpreendente trama que tem nos pontos altos as magníficas atuações de Pierre Deladonchamps (Um Estranho no Lago) e Gabriel Arcand (O Declínio do Império Americano).

 

Na trama, conhecemos o tímido e inteligente Mathieu (Pierre Deladonchamps), um homem que vive uma vida pacata na capital francesa. Divorciado, possui uma relação excelente com a ex-mulher e juntos cuidam do filho Valentin. Certo dia, uma coisa inusitada acontece, Mathieu recebe uma ligação dizendo que seu pai que nunca conhecera faleceu. Assim, parte em busca de conhecer mais sobre sua história indo até o local onde morou seu pai, no Canadá. Chegando lá, seu contato é Pierre (Gabriel Arcand), grande amigo de seu pai que o ajuda bastante nessa jornada reveladora e surpreendente.

 

Essa pequena obra-prima francesa é um daqueles trabalhos que grudam em nosso coração de maneira avassaladora. O roteiro é muito bem construído, parte da construção da personalidade do protagonista, sua maneira de pensar e seu redescobrimento como pessoa durante uma viagem curta mas que muda a vida dele para sempre. Muito bem resolvido na vida, Mathieu é um trabalhador que nunca soube de seu pai, uma das poucas lacunas em aberto na sua vida. O mais legal disso tudo é que a competente direção faz como se fosse um presente ao espectador de ser testemunha ocular de todas as descobertas que o personagem principal faz sobre sua vida.

 

O papel de Pierre nessa história é a cereja do bolo que todo filme busca ter para ter mais proximidade com seu público. Uma amargura doce sai de todas as lições de vida que passa para Mathieu, entendemos melhor esse grandíssimo personagem ao longo dos 98 minutos de projeção. As lições que os personagens aprendem, ficam de relíquia para nossos corações jamais esquecerem que o destino prega peças surpreendentes em nossas trajetórias e que ao abrir uma porta, um mar de possibilidades marcantes podem acontecer. Mas só se abrirmos essa porta.

 

 

Waves

Como lidar com os abalos emocionais que preenchem as lacunas do nosso interior? Como começar a escrever sobre um dos filmes mais impactantes que você verá (ou já viu) nos últimos anos? Waves é a reunião de um excepcional roteiro, uma direção impecável e atuações que farão você estar em todos os lugares como testemunha ocular desse belíssimo filme escrito e dirigido pelo cineasta Trey Edward Shults (Ao Cair da Noite). Ao longo dos 135 minutos, dando a impressão de ter duas partes profundamente intercaladas, como se fossem um lado A e labo B daqueles vinis antigos, Waves conquista os corações cinéfilos de maneira arrebatadora. Magnífica obra-prima.

 

Na trama, conhecemos Tyler (Kelvin Harrison Jr.), um jovem estudante por volta dos 18 anos que faz parte da equipe do colégio de lutas e vive uma bela vida ao lado de sua madrasta Catharine (Renée Elise Goldsberry), seu pai Ronald (Sterling K. Brown) e sua irmã Emily (Taylor Russell). Extremamente pressionado aos seus treinos e em ser o melhor pelo seu pai, Tyler vive um grande conflito interno quando recebe a notícia de que sua namorada está grávida e vai ficar com o bebê. A partir dessa situação se desenrola fatos que vão marcar para sempre a vida do jovem e também de sua irmã que precisará ter forças para lutar contra pensamentos do seu passado para seguir em frente e tentar encontrar a tão sonhada felicidade.

 

Profundo, impactante e inesquecível. Cheio de metáforas, câmeras que giram 360 graus, olhares que falam mais de mil palavras, indo fundo sobre os atos e consequências dos mesmos, somos testemunhas de uma tragédia familiar vista por alguns ângulos que debruçam sobre a culpa e o inesperado. Quase um espelho da realidade do lado de cá da telona, vemos tudo que acontece, principalmente as transformações de uma família que parecia perfeita mas que muda toda sua rotina a partir de uma situação que influencia pra sempre o modo como cada um deles observa a vida.

 

O roteiro é primoroso, duas partes que nos fazem pensar sobre a vida, preenche todos seus arcos com uma profundidade extensa além de uma carga emocional gigante. Os artistas estão excelente, um melhor que o outro, mesmo que Sterling K. Brown e Taylor Russell roubem as cenas em diversos momentos. Merecem o Oscar os dois. A direção é dinâmica, delicada que mete o dedo na ferida mostrando a dor de forma dura, como é do lado da realidade daqui de fora. Waves é um dos grandes filmes dos últimos anos.

 

 

Luce

Como prever um futuro perfeito já que a trajetória para se chegar até lá são repletas de surpresas e de individuais interpretações? Exibido no aclamado Festival de Sundance e deixando ótimas resenhas por onde tem sido exibido, Luce, baseado na peça teatral assinada pelo também roteirista do filme J.C. Lee e dirigido pelo cineasta nigeriano Julius Onah (O Paradoxo Cloverfield) é um poderoso drama com pitadas generosas de tensão onde somos recheados de argumentos para nos posicionarmos quanto as importantes questões que o filme aborda. Podemos afirmar que Luce é um dos filmes que mais trazem debates para o lado de cá da telona dos últimos anos, que absurdamente não foi exibido nos cinemas brasileiros.

 

Na trama, conhecemos Luce (Kelvin Harrison Jr. em ótima atuação), inteligente, atleta e aluno preferido de sua escola que fora adotado por seus pais, Peter (Tim Roth) e Amy (Naomi Watts), aos sete anos quando o país em que morava era caótico. Luce cresceu como americano, e se tornou brilhante. Mas tudo isso é colocado em xeque quando Harriet (Octavia Spencer) uma professora de história revela uma preocupação sobre uma redação feita por Luce, o que leva a família perfeita a conflitos onde vamos descobrindo aos poucos que nada acaba sendo perfeito.

 

Invasão de privacidade, trinca conflituosa entre professores, pais e alunos, o reconhecimento de que os problemas existem em um lar precisam ser resolvidos de alguma forma coerente. Luce preza pelo clima de tensão ao mais alto nível, tudo é desconfiança nesse filme. Um caminho legal para tentar entender tudo que é solto nas ações é enxergar pela ótica dos pais, ponto central da trama. Com a desconfiança da professora na mesa, Amy e Peter trocam nos papéis de defender ou buscar a verdade sobre seu perfeito filho. É um retrato bastante introspectivo de uma família, com atuações excelentes. A ótica da professora também é bastante impactante, a intimidação que é proposta de maneira nua e crua. Afinal, Luce é inocente? Ou longe disso? Belo filme!

 

Lady Bird

Escrito e dirigido pela atriz, roteirista e cineasta adorada pelos cinéfilos de todo o planeta, Greta Gerwig (Frances Ha), Lady Bird mostra os caminhos percorridos por uma jovem perto dos 18 anos que equilibra sua vida na linha tênue entre rebeldia e personalidade forte. O relacionamento conturbado com sua mãe fica no epicentro da história e nos brindam com interpretações inspiradas de Saoirse Ronan (Brooklyn) e Laurie Metcalf. Indicado a quatro prêmios no Globo de Ouro, Lady Bird também teve cinco indicações ao Oscar.

 

Na trama, conhecemos Christine McPherson (Saoirse Ronan), uma jovem que gosta de ser chamada de ‘Lady Bird’ e reside em sacramento com a família, que passa por dificuldades financeiras. Sua mãe, Marion (Laurie Metcalf), é uma esforçada enfermeira em uma clínica psiquiátrica, seu pai Larry (Tracy Letts) está desempregado e não consegue voltar ao mercado de trabalho. Lady Bird tem mais dois irmãos que trabalham para ajudar a família. Perto de concluir o ensino médio, a protagonista passa por experiências emblemáticas como a perda da virgindade, a escolha para qual faculdade vai, e novas amizades que chegam para preencher lacunas desconhecidas mas não necessariamente positivas em sua vida.

 

Adorado por centenas de cinéfilos mundo a fora que já tiveram a chance de conferir esse trabalho, Lady Bird realmente é um filme especial. Além de atuações marcantes, explora o conceito da juventude na pré era dos celulares (o filme é ambientado no início dos anos 2000) na visão de uma garota que possui um ar de liberdade mas sem saber direito como chegar aos seus objetivos. Os conflitos entre mãe e filha contornam boa parte dos 90 minutos de projeção e dão a sustentação emocional que a história precisa, um cirúrgico recorte que explica bastante sobre uma família e a visão de toda uma sociedade que os cerca.

 

Greta Gerwig volta a surpreender com um trabalho marcante. Impressiona a maneira como consegue criar universos de histórias que dizem tanto sobre o mundo de hoje, aproximando diversos tipos de público de suas criações. Lady Bird: É Hora de Voar, tirando a breguice que ficou esse subtítulo, o filme é uma delícia, algo para guardarmos em nossos corações cinéfilos. 

 

Pari

A dúvida é o preço a se pagar quando não enxergamos novos caminhos. Até onde você iria para encontrar um filho desaparecido? Co-produção Grécia, França, Holanda e Bulgária, Pari, resumidamente é uma incursão sob sentimentos, perda, dúvidas, tristes situações acopladas, abaladas, por uma falsa sensação de sabedoria sobre o mundo. Escrito e dirigido pelo cineasta iraniano Siamak Etemadi, acompanhamos uma dolorosa busca incessante pelo paradeiro do filho da protagonista que acaba sendo testemunha de diversas transformações, lutas e situações de um submundo num país com costumes diferentes do dela. Destaque para a grande atuação da atriz alemã/iraniana Melika Foroutan.


Na trama, acompanhamos a saga de Pari (Melika Foroutan), uma mulher iraniana de costumes rígidos que viaja com o marido Farrokh (Shahbaz Noshir) para a Grécia para se encontrar o filho. Chegando no destino, o filho não está lá para recebê-los, e assim, sem pistas nenhuma, com um inglês arranhado mas destemida, andando de manhã, tarde e noite, as dúvidas dão lugar as incertezas enquanto ao seu redor, uma cidade em constante transformação e luta se rebela.



Onde ele está ou o que houve com ele? Na trajetória da sofrida personagem principal, muitos dramas a aguardam pelo caminho, não somente o principal em descobrir o paradeiro do seu filho. Passando por situações nunca antes pensada, Pari é introduzida por meio de acontecimentos ou diálogos sobre a situação hoje dos imigrantes (um recorte europeu atual), a um movimento jovem anarquista, a questões de sobrevivência em um submundo sem escrúpulos. Aos poucos vai descobrindo que o universo é muito maior que a sua própria bolha. A cada nova saída que encontra percebemos a angústia de resolver logo a situação. A expressão no olhar da protagonista em cada momento de tensão é algo impactante.

 

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11/11/2020

Crítica do filme: 'Sonata de Outono' (*Revisão*)


Você se importa com alguém além de você? Conversas profundas que viram análises sobre a fé, vivência, experiência de um passado conturbado, Sonata de Outono, escrito e dirigido pelo cineasta sueco Ingmar Bergman é um algoritmo de emoções tão rico e brilhante em detalhes. Não deixa de ser objetivo, preparando o terreno para angustiantes cenas de desabafos e mágoas de um passado que não volta mais. Para mostrar um retrato de uma mãe em conflito com suas escolhas e uma filha que precisa desabafar sobre suas dores, duas artistas entregam emoção e alma em cena, atuações magistrais de Ingrid Bergman e Liv Ullmann.


Na trama, conhecemos Charlotte (Ingrid Bergman), uma pianista de sucesso que durante anos deixou de acompanhar a vida presente de sua família em troca de uma excelência da arte musical. Já em fim de carreira, é convidada por sua filha Eva (Liv Ullmann), uma mulher deprimida e com mágoas do passado, para passar uns dias em sua casa. Com a chegada de Charlotte, prelúdios juntam dores do passado com um conflito logo à frente.


Tudo que tinha vida, você tentou sufocar. Há uma guerra fria embutida nos passos iniciais dos arcos que abrem essa obra-prima mas logo somos colocados em uma zona de conflitos emocionais, um ataque e defesa com argumentos sólidos. A dona de todas as palavras dentro de casa contra o olhar de uma infância prejudicada pela distância de sua mãe. Somos colocados quase dentro de cena, vários momentos sobre mãe e filha, resistentes de um passado nunca esquecido, magoado, jogados à mesa de forma dura. A infelicidade de uma, era a infelicidade da outra, como se o cordão umbilical nunca tivesse sido cortado.


Sonata de Outono, umas das obras que mais atingem o alvo quando pensamos em relacionamentos pais e filhos, é mais um filme maravilhoso desse genial cineasta que sabia como poucos expressar sentimentos dentro de uma dinâmica simples, porém, com uma objetividade que nos traz as verdades que andam pelo mundo. Que nem Chopin, emocional mas nunca enjoativo.

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E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #172 - Paulo Fernando Góes


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, do Rio de Janeiro. Paulo Fernando Góes é o CEO da startup Quero Teatro, diretor de redação da Revista #INCITARTE, jurado do Prêmio Brasil Musical, produtor cultural e roteirista. Trabalhou para o canal GNT e teve espetáculos de sua autoria encenados pelo Brasil e em Portugal.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

A VIP do Kinoplex Rio Sul. Como bom taurino, adoro comer bem e lá tem umas pipocas com azeite trufado que são maravilhosas. Amo ver filme deitado naquelas poltronas que reclinam quase 180 graus e descalço. E depois ainda dou umas voltinhas no shopping.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Não lembro qual mas certamente foi um filme da Xuxa ou dos Trapalhões. E quando a gente é criança toda novidade encanta, né?

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Almodóvar, sempre. Ele não erra. Meu predito dele é A Pele que Habito.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Dias Melhores Virão. Traduz aquela esperança tola que sempre tivemos, que o Brasil é o país do futuro mas no fundo, no fundo, a gente sabe que não é. Somos corruptos nas entranhas, desde o Império, independe quem está no governo. Mas é bom quando o cinema engana a gente, leva a gente pra outro lugar melhor, faz a gente acreditar no impossível. E esse filme tem Marília Pêra e Rita Lee no elenco, vale conferir.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

É ser viciado nas viagens que os filmes proporcionam, é entrar em um trem sem saber onde vai dar, só pelo prazer da viagem. É ser curioso, ler os créditos no final, é evoluir através da sétima arte.

 

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Não, sinceramente não acredito.

 

7)  Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Jamais. Acredito que vão evoluir com a realidade virtual e aumentada. Os filmes devem ganhar experiências mais imersivas, quase como aqueles brinquedos simuladores da Disney. Já existe a tecnologia pra isso, o que não existe é roteirista escrevendo pra esse formato e salas adaptadas pra exibição. Quando isso acontecer, o cinema vai voltar a bombar. Pode escrever.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Pantaleão e as Visitadoras. Uma co-produção entre Espanha, Brasil e Peru. Ótima comédia.

 

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Sim. Quem já teve e está se sentindo seguro pra ir, que vá. Mantendo as regras de distanciamento e os protocolos preventivos, defendo a reabertura, sim.

 

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Péssima. Ou filmes muito autorais feito pra uma meia dúzia assistirem ou comédias que nada mais são que um episódio extendido de sitcom televisivo. Falta aquela categoria que é filme de arte mas que agrada também ao grande público, como Cidade de Deus, por exemplo.

 

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Selton Mello. Gosto da linguagem dele. Ele tem o cinema na veia.

 

 

12) Defina cinema com uma frase:

O cinema é a máquina do tempo onde entramos e observamos histórias como uma mosca curiosa.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Um sujeito fantasiado como Jason foi barrado numa sala do New York City Center porque o figurino tinha uma faca de plástico na mão. Tadinho, ele era fã e tinha ido ver Freddy vs Jason. O povo da sala gritava: "Fica! Fica! Fica!".

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

É a mais perfeita tradução da Bahia.

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Não, não precisa. Ele só precisa ter a verdade dele e saber executá-la.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Pra ser polêmico, vou citar um clássico que detestei: Terra em Transe.

 

17) Qual seu documentário preferido?

Edifício Master. Morei num prédio assim em Copacabana, por isso minha identificação com o filme. Mas adoro também o Michael Moore.

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?

Sim, principalmente em festivais ou estreias VIP, onde os envolvidos estão na plateia. Os americanos aplaudem em todos. Devíamos ter esse hábito pelo menos com os brasileiros. Nos filmes nacionais, as luzes não acendem antes de terminar os créditos para que você prestigie a equipe. Sempre leio os créditos.

 

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

A Outra Face. Amo!

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Adorocinema

Continue lendo... E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #172 - Paulo Fernando Góes

10/11/2020

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #171 - Daniel Corcino


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, de Natal. Daniel Corcino tem 24 anos, psicólogo, mestrando em Psicologia, amante das artes visuais (e cinéfilo por consequência). É um defensor do cinema brasileiro, mas acha que a maior beleza da 7ª arte é poder conhecer o cinema em toda a sua pluralidade (geográfica, histórica, temática, de gênero, etc). Em 2020, aproveitou a quarentena para realizar um projeto antigo: criou a PluriCine (Instagram @pluricine) no Instagram para falar sobre cinema a partir de seu ponto de vista.

 

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Primeiramente, gratidão por ter me convidado para esse projeto tão bacana. Parabéns pelo trabalho que tem realizado, Rafael! Estou feliz por estar compondo esse espaço ao lado dos demais entrevistados.

Então, Natal tem uma variedade baixa de cinemas, então é bem fácil de responder. Gosto de ir ao Cinépolis Natal Shopping, porque lá é praticamente o único lugar na cidade em que é possível assistir algumas estreias que não sejam produções hollywoodianas.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Eu não tenho uma história bonita e inspiradora sobre minha relação com o cinema, tudo meio que só começou quando eu estava no fim da adolescência. Quando tinha 17 anos, lembro que fiquei muito impactado de ter acompanhado a experiência de assistir Taxi Driver (1976) num projeto de filmes clássicos do Cinemark. Talvez exista alguma experiência anterior que não me lembre no momento, mas essa foi uma das primeiras que me marcaram mais.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Nunca consigo pensar em artista favorito ou arte favorita, porque cada obra passa uma mensagem específica num momento diferente da vida. E, dentre os filmes que gosto muito, não costumo hierarquizar entre as que seriam inferiores ou superiores, sabe?

Mas, para eu não deixar de responder, posso fazer uma escolha: Sete Anos em Maio (2019) do Affonso Uchôa. Acredito que Uchôa fez muito em pouco tempo de carreira e de fato acredito que ele ainda tem bastante a oferecer ao nosso cinema. Minha aposta é que ele seja o próximo Kleber Mendonça Filho.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e por quê?

Mais uma vez, te digo que não tenho um dentre aqueles filmes que aprecio muito. De qualquer forma, indico um: Martírio (2016). O motivo é muito simples: raramente um filme consegue ser tão necessário à sociedade quanto essa obra. Único, bem realizado, inesquecível, um filme-denúncia.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

É ampliar minha visão de mundo por meio da arte, conseguir entender quem sou a partir do encontro com múltiplas histórias e narrativas. É botar em prática minha empatia enquanto ser humano, estando aberto para todos os cinemas existentes na história e no mundo. Também é preencher minhas horas “livres” com algo que faz sentido em minha vida e que me faz sentir/refletir.

Além disso, para mim, ser cinéfilo não deveria se resumir a assistir muitos filmes comerciais como mero entretenimento, mas também o cinéfilo não deveria adotar uma postura de se encher de referências menos conhecidas para se sentir diferenciado, “cult”. Isto é, uma cinefilia que não seja acrítica e apolítica, nem elitista ou autocentrada. Tento explicitar essa minha posição cinéfila na prática pela forma como escrevo sobre cinema na PluriCine (@pluricine).

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Olha, o cinema é uma indústria, antes de tudo. Nesse sentido, são pessoas que entendem de cinema sim. Em resumo, creio que a programação é feita por quem entende de fazer dinheiro com o cinema.

 

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Sinceramente, acredito que não. Ir ao cinema não é só assistir filmes, é um evento muito social. Muita gente vai ao cinema mais pelo encontro com pessoas queridas do que pelo filme em si... Mesmo com o avanço do streaming, não vejo as salas de cinema desaparecendo. Por outro lado, o que deve diminuir são alguns empregos para profissionais do cinema devido ao avanço da automatização dos postos de trabalho.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

A Morte de um Burocrata (1966) de Tomás Gutiérrez Alea.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Se for por minha opinião, eu sou contrário à reabertura, pois, infelizmente, o cinema é um local muito propício à transmissão. Contudo, também não desconsidero os prejuízos financeiros enormes que essa situação tem trazido aos cinemas, então compreendo que haja reabertura. De qualquer forma, não pretendo frequentar esse espaço cultural nos próximos meses.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Na verdade, me empolgo bastante, porque sempre há boas e ótimas obras surgindo nos últimos anos. As duas décadas do cinema brasileiro que mais aprecio são as de 1960 e 2010. No caso dessa última, penso isso exatamente porque consigo enxergar vários avanços narrativos acontecendo. Só não sei o quanto o presente cenário político anticultural vai atrapalhar os avanços que ocorreram, tudo indica que vamos descer ladeira abaixo, com muito mais dificuldades de financiamento, etc.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

É para ser alguém vivo? Se não, diria Eduardo Coutinho. Se sim, diria Grace Passô.

 

12) Defina cinema com uma frase:

O cinema é uma ponte.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Me lembrei da experiência que tive pouquíssimo tempo antes do fechamento dos cinemas devido ao coronavírus. Assistir Uma Mulher Alta (2019) foi uma experiência inesquecível para mim por um motivo inusitado: gostei da obra e odiei a experiência de ver no cinema. Tinha pouca gente na sessão que estava, mas as poucas pessoas presentes demonstravam sonoramente o quão incomodadas estavam ao estar vendo aquele filme (era conversa, som de insatisfação com a boca, mudanças de local). Talvez fossem conservadores demais para sacar a ambiguidade e a profundidade do que estava sendo passado em tela.

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

Nunca assisti, acredita? Hahaha Prefiro não falar daquilo que não conheço.

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo? 

Sim. Um(a) diretor(a) de cinema que não seja cinéfil@, só consigo enxergar essa pessoa como alguém que possui um alto grau de esnobismo. Como não apreciar as maravilhas que estão sendo feitas na própria arte que é a sua profissão? Somente partindo do pressuposto de que não valeria gastar tempo com o trabalho artístico alheio.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida? 

Olha, poucas vezes um filme me ofendeu tão fortemente quanto Feios, Sujos e Malvados (1976) do Ettore Scola. Não sei se foi o pior, mas vou deixá-lo só pela raiva que passei ao assistir.

 

17) Qual seu documentário preferido? 

Se já citei o Martírio (2016) antes, posso dizer então O Fim e o Princípio (2005).

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?   

Lembro que eu e a plateia toda batemos palmas para Aquarius (2016).

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu? 

Provavelmente o que estou para assistir e ainda não vi: Mandy (2018).

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Nos últimos tempos, por estar produzindo conteúdo sobre cinema no Instagram, tenho acompanhado diversos perfis dentro dessa rede social. Como é de se esperar, tem muita gente trazendo conteúdos “mais do mesmo”, mas também há muita gente massa que vale a pena acompanhar. Geralmente, as que mais leio são aquelas que já indiquei em alguns posts lá da @pluricine.

Continue lendo... E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #171 - Daniel Corcino

09/11/2020

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #170 - Leonardo Dutra


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, de Pelotas. Léo Dutra tem 28 anos, cinéfilo desde os 5, gaúcho, eclético e fã de todos os gêneros, respira cinema e as experiências, viagens e lições que ele proporciona. Fundador do site Minha Visão do Cinema (Instagram @minhavisaodocinema), que é como um filho pra ele. Não vê um filme como um produto ou simples distração, mas como uma experiência pessoal, isso o ajuda a absorver o melhor de cada obra.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Aqui tem 2 cinemas que passam mais blockbusters e filmes populares mesmo, mas pela qualidade da sala e por às vezes diversificar mais a programação, especialmente com indicados ao Oscar e o Festival Varilux, seria a Cineflix. Mas o pequeno cinema de família Cineart me é muito querido, o fato de serem pequenos faz com que o atendimento deles seja especial.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Na verdade foi mais a experiência do 1° filme que vi no cinema em 1996, Independence Day, ali me tornei cinéfilo com 5 anos. Mas fugindo dos filmes populares, um pouco mais tarde e maduro, vi e me apaixonei por Beleza Americana, ali começou meu contato com um cinema mais maduro, reflexivo e belo.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Ah são tantos, posso citar Cinema Paradiso de Giuseppe Tornatore, A Lista de Schindler de Steven Spielberg, Psicose de Alfred Hitchcock. Mas Cinema Paradiso ecoa fundo na minha alma. Me vejo no personagem principal e o amor dele pelo cinema.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Central do Brasil é belíssimo e Fernanda Montenegro é uma força da natureza em cena.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

É amar o cinema como obra de arte e como parâmetro para a vida, é o refúgio dos problemas desse mundo que desaba em nossa volta, é ver a vida pela ótica da sétima arte e suas lições, porque assistir a grandes filmes e não absorver pra sua vida não é ser cinéfilo. O cinema e outras artes nos ensinam compaixão, amor, respeito por todas as formas de seres, mas também ensinam a lutar pela liberdade e se impor por aquilo que é certo. Respirar e viver o cinema é um aprendizado constante.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Não, infelizmente. Digo, os blockbusters e filmes de heróis e efeitos especiais cada vez mais lotam as salas pois são produtos de mercado que atrai as massas devido um atrativo marketing, e a maioria das redes de cinema compram essa ideia por questões financeiras. Mesmo que tais tipos de filmes tenham seu valor ou um ou outro seja de fato muito bom, essa preferência por aquilo que querem que você veja limita muito o acesso a outros filmes mais fundamentais que talvez você precise assistir e nem sabe. Vejo muito isso no público que só vê filme de ação e nunca sequer vê uma obra mais madura que aborde questões importantes como racismo ou críticas políticas, por exemplo.

 

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Não, mas vão diminuir muito, com certeza e infelizmente. A ascensão do streaming como Netflix e Amazon, mais todos os problemas atuais como crises financeiras e pandemias, falta de segurança, aumento da pobreza (nosso país é um navio afundando) e as bilheterias excessivas nos já citados filmes de heróis vai fazer com que se tenham menos cinemas e com menos opções, sendo possível assistir na tela grande somente aquelas obras mais esperadas. Filmes menores deverão chegar mesmo é no streaming, isso já está acontecendo na verdade.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Houve uma Vez um Verão (antes conhecido como Verão de 42), um esquecido drama de 1971 que fala sobre primeiro amor, sobre a passagem da infância pra adolescência, sobre amadurecimento e as primeiras perdas da vida. É um filme bem simples, mas a atmosfera e a trilha sonora dele tem algo que me marcou e emocionou, gostaria de ver mais pessoas conferindo essa pérola.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

É um assunto delicado, se a vacina, cura ou tratamento pro Covid demorar mais, será insustentável manter os negócios artísticos, um dos mais prejudicados com tudo isso, pois é uma das primeiras coisas que as pessoas cortam diante uma crise, então naturalmente os cinemas terão que reabrir conforme as ondas do vírus diminuírem. Mas ... minha resposta é não, a vida das pessoas deve vir primeiro, mesmo que hajam cortes na economia, que se perca dinheiro e não a vida. E é aí que entra algo que mencionei na pergunta 7, o streaming e outras forma de acesso à arte em casa são fundamentais nesses momentos, para que as pessoas tenham acesso à obra, mantendo assim sua sanidade, pois a arte alimenta muito o intelecto e o espírito, e isso ajuda em crises como essa. Porém isso requer que as produtoras, os cinemas e todos setores do audiovisual se adaptem, afinal são tempos de mudanças, isso é inegável.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Nos últimos anos o nosso cinema vinha numa crescente muito boa em quantidade e qualidade. Diversas boas obras como A Vida Invisível, Bacurau, Aquarius, 2 Coelhos, As Boas Maneiras, À Deriva e muitos outros foram produzidas. Porém temo que de agora em diante tenhamos uma regressão, por causa do terrível e caótico cenário político-social que nos encontramos, onde a cultura, arte e educação estão sendo congeladas e desmanchadas. Temo bastante pelo futuro. Aliás, me atrevo dizer que se esse desmanche continuar, não tenhamos um futuro promissor nesse quesito.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Wagner Moura é com certeza o que sempre acompanho. Mas temos Lázaro Ramos, Rodrigo Santoro e Fernanda Montenegro, que admiro muito.

 

12) Defina cinema com uma frase:

"Cinema: uma maneira de contar histórias, deixar um legado, recriar sonhos, por isso chama-se Sétima Arte." - É a frase tema do meu site.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

A sala estava lotada e uma turma numerosa não calava a boca. A correia do projetor arrebentou e demoraram um pouco pra consertarem. Os inquietos foram embora e nesse tempo consertaram a correia e pude assistir ao filme com a sala quase vazia, ficaram poucas pessoas quietinhas desfrutando do filme.

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

Tenho medo de assistir (risos)...

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Do ponto de vista comercial, não, basta fazer um trabalho ok e terá assim um filme genérico. Agora se você quer ser um diretor que tem algo pra contar e passar adiante, é fundamental ser cinéfilo. A maioria dos grandes diretores que conseguem passar emoção ou uma mensagem, seja de filmes de dramas, cults, independentes, até filmes populares, são cinéfilos, inclusive homenageando os clássicos. É algo que deveria ser fundamental, conhecer o básico, e o básico se aprende assistindo a muitos filmes, isso vem acima de cursos e faculdade ...

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Olha, eu tenho um dom de às vezes ver muito filme ruim em um período haha. De vários, vou pegar um bem recente que é péssimo: Cats. Um dos piores recentemente.

 

17) Qual seu documentário preferido?

Tá aí um estilo que ainda preciso me aprofundar mais. Não vi os clássicos e portanto não direi um preferido, mas dos recentes amei Atleta A, da Netflix, bem urgente na temática que denuncia abusos sexuais na academia de atletismo dos Estados Unidos.

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?

Aqui não se tem esse costume, mas recentemente minha esposa e eu começamos a fazer sempre que gostamos dos filmes, as outras pessoas nos olham estranho haha. Alguns: o recente Nasce Uma Estrela, La La Land, Coringa, Nós, Star Wars: Os Últimos Jedi são alguns.

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Não podias deixar o Cage de fora da festa né? Haha, seria Adaptação, do Spike Jonze e roteiro do Charlie Kaufman. Filme inteligente e o Cage está bem no papel.

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

O meu próprio, o Minha Visão do Cinema, fundei em 2011, mas é porque tenho uma equipe de 30 pessoas e leio todas matérias que eles postam. Acompanho notícias no Cinepop geralmente. 

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Crítica do filme: 'Los Lobos'


Vocês são lobos fortes. Lobos fortes não choram. O abraço é um dos gestos mais importantes para expressarmos aquilo que não conseguimos dizer. Em seu segundo trabalho como diretor de longa-metragem, o cineasta Samuel Kishi nos traz um recorte de muitas famílias imigrantes, as poucas chances, atravessada pela ótica de duas crianças e as dificuldades encontradas pela chegada em outro país com sua mãe. Com o sonho de irem na Disney, os obstáculos chegam e há muito o que processar, somos testemunhas de um salto de fase no processo do amadurecimento, principalmente, de Max, o mais velho dos irmãos. Profundo e delicado, Los Lobos é um filme que gera inúmeras reflexões sobre o mundo lá fora.


Na trama, exibida no Festival de Berlim desse ano, conhecemos a batalhadora Lucía (Martha Reyes Arias), uma mexicana que chega sozinha como imigrante nos Estados Unidos junto com os dois filhos. Buscando um lugar para ficarem, de acordo com o pouco dinheiro que tem, acaba necessitada em conseguir um emprego e assim tem que deixar as duas crianças sozinhas no pequeno apartamento recém alugado. Utilizando a imaginação como ferramenta de passatempo, as crianças passam a criar uma visão do mundo através dos obstáculos da saudade que os segue.


Uma mãe, dois filhos. O filme detalhista em emoções, intimista, busca mostrar a relação de carinho entre esses três. Partindo do princípio que é um recorte de muitas famílias imigrantes, o projeto busca algum sentido dentro da relação entre pais e filhos não só através dos personagens principais mas também de muitos que os cercam. O ritmo é lento mas quem conseguir se segurar na cadeira é premiado com arcos finais maravilhosos quando os irmãos abrem a porta da rua e descobrem os personagens de sua vizinhança.

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08/11/2020

Crítica do filme: 'Kramer vs Kramer' (*Revisão*)


Até onde vai o amor dos pais por seus filhos? Dirigido pelo cineasta Robert Benton, com roteiro do mesmo baseado no livro homônimo do romancista Avery Corman, Kramer vs Kramer é um filme do final da década de 70, porém, tão atemporal que até assusta quando encontramos diversas analogias aos dias de hoje. Um retrato comovente de uma família que abruptamente é desfeita levando a uma batalha nada sensível no tribunal pela custódia de do filho de 8 anos. Um filme sobre os valores da família e as lições que o amor pode nos dar. Vencedor de 5 Oscars.


Na trama, conhecemos o casal Ted (Dustin Hoffman) e Joanna (Meryl Streep) pais do pequeno Billy que de um dia para noite, a segunda resolve ir embora abandonando sua família durante meses sem nunca entrar em contato. Assim, durante esse complicado período, Ted, um profissional da arte das criações publicitárias, em busca de altos cargos, precisará lidar com o fato de ter que criar o filho sozinho. Cada dia acaba se tornando um grande aprendizado até o momento onde Joanna de repente volta e entrando na justiça pela guarda de Billy.


Há muitos pontos a se analisar nessa grande obra. O papel do pai, a quebra de hipocrisia nas questões legais e nas informações sobre a guarda, dentro da tendência dos tribunais em dar a guarda para as mães. O filme mostra Joanna como a grande vilã da história mesmo que através dos olhos conscientes de Ted entendamos que o abandono dela fora uma junção de situações que vamos deduzindo aos poucos pois o abre alas já é com ela indo embora.  

O filme se constrói pela ótica do pai esforçado que precisa entender as rotinas diárias de seu filho e o que acabando o levando a uma transformação que influencia seu emprego e de certo modo a visão que ele tem do mundo. É um trabalho emocionante do excelente elenco em um tema tão bom de sentar e discutir.

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E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #169 - Francisco Russo


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, nascido no Rio de Janeiro. Francisco Russo é jornalista e crítico de cinema, com ampla experiência em gerenciamento de equipe, cobertura de eventos, realização de entrevistas e produção de conteúdo em texto e vídeo. Fundador do AdoroCinema, o maior site de cinema e séries da internet brasileira, do qual foi editor-chefe por 19 anos. Integrante da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE) e da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro (ACCRJ).

 

Obs: querido irmão cinéfilo Francisco. Uma das pessoas mais legais de conversar sobre cinema do universo audiovisual brasileiro. Um dos criadores do maior de todos os portais de cinema, referência durante anos para milhares de cinéfilos pelo Brasil, e mundo a fora. Em uma das minhas primeiras cabines, no Espaço Itaú na praia de Botafogo, a mais de uma década atrás foi a primeira vez que falei com ele (nessa época eu nem sabia que ele era um dos criadores do Adorocinema). Sempre escutei palavras positivas dele e várias vezes foi ao Joia debater sobre os filmes em cartaz. Querido cinéfilo Francisco, continue sendo esse cara sensacional, criativo e querido por todos nós que amamos cinema. Em breve tomaremos aquele chopp e falaremos muito de cinema aí na Europa!

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Irei responder em relação ao Rio de Janeiro, cidade em que nasci e morei até janeiro deste ano. Das que estão em atividade, é impossível não destacar o Estação Botafogo, por motivos afetivos. Seja pela programação, pelo charme da ambientação, o corredor, o painel com Oscarito e Grande Othelo, as espreguiçadeiras perto da tela, a antiga locadora... Muito da minha cinefilia se formou ali, nas tantas descobertas que fiz. Gosto muito também do Odeon, mas por outros motivos: é o único remanescente das grandes salas de cinema que um dia existiram no Rio. Adoro o lustre central, o 2º andar, a tela gigante, a cortina abrindo, o gongo, ah o gongo! E melhorou bastante em relação a conforto, desde a última reforma. Pena que a programação já há algum tempo tenha se voltado para o circuitão básico, na época em que o cinema era administrado pelo Estação era bem mais interessante.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Não lembro qual foi o primeiro filme que vi, mas minha primeira experiência marcante não foi em um cinema e sim com fitas VHS. Era criança, devia ter uns 8 anos, e passei as férias de julho na casa de tios em Juiz de Fora. Não havia absolutamente nada a fazer e, para piorar, chovia sem parar. De tanto reclamar, um dia meu tio trouxe um filme de uma locadora: era um 007 estrelado pelo Sean Connery, não lembro qual. Vi e amei. No dia seguinte ele trouxe outro James Bond, também do Sean Connery - não por acaso, ele sempre foi meu 007 favorito! Foram duas semanas onde conheci Indiana Jones, a trilogia original de Star Wars, De Volta para o Futuro e tantos outros que me marcaram tanto. Este período é o que chamo de marco zero da minha cinefilia.

 

Quando retornei ao Rio, após estas férias, minha mãe passou a me levar ao cinema com frequência. Sempre às quartas, quando ela não trabalhava à tarde, sempre nas salas da Tijuca. Ali sim me apaixonei pela ida ao cinema, o melhor lugar existente para ver qualquer filme, seja lá de qual gênero for. Várias vezes fui ver algo mais pela sala do que propriamente pelo filme em si - se ele fosse bom melhor ainda, mas estar lá já era suficiente.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Billy Wilder, gênio absoluto que nos brindou com A Montanha dos Sete Abutres, Quanto Mais Quente Melhor, Se Meu Apartamento Falasse, Irma La Douce, A Primeira Página, Pacto de Sangue e sua obra-prima, Crepúsculo dos Deuses.

 

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Difícil escolher apenas um. Tenho um fascínio por Pra Frente Brasil devido à força de sua denúncia à ditadura feita em plena ditadura militar. É daqueles casos em que o entorno dos bastidores potencializa o que se vê em cena - mas não seria o melhor, com certeza. Batismo de Sangue é um filme que me deixou completamente arrasado após a sessão, lembro que fiquei aéreo, refletindo sobre o que tinha visto, por um bom tempo. Tenho um carinho nostálgico imenso por Os Saltimbancos Trapalhões, a sessão de Lavoura Arcaica no Festival do Rio foi inesquecível. Tenho vários filmes assim, que me marcaram de diferentes formas, sem que haja um favorito absoluto.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Ser cinéfilo é saber garimpar, e abrir um baita sorriso ao descobrir uma pepita de ouro. É claro que os filmes mais badalados devem também ser vistos, mas o prazer da descoberta é recompensador, mesmo quando se precisa ver dezenas de filmes para encontrar aquele que te conquista. Também por isso o Festival do Rio foi tão importante na minha vida, era a chance de mergulhar fundo em busca do que não era acessível, ao menos não para mim.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Já há um bom tempo o cinema virou negócio, a escolha do que estreia ou permanece em cartaz tem muito mais a ver com números do que qualquer outra coisa. E isso não é propriamente demérito, ter estas informações é essencial para a continuidade do negócio em si - e, por mais que se ame o cinema, as contas precisam fechar para que a sala siga em frente. Só que não deveria ser apenas isto. Quando se vê o Estação Botafogo exibindo Vingadores: Ultimato, pode-se até ganhar um pouco mais de dinheiro na bilheteria, mas, ao mesmo tempo, atinge em cheio o coração de uma marca estabelecida por décadas. Fechar os olhos para isto é o mesmo que dar um tiro no pé.

 

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Não, porque sempre haverá quem queira viver a experiência de estar em uma sala escura. Mas acredito que irá mudar bastante, ainda mais devido à pandemia. O circuito tende a diminuir consideravelmente, não só no Brasil mas em todos os países.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Vou citar um filme recente, até indicado ao Oscar, mas pouco visto: Minha Vida de Abobrinha. Lindo demais!

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Sim, desde que respeitem as normas de segurança estabelecidas pelo governo. Entretanto, a meu ver, o risco maior não está na sala em si, mas no comportamento do público. Nem o melhor dos protocolos será suficiente se as pessoas não se mantiverem de máscara durante a sessão ou cumprirem o distanciamento social.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Excelente. O cinema brasileiro contemporâneo alcançou uma pluralidade rara de ser vista em qualquer filmografia, tanto em temas quanto em gêneros. Não por acaso, tem sido tão requisitado pelos festivais mundo afora. O problema, como sempre, é fazer com que estes filmes sejam vistos pelo público. Sei de muitos casos de filmes que não foram bem nas salas e, ao serem exibidos na Rede Globo, tiveram picos de audiência. Lembro sempre de uma fala do Jeferson De no Festival de Gramado 2010, que tinha feito Bróder com a Globo Filmes porque sabia que seu filme teria um público pequeno no cinema e que ao menos seria descoberto quando passasse na Semana do Cinema Nacional - ou algo parecido -, que a Globo fazia todo início de ano. Infelizmente, uma década se passou e a situação é exatamente a mesma. Mas não é novidade, mesmo o Cinema Novo teve dificuldade de chegar ao público em sua época.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Jorge Furtado, que deveria ser mais valorizado.

 

12) Defina cinema com uma frase:

"Você se lembra como se sentia sortudo em apenas estar aqui, tendo o privilégio de vê-los? Esta coisa da televisão, por que ficar em casa diante de uma caixa? Porque é conveniente, não precisa se arrumar, sentar aqui? O que há de entretenimento em estar sozinho em uma sala? Onde estão as outras pessoas, onde está a audiência? Onde está a magia?"

 

Esta é uma citação a Cine Majestic, que me deixa arrepiado sempre que a vejo. É exatamente como penso. Ver filmes é uma coisa, ir ao cinema é completamente diferente.

https://www.youtube.com/watch?v=UYjGew4NSD0

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema.

Foram tantas... Vou contar duas, uma que presenciei e outra que ouvi, ambas em Festivais do Rio.

A que vi aconteceu no saudoso Estação Paissandu, que exibiria a primeira sessão no Brasil de O Pianista, ganhador da Palma de Ouro no Festival de Cannes daquele ano. O cinema, claro, estava abarrotado, em uma época em que não havia ingresso reservado. Estava lá na frente, na 3ª fileira, e logo na minha diagonal na fileira da frente sentou uma mulher com o cabelo gigantesco, estilo Marge Simpson. O Paissandu, quem foi sabe bem, não tinha cadeiras no formato stadium e abaixo da tela ainda havia o painel das legendas eletrônicas. Resumo da ópera: o filme começou e é claro que o cabelo daquela mulher impedia que muita gente lesse as legendas. A reclamação foi tanta que o filme teve que ser interrompido após alguns minutos e um funcionário foi falar com ela, que se recusou a trocar de lugar. Ele explicou a situação ao público, que começou a vaiá-la sem parar. O filme voltou e, nas fileiras atrás dela, abriu-se um enorme vazio: quem estava ali sentado foi para o corredor e viu o filme do chão mesmo. Encerrada a sessão, quando ela se levantou para ir embora foi acompanhada por outra sonora vaia.

 

A história a seguir me foi contada pelo Breno Lira Gomes e é daquelas que lamento imensamente não ter presenciado! Sessão de Caché à meia-noite no Odeon, que, é claro, atrasou. O filme começa uns 15 minutos após o horário previsto e o público começa a reclamar: "está sem som!". Os protestos ficam cada vez mais constantes, até que o visto em cena "rebobina" e o público começa a vibrar e aplaudir por ter o desejo atendido. Minutos depois, percebe-se que era uma sequência do próprio filme, de quando a casa da Juliette Binoche estava sendo gravada por uma filmadora portátil. Não ter som era proposital e o rebobinar fazia parte da narrativa. Silêncio sepulcral!

 

14) Você foi um dos criadores do maior portal de cinema do Brasil, o AdoroCinema. Conte como você teve a ideia desse site e se sente saudades dos amigos que trabalharam lá com você.

O AdoroCinema nasceu como hobby, fruto da cinefilia e de uma internet ainda com pouquíssimas informações sobre filmes em língua portuguesa. Estávamos em 2000, era uma internet muito diferente da atual, o YouTube sequer existia! A ideia de criar um site nasceu após o 1ª Festival do Rio, onde pela 1ª vez tive acesso a Almodóvar, Altman, Kitano e vários cineastas até então desconhecidos para mim. Ao buscar informações sobre os filmes deles, surgiu a ideia. O site foi criado com mais dois amigos, era todo em HTML e levou três meses até que o acervo inicial ficasse pronto: 100 fichas de filmes, em torno de 250 de atores, ainda não se falava de séries ou diretores. Tudo feito na base de muita pesquisa.

 

O tempo passou, o AdoroCinema teve diversos altos e baixos até ser vendido em 2008. Começou então o que chamo da fase de profissionalização do site, especialmente quando o Allociné o assumiu, em 2011. Aos poucos foi sendo formada uma equipe tão dedicada quanto brilhante, que soube agarrar as oportunidades que teve para criar um site absolutamente plural, que abordava de tudo um pouco nos universos de cinema e séries. AdoroCinema em todo lugar, costumava dizer.


Se sinto falta da equipe? Claro! Vários deles se tornaram amigos pessoais, com quem mantenho contato até hoje, ausente do site há mais de um ano. Havia ali uma rara cumplicidade aliada a um tesão incomparável em fazer acontecer, mesmo que enfrentássemos problemas ou não tivéssemos os recursos desejados. A Era de Ouro, como o Rodrigo Torres gosta de chamar, foi inesquecível e de um aprendizado imenso, para todos que puderam vivenciá-la. Isto não se apaga.


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