O convidado de hoje é mestre em literatura comparada pela
Universidade Federal do Ceará. Membro da Abraccine e Aceccine, Ailton Monteiro mantém o blog Diário de um Cinéfilo (http://cinediario.blogspot.com)
desde 2002 e contribui também com críticas para o site Pipoca Moderna. Fã de David Lynch,
esse querido cinéfilo sempre está pelas redes sociais conversando com outros
cinéfilos sobre a nossa amada sétima arte!
1) Na sua cidade,
qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da
escolha.
Minha sala de cinema preferida em Fortaleza é o Cinema do Dragão, que conta com duas
salas. O cinema fica situado na Praia de Iracema. Lá tem a melhor programação
da cidade, mais voltada a filmes alternativos, com ótima curadoria. E, ainda
por cima, de vez em quando, rolam mostras muito especiais, como a que acontece
no mês de janeiro, que mistura alguns dos melhores filmes do ano anterior com
filmes ainda inéditos no circuito, e também com diretores convidados para
debater as obras após sessões especiais. É lá também que festivais como o Varilux, o For Rainbow (de diversidade sexual), entre outros acontecem. É o
cinema que tenho mais saudade neste momento de pandemia.
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente?
Acredito que já na infância, quando minha mãe me levava para
ver os filmes dos Trapalhões, eu já
me encantava com o cinema e pensava assim. Mas talvez essa visão mais próxima
da cinefilia tenha começado um pouco depois, talvez com Aliens, de James Cameron.
No entanto, foi só a partir do Oscar de 1989 que eu me entusiasmei a ponto de
não querer mais passar nenhuma semana sem ir ao cinema.
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
Dos diretores vivos, o meu favorito é David Lynch. E meu favorito dele é Cidade dos Sonhos, filme que eu considero o melhor do novo milênio.
Mas se for incluir também os mortos, eu diria que é Alfred Hitchcock, sendo que meu favorito dele hoje em dia é Psicose. Aliás, os dois diretores têm
muita coisa em comum.
4) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
Eros - O Deus do Amor,
de Walter Hugo Khouri. É um filme
que me encanta em muitos aspectos. Mesmo eu tendo nascido em uma cidade solar
como Fortaleza, tenho uma forte identificação com São Paulo, com o cinza da
cidade, com a grandeza ao mesmo tempo fascinante e assustadora. E o filme já
começa com uma espécie de homenagem à cidade. E depois tem toda uma relação com
a sexualidade forte nos filmes do diretor, mas que é mostrada como que andando
lado a lado com a angústia, com um vazio existencial, como em algumas obras do Bergman. Além do mais, o filme já
encanta com um time de atrizes lindas fenomenal. O fato de ser filmado em
câmera subjetiva traz ainda mais erotismo e estranhamento. Adoro todas essas coisas.
5) O que é ser
cinéfilo para você?
Pra mim, ser cinéfilo é ter o cinema como uma das
prioridades de vida. Mas não como uma obrigação, claro, mas como uma paixão,
como uma extensão da vida. É sair do cinema e querer que o filme (no caso de
filmes mais especiais, principalmente) fique com você mais um bocadinho.
Escrever um pouco sobre o filme visto ajuda bastante no processo de ampliar a
experiência de cinema, mas isso é mais uma sugestão e algo de que eu sinto
necessidade. Há muitos cinéfilos que preferem não escrever nada e se confiar na
memória. Além do mais, escrever demanda tempo e disposição.
6) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas
que entendem de cinema?
Talvez até tenham pessoas que entendem de cinema por trás de
certas redes, mas já entrei, por exemplo, em uma sessão de um filme com janela
1,33:1 que teve as partes de cima e de baixo cortadas para ficar como 1,85:1. A
culpa podia ser só do projecionista, no caso. As grandes salas de cinema,
porém, não passam esse interesse pelos filmes, apenas pelas obras que vão dar
dinheiro. Quando aparece um ou outro filme menos comercial em uma das salas
pequenas de cinema de shopping já é motivo de celebração. E com a cultura do
filme dublado e também o advento do 3D, isso foi ficando mais difícil, pois,
consequentemente, isso acabou levando a menos filmes disponíveis.
7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?
Creio que sim. O cinema é uma arte nova ainda. Pouco mais de
cem anos de idade. Então, muita coisa pode mudar. Sei que é uma forma de arte
que já passou por uma infinidade de crises (grande depressão, advento da
televisão, do videocassete, da internet, a pirataria, agora os streamings, e aí
chega uma pandemia). Até então tem conseguido sobreviver. Mas é possível que
sobreviva como aconteceu com outras formas de comunicação, como o rádio e a
televisão, que foram perdendo terreno à medida que foram surgindo novas
tecnologias, mas não a ponto de serem extintas.
8) Indique um filme
que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
Apesar da Noite,
de Philippe Grandrieux. Confesso que
não é um filme fácil, muitos vão achar confuso ou longo ou talvez até
desconfortável, mas há algo de muito fascinante e lynchiano nele e isso já foi
motivo de eu ter entrado na viagem, de ter sido levado pelas sombras e
adentrado a atmosfera de erotismo e medo que o filme impõe. Há uma intensidade
incrível, com paixões avassaladoras. Nunca revi, mas a experiência no cinema
foi inesquecível. Nem é tão obscuro assim, mas há muitos amigos cinéfilos que nunca
viram.
9) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Não sei quando teremos a vacina e se as salas de cinema
suportarão ficar fechadas durante tanto tempo sem correr o risco de quebrarem.
Então, isso é muito complicado. Vejo pessoas dizendo que não irão ao cinema tão
cedo. Pessoas que costumavam ir com muita regularidade. Eu já pretendo
experimentar assim que abrirem, mesmo com toda esse estresse com
distanciamento, máscara, álcool gel etc.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
Eu acho que estamos vivendo um dos melhores momentos do
cinema brasileiro. Os anos de 2018 e 2019, em especial, foram fantásticos, de
dar gosto. Inclusive com representação e premiação em festivais internacionais.
Obras lindas e importantes como Arábia,
As Boas Maneiras, Bacurau, Deslembro, O Clube dos
Canibais, Paraíso Perdido, Café com Canela, O Beijo no Asfalto, entre outros, são exemplos também de
pluralidade. Mais mulheres dirigindo, mais filmes de gênero, mais filmes
dirigidos por pessoas negras, mais filmes fora do eixo Rio-São Paulo. Ainda é
pouco, mas estamos em um momento brilhante - ou pelo menos estávamos, antes
dessa situação ruim de ter um governo federal que odeia a cultura. Pra mim,
este momento representa o auge que chegamos desde a retomada.
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Dos cineastas brasileiros vivos, quem eu mais gosto é do Beto Brant. Acompanho o seu trabalho
desde o fim dos anos 1990. Uma pena que esteja filmado cada vez menos, não sei
por quais motivos, sendo que seu último trabalho foi um documentário (Pitanga, 2017).
12) Defina cinema com
uma frase.
Cinema é o sonho e é a realidade.
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
Em uma dessas sessões solitárias noturnas em cinema de rua
do passado, fui ver 48 Horas - Parte 2,
do Walter Hill. No meio do filme,
uma moça pediu para se sentar ao meu lado. Ela dizia que um sujeito a estava
incomodando nos assentos de trás. Eu falei que tudo bem. Eu me senti dentro de
um film noir. Não lembro se chegamos a conversar durante o filme, mas ao final
da sessão descobrimos que morávamos perto, pegamos o mesmo ônibus. Bem que eu
podia ter aproveitado a situação e transformado essa história em uma história
de amor ou coisa do tipo. Ficaria bem melhor de ser contada, mas depois apenas
nos despedimos e não lembro se a vi novamente.
14) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
Nunca vi este tão cultuado filme. Quem sabe um dia eu
preencha essa lacuna. :)
15) Muitos diretores
de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta
precisa ser cinéfilo?
Não creio que necessariamente precise ser. Pelo menos não um
cinéfilo como um Scorsese, um Bogadanovich, um Truffaut ou um Tarantino.
Há diretores que chegam ao cinema por um outro caminho. Lynch veio das artes plásticas, por exemplo.
16) Qual o pior filme
que você viu na vida?
Acho que não tenho um franco-favorito entre os piores. Podia
citar The Room, do Tommy Wiseau, mas esse é tão divertido
em sua ruindade que eu chego a simpatizar... Pra mim, os piores são aqueles que
tentam alcançar um grande público e muitas vezes até conseguem, mas que me
causam um misto de preguiça com falta de paciência para eles. É o caso, por
exemplo, de Piratas do Caribe e suas
continuações. Acho insuportáveis esses filmes.