Quando os sentimentos viram uma série de portas fechadas. Com um abre alas angustiante, antes do título aparecer na tela, onde não conseguimos tirar os olhos das ações que acontecem Pieces of a Woman é um poderoso drama que mostra desenrolares da vida de um jovem casal e os passos seguintes que precisam caminhar durante o luto. Dirigido pelo cineasta húngaro Kornél Mundruczó e com roteiro assinado por Kata Wéber, o filme, disponível no catálogo da Netflix, é um dos mais badalados projetos desse ano: merecidamente! É tenso, polêmico, excelente para reflexão. Poderosas interpretações, personagem principal interpretada magistralmente pela atriz britânica Vanessa Kirby, um roteiro com bastante profundidade e uma excelente direção tornam esse longa-metragem um dos fortes concorrentes a algumas indicações em categorias do Oscar (inclusive já levou o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Veneza do ano passado).
Na trama, conhecemos um jovem casal, Sean (Shia Lebouf) e Martha (Vanessa Kirby) apaixonado e com alta
expectativa com a chegada da primeira filha. Eles optaram por um parto
domiciliar, feito por uma parteira. No dia onde a chegada do bebê se torna
iminente, a parteira que faria o parto não consegue chegar a tempo e uma outra
vai no lugar dela. Durante o processo do parto, uma alta tensão acontece, um
nervosismo de todos, pai, mãe e parteira. Infelizmente uma tragédia acontece. Nos
meses após o corrido, a maneira como o casal lida com a terrível tragédia é o
que vai moldando a trajetória desse impactante filme.
Como lidar com a perda? Os personagens são os grandes
motores do filme. Levados ao limite após a tragédia que acontece em suas vidas,
nada vai ser como antes e eles já sabem disso. Conflitos antes suportáveis, se
tornam estopins para discussões ou intromissões injustas nas escolhas que os
dois devem tomar juntos. Sean é um homem que trabalha com construções e em
especial nas pontes, está a seis anos sóbrio, possui um relacionamento
conflitante com a sogra, assim precisa lutar contra seus demônios após a tragédia.
Já Martha é introspectiva, de fala mansa, de família com mais dinheiro que a do
companheiro, mostra um controle na aparência para os outros mas um
descontrolado ninho de sentimentos conflitantes por dentro após o ocorrido,
principalmente lutando contra as interferências de sua mãe Elizabeth (Ellen Burstyn, em atuação também digna
de aplausos). A habilidade de Mundruczó em
mostrar as entrelinhas através da expressão dos personagens é digna de
aplausos, emocionante em muitos momentos, nos sentimos próximos das dores dos
personagens.
O filme toca em alguns pontos polêmicos. A questão da
comunidade médica vs parteiras e os dilemas sobre doação de corpos
para estudos médicos. As partes jurídicas de uma dessas questões são
colocadas como ferramenta de ‘justiça’ por Elizabeth, insensível e intrometida,
em muitos momentos. O projeto chega fácil aos corações dos espectadores, dentre
os dilemas e os sofrimentos, vamos tentar entender como é possível (ou não)
reunir peças de uma vida despedaçada.