Baseado na obra de Juan
Mayorga, “Dentro de Casa”, é uma fita inteligente com uma visão
privilegiado sobre a vida alheia. Com uma introdução pedagógica, o espectador é
levado a uma história muito próxima, como se olhasse pelo buraco da fechadura, que
vai de críticas sociais até reflexões de grandes autores como Tchekhov, Dickens e Flaubert. O grande achado do roteiro é elevar a qualidade da discussão em busca de um
conflito para alimentar sua história, partindo do princípio que uma vida sem
história na vale de nada.
Na trama conhecemos Claude (papel de Ernst Umhauer), um menino incomum de 16 anos que durante um
exercício em sala de aula resolve começar a contar uma história de suas idas e
vindas da casa de um amigo de classe e o seu contido desejo que sente pela mãe
desse menino. O único que lê a história é o seu professor (que de quebra mostra
tudo para mulher, uma elegante gerente de galeria de arte ) que faz de tudo
para que ele não pare de contar essa história. O professor de literatura fica
fascinado pelo esforço e escrita do brilhante aluno e resolve ajudá-lo a não
parar de escrever aquela história. É um ato obsessivo desse acadêmico que tem
sua vida bastante modificada ao longo da trama. Esse personagem se desconstrói
brilhantemente pelas lentes do sempre excelente diretor.
Todos vão virando personagens na história de Claude. Os
ditadores em forma de bonecas infláveis, o corpo de classe média, as peculiares
discussões entre o casal sobre o comportamento irônico (pelo menos no papel, do
jovem estudante) são elementos detalhadamente aproveitados pelo filme. A
relação aluno x professor vai se formando de maneira inusitada levando-os a uma
série de consequências. O filme tenta manter esse ritmo (com sucesso) do começo
ao fim. O professor (interpretado pelo excelente Fabrice Luchini) se envolve tanto que o público volta a se
perguntar de quem é mesmo aquela história.
Quando quadros e literatura se encontram, um olhar sobre a
vida alheia ganha contornos dramáticos. A agradável fita francesa gerou
simpáticos aplausos após uma de suas sessão no último Festival do Rio de
cinema. Será que olhar pelo buraco da fechadura, remontar histórias é sempre uma
grande diversão? Não deixem de conferir esse ótimo trabalho de François Ozon.