Partindo de fatos curiosos sobre um filme — considerado 'maldito' por muitos — que nunca saiu do papel, o documentário Os Ruminantes nos conduz por memórias de uma época marcada pela escassez de recursos e pela pressão política. A narrativa se constrói a partir da intimidade dos depoimentos e da presença de grandes trechos do cinema nacional, que ajudam a preencher as lacunas deixadas por um cineasta marcante na história do cinema brasileiro, falecido precocemente antes dos 40 anos. Dirigido por Tarsila Araújo e Marcelo Mello, o longa foi selecionado para a Mostra Competitiva da CineOP 2025.
O projeto parte da trajetória de Luiz Sergio Person, mas se expande para retratar todo um cenário
audiovisual da época. Com olhar voltado para o final da década de 1960, o
documentário se destaca pela sólida pesquisa e cuidadosa montagem. A partir de
um roteiro que tinha potencial para se tornar mais uma obra marcante do nosso
cinema, a narrativa nos conduz por contextos políticos e culturais do período,
revelando curiosidades pouco conhecidas — como a intervenção do regime militar
que impediu o sucesso de um dos filmes de Person nos Estados Unidos.
O roteiro em questão é uma adaptação do romance A Hora dos Ruminantes, de José J. Veiga — uma obra que explora a
imprevisibilidade da vida por meio das transformações provocadas pela ruptura
do cotidiano, após a chegada de misteriosos personagens à fictícia cidade de
Manarairema. Os paralelos com a sempre conturbada política brasileira e com
temas relevantes da sociedade saltam aos olhos — elementos que despertaram o
interesse do cineasta Luiz Sergio Person e de seu grande amigo, o também
cineasta Jean-Claude Bernardet.
A construção do documentário parte de perguntas ainda sem
respostas sobre os motivos que impediram a realização do filme, e se desenvolve
a partir dos depoimentos de Marina Person (filha de Luiz Sergio Person) e Jean-Claude
Bernardet. Um de seus grandes méritos está em revelar as dificuldades de se
produzir uma obra audiovisual em um contexto histórico adverso, ao mesmo tempo
em que reforça a importância de manter viva a memória documentada — funcionando
como uma espécie de continuidade da obra de um cineasta que, mesmo décadas após
sua morte, segue como referência no cinema brasileiro.
Os Ruminantes
mantém os pés no chão, mas não deixa de dialogar com o universo do realismo
fantástico presente na obra original — um clássico da literatura brasileira.
Por meio do inusitado, o filme abre espaço para aprendizados e provoca
reflexões profundas. A história, agora novamente documentada, convida o
espectador a olhar com atenção. Basta querer enxergar.