19/06/2016

Crítica do filme: 'L’attesa'



Como lidar com a dor e as com as consequências oriundas da mesma? Falando sobre a perda em uma escala intensa e com direito a um ritual de passagem do luto instaurado, o longa-metragem italiano L’attesa é filme denso que requer a atenção e paciência do espectador. Há um sofrimento evidente nos silenciosos primeiros minutos de projeção, além de uma metáfora quase que indecifrável em muitas das sequências desta obra. Um tom fúnebre percorre todos os 95 minutos de projeção que fica mais compreensível e deixa a perplexidade tomar conta dos sentimentos pelas atitudes inconsequentes de uma das protagonistas, interpretada pela estonteante atriz francesa Juliette Binoche.

Na trama, acompanhamos a chegada da jovem e bela Jeanne (Lou de Laâge, a nova musa do cinema francês) a um casarão no interior da região de Sicilia. Chegando lá, a francesa se depara com uma reunião de luto e fica angustiada para encontrar com Anna (Juliette Binoche), dona da casa e mãe de seu namorado Giuseppe. Assim, percebemos que Jeanne saiu da França e chegou na Itália para encontrar seu namorado. No aguardo da chegada de Giuseppe, as duas mulheres, de duas gerações completamente diferentes, vão criando um pequeno laço maternal até as descobertas de alguns segredos que vamos sabendo aos poucos.

A abertura do filme, em forma de raio-x de bagagens de aeroporto já traça o primeiro paralelo com a trama em si. Somos convidados pelo diretor de primeira viagem em longas-metragens, o italiano Piero Messina, a uma viagem rumo ao universo enigmático das emoções e como as reações que tomamos, ou que não conseguimos tomar, nesses momentos acarretam uma infinidade de consequência para as pessoas ao redor. Falar que Juliette Binoche é uma excelente atriz é redundante mas nesse filme ela praticamente louva o público com uma Masterclass de atuação. Impecável. Perdida na própria solidão, sua personagem Anna é o espelho da amargura como se não tivesse mais forças para acreditar em dias melhores. Tudo muda com a chegada de Jeanne que revitaliza nela a presença do filho distante que tanto ama. Por meio de uma mentira escancarada, somos testemunhas, se projeta rumo ao desabrochar de seu estado de luto sem pensar em consequências pelos seus atos.

Na outra ponta do Iceberg, Jeanne. Durante os dias de estadias na casa de Anna, percebemos um amadurecimento da jovem, seus olhos azuis não querendo enxergar o que seria evidente para muitos projeta um ar de ingenuidade e ao mesmo tempo de querer embarcar em um espírito de liberdade. Mesclando uma sensualidade delicada e momentos de intensa reflexão, Lou de Laâge é a companheira de cena perfeita para a professora Binoche. 

L’attesa estreou na Itália dia 17 de setembro do ano passado, após desfilar sua forte trama por vários festivais importantes mundo a fora. Na Brasil, já foi comprado por uma distribuidora e em breve deve estar brindando os cinéfilos nas grandes telas das melhores salas do Brasil. Belo filme, não percam.
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Crítica do filme: 'Irmão de Espião'



Bobeira é não viver a realidade. Depois de alguns papéis um pouco mais sérios, em produções hollywoodianas, o humorista britânico Sacha Baron Cohen volta ao seu lar: o das comédias sem noção que gostam de gerar polêmica atrás de polêmica.  Irmão de Espião (Grimsby), sem previsão de estreia nos cinemas daqui, é um longa-metragem politicamente incorreto que envolve espionagem, ação e comédia. Dessa vez, dirigido pelo francês Louis Leterrier (Truque de Mestre) e contando com um elenco de peso com nomes como Mark Strong e Penelope Cruz, o Sr. Cohen usa e abusa de sua maneira de contar histórias, dessa vez com direito até a piadinha sem noção com o intérprete do Harry Potter. Mas uma vez está provado que Sacha possui seu próprio universo e você vai amá-lo ou odiá-lo. 

Na trama, conhecemos o agente especial do MI6 Sebastian (Mark Strong), um espião que se vê metido dentro de uma conspiração que planeja um assassinato e acaba sendo acusado por um crime que não cometeu. Assim, acaba reencontrando seu irmão Nobby (Sacha Baron Cohen), um fanático por futebol inglês que possui muitos filhos e vive em uma cidade longe do grande centro. Juntos, eles vão redescobrir memórias e traçar um plano para livrar Sebastian de todas as acusações. Mas para isso acabam se metendo em situações constrangedoras como ficar no meio de um sexo entre elefantes.

O filme é totalmente sem noção, como já esperávamos. Você até consegue rir de algumas cenas mas percebe-se um exagero além, o longa tá longe de ter a essência de Borat. Em uma das cenas mais constrangedoras, lembramos da letra dos inesquecíveis mamonas assassinas: ‘Os animal, tem uns bicho interessante. Imagine o tamanho que é o pinto de um elefante’. Nessa sequência, a mais maluca do filme com toda certeza, onde os personagens, fugindo de assassinos que os perseguiam, acabam se escondendo dentro de uma elefanta e de repente começa um sexo entre elefantes. O mais inacreditável é como um ator como Mark Strong aceitou esse papel.

Talvez a alma do negócio talvez seja não levar o filme muito a sério. Na tentativa de criar um universo 007 diferente, Sasha (um dos que também assinam o roteiro) não consegue criar uma receita de sucesso. Embarcar em suas ideias, ainda mais nos dias atuais, está cada vez mais difícil.
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18/06/2016

Crítica do filme: 'Midnight Special'



Até onde vai a força de um pai lutando pela sobrevivência de um filho? Chega dos Estados Unidos (mas bem longe de ser um blockbuster que todos assistirão), um dos filmes mais intrigantes deste ano:  Midnight Special. Com um ritmo alucinante, envolvendo tiroteios intensos e explosivas perseguições de carros, o longa-metragem dirigido pelo cineasta Jeff Nichols (dos ótimos O Abrigo e Amor Bandido) explora bem profundamente a possibilidade de uma vida extraterrestre e como entidades governamentais e religiosas as explorariam a situação caso realmente existissem esses indícios. Esse realmente é um filme que Fox Mulder gostaria de participar. 

Na trama, somos rapidamente apresentados a um pai chamado Roy (Michael Shannon) e seu filho chamado Alton (Jaeden Lieberher) que estão em uma fuga alucinante pelas estradas norte-americanas contando com a ajuda apenas de Lucas (Joel Edgerton), um policial que abandonou toda sua vida para ajudar a dupla em seu objetivo. Aos poucos vamos descobrindo o porquê desta fuga, que envolve uma seita religiosa, o governo dos EUA e uma analista de inteligência do FBI, esse último interpretado por Kylo Ren (ou Adam Driver se preferirem). Midnight Special possui sua própria personalidade nas intensas e inteligentes rotações de gênero que possui ao longo dos quase 120 minutos de projeção. 

Os arcos do filme são muito bem explorados dentro do excelente roteiro. Após uns 10 minutos iniciais de tirar o fôlego, somos situados em uma trama paralela (mas ao mesmo tempo simultânea) para podermos entender os porquês das escolhas dos personagens e seus verdadeiros objetivos dentro do contexto. Assim, somos apresentados a uma seita em que o pai e filho mencionados faziam parte, um analista do FBI começa a descobrir segredos sobre os enigmas que o são apresentados, e aos poucos as habilidades do menino são reveladas ao público gerando uma série de perguntas sobre quem ele realmente é. O intrigante nisso tudo é que o filme se torna um quebra-cabeça de ações e objetivos, oriundos de uma ideia inicial de que o menino em questão tem poderes especiais. 

Já na metade final da trama, entra na história uma figura que completa grande parte do quebra cabeça: a mãe, interpretada com bastante competência por Kirsten Dunst. Com o ciclo familiar apresentado e as razões para eles estarem juntos nesse momento explicados, o longa, que não tem previsão de estrear nos cinemas brasileiros por enquanto, entra em seu louvável ato final com todos sofrendo as consequências de suas escolhas.  Midnight Special é a prova de como um roteiro poderoso pode transformar um longa-metragem em uma singela obra prima de um gênero explorado muitos vezes por ideias sem força e com fundamentos explicados apenas na superfície.
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Crítica do filme: 'High-Rise'



As mais loucas distopias futurísticas podem estar mais perto do que pensamos. Baseado no livro homônimo, publicado na década de 70 pelo escritor J.G. Ballard, High-Rise é quase um sci-fi social que se baseia única e exclusivamente em como um desproporcional crescimento tecnológico da classe mais rica pode ser um caos no convívio e no relacionamento de toda um planeta que praticamente é banido de não ter o que uma minoria tem. Com locações quase que totais na Irlanda, o filme possui uma pegada bem forte (com cenas bem impactantes) e consegue ao longo dos seus intensos 120 minutos passar toda uma ideia que muito se parece, se traçarmos um paralelo, com várias etapas de ascensão e declínio de classes sociais que o mundo já passou.

Na trama, acompanhamos a chegada de Laing (Tom Hiddleston), um homem solitário, de classe média, que se muda para um novo arranha céu que possui muitas peculiaridades. Aos poucos vamos percebendo, junto ao personagem principal, que os andares são divididos em classes sociais, além do edifício ter uma ‘vida própria’, lá funcionam uma espécie de shopping, tem escola, supermercado, o que faz com que seus moradores percam quase que por total a noção do mundo fora dali. Aos poucos, como a maioria das revoluções que o mundo já viu em sua história, em High Rise acontece uma rebelião dos moradores dos andares de baixo com os que moram e ostentam em suas coberturas. 

Se isso fosse um jogo de RPG, Laing é o nosso personagem. As surpresas que chegam para ele, impactam demais nossos raciocínios mais distantes buscando sempre um paralelo com alguma coisa do mundo real. A história, muito bem destrinchada e com alta margem para debates, é ‘delicadamente’ dirigida e com muita eficiência pelo cineasta Ben Wheatley. A luta, muitas vezes com agressões físicas, provocadas por ideias conflitantes em relação aquele mundo instaurado, é movido à sangue e tinta. A loucura também faz parte da história, principalmente no segundo ato em diante. A falta de noção da realidade fora do edifício, coloca em cheque qualquer tipo raciocínio trivial sobre como viver em sociedade.

Quase como a cereja do bolo, a entrada de Jeremy Irons e seu impactante personagem, Royal, transforma tudo aquilo que alguns personagens achavam em forma de teoria em uma realidade angustiante que envolve ganância, egoísmo e traições. Como muitos personagens ganham força ao longo da projeção, o personagem principal vai ficando quase que em segundo plano chegando ao ponto de ser apenas nossos olhos dentro da história. High-Rise, absurdamente sem previsão para estrear nos cinemas brasileiros, muito se parece com outro belo filme, O Expresso do Amanhã. Uma das poucas diferenças entre os dois é que um você vai pra frente e o outro você vai subindo de elevador. 

Se você gosta de pensar um pouco sobre como o mundo está em constante rotação de ideias, fruto por demais de uma tecnologia que não chega para todos, esse é um filme que você precisa ver. Em seu ato final, completamente emblemático, percebemos que existe um dia outros High Rise possam ganhar vida em nossa realidade, ou, como muitos vão pensar, eles já existem.
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12/06/2016

Crítica do filme: 'Um Amor à Altura'



Todo homem é poeta quando está apaixonado. Após o ótimo O Pequeno Nicolau e sua sequência, o diretor francês Laurent Tirard volta às telonas dessa vez para um remake de um filme argentino de sucesso Coração de Leão - O Amor Não Tem Tamanho. Contando no elenco com o astro francês Jean Dujardin (O Artista) e com a bela atriz belga Virginie Efira o longa-metragem segue fielmente o roteiro do original tentando se diferenciar apenas pelos momentos extremos de comédia pastelão (aquelas com risos fáceis). Por não conter nenhum tipo de originalidade/personalidade própria, esse é mais um daqueles remakes que deixam a desejar. 

Na trama, conhecemos uma linda advogada bem sucedida chamada Diane (Virginie Efira) que vive sozinha e divide o escritório onde trabalha com seu insuportável ex-marido. Certo dia, após esquecer o telefone em um lugar, um homem misterioso chamado Alexandre (Jean Dujardin) liga para ela e a convence de encontrá-lo em um almoço. Chegando lá, Diane se surpreende com a altura do homem mas é fisgada pelo charme e carisma deste pequeno galã francês. Assim, ao longo das semanas seguintes, entre encontros maravilhosos e surpreendentes, Diane terá que tomar uma decisão, fugindo dos preconceitos dos outros ao redor e pensando única e exclusivamente no amor que nasce entre os dois pombinhos. 

Um dos filmes mais água com açúcar deste Festival Varilux de Cinema Francês 2016, Um Amor à Altura se desenvolve através de encontros inusitados e a maneira como Alexandre tenta conquistar o coração da bela Diane. Usando todo o charme no personagem, Jean Dujardin encarna exatamente na mesma linha de atuação que o argentino Guillermo Francella seguiu no original. Os momentos de risos fáceis acabam dando um extremismo às situações, fato que não ocorre tanto no original. De uma história bonita e inusitada, validando as raízes montadas dentro do amor, esse remake francês acaba batendo forte em um tom de comédia que deixa tudo muito exagerado e sem graça. 

Não chega a ser uma grande decepção por conta da direção do ótimo Tirard, a decepção chega mais pelo roteiro que não consegue ser um pouco mais original e trazer mais elementos para se diferenciar da fita argentina. Sem previsão para estrear no circuito brasileiro, Um Amor à Altura encontra-se na categoria de filmes esquecíveis deste Festival.
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