O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.
Nosso entrevistado de hoje é uma das lendas da programação
de cinema do nosso país. Cinéfilo, gente boa, Paulo Máttar é um ex-estudante da UFF e a mais de três décadas é o responsável pelo que a tela do maravilhoso cinema Cine Art UFF exibe. Sempre com um olhar detalhista, bastante
corajoso e apaixonado na busca pelos melhores filmes, consegue semanalmente
exibir em cerca de 4 sessões diárias o que muito cinema por aí não consegue com
5 salas a disposição semanalmente. Um orgulho de niterói, um orgulho de todos
nós que amamos cinema.
Obs: querido Paulão. Uma simpatia de pessoa, de voz calma
mas sempre intenso quando o assunto é cinema. Conheço esse ser humano iluminado
a muitos anos e sempre me tratou com grande carinho. Se eu morasse em Niterói
eu acho que compraria uma barraca de camping e moraria no jardim do Cine Art
UFF pois lá sempre exibe os filmes que eu quero ver. Paulão, você é uma
inspiração para todos nós que amamos essa que chamamos de sétima arte.
Continue, mesmo se você aposentar e for ficando mais velhinho, lutando pelos
bons filmes!
1) Você é um dos mais
competentes programadores de salas de cinema do Brasil. Qual a maior
dificuldade nesse mercado audiovisual brasileiro? Todos que trabalham com
cinema são cinéfilos?
Posso falar a partir do ponto de vista de um cinema
alternativo, com uma proposta prioritariamente cultural. Há várias e diferentes
dificuldades. Em relação aos grandes distribuidores, não é fácil mostrar a eles
que não somos uma salinha qualquer perdida num campus universitário e que
atende só aos alunos. É trabalhoso refirmar a qualidade técnica da nossa sala,
a importância dela na cidade, sua localização privilegiada e que, a despeito do
ingresso mais barato, a quantidade e a qualidade do nosso público acabam sendo
um ponto muito positivo. Com Bacurau, nós tivemos a melhor média de público por
sessão em todo o país. Isso não é pouco. No Varilux, estamos sempre entre as três salas com maior público do
Brasil. Outra dificuldade é, justamente por sermos uma sala única, não darmos
conta da quantidade de filmes que nos oferecem. Há toda uma produção que não
encontra espaço nos quatro complexos existentes em Niterói. E, além disso,
somos parceiros de muitos festivais, e não é fácil acomodar tanta demanda
dentro de uma grade restrita.
Creio que onde se encontra mais cinéfilos é na área de
exibição alternativa, programadores de festivais e entre os críticos. Não vejo tantos cinéfilos em outras
áreas.
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
Foi logo na minha primeira experiência em uma sala de
cinema. Eu devia ter uns cinco anos e meus pais nos levaram para ver Branca de Neve no finado Cine São Bento, em Icaraí. Do filme não
ficou quase nada na memória (exceto a morte da bruxa no meio daquela
tempestade). O que ficou realmente foi o burburinho e a excitação antes da
sessão, o gongo, as pequenas luzes coloridas que foram se acendendo
progressivamente em direção à tela enquanto a cortina ia abrindo e as luzes da
sala iam se apagando. E aí o silêncio.
Mas não posso deixar de falar de uma experiência anterior,
que já tinha me fisgado. Eu estudava num colégio de freiras bem perto da minha
casa, na Vila Pereira Carneiro. O colégio funcionava num casarão antigo, as
salas de aula eram no térreo e as turmas bem pequenas. Um dia fomos levados ao
sótão. Havia um projetor e uma pequena tela portátil. Primeiro exibiram um
filme mudo, uma comédia com muita correria, carro que desmontava, mas não
lembro muito. O impacto veio em seguida, com uma animação coloridíssima e
sonora em que uma bruxa transformava um príncipe e uma princesa em passarinhos.
Para quem só conhecia tv em preto e branco (isso foi por volta de 1965), o
impacto da cor foi imenso e ali eu me apaixonei pelo cinema.
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
Não tenho um diretor favorito. Sempre tenho muita
dificuldade com isso de ter filme, música, artista, livro favorito. Estamos em
constante mutação e as preferências, naturalmente, mudam. Mas costumo dizer que
meu filme favorito é Era uma vez na
América.
4) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
Pelo que expliquei acima, não consigo apontar um filme só.
Mas posso citar alguns que me tocam profundamente. Não são os que considero os
melhores ou os mais importantes, mas os que me afetam muito. Limite, Lavoura arcaica, Central do Brasil,
Vidas secas e Bacurau. Mas amo
demais muitos outros filmes brasileiros e sinto não poder citar tantos.
5) O que é ser
cinéfilo para você?
Antes de tudo é amar Cinema. É claro que amar os filmes e também
o espaço da sala de cinema faz um cinéfilo ser mais completo, mas entendo que
hoje há muitos cinéfilos que não têm oportunidade de frequentar salas de
cinema. E isso não os torna menos cinéfilos. Fico impressionado com o amor e o
conhecimento que gente muito jovem tem. Na minha época de aluno de Cinema
(início dos anos 80) era difícil ter acesso a muitos filmes, coisa que mudou
radicalmente com a internet. Um autêntico cinéfilo não tem preconceitos e vê de
tudo. Acho que a curiosidade é fundamental.
6) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por
pessoas que entendem de cinema?
É difícil acompanhar de perto a programação de tantos
cinemas, mas reforço que o circuito alternativo tem ótimos programadores. Acho
complicada essa expressão “entender de cinema”, porque ela tem conotações
diferentes dependendo do tipo de cinema. Vejo em outros perfis de salas muitos
equívocos e lamento que os grandes exibidores sejam tão obtusos. Com tantas
salas, tantos horários disponíveis, um pouco de flexibilidade não faria mal a
ninguém.
7) Algum dia as salas
de cinema vão acabar?
Creio que não. Mas o momento é crítico e a pandemia pode
complicar bastante.
8) Indique um filme
que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
É uma pena que não tenha sido lançado nos cinemas
brasileiros e também nunca vi em nenhuma plataforma por aqui: o japonês
Plano-sequência dos mortos (One cut to
the dead - Kamera wo tomeruna!), de Shin'ichirô
Ueda. É uma das mais belas declarações de amor ao cinema. No começo você
fica perplexo, achando que está vendo uma coisa muito tosca, ruim mesmo. Mas
depois é puro deleite e tudo se encaixa.
9) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Não. Nada que não seja essencial deveria funcionar antes da
vacina.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
Vivemos um período extraordinário, com grandes filmes,
repercussão internacional, muitos prêmios. Tenho muito orgulho desse cinema
brasileiro recente e lamento demais todo o ataque e o desmonte que estão
acontecendo.
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Não sou fiel assim a ninguém. É muita coisa pra ver, e
procuro assistir o que me parece mais relevante, independente de quem está no
filme.
12) Defina cinema com
uma frase:
Essa eu vou ficar devendo...
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
Vou contar uma situação que eu e meus colegas criamos. Num
dos aniversários do Cine Arte UFF nós
exibimos O Anjo Exterminador. Ao
final da sessão, mantivemos as portas fechadas por uns poucos minutos. Foi
muito divertido e quem estava presente nunca esqueceu.
14) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
Nunca vi.
15) Diga o pior filme
que você viu na vida.
Assim como indicar um favorito é difícil, apontar o pior
também é. Prefiro sempre falar em filmes que detesto. E aí o primeiro que me
vem é Crash, de Paul Haggis. Ter tirado o Oscar de Brokeback Mountain só piora a situação.