02/02/2014
29/01/2014
Crítica do filme: 'Quando eu era Vivo'
Os créditos iniciais subindo com o fundo de uma espécie de
tapete colorido juntamente com uma música instrumental insinuante já era um
sinal de que estávamos prestes a conhecer um filme nacional diferente e que
pode ser o precursor da nova geração de filmes do gênero suspense. Dirigido
pelo bom cineasta Marco Dutra, Quando eu era Vivo possui uma
narrativa lenta e muito detalhista, pecando apenas por uma certa falta de
sentido nos desfechos de alguns personagens. Mesmo assim, da maneira como foi
filmado, a produção acerta em cheio ao conseguir manter os olhos do espectador sob
atenção máxima durante toda a projeção. É um ótimo trabalho de direção.
Nessa misteriosa trama, conhecemos José Matos Jr. (Marat
Descartes), um homem com olhar e atitudes recônditas que volta para casa depois
de anos morando com sua ex-mulher. Recebido pelo pai (Antonio Fagundes), de
maneira distante, aos poucos vamos descobrindo o passado dessa família que por
anos esconderam segredos ligados ao ocultismo. O longa-metragem, que já gerava
bastante burburinho nas rodinhas cinéfilas aqui do sudeste, vai e volta em sua
linha temporal. Esse artifício faz com que o público tente adivinhar a todo
instante o destino de cada um dos interessantes personagens. O público se sente
dentro daquela casa que gera calafrios.
O roteiro é muito interessante. Conseguimos, enfim, um
suspense que não se complica nas entrelinhas dos diálogos ou cenas mal
encaixadas. O grande mérito do filme é esse, sem dúvidas. Mas alguns detalhes
com os desfechos de certos personagens, que não serão explorados neste texto
por conta de importantes spoilers, podem deixar o público não decepcionado mas
esperando um grand finale que não
acontece. Faltou mais brilho no final. Parece que o filme, que estreia nesta
sexta-feira (31) em todo Brasil, levou um gol de empate aos 45 minutos do
segundo tempo.
Marat Descartes está muito bem na pele do protagonista. As
mãos trêmulas, o olhar obsessivo e as atitudes suspeitas são aspectos
retratados brilhantemente por esse ótimo artista. Seu personagem possui uma
fala mansa e todas as ações da trama passam por ele. Mais um grande trabalho
desse que é um dos melhores atores do cinema brasileiro atualmente. Para os
curiosos de plantão, podemos afirmar que a Sandy atriz não compromete em nenhum
momento. Óbvio que se fosse uma atriz mais rodada o filme ganharia demais com
isso, até mesmo no quesito tensão, a personagem é bem desenvolvida mas
percebe-se claramente que tinha mais suco para sair dessa limonada.
O final para ser entendido é preciso de atenção. Quando
eu era Vivo é um filme mais superficial do que aparenta ser, disfarçado
com complexidades que nascem das nossas dúvidas, fator interessante. Provavelmente
irá dividir as opiniões cinéfilas, exatamente pelo fato óbvio e básico de que a
história chegará de maneira diferente para cada um dos espectadores. Muito bom
saber que há esperanças nos roteiros brasileiros. Nesse quesito, Quando
eu era Vivo contribui e muito para deixarmos para trás anos de tristeza
com as lembranças de roteiros ridículos de algumas produções nacionais.
28/01/2014
Crítica do filme: "Jimmy P."
Em qual língua você sonha? Depois de uma série de filmes sem
expressão pelo mundo do cinema, o cineasta francês Arnaud Desplechin consegue
finalmente alcançar um certo brilho em sua estrela apagada. Com ótimas tomadas
e movimentos intrigantes de sua nervosa câmera consegue que uma história densa
se torne um delicioso passatempo para quem curte cinema de boa qualidade. Jimmy
P. é o tipo de filme que vai te conquistando aos pouquinhos chegando ao
seu clímax quando os seus personagens principais, maravilhosamente
interpretados por Benicio De Toro e Mathieu Amalric, passam da necessária superficialidade
dos diálogos ao embarque em uma linda jornada de amizade e profundidade dessa
relação.
Na trama, conhecemos o introvertido Jimmy Picard (Benicio
Del Toro), um índio católico, ex-soldado, que após um grave acidente na guerra teve seu pedido de dispensado aceitado pelos
militares norte-americanos. Quando volta para casa de sua irmã começa a ter
diversos casos de tonteira e cegueiras parciais. Assim, sua irmã resolve
procurar ajuda e o leva a um centro de tratamento vinculado ao exército. Após
séries intensas de análises e baterias de exames a todo instante, a alta cúpula
do hospital fica perdida por não achar um diagnóstico lógico para o que Jimmy
tem. Nessa hora, entra em cena o antropólogo Georges Devereux (Mathieu Amalric),
um mulherengo, hiperativo e genial profissional que fará de tudo para tirar Jimmy
dessa situação.
Os diálogos, carregados de sotaques, cada qual no seu qual, ganham
certo destaque na trama. O público se surpreende quando aqueles papos muito
loucos no começo da história se tornam ferramentas inteligentes para
entendermos melhor os dois ótimos personagens. O quebra-cabeça de sonhos,
analogias e esquisitas verdades são interpretadas brilhantemente pelo
antropólogo interpretado por Amalric. Falando de maneira leiga e deveras
audaciosa, é uma espécie de confronto amistoso entre a corrente de sonhos de
Jung e as espertezas sobre a sexualidade, essa, de Freud.
Somos apresentados ao protagonista, a princípio, pelos olhos
preocupados de sua irmã (interpretada de maneira muito competente pela atriz Michelle
Thrush), a mais velha dos irmãos que estudou durante toda sua vida na escola
dos missionários e acabou casando com um importante funcionário de uma tribo
indígena. A relação antes conflituosa com seu irmão, ao longo dos anos se
tornou maternal, em poucas cenas já percebemos isso. Um dos pesares do filme é
essa rica personagem aparecer apenas no início da história.
O trabalho de Del Toro e seu personagem é meticuloso,
espanta pela verdade que passa em cada palavra pronunciada. O ganhador do Oscar
mostra mais uma vez como é um artista versátil. Mas quem comanda o show é o
francês Mathieu Amalric, a alma da história passa pela sua intensidade e
sagacidade em buscar uma solução para o paciente em questão. A dupla consegue manter
a atenção do público nessa longa trama de quase duas horas.
Passado no ano passado
para a exigente plateia e júri do Festival de Cannes, Jimmy P. é um daqueles
filmes que acaba mas não termina, por conta das inúmeras discussões que vai
gerar. Um prato cheio para qualquer estudante de antropologia, psicologia,
psiquiatria e para todo mundo que gosta de filmes feitos para refletir. Não
importa em qual língua você sonha, Jimmy P. mostrará a você que o importante é superar
os traumas e ser feliz.
23/01/2014
Crítica do filme: 'O Lobo de Wall Street'
Para onde a ganância te leva quando o mundo passa a ser um
território sem limites? Falando sobre a ambição capitalista dos tempos
modernos, criticando duramente o mercado de ações e dando um soco no estômago
de qualquer puritano, o excepcional cineasta norte-americano Martin Scorsese
volta a trabalhar com seu mais querido pupilo, Leonardo Di Caprio, no já
aclamado O Lobo de Wall Street. Baseado no livro homônimo escrito por Jordan
Belfort, o filme consegue a fórmula perfeita ao ser dinâmico e empolgante sem
perder um minuto de brilhantismo. São as três horas mais rápidas que você
viverá dentro de um cinema.
Na história, acompanhamos a trajetória meteórica de Jordan
Belfort (Leonardo Di Caprio), um homem com apenas um foco em sua vida, ser
muito rico. Após um início conturbado em uma empresa promissora, consegue
inteligentemente absorver tudo o que precisava para se tornar um guru na arte
de fazer as pessoas investirem seu dinheiro. Com a ajuda do amigo Donnie Azoff
(interpretado pelo hilário Jonah Hill), funda sua própria empresa que logo se
torna uma das mais rentáveis e visadas pela polícia em Wall Street. Ao mesmo tempo que segue ganhando cada vez
mais dinheiro, encontra o amor de sua vida, Naomi (Margot Robbie) e abusa
diariamente de todos os tipos de droga. Esses vícios acabam o levando ao fundo
do poço.
Agitação, números, ações, empolgação, euforia, dinheiro.
Scorsese joga no liquidificador essas variáveis e consegue executar um dos
melhores filmes deste ano, com toda a certeza. É uma direção controladamente
perfeita, conseguindo captar cada milímetro cúbico do complexo protagonista. O
público é dominado pela história do minuto um até o distante minuto cento e
oitenta. Somos reféns de uma experiência cinematográfica sem papas na língua,
aberta ao absurdo e escancaradamente brilhante. O vencedor do Oscar, eterno
diretor de Taxi Driver, é que nem vinho, só melhora com o tempo.
O Lobo de Wall Street é um retrato, um raio-x de seu personagem
principal. Ao descontrole desejo de ficar milionário ao intenso abuso de
drogas, percebemos a cada sequência as antes imperceptíveis inconseqüências do
protagonista. O filme não deixa de ser uma crítica social aos anos 80 e aos
tempos atuais, onde o tráfico de drogas e a prostituição rondam os altos e
baixos escalões da sociedade norte-americana. Scorsese não esconde nada: mostra
as orgias, o fácil caminho até as drogas quando se tem dinheiro e as aventuras
sexuais sem limites de Jordan Belfort. O filme, indicado ao Oscar de Melhor
filme deste ano, não chega a chocar. Até as sequências mais fortes tem sentido
em existir.
Leonardo Di Caprio mostra mais uma vez o grande ator que se
tornou em anos trabalhando ao lado de seu mestre. Faz o possível e o impossível
para ganhar seu primeiro Oscar, sugando e reproduzindo todas as facetas de seu
rico personagem. A dupla acerta novamente, transformando um possível personagem
chato e antipático em um ilimitado ser carismático que o público vai demorar
para esquecer. Cinema bom é assim mesmo, elogiamos, elogiamos e mal acaba já
queremos assistir novamente. Não deixem de conferir um dos mestres da sétima
arte em um dos seus melhores filmes da carreira. Bravo!
Crítica do filme: 'Trapaça'
Depois de sucessos como O Lado Bom da Vida e O
Vencedor, o badalado diretor norte-americano David O. Russell resolve
inovar em seu novo projeto criando uma atmosfera cômica em um cenário
ambientado na estilosa década de 70. Trapaça é uma doida mistura narrativa,
projetada com alicerces em cima de um ótimo roteiro, aliada a excelentes
personagens muito bem executados pela maioria dos astros de Hollywood que
parecem em cena. Mas nem tudo são flores, por mais marcantes e exuberantes que
algumas sequências podem parecer, o filme cai em um senso comum estranho,
esquecendo de colocar a cereja no bolo.
Na trama, acompanhamos a trajetória de Irving Rosenfeld
(Christian Bale), um especialista na arte das malandragens e transações
duvidosas. Amante de Jazz, com seu chamativo barrigão e adepto da peruca contra
a calvice precoce, vive empreendendo criminosamente pelas ruas de sua cidade.
Certo dia, durante uma festa, conhece o amor de sua vida, a bela ruiva Sydney
Prosser (Amy Adams) e juntos são procurados pelo FBI para ajudar na prisão de
diversos políticos e figuras importantes da alta sociedade norte-americana. O
plano, que é o passaporte de fuga da prisão para eles, corria perfeitamente bem
até a chegada da mulher de Irving, Rosalyn Rosenfeld (Jennifer Lawrence) que
arruma uma confusão após outra.
Esse é um daqueles trabalhos que podemos dizer ter um certo
charme. O décimo primeiro trabalho de Russell como diretor (entre curtas e
longas), concorrente ao Oscar de Melhor Filme neste ano), começa com uma
saudosa história de amor entre dois seres humanos requintados que se tornam uma
dupla infalível na malandragem profissional. A virada no roteiro acontece
quando os personagens deixam de ser superficiais e somos jogados, em meio a uma
trama policial, em um triângulo (quase quadrado) amoroso recheado de cenas
engraçadas mas nem tão marcantes.
David O. Russell teve
um leque de bons artistas para comandar seu show. Ousando com todo seu charme à
flor da pele e vestindo roupas milimetricamente decotadas, Amy Adams cumpre
muito bem sua missão no filme. Jennifer Lawrence, a atual queridinha de
Hollywood, aparece na segunda metade da história e se destaca em um papel
diferente de tudo que já fez na carreira. Christian Bale, que interpreta o
protagonista, é o responsável pelas cenas mais cômicas ao longo da fita,
méritos desse excelente ator. Jeremy Renner, faz uma breve ponta mas também se
destaca. O ponto negativo em torno das atuações gira em torno de Bradley Cooper
e seu Richie DiMaso. Exagerado, quase descontrolado, possui sequências de
loucura extrema que não passa um pingo de verdade.
Indicado a muitos Oscars neste ano, Trapaça é um pipocão Cult
inteligente que vai agradar parte do público. A genialidade dos diálogos, ponto
mais positivo do projeto, transformam esse roteiro em um dos mais criativos e
bem elaborados desta temporada. Mesmo com um personagem destoando do restante
do elenco, o filme não deixa de ser um prato cheio para nós cinéfilos de
carteirinha mesmo que ao final do filme você também perceba que faltou alguma
coisa, ou que comeram a cereja do bolo antes do tempo.
22/01/2014
Crítica do filme: 'Grand Central'
Quando o amor não basta, o medo consome. Para falar sobre as
problemáticas nucleares, uma pincelada crítica dos abalos energéticos de muitos
países, a diretora Rebecca Zlotowski (em seu segundo longa-metragem) utiliza
uma cobertura romântica protagonizada pela mais nova musa do cinema francês, Léa
Seydoux. Grand Central pode ser definido também como a história de
homens e seu traiçoeiro trabalho que geram conflitos emocionais, físicos e
familiares muito bem reproduzidos na telona.
Na trama, conhecemos Gary Manda (Tahar Rahim), um homem sem
objetivos que vive pulando de trabalho em trabalho em diversas cidades. Quando
os ventos do destino mudam outra vez sua direção, consegue um emprego em uma
usina nuclear na França. Por lá faz novos amigos e conhece um grande amor,
Karole (Léa Seydoux), namorada de Toni (Denis Ménochet) um dos que o melhor o
recebe na nova cidade. Lutando contra um desejo reprimido, tenta sobreviver a um
trabalho perigoso e a um amor proibido.
A conflituosa relação que o destino cravou gira quase que
exclusivamente em torno do protagonista, um homem que nunca esteve apaixonado e
que vive de maneira intensa sua vida. Nas mesas de sinuca ou na estrada andando
como nômade à procura de uma razão para sua existência, encontra no amor seus
conflitos mais profundos. Um jogo de paixão, desejo e razão vão se misturando,
deixando o personagem à deriva de ações inconseqüentes.
Obviamente, a intenção da fita era transmitir e criar uma
discussão em cima da problemática e os perigos das usinas nucleares. Só que a
história que a princípio viria em segundo plano, o amor singelo e bruto entre
dois personagens, acaba tomando o papel de protagonista no processo de
interação com o espectador muito por conta da intensidade e competência da
atriz Léa Seydoux, iluminada (mais uma vez) em cena.
Longe de ser o melhor filme da coadjuvante principal de Azul
é a Cor Mais Quente (nem tão pouco seu filme mais polêmico), Grand Central
merece ser conferido por todos os cinéfilos pois consegue encontrar em suas
subtramas uma inteligente razão de existência.