08/10/2020

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #121 - Alan Ferreira


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, nascido em São João de Meriti, morador há 2 anos de Rio das Ostras. Formado em Letras pela UERJ desde 2008, Alan Ferreira é professor das redes estadual e municipal. Apaixonado por cinema desde moleque e tendo sofrido para dar asas a sua cinefilia numa região com pouco acesso à cultura como a Baixada, sempre se preocupou em, para além das suas aulas de Português, oferecer aos alunos da escola pública a oportunidade de conhecer um pouco da linguagem cinematográfica e o que de melhor se produziu mundo afora.


Em 2012 surgiu a chance de ter uma estrutura adequada para a criação de um cineclube e uma oficina de cinema no CIEP onde trabalhava através do projeto CINEAD (Cinema para Aprender e Desaprender) da UFRJ. Com o equipamento adquirido, criou-se o Núcleo de Audiovisual Ofélia Ferraz (NAV), cujo nome homenageia uma professora que teve nessa mesma escola e que sempre o incentivou a ampliar seus conhecimentos sobre cinema. No espaço, realizaram-se entre 2013 e 2018 sessões de grandes filmes como Laranja Mecânica, Taxi Driver e Estômago seguidas de acalorados debates, além das já mencionadas oficinas utilizando o aprendizado adquirido no CINEAD, que renderam inúmeros exercícios e quatro curtas amadores. Caso queiram dar uma olhada, há uma página no Facebook com o nome do espaço na qual você encontrará os registros de todas as atividades realizadas, inclusive os curtas. Hoje, estuda formas de conseguir fazer algo semelhante onde mora atualmente.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Na cidade onde vivo atualmente só há um cinema e ele é dominado pelos blockbusters. Quando morava na Baixada Fluminense, onde nasci e cresci, costumava pegar o metrô para curtir a programação dos cinemas da Voluntários da Pátria em Botafogo. Adorava ir ao Odeon também!

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Velocidade Máxima. Foi numa das minhas primeiras idas ao cinema. Imagine uma criança de 12 anos que sempre adorou andar de ônibus vendo um voar tal como a bicicleta do Elliot em E.T. naquela sequência da falha na rodovia... Foi uma epifania! Lembro de tê-lo visto num cinema de rua da minha cidade, São João de Meriti, cuja sessão fazia dobradinha com a de Duro de Matar: A vingança. Por módicos 10 reais, vi cada filme duas vezes e, quando dei por mim, tinha passado o dia inteiro no cinema.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Essa é uma das perguntas mais cruéis para qualquer cinéfilo. São tantos que acho maravilhosos: Kubrick, Bergman, Welles, Buñuel, Tarkovski, Ozu, Tarantino... Mas, não posso fugir de escolher o primeiro a me fazer enxergar o cinema como linguagem: Alfred Hitchcock. Meus filmes favoritos do mestre são Um Corpo que Cai e Psicose.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Central do Brasil. Foi o filme que me mostrou a força do cinema brasileiro e que ele não devia (nem deve) nada para qualquer outro do mundo. Revi recentemente e essa maravilha segue emocionante.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Ser cinéfilo é ajoelhar-se regularmente diante do verdadeiro deus do tempo.

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Tirando os chamados "cinemas de arte", infelizmente, não. Creio que majoritariamente levam em conta aspectos financeiros, vendo-o apenas como um negócio.

 

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Acredito que não. Como muitos já disseram, o cinema já teve sua morte decretada várias vezes e ele sempre se prova como uma experiência inigualável.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Talvez para a galera cinéfila ele não seja tão desconhecido, mas eu gostaria muito que o grande público descobrisse e celebrasse o colombiano O Abraço da Serpente. É lindo demais!

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Não. Acho uma temeridade diante de números ainda tão alarmantes. Como sempre, é o tal aspecto financeiro falando mais alto.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

A qualidade de nosso cinema é altíssima! Só pegando a última década, encontramos filmes como Temporada, Divino Amor, Bacurau... obras tão diferentes e igualmente fantásticas. Enquanto professor do Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública, sempre fiz questão de apresentar aos meus alunos a riqueza do cinema brasileiro e destruir essa visão estereotipada que muitos ainda carregam. Não esqueço das reações a joias como O Menino e o Mundo e Estômago em nossos cineclubes.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

São tantos... Mas escolherei dois, um em cada extremidade da câmera: Kleber Mendonça Filho e Matheus Nachtergaele.

 

12) Defina cinema com uma frase:

Não me atreveria. Só posso agradecer ao cinema por ter deixado minha vida menos miserável.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Não tenho tantas. Certa vez, um grupo de ex-alunos combinaram de ir ao cinema e me chamaram. Era uma oportunidade para revê-los e assistir a um filme que me despertou muito interesse: Homem-Aranha no Aranhaverso. Chegando lá, percebo que o galerão que confirmou presença se resumiu a um casal recém-formado. Não sei foi coincidência ou se foi planejado por mentes malignas que queriam o respaldo de algum responsável. O fato é que só eu vi o filme, pois eles estavam mais interessados em aproveitar as duas horas da sessão para se conhecerem melhor. Eu tossia o tempo todo. Rs

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

Uma obra que ainda não tive o prazer de assistir, mas que por ter proporcionado emprego a diversos profissionais de nosso tão maltratado audiovisual e pela mística criada, já merece previamente meu carinho.

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Não creio que seja propriamente necessário. Mas se eu, que não sou nenhum profissional da área, sempre vi cada filme como uma aula, imagino que um cineasta devesse pensar assim também. Acho que as chances de se aprender mais sobre o ofício aumentam quando você tem curiosidade pelo que já foi feito. E trabalhando com algo tão apaixonante, como não querer ver tudo? É, no mínimo, estranho...

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Não conseguiria apontar o pior, pois minha memória não costuma guardar experiências ruins. Um que me aborreceu bastante recentemente foi O Professor, com Johnny Depp.

 

17) Qual seu documentário preferido?

Edifício Master do Eduardo Coutinho. É inacreditável o que ele conseguia extrair das pessoas que se sentavam à sua frente.

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?  

Só em sessões de festivais, quando tal prática é até normal. Quase puxei uma salva de palmas ao final da sessão de Arábia. Mas como sou tímido, me contive.

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

A Outra Face. Deliro com aquilo!