O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte
tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para
emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo
através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que
ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações
engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através
da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de
que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo
cinema.
Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, de Porto Alegre (Rio
Grande do Sul). Felipe Mattar tem 22
anos. Perambula pelo paralelo 30 S e contempla os momentos que serão perdidos
no tempo, como lágrimas na chuva.
1) Na sua cidade,
qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da
escolha.
Aqui não há grande variabilidade, em termos de programação,
entre as salas, usualmente mantidas por grandes redes de cinema (tanto as
locais, como GNC, quanto as
internacionais, como Cinemark) e
localizadas em shoppings centers. Mesmo assim, é possível notar uma variação na
programação de salas (inclusive, as de uma mesma rede) conforme o perfil de
público frequentador do respectivo shopping. A minha predileta se localiza em
um shopping muito próximo de onde eu moro, o Moinhos, cujo público, predominantemente de faixa etária mais
elevada e intelectualmente mais inclinado, acaba determinando que as
programações privilegiem antes filmes autorais (independentes e/ou aspirantes
às premiações) do que grandes blockbusters.
Ainda assim, a cidade conta com pequenos cinemas de rua e
centros culturais, que no momento lutam para manterem-se abertos. São lugares
maravilhosos de celebração da cultura local e mesmo cinematográfica, de um modo
geral. Espero, assim que a situação pandêmica se supere, poder conhecer e frequentar
novos centros como esses.
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
Na verdade, a percepção do cinema como "um lugar
diferente" -- especialmente, aqui levando em consideração que as minhas
impressões se construíram de uma perspectiva ainda infante -- já surgia tão
logo eu me deparasse com uma enorme "pipoqueira", de dentro da qual
jorravam e saltitavam pipocas (que, desta vez, não eram as de microondas,
retiradas de um armário), ou mesmo com vastas fileiras de cadeiras
elegantemente estofadas com um especial tecido vermelho, pensado para o bem da
melhor acústica. Muitos foram os filmes que semanalmente eu desde cedo tratava
de conferir ao lado de meu pai e de minha mãe: Harry Potter, animações Pixar e
até produções esquecíveis, de pouca inspiração. Mas o primeiro filme do qual
aqui tenho a recordação lúdica e onírica do espaço de cinema é Indiana Jones e o Reino da Caveira de
Cristal, que fui assistir no ano de estreia. Sim, um filme sem grande originalidade
e, quem sabe, de temática saturada, mas, ainda assim, integrante de uma das
maiores criações da história do cinema, continuação da saga da jornada de nosso
querido herói, Indy, e, talvez o mais importante, contaminada pela inesgotável
magia de Spielberg -- que muito contribui para a magia do próprio cinema. Foi a
partir dessa fatídica ida ao cinema que meu pai, cinéfilo de que descendo, pôde
abrir as portas da magia para o meu ainda parco conhecimento.
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
Damien Chazelle. Whiplash.
4) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
A que horas ela
volta? Senti como se estivesse assistindo ao perfeito casamento entre a
crítica ácida de Parasita, o retrato
apaixonado e realístico de Roma e o
espírito de pertença e brasilidade que nenhuma produção internacional teria
sido capaz de reproduzir. Tudo isso condensado na performance da nossa Regina Casé.
5) O que é ser
cinéfilo para você?
Tenho uma visão, posso dizer, bem objetiva daquilo que é ser
um cinéfilo. Ser cinéfilo é não se apegar aos gêneros cinematográficos (terror,
comédia, ação,...), às programações e cartilhas do jornal da semana ou à
notificação das novidades da semana da Netflix.
É ter a sensibilidade de apreciar a grande concatenação de esforços e pequenos
detalhes que compõem a autoria (ou coautoria, melhor dizendo) de uma obra: os
tons de luz, o posicionamento dos objetos de cena, os olhares e intenções dos
atores, os cortes e as perspectivas, os movimentos de câmera e, em suma, as
normas fundamentais de coerência daquele universo que está sendo proposto e
retratado (com suspensão de descrença, quando preciso). Como cinéfilo, quero
assistir a tudo o que foi, é e será marcante na história cinematográfica (nunca
deixando de procurar entender as razões disso, inseridas em um contexto social,
de recepção de público), sem me privar, no entanto, de acompanhar aquelas
produções estigmatizadas pelo fracasso (novamente, compreendendo por que assim
o são ou foram um dia).
6) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas
que entendem de cinema?
Não, acredito que as programações são feitas por pessoas
incumbidas de um planejamento eminentemente mercadológico.
7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?
NÃO! Eu, o Tarantino e quem quiser nos acompanhar não vamos
deixar.
8) Indique um filme
que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
Aos Olhos de Ernesto
(2019), disponível no TelecinePlay.
Foi filmado na minha cidade. Menção honrosa para: Na Mira do Chefe (2008), disponível na HBOMax. Me veio à mente agora e vale a pena.
9) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Não. Mas, como já temos a vacina, acredito que a abertura
com restrições (a depender da situação de cada localidade e de seus respectivos
leitos hospitalares) é a medida emergencial mais adequada para evitar que
empreendimentos, empregos e investimentos se percam por inteiro.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
Após a retomada do cinema brasileiro, valiosas produções
têm, a despeito de todas as inúmeras dificuldades, sido lançadas. Ainda há uma
grande predominância de comédias vulgares (possivelmente, devido ao retorno de
bilheteria que garantem), que, ainda que não me agradem, detêm o seu valor
artístico, mas surpresas recentes, falo de Bacurau
e A Vida Invisível, são um grande
alento.
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Não me oriento por artistas, pois até mesmo os melhores são
falíveis, mas por resultados artísticos (confio muito na crítica especializada,
justamente por isso).
12) Defina cinema com
uma frase:
"I steal from every movie ever made". Não preciso
citar o autor da frase, acredito.
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
Não me lembro de algo mais inusitado do que eu e meu pai,
esperançosos e entusiasmados com a suposta volta do velho normal, indo ao
cinema, em janeiro deste ano, assistir a "Mulher Maravilha: 1984" na nossa habitual sala, do shopping
Moinhos, e nos deparando com uma sessão de segunda à noite, 21h, inteiramente
vazia. Aproveitamos como se estivéssemos, meses antes, comparecendo a mais um
grande lançamento da poderosa Warner Bros. e do DCEU, para conferir a produção
em primeira mão, com casa cheia. Foi um dos melhores momentos desta tão
negativa época. Fizemos questão de nos sentarmos nos exatos assentos a que
correspondiam os nossos ingressos, de onde tiramos divertidas selfies para
registrar a nossa inigualável bravura em face dos que preferiram privilegiar os
streamings (sem qualquer ofensa e com o perdão da inofensiva brincadeira).
14) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
"The Room"
brasileiro. Deve ser cultuado como tal e estudado nos melhores e nos piores
cursos de cinema do país.
15) Muitos diretores
de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta
precisa ser cinéfilo?
Acredito que não. Não só porque, como houve pintores e
músicos, pode haver cineastas dotados de talento a tal ponto bruto e
incondicionado que capazes de produzir valiosas obras sem referências externas,
senão os próprios instrumentos de ofício, mas também porque eu não deixaria de
considerar como filmes (ainda que discuta se são, de fato, produções
artísticas) babilônicas produções de estúdio confeccionadas como que em uma
escala fabril e a partir de uma concatenação de passos integrantes de uma
fórmula: há público para consumi-las, e a produção não depende de inspirações e
referências, ainda que se valha de clichês de gênero já arraigados na
indústria, mas do mais puro pragmatismo do diretor e dos produtores a que se
reporta.
16) Qual o pior filme
que você viu na vida?
É muito difícil escolher e até mesmo lembrar de um digno
desse título. Lembro de assistir a Viagem
Fantástica (2005), por qualquer razão que jamais poderia vir à mente agora,
e divertir-me enormemente com o plot final do filme, que tencionava ser
aterrorizante.
17) Qual seu
documentário preferido?
Lixo Extraordinário
(2011).
18) Você já bateu
palmas para um filme ao final de uma sessão?
Sim, foi a primeira e única vez que vi algo assim acontecer
em uma sala de cinema, o que me surpreendeu muito. Foi em uma sessão de Batman: o Cavaleiro das Trevas; bati
palmas com todo o vigor que o balde de pipocas que esvaziei ainda nos trailers
me garantira e espero que o grande e saudoso Heath Ledger as tenha recebido com alegria.
19) Qual o melhor
filme com Nicolas Cage que você viu?
Vou responder Arizona
Nunca Mais, mas preferia responder Willy's
Wonderland.
20) Qual site de cinema
você mais lê pela internet?
Omelete.
21) Qual streaming
disponível no Brasil você mais assiste filmes?
TelecinePlay.