O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.
Nossa entrevistada de hoje é cinéfila, de São Paulo. Tuna Dwek é atriz, socióloga, crítica
de cinema, locutora, tradutora, intérprete. Com mais de 40 trabalhos no cinema
como atriz, mais de 25 trabalhos nos palcos do Brasil, premiada no cinema e no
Teatro, inclusive com o importante Prêmio Bibi Ferreira como Melhor Atriz
Coadjuvante de Teatro na peça de Jô
Soares, A Noite de 16 de Janeiro.
Poderia escrever vários parágrafos, Tuna é um fenômeno, carismática e alegre,
vive da cultura, sua grande paixão.
Obs: querida amiga
Tuna, lembro que eu e minha esposa fomos em São Paulo lhe assistir em um
teatro em Pinheiros, na peça A Tartaruga
de Darwin, de Juan Mayorga, com direção
de Mika Lins. Mais uma fantástica atuação
e sua carinhosa recepção quando nos viu ficaram marcados em meu coração e da
minha esposa. Continue nos brindando com seu carisma único, é uma fortuna ser
seu querido amigo cinéfilo.
1) Na sua cidade,
qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da
escolha.
Sem desmerecer todos cinemas que frequento, de todos os
circuitos, o Cinesesc é o Cinema que
mais faz meu cinéfilo coração vibrar. Por ser Cinema de rua, é por si só
acolhedor, a qualidade da programação e da projeção são impecáveis. Por ser
independente de um circuito comercial, pode apresentar Retrospectivas
específicas como por exemplo, as mais recentes, Luchino Visconti, Ingmar Bergman, Michelangelo Antonioni, Stanley
Kubrick, além das mostras anuais, Os Melhores do Ano (onde voto também) e a
completíssima Retrospectiva do Cinema Brasileiro. A programação abrangente
ainda traz os filmes selecionados premiados ou não, de festivais como os do
Rio, de Tiradentes, e alguns Internacionais. Suas parcerias com a produção
independente também garante Mostras interessantíssimas de filmes produzidos na
África, Oriente Médio, Ásia. Panorama do Cinema Suíço, In-Edit de documentários
musicais, Mix Brasil Festival de Cultura da Diversidade, são alguns dos muitos
exemplos que oferecem uma programação gratuita garantida pelas parcerias do
Cinesesc com instituições culturais ou Representações Diplomáticas como
Embaixadas e Consulados .Já passei noites inteiras no Cinesesc como por exemplo, quando o Cinema apresentou as 8 horas de
Satantango, dirigido pelo húngaro Bela Tárr, ou as quase 6h de Do que Vem Antes, sem contar as 4 vezes
em que vi O Cavalo de Turim também
de Bela Tárr. E o Fausto, de Sokurov entre outras obras primas.
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
Já quebrei muito a cabeça pra tentar me lembrar do primeiro
filme que vi, mas existe um filme que me marcou muito na infância, O Maior Espetáculo da Terra, e o universo
do circo, Os Dez Mandamentos, porque
existe obviamente o fator geracional. O Cinema era meu refúgio, era o grande
lazer. Nas férias de verão na praia, por exemplo, a crianças iam ao Cinema Praiano e no Cine Guarujá e pegávamos a balsa para
irmos ao cinema em Santos, era uma maravilha. No meu caso específico, era uma
necessidade vital, a evasão máxima de um cotidiano que tinhas suas
particularidades.
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
A pergunta mais difícil do mundo para um cinéfilo!!!!!!
Impossível! Porque veja eu amo alguns filmes, muitos e se eu começar não
termino, quer uns exemplos dos filmes da minha vida? Preparado? Vou falar
aleatoriamente: Les Enfants du Paradis
(Boulevard do Crime), do Marcel Carné, Asas do Desejo (Wim Wenders),
Ilha Nua (Kaneto Shindo) Vertigo (
Alfred Hitchcock), o Sétimo Sêlo ( Ingmar Bergman), Roma , Cidade
Aberta(Roberto Rosselini) e por aí vai, West Side Story, O Leopardo, Clamor do Sexo, Rocco e seus irmãos, todos
os filmes do Valério Zurlini sem
exceção, Laurence da Arábia, O Poderoso
Chefão, Contos da Lua Vaga, Festa de Babette, Mulher sob Influência, A Doce
Vida, Oito e Meio, Persona, Noite de Estreia, A Rosa, o que aconteceu com Baby
Jane, A Malvada, São Paulo S.A., Deus e o Diabo na Terra do Sol, Novecento,
Apocalypse Now, Hamlet (versão russa), Fausto,
Encouraçado Potenkim, o fundo do ar é vermelho, Cantando na Chuva; Desejo,
Perigo,; A regra do jôgo, o Jardim dos Finzo Contini, As coisas da vida, O Céu
que no Protege, Crepúsculo dos Deuses, Sertânia, A Nostalgia da Luz, Rebento,
Cães Errantes, Limite, Jogo de Cena, Brincando nos Campos do Senhor, Cinema ,
Aspirinas e Urubus, Chuvas de Verão, os Bons Companheiros, A noite, A mulher do
lado, Ascensor para o Cadafalso, Ladrões de Bicicleta, Nós que nos amávamos
tanto, Guerra e Paz ( o do Bondarchuk), Cidadão Kane, A Noviça Rebelde, A Lista
de Schindler, A Guerra do Paraguay, Jeanne Dillman, Limite , Visages, Villages,
Noite e Neblina, Adeus, Meninos, e claro que devo ter esquecido muitos outros.
Nossa história de vida passa pelos filmes que nos marcaram. Um melhor filme não
é necessariamente do diretor predileto.
Vou a muitas mostras de cineastas independentes, assim
descobri o húngaro Peter Forgács, o
americano Jonas Mekas, a belga Chantal Akerman, a tcheca Vera Chitilová e muitos outros. Devoro
as mostras!
4) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
Também outra dificílima. São mais recentes, mas há dois que
amo incondicionalmente. E já até citei anteriormente. A Guerra do Paraguay, de Luiz
Rosemberg Filho. É cruel e poético ao mesmo tempo, une História e Arte. Não
se esqueça que sou atriz. Um soldado volta da Guerra do Paraguay e encontra
atores pelo caminho. O Texto é primoroso, uma metáfora sobre a estupidez da
Guerra. E vou falar de um filme que, ainda que falado em Inglês, tem atores
brasileiros e foi feito pelo Babenco
que adotou o Brasil como sua pátria cinematográfica, Brincando nos Campos do Senhor.. Um cinema sem heróis, Babenco
aborda a questão humana e suas angústias sem mocinhos e bandidos, com sua
lucidez poética.
Há algumas cenas do Cinema Brasileiro, indeléveis como por
exemplo, Marília Pera amamentando
Pixote, a cena final de Fernanda
Montenegro em Central do Brasil,
Paulo Autran em Terra em Transe, Norma
Benguell na praia em Os Cafagestes
de Ruy Guerra, Wanda Lacerda e Jofre Soares
em Chuvas de Verão de Cacá Diegues, Guarnieri em Eles não usam
Black Tie...
5) O que é ser
cinéfilo para você?
É ver tudo porque é Cinema, acompanhar a filmografia
completa de diretores que têm algo a dizer, e de atores , na medida do
possível. Ver muito, se conectar com os que amam o Cinema e aprimorar o olhar
cinematográfico. Muitas vezes, temos um
critério afetivo em primeiro lugar, o racional vem depois, mas o cinéfilo
atravessa a cidade para ver um determinado filme , no horário que for. É estar
disponível internamente para descobrir o que o outro quer dizer, que história ele
tem para contar.
6) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas
que entendem de cinema?
Acredito que muitos fatores comerciais tenham influência na
programação. Os públicos são variáveis e muitas vezes o programador tem que
escolher e, função do público. Em geral sim, e até entram em conflito porque
gostariam de programar uma escolha pessoal mas existe uma necessidade de satisfazer
a todos os segmentos do público. Tenho muito respeito pelos programadores, são
escolhas difíceis e há questões de mercado que não necessariamente traduzem o
perfil do programador nesse sentido e eles acabam sendo julgados e modo
precipitado.
7) Algum dia as salas
de cinema vão acabar?
Acabar não, mas lamentavelmente muitos estão destinados à
falência.
8) Indique um filme
que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
Não sei se poucos viram pelo mundo mas há por exemplo , Thérèse Desqueyroux,(Relato íntimo) de Georges Franju com Emmanuelle
Riva, Tio Vania em Nova York de Louis Malle. Quantas vezes não saímos
do Cinema lamentando a plateia diminuta em filmes maravilhosos?
9) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Alguns reabriram e constatei em cabines de Imprensa
protocolos rígidos de Segurança , distanciamento respeitado , poucas pessoas
mas todas de máscaras. É uma questão polêmica. Os cinemas estão respeitando
higienizam as salas, medem a temperatura, há alcool gel em todo canto, mas
quero saber é se os espectadores estão se cuidando antes de entrarem no cinema.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente:
Excelente! Há um vigor, uma grande movimentação em curtas,
médias, longas metragens, roteiros sendo inscritos em editais, festivas pelo
Brasil inteiro, o Cinema Independente se mobilizando, o surgimento de vozes
invisíveis, uma Resistência a todos os níveis contra as tentativas de
aniquilamento de nosso Cinema. Como atriz tenho trabalhado muito e como crítica
tenho visto uma produção incessante e um compromisso com a qualidade.
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Marcelo Gomes.
12) Defina cinema com
uma frase:
A evasão necessária movida por uma paixão inexplicável desde
sempre.
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
Não é tão inusitada, mas peguei no flagra um espectador
gravando um filme pelo celular, e arranquei da mão dele e levei para o
Segurança. Me senti heroica!
14) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
Vou ficar devendo essa, não ví.
15) Muitos diretores
de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta
precisa ser cinéfilo?
Ele precisa ter referências, um repertório. Algumas opções
estéticas homenageiam grandes mestres por exemplo, mas há cineastas jovens
muito talentosos que são cinéfilos e outros que não e conseguem bons
resultados, mas o diálogo entre atores e diretores que assistiram às mesmas
coisas é muito mais rico, certamente. Então, para dirigir um filme, não
precisa, mas para dirigir um bom filme, acredito que a cinefilia seja de grande
valia.
16) Qual o pior filme
que você viu na vida?
É tão odioso que se eu escrever o nome, tenho medo até de
atiçar a curiosidade. Vem da Sérvia ..Atroz.
17) Qual seu
documentário preferido?
Não há um só. O Fundo
do Ar é Vermelho, de Chris Marker.
Shoah de Claude Lanzman, recentemente Segrêdos
do Putumayo, de Aurélio Michiles
e Cidadão Boilesen, de Chaim Litewski, Coraçôes e Mentes, de Peter
Davis. Os 5, já aviso, nada têm de
leves .
18) Você já bateu
palmas para um filme ao final de uma sessão?
Sim! Antes do final até, em Bastardos Inglórios, de Quentin
Tarantino quando Shoshana, interpretada por Melanie Laurent faz seu discurso de vingança na tela do Cinema.
19) Qual o melhor
filme com Nicolas Cage que você viu?
Rumble Fish, de Francis Ford Coppola e Despedida em Las Vegas de Mike Figgis.
20) Qual site de cinema
você mais lê pela internet?
Cineweb, Blog do Miguel Barbieri Cineclick, Papo de
Cinema, Adoro Cinema, Cenas de Cinema.