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01/10/2025

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Crítica do filme: 'Cais' [CineBH 2025]


No segundo dia do CineBH 2025, foi apresentado ao público um longa-metragem que é uma experiência – muitas vezes indecifrável –, rompendo com o lugar-comum trazendo os múltiplos sentidos da ausência entre belíssimas, e espalhadas, imagens em movimento. Tendo a água - o recurso fundamental para existência - como elemento-chave para o decifrar as reflexões, Cais, longa-metragem dirigido por Safira Moreira, encontra no luto uma forma de pensar o tempo.  

Entre antíteses que atravessam o recorte de uma família - o passado e o presente, a morte e a vida, tradição, cultura, religião -, o pensar sobre a existência se alia a uma câmera que encontra os lugares, como um personagem observador, em busca de um norte para os afluentes que conduzem ao epicentro dessa história. As interpretações podem ser variadas: esse é um documentário que não revela, mas pede pra ser sentido. De algum modo, tudo passa pelo tempo entrelaçando as gerações.

Há um desafio para o público: nesse ‘River Movie’, não há uma pista sobre o que é essa história e logo ficamos numa posição de sentir mais do que compreender. Em certos momentos, a ausência dos diálogos nos coloca de frente com a imersão, mantendo-nos em estado de atenção durante toda a projeção. Do fundo do mar, memórias convergindo sobre origens se chocam com a despedida (a partida da mãe), e também o recomeço (a maternidade) - um primeiro pulso que pode marcar o início de um caminho para interpretações.

Vencedor dos prêmios de melhor filme pelo júri, público e crítica no seu evento de estreia na 14º Olhar de Cinema, Cais nos gera uma inquietação constante, pede por uma entrega sensorial, entre peças que despertam nosso olhar. É um longa-metragem que fica na gente por dias, quando percebemos ainda estamos pensando sobre a obra. Quando o cinema nos provoca dessa forma, nos tirando da acomodação do que logo se entende, valida o valor do registro. 

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Crítica do filme: 'Punku' [Cinebh 2025]


Do experimental à ficção mais estruturada, com o híbrido pulsando nas infinitas possibilidades de manipulação inventivas dos elementos da linguagem cinematográfica, o drama - e também terror - peruano Punku aposta na sua chamativa estética destemida e em caminhos tumultuados para prender a atenção e revelar verdades da sociedade peruana. Escrito e dirigido por Juan Daniel Fernández Molero, o longa-metragem foi selecionado para a Mostra Território do CineBH 2025.

Um jovem desaparecido há dois anos é encontrado desacordado pela indígena machiguenga Meshia, numa região remota do Peru. Gravemente ferido em um dos olhos, ele precisa ser levado com urgência para a cidade de Quillabamba, onde poderá receber maiores cuidados. Chegando nessa nova cidade, o destino desse dois se entrelaça: entre pesadelos incompreendidos e verdades latentes, eles encontram todo tipo de dor, frustração e violência. 

Se você curte filmes que seguem uma receita de bolo, com tramas simplistas, poucas camadas, ou aquele ‘mais do mesmo’ sonolento, talvez passe batido por essa obra. Aqui há possessão, um curioso olhar para o misticismo, crítica ao patriarcado, liberdade de experimentação (quando pensamos em linguagem), além do choque do antes e depois marcado pela chegada da tecnologia à formação indígena contemporânea. Um verdadeiro pot-pourri de ações e elementos que se conectam para um recorte amplo – ainda que desordenado.

Duelando com os padrões convencionais, o filme aposta na fuga da lineariedade e de qualquer facilidade para driblar a mesmice, colocando todo seu foco na tensão como um elemento fundamental de sua construção. Seja pela forma criativa com que capta olhares, seja pelo conteúdo de sua trama, muitas vezes enigmática e com pontas soltas em elos que se perdem, esse curioso projeto prende a atenção de algumas maneiras.

Exibido no Festival de Berlim deste ano e apresentado pela primeira vez no Brasil, em Belo Horizonte, durante o CineBH, este filme peruano não é daqueles terrores de fecharmos os olhos. Deixando escanteada qualquer lapso de consistência narrativa, seu maior impacto surge das representações de verdades nuas e cruas, que coloca na mesa os deslizes da nossa capacidade de evoluir diante de valores e crenças que afetam a essência humana.

 

 

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Crítica do filme: 'Memoria Impacable' [CineBH 2025]


O CineBH vem trazendo em sua programação deste ano preciosos documentários, alguns sobre assuntos pouco conhecidos. É o caso de Memoria Implacable, co-produção Argentina e Chile que apresenta, por meio de um road movie, a desapropriação de terras e genocídio do povo indígena Mapuche a partir da chegada militar pelos dois lados da Cordilheira dos Andes. Através das descobertas de uma acadêmica descendente Mapuche, percorremos os lugares por onde, entre dores e desamparo, seu povo foi obrigado a passar logo após a expulsão de suas terras.    

A oportunidade de reencontrar as verdades dessa história é o grande objetivo de Margarita, uma ativista que dedicou sua vida a se reconectar com o passado de seus antepassados e entender de vez a história de sua família e seu povo. Guiada por essa missão, ela busca  informações em relatos e registros da brutalidade, buscando por memórias enterradas, esquecidas ou negadas. A cada nova parada, uma nova reflexão se soma ao seu caminho.

A contextualização histórica é apresentada com eficiência, e logo compreendemos a natureza dessa jornada. Os Mapuches habitavam o centro-sul do Chile e sudoeste da Argentina antes de terem seu território invadido por forças chilenas e argentinas, em ambos os lados dos Andes. Um fato que nunca foi reparado, com uma negação histórica que persiste até hoje. Essa negação é algo que pulsa em todo o documentário, despertando questionamentos sobre suas causas.

O grande desafio da narrativa é ilustrar essa história que tem sua força motriz apenas em memórias documentadas. A saída criativa é fascinante: entrevistas e narrações de registros sobre o ocorrido se encontram com uma composição visual deslumbrante, um cenário que se contrapõe as horrores cometidos nesses mesmos lugares. O silêncio também é um elemento que se faz presente, ganhando muitos sentidos dentro de um discurso que nunca perde sua direção.

Um dos objetivos de documentários como este é impedir que fatos sejam esquecidos, além de lançar luz sobre temas distantes para muitos, mas que ajudam a entender absurdos muitos vezes escondidos. Memoria Implacable constrói um retrato doloroso e de impacto, que provoca muitas reflexões.

 

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Crítica do filme: 'Morte e Vida Madalena' [CineBH 2025]


Inspirado em algumas histórias reais que o diretor Guto Parente escutou ao longo dos anos na sua vasta carreira no cinema – já são 11 longas-metragens no currículo – Morte e Vida Madalena, de maneira acertiva, e com uma narrativa pulsante ligada ao tragicômico, explora os caminhos e infinitas possibilidades da metalinguagem para expor os perrengues de uma profissão.

Selecionado para a Mostra Vertentes do CineBH 2025, o projeto - que já passou com grande sucesso por outros festivais de cinema este ano - é uma jornada que usa da melancolia debochada para apresentar ilustrações do cotidiano caótico de uma produção cinematográfica – algo pouco compreendido por quem não é do meio. Essa narrativa é impulsionada para a excelência com a atuação deslumbrante de Noá Bonoba.

Apresentando alguns dias de filmagens de um filme com baixo orçamento de ficção científica, conhecemos Madalena (Noá Bonoba), uma produtora de cinema prestes a ter o primeiro filho que passou por um momento dilacerante com o falecimento da sua maior referência, na vida e na profissão: seu pai. Precisando concluir um filme, Madalena precisa enfrentar inúmeros obstáculos e situações.

Impressiona como Parente consegue costurar drama e a comédia de forma harmoniosa, produzindo uma química, desde o início, com o público. Mergulhando nos perrengues de uma profissão que precisa provar seu valor a cada momento, o filme também revela a história de uma protagonista imersa em desilusões e decepções, mas que nunca deixar de encontrar um olhar positivo - ou mesmo um afeto carinhoso. É ou não é o reflexo de muitas histórias na realidade?

Pra dar vida a personagem principal, não tinha escolha mais certeira que Noá Bonoba. Que atuação maravilhosa! Sua presença pulsa como um coração vivo: oferece afeto e pede colo. Um verdadeiro presente para todos que tiverem a oportunidade de vivenciar essa obra.

Assistindo a esse filme, você ri, chora e se vê pensando nos dilemas universais que se desenrolam. O que mais se pode esperar de uma obra cinematográfica? Essa história, que certamente chegará com força para quem trabalha com cinema, encontra paralelos em diversas realidades - sociais, profissionais. Morte e Vida Madalena é um deleite para reflexões, um filme para a galeria dos melhores do ano.


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Crítica do filme: 'A Natureza das Coisas Invisíveis' [CineBH 2025]


Selecionado para a Mostra CineMundi do CineBH 2025, o delicado e marcante longa-metragem A Natureza das Coisas Invisíveis aposta no olhar ingênuo das primeiras fases da vida para construir uma trama que se sustenta na sutileza, encontrando reflexões maduras sobre a vida e a morte, equilibrando o conforto da imaginação com o impacto da realidade. O filme é escrito e dirigido por Rafaela Camelo, em seu primeiro longa-metragem.

Com a câmera sempre no lugar certo, somada a atuações maravilhosas e diálogos envolventes, cada peça do que assistimos se juntam para complementos, ampliando o discurso. Temas como a maternidade, os desafios na relação entre mães e filhas, a transição de gênero, o luto, são assuntos que aparecem ao longo dos cerca de 80 minutos de projeção.

Gloria é uma jovem super inteligente e comunicativa que acabou de entrar de férias. Sem ter com quem deixá-la, sua mãe, uma profissional da saúde, a leva diariamente ao hospital onde trabalha. Um dia, dá entrada na emergência Sofia, uma menina trans, neta de uma senhora que adoeceu. Com idades próximas, Gloria e Sofia logo se tornam amigas. As mães resolvem levá-las até um sítio, e lá começam a ultrapassar páginas do passado e abrir os horizontes para o futuro.

A história é contada de forma delicada, em uma narrativa de estrutura simples, na qual pontes são construídas através das imagens e mensagens, acompanhadas por uma trilha sonora cirúrgica. Assim, chegamos em preenchimentos de lacunas que se criam num primeiro momento. O encontro entre dois mundos, cujas questões convergem, e o olhar da criança para o universo cheio de questões da sociedade, abre espaço para temas polêmicos que podem servir para ótimos debates. De mansinho somos conquistados por essa história.

Os muitos sentidos da morte se tornam uma questão central que navega por toda a trama. Contornando esse tema muitas vezes complexo de captar olhares, a narrativa se lança em um corajoso jogo de complementos, no qual cada detalhe ganha importância em cena. Um exemplo disso é a presença de um porquinho que aparece durante partes da história, cujo simbolismo revela significados para os olhares mais atentos.

Exibido no Festival de Berlim deste ano e com uma sessão emocionante no CineBH, A Natureza das Coisas Invisíveis encontra nas sutilezas do primeiro olhar maduro para a existência seu porto seguro, apresentando uma história repleta de ternura, incertezas, e, acima de tudo, afeto.

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30/09/2025

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Crítica do filme: 'Assalto à Brasileira' [CineBH 2025]


Você sabia que, há quase 40 anos atrás, mais precisamente na cidade de Londrina, ocorreu um dos maiores assaltos a banco da história do Brasil? Jogando luz para alguns curiosos desenrolares desse evento, o novo longa-metragem do experiente cineasta José Eduardo Belmonte, Assalto à Brasileira, recria essa ação com toques certeiros de comédia, sob o ponto de vista de uma peça importante: um jornalista recém-demitido que acabou sendo um elo entre criminosos e a polícia.

Exibido no último dia de programação do CineBH 2025, o filme mergulha nos detalhes que compuseram as intermináveis horas de tensão, mas chega de forma leve para o público pelo foco nas trapalhadas e inexperiências dos personagens envolvidos. Há sempre um risco ao compor sugestões desse tipo: no fim das contas, os ladrões acabam despertando uma torcida – algo que, de fato, ocorreu com boa parte da população na época. Aqui, porém, é completamente justificável esse espírito de ‘Justiça Social’, já que o embate entre sistema e população abalada por instabilidade financeira provocava reações desse tipo, bem retratadas pelo projeto.  

Paulo (Murilo Benício) é um jornalista renomado que atravessa um momento turbulento em sua vida: recém-demitido, vai até a agência do Banco do Estado do Paraná (Banestado) para pegar seus trocados da rescisão. Chegando no local, acaba presenciando um inusitado assalto. Enxergando na situação uma oportunidade de reportagem - e percebendo, aos poucos, que os bandidos são completos amadores -, Paulo acaba sendo peça-chave na comunicação entre polícia e os assaltantes.

O ritmo do filme é fundamental para que os olhos do público não se desgrudem da tela- e aqui isso se mostra um fator de grande importância. Com um início promissor, a ótima trilha sonora, com canções que servem para marcar época aos acontecimentos, ajuda a começar com o pé direito. Há uma busca a todo instante por um equilíbrio na narrativa, que encosta nos exageros, mas sem se tornar redundante – o que poderia deixar maçante o contar essa história.        

Outro ponto importante é a contextualização, apresentada já na introdução do filme e que segue ao longo dos diálogos, uma manobra complementar que ajuda ao entendimento de certos porquês. Imagine o cenário: você compra um pão de manhã por um preço e, na mesma tarde, o valor é outro. Em 1987, ano desse acontecimento retratado na obra, o Brasil passava pelos primeiros passos da redemocratização, mas ainda carregava uma herança dos tempos de ditadura – uma inflação próxima de 400% ao ano –, realidade que deixou muitas pessoas à beira do desespero.

Mas o grande acerto do projeto é ilustrar eventos que muitas vezes parecem surreais com a força da essência cômica. Ótimos artistas - destaque para Christian Malheiros e Murilo Benício – dão vida à personagens que, em pequenas participações ou grande presença em tela, conquistam espaço na trama. Essa leveza acaba convencendo o público, que provavelmente vai interagir bastante com os acontecimentos quando o filme estrear no circuito exibidor.

Vencedor de três prêmios na última edição do Festival de Brasília, Assalto à Brasileira apresenta mais uma página curiosa de nosso Brasil de forma consistente e que vai levar o público ao riso mas sem deixar de sugeri reflexões sociais.

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