Selecionado para o Festival de Cinema de Berlim e um dos curtas que mais vai ser exibido em festivais pelo Brasil, Arame Farpado, de Gustavo de Carvalho, nos conduz por uma narrativa repleta de interseções, mantendo um discurso afiado sobre questões sociais e relações humanas. Impressiona a harmonia de cada elemento em cena, especialmente a fotografia belíssima, que potencializa a força das entrelinhas e traduz, com impacto, tudo o que precisa ser captado.
Uma família leva uma vida simples no interior de São Paulo,
batalhando diariamente pelo sustento. Tudo muda quando os dois filhos mais
novos provocam um acidente em uma área isolada, obrigando a irmã mais velha a
conduzir a vítima até a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) mais próxima. Já à
noite, ao chegar ao local, através de um silêncio ensurdecedor em muitos
momentos, começam a revelar, pouco a pouco, os conflitos internos que marcam
essa família.
A culpa — e o que fazer com esse sentimento dilacerante —
parece ser o centro desse projeto marcante, que mergulha com sensibilidade em
camadas profundas das relações familiares e da compaixão. A forma como a
história é conduzida é precisa, com elementos que se harmonizam de maneira
natural, permitindo que a narrativa flua com força. Pequenos gestos e escolhas sutis
vão gradualmente tensionando a trama, sustentando um clímax contínuo que se
estende, com intensidade, por quase todos os 21 minutos de projeção.
Com um retrato nu e cru dos desdobramentos do caso e das
brechas para recomeçar, o projeto se destaca por sua abordagem direta, dura mas
que encontra um abrigo na sensibilidade exposta. A partir de um acontecimento
marcante que desencadeia consequências profundas, a narrativa encontra espaço
para explorar os conflitos de uma família abalada pela chegada de um novo
padrasto. À medida que verdades são reveladas e vividas, a trama ganha
contornos de realidade, estabelecendo paralelos sociais que atingem em cheio o
público.
Rodado em Paraguaçu Paulista, no distrito de Sapezal, Arame
Farpado se firma como um dos melhores curtas-metragens brasileiros exibidos até
agora em 2025. Um filme que nos atravessa com emoção, sem deixar de lançar
olhares precisos sobre questões importantes. Vale já anotar o nome de Gustavo de Carvalho — um cineasta
promissor que merece nossa atenção para os próximos projetos.