03/07/2024

Crítica do filme: 'Jornada para o Inferno'


A natureza e todos os seus aspectos. Baseado na obra Butcher's Crossing, escrito pelo professor e autor norte-americano John Williams, Jornada para o Inferno nos apresenta a caminhada de um jovem e sua necessidade de encontrar conexões entre o homem e a natureza, esbarrando de forma abrupta no medo que se mistura ao desbravar. Através de uma narrativa imersiva ao contexto do velho oeste americano e os modos de sobrevivência daqueles tempos, o longa-metragem propõe reflexões profundas e filosóficas. Dirigido pelo cineasta Gabe Polsky, e tendo como um dos seus protagonistas o vencedor do Oscar Nicolas Cage, o projeto estreou no prestigiado Festival Internacional de Cinema de Toronto em 2022.

Na trama, conhecemos Will (Fred Hechinger), um jovem estudante que larga a prestigiada Universidade de Harvard para descobrir o mundo longe da bolha que vivia. Chegando na cidade de Kansas, em meados de 1870, logo conhece um experiente caçador de búfalos chamado Miller (Nicolas Cage). Ambos embarcam em uma perigosa caça, em uma região ao norte, numa imensidão de terras não habitadas, um lugar temido por muitos. Ao longo de dias intensos, ao lado de Miller e outros dois personagens, o protagonista vai de encontro a descobertas que o farão entender melhor sobre a vida e a natureza.

A nevasca, a insanidade, a fé, as crenças, a necessidade do ganhar dinheiro para se sustentar, se somam a uma aterrorizante sensação de estarem perdidos, algo que se torna uma constante. Os desdobramentos de interpretações da moral logo mostra suas facetas em meio a uma natureza selvagem de paisagens belas e perigos iminentes. O conflito se abre como uma oportunidade para se refletir. É muito simplista definir esse como apenas um filme sobre sobrevivência, há mais olhares. A filosofia e as questões da existência logo ganham paralelos com os valores sociais principalmente as definições sobre liberdade.

O que é preciso ver para se entender a vida? Essa é uma pergunta que podemos nos fazer ao ampliar o olhar crítico para tudo que nos é mostrado. Através dos olhares de seus protagonistas, a condução de Gabe Polsky vira ferramenta fundamental para o enorme alcance de definições que muitas interações entre os personagens nos dizem. Há espaço para alcançarmos contextos amplos daquele país naquele momento e as novas maneiras de viverem e pensarem os avanços da sociedade até ali. O desfecho diz muito pelas entrelinhas. Junta-se a isso, a enormidade de interpretações para as ações do homem no encontro com a natureza.

Rodado em menos de três semanas em algumas locações no Estado de Montana, numa região conhecida como Montanhas Rochosas, Jornada para o Inferno joga a definição de faroeste a outros patamares, amplia seus horizontes de reflexões sobre um período marcante no século XIX norte-americano.


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Crítica do filme: 'Greice'


Um curioso quebra-cabeça emocional. Buscando ampliar suas reflexões através de contextos que envolvem um passado sem deixar de tocar em pontos que ligam a atualidade entre dois países, o longa-metragem Greice é um projeto que deixa suas marcas através de uma narrativa divertida e segura que nos leva até uma carismática protagonista, amiga das circunstâncias. Escrito e dirigido por Leonardo Mouramateus, o roteiro abre caminhos para camadas dramáticas que se ligam à uma personalidade, através das ações da ótima protagonista.

Na trama, conhecemos Greice (Amandyra), uma brasileira na casa dos 20 anos, que tempos atrás embarcou para Portugal. Dividindo sua rotina trabalhando em um quiosque, sendo da produção de uma artista e avançando no curso de esculturas no curso de Belas Artes da Universidade de Lisboa, certo dia conhece um jovem português. Durante uma festa, Greice vê seu nome envolvido em uma situação que acontece, fato esse que coloca sua permanência no país em risco e ela resolve voltar para o Brasil, mais precisamente para sua cidade natal, para achar soluções. Em um hotel em Fortaleza, fugindo de uma possível descoberta da família, reencontra amigos, conhece novos e assim analisa o que fazer com sua vida.

Greice pode ser dividido em dois momentos. Numa primeira fase em Portugal, conhecemos um pouco da rotina de sua personagem principal, imigrante irregular, adepta do ‘deixa a vida me levar’ que sempre arranja um jeitinho de moldar tudo e todos para suas necessidades. Quando uma variável incontrolável aparece em seu caminho, chegamos na segunda fase, já no Brasil, onde a força do roteiro mostra seu valor através de autodescobertas. Esse arranjo se mostra eficiente em uma narrativa cativante que usa muito bem o espaço e o tempo a seu favor. A direção também é segura, com um foco nos paralelos para reflexões sem deixar de apresentar os detalhes de cada ponto que se soma na imprevisibilidade da trama.

Com um direcionamento total pelos olhos de Greice, somos levados para uma imersão rumo as incertezas da bolha de mentirinhas compulsivas instauradas no seu fantástico mundo. Isso torna imprevisível qualquer situação, uma carta na manga que a narrativa explora muito bem. Subtramas e seus leques de assuntos importantes para debates vão se somando mas tendo apenas um ponto intercessor. Ao se aproximar das próprias verdades, aquelas que ela insiste em se esconder, a protagonista flerta com a necessidade de desconstrução e aí vem um outro ponto positivo, a inconsequência, mostrada através de fatos onde há a necessidade de se passar pelo choque da realidade.

Exibido no Festival Internacional de Cinema de Roterdã e vencedor dos Prêmios de Melhor longa-metragem e Melhor Atuação (Amandyra) no Festival Olhar de Cinema nesse ano, Greice é um trabalho consistente, interessante, honesto, que aproxima-se da realidade com ótimas atuações e personagens. Não duvide que esse filme vai figurar em listas dos melhores filmes brasileiros lançados em 2024.


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28/06/2024

Crítica do filme: 'Última Chamada para Istambul'


A vida como ela é. E não é que a Netflix nos surpreendeu com um filme nada badalado mas que pode conquistar corações?! Apostando numa narrativa que busca na leveza refletir sobre assuntos importantes sem deixar de avançar na profundidade, se afastando de qualquer razão convencional, Última Chamada para Istambul tem um discurso que logo acerta seu alvo. Com o auxílio das surpresas e as várias visões de uma história, abrindo camadas inesperadas que chegam na intensidade de assuntos que giram em torno de um relacionamento desgastado pelo tempo, o projeto aposta no arriscado mundo dos sentimentos e suas desilusões.

Na trama, conhecemos Mehmet (Kivanç Tatlitug) e Serin (Beren Saat), duas pessoas bem diferentes que se encontram no aeroporto de Nova Iorque e resolvem passar as próximas horas juntos após um imprevisto com a mala de um deles. Ambos casados, resolvem viver como se não houvesse amanhã. Só que uma verdade logo aparece, nos levando para novos olhares para essa mesma história.

O gostos, os desejos, se tornam elementos prontos para embates que se sustentam nos paralelos com a realidades de muitos casais. E não pensem que é fácil em se chegar a algo assim. Conforme vamos acompanhando as leis da atração entrarem em cena, é muito fácil se identificar com as dúvidas e aflições dos personagens. Kivanç Tatlitug e Beren Saat, em total harmonia, passam para o espectador um mix de emoções que vamos entendendo melhor quando as verdades são reveladas. Somos testemunhas de dois carismáticos personagens que nos fisgam exatamente pelo túnel da inconsequência em que estão sempre flertando.

A cereja do bolo chega por um plot twist convincente, algo que a narrativa amarra de forma brilhante, é um verdadeiro impacto a guinada que o roteiro se propõe. Passando pela melancolia, a culpa, o desistir, as frustrações se tornam novas variáveis em uma espécie de jogo de amor que encontra seu rumo através de um olhar para o passado. Tendo uma Nova Iorque dos tempos atuais como cenário, quase como um personagem estático, esse lugar de sonhos e aventuras se mostra como um achado para quem quer a autodescoberta, algo que se soma às reflexões propostas.

Dirigido por Gonenc Uyanik e escrito por Nuran Evren Sit, Última Chamada para Istambul está escondidinho no catálogo da Netflix e merece ser encontrado!


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23/06/2024

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CINEOP 2024 - O pioneirismo conhecido na temática preservação dando as mãos à animação

De 19 a 24 de junho o mundo dos amantes do cinema brasileiro se voltou para a histórica cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais, onde a realização do CINEOP 2024 aguardou o público com programações totalmente gratuitas. Completando quase duas décadas de um brilhantismo em sua realização, atividades e curadoria, a Mostra de cinema de Ouro Preto reuniu em 2024 um leque com mais de 150 filmes, entre curtas, médias e longas-metragens, além e debates e oficinas, unindo todos que amam a sétima arte.


Além da temática de preservação, já com o pioneirismo conhecido, nesse ano o evento trouxe para seu epicentro um recorte profundo, atual e histórico, do cinema de animação no Brasil. Esse inclusive foi um dos focos do Guia do Cinéfilo, que fez a cobertura desse ano pela primeira vez. Ao longo dos dias de evento, organizados pela excelente equipe da Universo Produções, estivemos presentes em muitas sessões de curtas-metragens de animação além de alguns longas-metragens documentários, foram  ótimas as mesas de debates com realizadores e coletivas de imprensa.



Abaixo uma pequena entrevista com Nara Normande, animadora e cineasta brasileira que falou da importância desse evento o foco na animação:

 


Sobre os curtas-metragens, abaixo um pouco do que achamos de alguns desses trabalhos exibidos no CINEOP:

 

Pororoca de Fernanda Roque e Francis Frank



Curta mineiro aborda dilemas e paralelos com o maior dos sentimentos através do encontro de um peixe boi e uma baleia. Com várias frases de efeitos, como: Amor com fronteira não é amor. Traz em sua construção visual deslumbrante uma visão positiva sobre Conflitos e seguem reflexões sobre as possibilidades dos personagens num encontro do rio e do mar, da água doce e salgada.

 

Curacanga



Baseado num mito popular, o curta baiano Curacanga Nos leva até o vale do corrente onde encontramos um amor que logo se une a uma tragédia, uma condição. A ausência de cores fortes mostra o frio e o gelado dos sentimentos conflitantes. A estética conversa com o discurso sempre com um tom fúnebre.

 

Lulina e a Lua



Curta paulista de Alois do Léo e Vinícius Vasconcelos nos joga de forma rica e poética para os primeiros passos da imaginação que logo ganha asas através de um fato revelado no final do filme. Os mistos de sentimentos, com o foco no enfrentar os medos, se transformando em uma brilhante narrativa que encontra sentidos também no lúdico.

 

Dona Beatriz Ñsîmba Vita



Curta mineiro, exibido também no festival de Sundance nesse ano, nos leva para uma história impactante, visualmente impactante que nos leva para reflexões sociais através de uma personagens e sua reprodução de clones. Um filme que fica na memória por muito tempo.


Dona Biu de Gabriela Taulois

Esse curta do Rio de janeiro aborda as memórias, a cura, a fé, sob o ponto de vista de uma narradora que transborda emoção e espontaneidade. Esse detalhe, da narradora ser tão presente é um trunfo mesmo que a narrativa não alcance grandes profundidades.

 

A sua imagem na minha caixa de Correio de Silvino Mendonça

Criativo, emotivo, com um ar nostálgico cinéfilo, esse curta-metragem do distrito federal é uma verdadeira pérola. Dividido em três partes complementares, e dirigido por Silvino Mendonça, partimos de curiosas trocas de cartas entre leitores de uma famosa revista sobre cinema pra quem já curtia essa arte antes da internet chegar com força. Passando pelos movimentos de Fã clubes, estaciona de forma construtiva no olhar para uma certa solidão e necessidade de compartilhar o mesmo gosto. A narrativa bem bolada, amplia a linguagem, investe no decifrar personalidades e estados de espíritos a partir do fascínio pela sétima arte. Um filme que vai abrir um leque de possibilidades para reflexões.


 


Com sessões especiais no Cine Praça, um lugar com uma tela à céu aberto e com mais de 500 lugares, também no confortável Cine Teatro do Centro de Arte e Convenções, o CINEOP marcou mais um capítulo de sua grande história. Não perca nossa cobertura completa pelo Instaram do Guia, e principalmente pelos stories onde deixamos uma aba especial com alguns resumos de todos os dias do CINEOP 2024.



Ouro Preto, amamos! Até ano que vem se Deus quiser!

  

 

 

 

 

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17/06/2024

Crítica do filme: 'Na Terra de Santos e Pecadores'


Sangrento, pulsante, imprevisível. Vamos falar agora sobre o novo filme protagonizado por Liam Neeson que entrou recentemente na prime video, Na Terra de Santos e Pecadores. Exibido no Festival de Veneza ano passado, nesse projeto somos apresentados a um choque entre a frieza e as desilusões pelo olhar de um protagonista, um clássico anti-herói, em total crise existencial que se vê envolvido em um último conflito ligando seu passado à vida que quer abandonar. O longa-metragem é dirigido pelo norte-americano Robert Lorenz, em seu terceiro projeto atrás das câmeras após uma carreira de sucesso como produtor de alguns filmes de Clint Eastwood, como: Sobre Meninos e Lobos e Menina de Ouro.

Na trama, ambientada em meados da década de 70, conhecemos o assassino de aluguel Finbar (Liam Neeson), um homem já amargurado pelo seu passado que após a morte da esposa vem aos poucos começando a repensar suas escolhas e os rumos para o futuro. Morando numa vila de poucos habitantes, longe dos agitados dias de tensão política na outra parte da Irlanda, ele enfim resolve se aposentar. Mas a chegada ao local de um grupo associado ao IRA, liderado por Doireann (Kerry Condon) faz Finbar repensar algumas questões.

O ar fúnebre se mistura as reflexões sobre ideologia, dentro do contexto de uma guerra política que causou caos a terceira maior ilha da Europa. A narrativa é empolgante, com o ritmo dosado, explicando de forma trivial paralelos interesses, como um contorno do discurso que bate de frente com o clássico Crime e Castigo de Dostoiévski. Numa linda paisagem, o contraste com o violência é uma marca e assim vamos aos poucos entendendo as crises existenciais que se amontoam, toda essa parte é muito bem conduzida pelo olhar detalhista de Lorenz que consegue extrair não só os dilemas mas preenche as lacunas de muitos porquês.

Esse é um filme onde os personagens se mostram muito presentes em cada espaço. E nesse campo aberto rumo ao imprevisível, já inserido na iminência de uma guerra civil, de um lado um assassino experiente em crise existencial, já não sabendo mais lidar com o ganha pão que escolheu, do outro um grupo de jovens imersos nos limites emocionais de sua incursão à revolução que escolheram, um modo de vida instável sempre à espera das consequências dos atos que se seguem. Heróis e vilões ganham interpretações diversas. Ajudam a contar essa história três excelentes artistas irlandeses indicados ao Oscar: Liam Neeson, Kerry Condon e Ciarán Hinds.

Algo que o cinema faz como muitas artes, não deixar cair no esquecimento, se junta à força de um discurso. Esse projeto, mesmo sendo uma total ficção, é mais um capítulo na vasta história que liga o famoso grupo paramilitar IRA, que passou por diversas modificações ideológicas desde seu início lá em 1919, à conflitos por toda a Irlanda.  


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11/06/2024

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Crítica do filme: 'Geografia Afetiva'


Poético, tocante, através de memórias recriadas por lembranças. Falaremos agora do ótimo documentário Geografia Afetiva. Exibido no último dia de exibições do CINEPE 2024, o longa-metragem paulista encontra sentido nas descrições dos sentimentos, nos encontros e desencontros de uma família com conexões entre Brasil, Canadá e El Salvador. Contando parte da sua própria história, a cineasta Mari Moraga leva ao público de forma cativante e honesta os desabafos dos tempos de guerra, o sofrimento da distância, a satisfação dos reencontros. Marcas que acompanham toda uma vida.

O primeiro recorte, logo na abertura, é a base do discurso, algo que a narrativa preenche com poesia, imagens e movimentos que fazem total sentido, uma busca por respostas após a dor de uma perda. Aos poucos, passando por dilemas, dramas e escolhas, algumas lacunas são preenchidas, algo que a realizadora divide com o espectador de forma honesta e delicada, abrindo a porta da sua família para que todos possam refletir sobre muitas questões. Em certo momento entendemos que nem todas as respostas seriam ditas mas o que viesse já era o suficiente.

Junta-se à narrativa um olhar curioso que mostra o elo da geografia com as descobertas, algo feito de forma elegante, sucinta, também trazendo um interessante paralelo com a natureza. A aparente superficialidade em alguns temas na verdade se mostra um convite à pesquisa, o início de um refletir, um exercício que o espectador pode se aprofundar futuramente. Através de uma espécie de road movie, onde cada ponto no mapa afetivo é detalhado através de relatos objetivos dos entrevistados, entendemos contextos mais amplos, políticos, sociais, econômicos, de décadas atrás e os reflexos hoje.

A planta da emoção chega como um registro. Vou explicar: uma folha de cartolina com detalhes de lugares onde familiares fixaram raízes no início de trajetória. Uma mapa que mostra uma história. Nesse ponto, marcas de um passado difícil que logo flertam com o adeus se tornam o combustível de um dia caminharem de volta. Logo, estamos de frente para o passado e o presente, um choque que traz suas questões, um momento esperado por décadas no coração de cada integrante dessa família.

Geografia Afetiva encontra a beleza no reencontro, na necessidade de um registro definitivo de uma história familiar que começa num lugar e avança para outros. Um ciclo que nada mais é do que a jornada de uma vida, com altos e baixos, mas com a vontade de voltar mais uma vez e relembrar.

 

 

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08/06/2024

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Crítica do filme: 'Memórias de um Esclerosado'


Um retrato honesto, corajoso e emocionante. Filme de abertura da mostra competitiva de longas-metragens do CINEPE 2024, o documentário gaúcho Memórias de um Esclerosado nos leva para uma intensa viagem de um homem em busca de registrar suas memórias após ser diagnosticado com esclerose múltipla. Em uma belíssima construção narrativa, colocando na tela um poderoso pulsar de alguns pontos marcantes de toda uma trajetória até uma notícia avassaladora, encontramos uma estrada que percorre o real sentido dos sonhos que aqui ganham força em imagens e movimentos.

Na trama, conhecemos o cartunista Rafael Côrreas, que 14 anos atrás, recebeu o diagnóstico de esclerose múltipla. Com o avanço da doença, resolve ir atrás de um registro sobre momentos importantes de sua vida, até mesmo personificações importantes do abstrato mundo das emoções, que traçam paralelos com o mix de sentimentos que entra em ebulição de forma dilacerante em uma enorme inquietante e produtiva conversa com o espectador.

Passando pelo karma de um acontecimento quando criança, em um antes e depois imersivo, a narrativa busca fugir do lugar comum e tratar o epicentro do discurso de mãos dadas com os medos que chegam. Esse exercício de linguagem interessante, se soma a uma metalinguagem cirúrgica, algo que traz o refletir para perto a todo instante. O desfecho inesquecível, dentro do campo da infinidade de possibilidades criativas que a sétima arte abraça, vira poesia nas mãos competentes da cineasta Thaís Fernandes.  

Estima-se que no Brasil mais de 40.000 pessoas foram diagnosticada por essa doença neurológica. É papel do cinema ser um caminho para mostrar essa realidade que sempre nos trazem reflexões sobre tudo que envolve um tema tão delicado, com ligação aos importantes debates sobre acessibilidade.


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02/06/2024

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Crítica do filme: 'Fundo do Poço'


Uma jornada fúnebre e sangrenta. Disponível na MAX, Fundo do Poço nos mostra a trajetória de um homem bem sucedido, prestes a morrer, e seus enfrentamentos aos últimos dilemas que percorreram toda sua vida. Ao longo de 90 minutos de projeção, entre tragédias na iminência, vamos caminhando para reflexões num retrato de um leve despertar da solidão. Dirigido por Rightor Doyle, o filme bate na tecla da sexualidade, assunto que contorna os desenrolares de um roteiro que se desenvolve na harmonia entre uma bolha melancólica e um humor afiado.

Na trama, conhecemos Gary (Zachary Quinto), um homem em busca de realizar os últimos desejos já que tem um câncer inoperável no cérebro. Completamente sozinho em uma enorme mansão, já que sua família o abandonou quando contou que era gay, um dia ele resolve contratar Cameron (Lukas Gage), um massagista com fins sexuais. Quando uma série de situações acontecem nesse dia, passando por encruzilhadas, dilemas, arrependimentos e descobertas de instantes de felicidade, essa dupla de desconhecidos precisará vencer alguns obstáculos.

Um dia caótico, regado à sangue, inusitados momentos e a necessidade de enfrentar as consequências. Através do despertar de um personagem reprimido que buscou durante toda sua vida ser um exemplo da hipócrita imposição da sociedade dentro do conceito da moral e bons costumes chegamos em uma série de situações que conseguem em ótimos diálogos nos levar para várias reflexões. A narrativa se impõe com dinamismo, com o uso de um ritmo frenético onde a intensidade das emoções afloram e são vistos em cena através de uma direção de arte que diz muito pelas entrelinhas.

Tendo a sexualidade como epicentro dos conflitos que se seguem, o roteiro encontra um caminho interessante para desenvolver um alguém que está preso em uma melancolia e enxerga de forma abrupta seu despertar através do olhar de um outro personagem que também passou por dramas parecidos. É uma dupla que funciona em cena. Junto a isso, outros personagens aparecem nesse liquidificador que encosta no caos, nas despedidas, mas tendo as ironias do destino a seu favor.


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Crítica do filme: 'O Alfaiate'


O plano perfeito não existe. Chegou recentemente ao catálogo da Prime Video um intrigante longa-metragem que nos mostra ao longo de uma noite, reviravoltas e surpresas em meio a um banho de sangue, numa busca da descoberta de quem é a pessoa mais esperta daquele lugar. Escrito e dirigido pelo roteirista vencedor do Oscar Graham Moore, e ambientado numa época de forte predomínio das máfias nos Estados Unidos, seguimos os passos de um intrigante personagem e sua aparente fuga da violência mas que esconde segredos conforme vamos entendendo melhor essa história.

Na trama, conhecemos o britânico Leonard (Mark Rylance), um experiente alfaiate que após uma tragédia se mudou para Chicago em meados da década de 1950. Nesse novo lugar, acabou se envolvendo, mesmo que de forma indireta, com a máfia, inclusive um dos chefões da região é o seu principal cliente. Quando em uma noite, uma série de acasos acontecem, o alfaiate precisará de muita habilidade para se livrar de uma peculiar situação.

Dilemas, suspense, num cenário com atuações excelentes. O brilhantismo do roteiro caminhando nas ações e consequências se torna um parceiro perfeito de uma narrativa com ar sombrio, que respinga violência, onde o inesperado é ansiosamente aguardado na próxima cena. Tendo esse plano de fundo instaurado, personagens se revezam na entrega de peças de um mosaico ligado a crimes, traições, ego, onde emoções entram em conflitos culminando numa série de ações inconsequentes.

A delicadeza de uma profissão, hoje quase esquecida pelo desenvolvimento da tecnologia, ganha uma luz intensa na composição de um protagonista marcante. Seu intérprete, o ganhador do Oscar Mark Rylance está fabuloso em um papel que poderia lhe render outros prêmios. Leonard e seu campo de percepção apurado vai se revelando aos poucos o ponto de interseção de subtramas, sempre muito bem conduzido por uma direção detalhista que busca encontrar a pulga atrás da orelha do lado de cá da telona.


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01/06/2024

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Pausa para uma série: 'Eric'


É possível mudar o mundo antes de si mesmo? Chegou na Netflix uma interessante minissérie de apenas seis episódios que caminha pela esperança desencontrada abrindo um leque de profundas reflexões a partir de uma busca de um refúgio para intensas aflições. Eric, apresenta pelo olhar indefeso do mundo, um casamento em ruínas, a política, a corrupção, a polícia, o preconceito, os abandonos de relações entre pais e filhos. Criado pela dramaturga britânica Abi Morgan, e com todos os episódios dirigidos pela cineasta Lucy Forbes, tem como maior trunfo as lições que transmite através da personificação dos sentimentos centralizados na figura de um boneco criado por um desenho que atrás de seu ar monstrengo nos leva até medos, inseguranças.

Na trama, ambientada numa Nova Iorque em meados da década de 80, conhecemos o jovem Edgar (Ivan Morris Howe), um garoto que sofre com o ponto em que se chegou o casamento dos pais, a professora Cassie (Gaby Hoffmann) e o criador de um programa de bonecos bem famoso, Vincent (Benedict Cumberbatch). Um dia, Edgar some. Acionando logo a polícia, o caso cai na responsabilidade de Michael (McKinley Belcher III), um policial gay que sofre com diversos preconceitos e que fará de tudo para resolver o mistério desse sumiço.

Não é porque você não enxerga que não existe. O roteiro, longe de ser rasteiro, navega por histórias que se cruzam através de uma decisão. As subtramas são todas muito bem desenvolvidas e ganham seus convincentes desfechos. Um casamento em ruínas, com vícios e traições é exposto, as relações entre influentes da cidade e a polícia também. Os segredos, o descaso, a fuga da culpa vão expondo os lados de um poder que não se vê mas sabemos que existe. Um homem da lei e seu silêncio sobre a vida pessoal com uma iminente perda é uma subtrama profunda que parece andar em paralelo à investigação do sumiço do jovem. Em algum ponto nos perguntamos: onde está a esperança para algumas dores do mundo? Enxergamos críticas sociais contundentes por todos os lados.

O protagonista parece ser mesmo Vincent e sua jornada pelas dores emocionais, nunca tratadas, até mesmo prolongadas, que no fim do seu túnel nunca enxerga a luz de reconexões. Totalmente desequilibrado, com muitos vícios, e os traumas na relação com o pai, levaram esse ator bonequeiro a um reflexo do que viveu na relação fria com o próprio filho. Mas como o espectador entende tudo isso? Aí que vem a grande sacada, um boneco que aparenta o deixar com medo mas que na verdade é um espelho das emoções que misturam a loucura, a culpa, o medo.

Nesse forte drama, entre desconfianças para todos os lados, as indefesas do mundo são quase um personagem. É também sobre pais e filhos, sobre as consequências das relações tóxicas mas também sobre reconexões. Assim, seguimos nos perguntamos até o minuto final: É possível mudar o mundo antes de si mesmo?


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