17/04/2021

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10 Filmes para você que gosta de Psicologia – Parte 2


Amores platônicos, obsessões, amizade entre um inusitado ser vivo e um homem em caos emocional, uma jovem em busca de justiça contra o abuso masculino, um caótico restaurante que vira palco de sangrentos diálogos, uma jovem e seu estudo sobre o suicídio, um homem em meio a suas memórias e perdendo a noção da realidade, uma mulher que encontra o seu lugar pleno de felicidade roubando bancos e muitas outras histórias nos chegam nessa parte dois do nosso especial contínuo 10 Filmes para você que gosta de Psicologia para analisar o ser humano e seus caminhos rumo a um entendimento (ou não) sobre o viver.

 

Abaixo a lista dessa segunda parte, com filmes da França, EUA, África do Sul, Alemanha, Brasil, Espanha.

 

Professor Polvo

 

Tudo na vida tem começo, meio e fim. Um homem e seus conflitos em certa etapa da vida, consumido pelo stress de um cotidiano caótico em não encontrar um oásis dentro das obrigações que se amontoam em sua vida. Durante mais de 200 dias na África do Sul, resolve interagir todo esse tempo com um polvo e assim acaba embarcando em uma série de descobertas sobre como vive esse molusco de oito tentáculos e que possui uma série de ventanas. Uma narrativa detalhista, emocionante, que mexe com nossos campos reflexivos nos paralelos que encontramos entre as leis da vida de um polvo e nós que estamos fora da água. Professor Polvo, produzido pela Netflix, está concorrendo ao Oscar de Melhor Documentário em 2021.

 

Hipnotizante, inspirador. Uma história que pode parecer quando a gente lê a sinopse meio sem sentido, começa a mostrar porque é tão profunda quando começamos a entender as mudanças na maneira de pensar do mergulhador que se sente outro planeta debaixo da água. Acaba criando uma inusitada amizade com o polvo, esse que possui uma capacidade surpreendente e criativa de enganar seus inúmeros predadores. Ricas imagens preenchem a tela a todo instante, é como se estivéssemos dentro daquele pedacinho do oceano acompanhando de perto toda essa saga sem objetivo específico mas sempre surpreendente.

 

A parte onde descobrimos a força de vontade de se reconstruir é um clássico exemplo da vida, onde milhões espalhados pelo mundo precisam diariamente buscar suas chances de uma confortável trajetória em uma concorrência muitas vezes desleal mas mesmo assim, a maioria de nós, consegue de alguma forma (ou faz de tudo) sobreviver. Há mais paralelos: o sacrifício, a felicidade, as dificuldades, os obstáculos, nada de novo mas sempre com o olhar do inacreditável pelas intensas imagens que conseguimos acompanhar.

 

História de amizade, leis da vida, paralelos com os cotidianos espalhados por aí. Um dos grandes documentários dos últimos anos, despretensioso mas que consegue emocionar até os corações mais distantes de emoções.

 

Meu Pai

 

Como superar o que para você mesmo é insuperável? Indicado a seis Oscars em 2021, Meu Pai, é uma espécie de um jogo de suposições dentro de um labirinto de situações. Um vai e vem emocional constante, do êxtase à amargura. Um engenheiro aposentado cheio de manias, apreciador de ópera, dentro de um apartamento em Londres com um quebra-cabeça para resolver, um jogo de um jogador apenas, mesmo com personagens surgindo a todo instante, passa seus dias, de alguma forma, bastante solitário. Nossos olhos são Anthony, vamos descobrindo onde cada peça se encaixa junto com ele. Um roteiro primoroso onde não conseguimos tirar os olhos da tela. Magistral atuação de Anthony Hopkins. Roteiro e direção assinados pelo cineasta francês Florian Zeller, seu primeiro longa-metragem como diretor.   

 

 

Na trama, conhecemos Anthony (Anthony Hopkins), um homem já no terço final de sua vida, perto dos 80 anos, que vive seus dias em um apartamento confortável em Londres onde recebe a visita constante de sua filha Anne (Olivia Colman). Quando essa última conta para ele que está indo morar em Paris, situações diferentes começam a aparecer nos seus dias, até mesmo personagens diferentes mas que significam algo ao redor da vida dele, e assim conflitos familiares são trazidos à tona. Alucinações? Lembranças? Quais peças não estão lugar?

 

 

Guiado por uma trilha sonora bastante incisiva (assinada pelo compositor e pianista italiano Ludovico Einaudi), o filme é a constatação do tempo em poucos momentos no sofrido acesso às memórias de um homem que nunca conseguiu se desvencilhar dos traumas de sua vida, principalmente uma tragédia com uma de suas filhas. Lutando contra a própria mente, buscando ao equilíbrio entre a razão e emoção para entender tudo que projeta com vida nesse momento, Anthony embarca em uma viagem com objetivo de desatar algumas amarras de consternação das lembranças de sua alma detalhista.

 

 

Paranoico? Medo de ficar sozinho? Aos poucos, junto com o inesquecível personagem, vamos percebendo que algumas coisas não fazem um certo sentido, há muitas coisas estranhas acontecendo ao seu redor, o que faz a passos largos caminhá-lo para um ato final angustiante. Vale novamente destacar a maestria de um ator que possui um domínio impressionante de seu espaço cênico, o inesquecível Anthony Hopkins em uma de suas melhores performances na carreira.

 

 

Palm Springs

 

Uma grande e ilimitada sessão de terapia. Indicado a dois globos de ouro nesse ano, Palm Springs, dirigido pelo cineasta Max Barbakow e com roteiro assinado por Andy Siara, é uma comédia disfarçada, há um abalo emocional reflexivo para os personagens em constante loop. Melancólico até certo ponto, caminha nessa linha que flerta com o desesperante só que de maneira inteligente, com questões da ciência envolvida pela física, e com carismáticos personagens. A dupla Andy Samberg e Cristin Milioti mostra grande sintonia em cena. Grata surpresa.

 

 

Na trama, conhecemos Nyles (Andy Samberg) um convidado distante de uma festa de casamento em um lugar isolado que após entrar em uma caverna misteriosa, durante o casamento, acaba acordando no mesmo dia do casamento infinitamente. O filme começa já com ele desiludido e meio que desistindo de tentar algo pra mudar isso, mas tudo muda quando num desses cenários repetitivos ele acaba puxando Sarah (Cristin Milioti), a irmã da noiva, para o mesmo loop.

 

 

Aceitar o fato? Procurar sentido nas coisas? Há um choque entre os sentimentos dos dois personagens, muito porque Nyles já está acomodado naquela situação faz bastante tempo e Sarah, por conta de uma situação que vendo o filme vocês saberão, quer correr desse loop o mais rápido possível, lutando bravamente contra esse ‘poder’ inusitado. O interessante é que o ponto de interseção acaba sendo dois, dependendo do ponto de vista: a eterna arte de fugir da solidão e um intenso amor que surge entre os dois. Acompanhando o filme de qualquer uma dessas óticas, você vai se divertir.

 

 

O que você faria se pudesse fazer o que quiser sem consequências, pois, o dia seguinte seria o mesmo que hoje? Uma premissa maravilhosa para mentes criativas e Siara consegue com suas linhas de roteiro nos fazer rir, refletir sobre a vida e torcer constantemente para os personagens encontrem uma saída mas sem esquecer de um duelo quase vital nesse jogo do loop que se torna a batalha da ética interpessoal misturada com a índole, isso, contra a inconsequência.

 

 

Banklady

 

Quando a adrenalina e o prazer acionam um gatilho em forma de transtorno de personalidade. Dirigido pelo cineasta alemão Christian Alvart, em Banklady voltamos para meados da década de 60, em Hamburgo na Alemanha onde uma mulher trabalhadora dentro de uma rotina monótona vira a primeira mulher assaltante de banco da Alemanha. O filme tem vários caminhos interessantes, desde a conturbada linha do bandido carismático, o foco da mídia, até uma psicologia complicada, desiludida no amor. A protagonista, interpretada pela ótima atriz Nadeshda Brennicke, parece viver em outro compasso do que a realidade que a cerca. Interessantíssimo filme alemão.

 

 

Na trama, conhecemos Gisela Werler (Nadeshda Brennicke), uma batalhadora que trabalha em uma fábrica de impressão e vive, além de sustentar, os pais já bem idosos. Sem propósitos na vida, vivendo uma solidão evidente desencontrada com seus sonhos de ser popular, ou mesmo, ter a mesma vida das modelos de revistas que sempre observa, a protagonista conhece Hermann (Charly Hübner), um ladrão de bancos que após algumas situações resolve desafiar Gisela para um assalto a banco. A partir desse ponto, a vida de Gisela muda e ela se torna impulsiva e imprevisível. Dentro de um universo machista, acaba sendo elemento surpresa durante um bom tempo.

 

 

Quando se impor as inconsequências que chegam em nossos caminhos? A transformação da personagem principal é algo bem notório. Quando vira uma assumida ladra de bancos, divide seu tempo em manter um emprego que já não precisa mais, entrar em conflito com os sentimentos que nutre quase obsessivamente por Hermann e planos cada vez mais audaciosos no seu rentável trabalho criminoso. Além disso, muda a atitude, ganha ares de preocupação com a vaidade principalmente quando percebemos que seus troféus são capas das revistas, quando vira quase uma figura carismática na mídia fervorosa da época.

 

 

O filme é dividido em arcos explosivos, tensos com um quê de insensatez psicológica. A chegada da investigação policial quando os crimes se tornam assuntos nacionais fazem o confuso e inexperiente Kommissar Fischer (Ken Duken), responsável pela investigação dos bancos roubados, um grande achado para o roteiro.

 

 

Quais os limites da razão e da emoção? Passando por cima dessa pergunta, a protagonista tem sonhos simples com obsessões sendo nutridas dentro dos seus diários choques com o perigoso jogo que sustenta seu ego.

 

 

Loucura de Amor

 

A difícil ponte entre os clichês e as inúmeras formas de emocionar o espectador. Simples, objetivo, dinâmico, aventureiro, curioso, amoroso, emocionante. Uma série de adjetivos saltam em nossas mentes logo na abre alas eletrizante, antes mesmo dos créditos, dessa pequena joia divertida espanhola, disponível no catálogo da maior dos streamings, Loucura de Amor. Contando a saga de um homem em busca das descobertas, às vezes hipócritas e desencontradas, para definir o amor acaba se vendo em uma jornada rumo às profundidades desse sentimento, aliado a isso noções quase que educativas sobre a arte de nunca pré julgar a ‘loucura’ alheia. Dirigido por Dani de la Orden com roteiro assinado por Natalia Durán e Eric Navarro.

 

 

Na trama, conhecemos Adri (Álvaro Cervantes), um jornalista que trabalha em uma revista badalada escreve sobre os mais diversos e muitas vezes polêmicos temas. Certa noite, saindo com dois inseparáveis amigos e acaba conhecendo Carla (Susana Abaitua) da maneira mais inusitada possível e ambos resolvem curtir aquela noite sem compromisso e depois não se verem mais. A questão é que a tal noite é intensa e inesquecível, deixando Adri desesperado nos dias seguintes atrás daquela mulher que acabara de mudar sua maneira de enxergar o mundo. Ele acaba a achando, e descobre que Carla é paciente em uma clínica psiquiátrica. Assim, o protagonista precisará bolar um plano bem fora do comum para tentar passar mais alguns dias perto do amor de sua vida.

 

 

No fundo dos meus olhos, pra dentro da memória te levei. O amor é um dos pilares desse despretensioso filme, lançado sem alarde. Pisando sem medo em diversos clichês, o longa-metragem consegue se enrolar (no bom sentido) em uma fórmula carismática de nos convencer no seu arco principal e nos encher com quebras de paradigmas sociais (dentro de discursos super simples), principalmente a questão sobre a ‘loucura’. Há tempo também para lindos arcos sobre amizade e carinho ao próximo. As emoções e sentimentos são tratados de forma leve e que nos da muita vontade de assistir cada vez mais o desenrolar dessa fábula sobre os incompreensíveis caminho para se chegar ao tão sonhado estado de amor.

 

 

O Animal Cordial

 

O recorte impactante do psicológico em contraponto à normalidade. Um cenário, personagens intrigantes, violência e doses consideradas de descontrole comandam o clima de O Animal Cordial, longa-metragem lançado anos atrás no circuito brasileiro que consegue impactar e nos chocar através das linhas de seu poderoso roteiro. Escrito e dirigido pela cineasta Gabriela Amaral Almeida, o filme, bastante sangrento, é uma caixinha de surpresas que flerta com um efeito parecido que um plot twist pode conseguir.

 

 

Na trama, conhecemos Inácio (Murilo Benício), o dono de um restaurante que está prestes a encerrar mais um dia de trabalho ao lado de seus funcionários, principalmente o cozinheiro chefe Djair (Irandhir Santos) e a faz tudo Sara (Luciana Paes), além de um cliente jantando sozinho, o ex-policial Amadeu (Ernani Moraes) e em seguida chega o casal Veronica (Camila Morgado) e Bruno (Jiddu Pinheiro). Em certo momento da noite, uma dupla de assaltantes invade o local fazendo todos os personagens citados acima de refém. Só que a noite reserva muitas surpresas e somos testemunhas de algumas inversões sobre quem está realmente no comando das ações.

 

 

Uma equação sobre as hipocrisias da vida passada a limpo caminhando na linha do controle sobre o descontrole transforma o longa em uma imprevisível sequência onde ninguém é herói de nada mas há vilões por todas as partes. O roteiro é muito inteligente, transforma o espectador em testemunha, como se estivéssemos sentados em uma das mesas observando o desenrolar dos fatos. Não é moldada uma teia de mentiras para serem decifradas e sim um espinhoso caminho rumo à psiquê humana com traços de guerras entre classes. Gabriela Amaral Almeida é um nome para anotarmos em nossas agendas e sempre assistirmos aos próximos filmes dela.

 

 

Eu me Importo

 

A linha reta e obsessiva do inescrupuloso egoísmo em uma sociedade cheia de brechas. Caminhando na tênue linha do non-sense, Eu me Importo é profundo em uma crítica social constante sobre os valores do ser humano e as brechas da lei dentro das ações de uma sociopatia escancarada de uma mulher malévola. Acoplado a isso, subtramas desinteressantes e personagens distantes deixam na superfície os porquês, fatores importantes para entendermos fatos e ações. Em seu terceiro longa-metragem como diretor, o cineasta J Blakeson (que também assina o roteiro) busca na sua forte personagem o pilar para contar sua história. O filme, disponível na Netflix, foi indicado ao Globo de Ouro 2021 na categoria Melhor Atriz em filme Musical ou Comédia pela interpretação da ótima atriz britânica Rosamund Pike

 

 

Na trama, conhecemos Marla Grayson (Rosamund Pike), uma mulher de forte personalidade que achou uma mina de ouro em um negócio (nada ético) bastante rentável de guardiã de legal de pessoas idosas que não conseguem mais tomar atitudes. Com esquemas com uma médica, casas de saúde para idosos e enrolando juízes, ao lado de sua parceira de vida e sócia Fran (Eiza González) estão sempre planejando o próximo golpe. Um dia aparece a ficha de Jennifer Peterson (Dianne Wiest) e assim Marla rapidamente vira sua guardiã legal. Só que dessa vez, o alvo tem muito mais segredos do que aparenta e trará graves problemas para Marla e seus integrantes do esquema.

 

 

Podemos dividir o projeto em duas avenidas: a das críticas em relação a tudo que envolve esse esquema desleal e a da vida pessoal e com pouca relevância de alguns dos personagens. O longa-metragem tem ritmo por mais que pareça sempre como faltando alguma peça do quebra-cabeça. A inversão dos valores sociais (ou algo parecido com isso) é um contraponto interessante e faz refletir, nessa terra sem lei onde tudo é egoísmo, Marla é mais vilã do que um gângster que mexe com tráfico de pessoas? 

 

 

A sociopatia da personagem é muito bem definida e constante, fruto de um bom trabalho da ótima Rosamund Pike. Pena que o relacionamento com Fran é pouco explorado, a coadjuvante vira uma peça inconstante dentro de um roteiro que possui falhas mas busca na sua protagonista o brilhantismo do todo. Dianne Wiest, por exemplo, passa quase desapercebida, uma pena. Mas é você leitor quem precisa tirar suas próprias conclusões, o filme está disponível no mais famoso serviço de streaming disponível no Brasil. 

 

 

Promising Young Woman

 

Os traumas que nunca saem de nossas mentes e mudam radicalmente uma trajetória. Selecionado para dezenas de festivais e muito cotado para algumas categorias do Oscar 2021, escrito e dirigido pela cineasta e atriz britânica Emerald Fennell (em seu primeiro longa-metragem atrás das câmeras), Promising Young Woman é pulsante, intenso, usa do impactante, do sarcasmo, para criar um raio-x profundo para quem ainda tem dúvidas sobre o assédio, o machismo que acontece muito por aí. Mostrando o caminhar de alguns em cima da linha tênue do ‘benefício da dúvida ou acreditar em quem diz ser vítima?’ O projeto conta com uma atuação marcante da excelente atriz britânica Carey Mulligan.

 

 

Na trama, conhecemos a ex-estudante de medicina Cassie (Carey Mulligan) que mora com os pais em uma confortável casa. Ela trabalha em um café da cidade e passa suas noites indo a boates e points de pegação onde se finge de bêbada para dar lições em homens que dão em cima dela nesse estado. Há algum trauma, um gatilho para fazer o que faz e vamos entendendo melhor os seus porquês principalmente quando sabemos do suicídio de uma grande amiga nos tempos de faculdade. Mas tudo muda com a chegada novamente em sua vida de Ryan (Bo Burnham), um cirurgião pediatra que estou tempos atrás com ela.

 

 

Promising Young Woman é o caminho conturbado de uma protagonista, brilhante nos tempos de faculdade, que após o assédio e exposição de uma grande amiga resolve abandonar tudo e viver uma vida em busca de vingança contra o machismo descarado mesmo que isso a faça viver situações constrangedoras e perigosas. Sua única saída é a vingança e ela chega de maneira como se estivesse em um túnel onde é impossível enxergar o fim dele. O projeto não deixa de ser uma análise profunda sobre a sociedade que vivemos. As conturbações psicológicas da protagonista, na verdade, podemos enxergar também como uma série de gritos de indignação com as ‘absolvições’ de quem merece a punição.

 

 

Nos tempos atuais onde a luta contra o assédio se torna cada vez mais importante e dominante em diversos segmentos empresariais e da sociedade como um todo, o papel da arte em mostrar espelhos da sociedade é fundamental para consolidar esse pilar. Ótimo filme.

 

 

O Porco Espinho

 

Toda família feliz é igual mas toda família infeliz é única. Escrito e dirigido pela cineasta francesa Mona Achache, com roteiro baseado na obra A Elegância do Ouriço de Muriel BarberyO Porco Espinho, lançado no ano de 2009, é um belíssimo filme que usa de diversos contrapontos para nos fazer enxergar todo um contexto sob a ótica de duas solitárias (cada uma à sua maneira): uma jovem super esperta que está decidida a se matar e uma solitária zeladora leitora assídua. Diálogos sobre livros, questões existenciais, cotidiano estressante, impossível não abrir um sorriso e também não ficar com o coração apertado após assistir a esse belo trabalho que diz muito sobre amizade e esperança.

 

 

Na trama, conhecemos Paloma (Garance Le Guillermic), uma jovem inteligente, muito à frente do seu tempo, que está decidida a se matar por não mais conseguir aturar sua vida e se sentir deslocada em uma família egoísta, rica e distantes entre si. Mas no prédio que ela mora, não é a única que se sente solitária. Reneé (Josiane Balasko) é a zeladora do prédio e precisa aturar todo tipo de situação no seu dia a dia. Amante dos livros, conversa com os poucos amigos que tem. A chegada de um novo vizinho, Sr. Ozu (Togo Igawa), acaba mexendo com a vida não só de Paloma mas também com a de Reneé, criando inclusive uma amizade entre as duas.

 

 

Uma rigidez no pensar e a infelicidade no contraponto. Há duas protagonistas nessa história, o que torna essa jornada ainda mais interessante. Paloma é inteligente, estuda japonês e ama cinema. Com sua câmera portátil, filme situações ao seu redor e toda sua família, além dos moradores do prédio onde mora. Está envolvida de alguma forma no pensar da parábola do aquário, onde se sente limitada, sem saída em muitos momentos. Os desabafos dela são feitos virados para sua câmera, uma espécie de consulta a um psicólogo. Já Reneé impõe no seu lindo pensar limitações por conta de sua classe social e medos, principalmente com a chegada do novo vizinho que mexe muito com sua vida. Quando Paloma e Reneé se aproximam, conseguimos sentir a força da solidão das duas mas também que quando estão conversando a alegria e riso fácil as acompanham. Uma faz a outra ver algum lado bom da vida.

 

 

A vida e a morte, a eterna desconfiança sobre o destino. Há uma solidão evidente por trás do conhecimento mas quando esses se aproximam, tudo começa a fazer mais sentido. O Porco Espinho, filme que deveria ser visto por psicólogos e estudantes, é um fábula urbana muito interessante sobre a roda gigante de emoções que é viver.

 

 

Undine

 

O enigmático mundo entre o que pensamos e como sentimos. Exibido no Festival de Berlim, onde inclusive ganhou o prêmio da crítica (FIPRESCI) e ainda levou o concorrido Urso de Prata de Melhor Atriz, Undine possui um engenhoso roteiro que nos leva a um profundo drama, obsessões, palavras ao vento, perda, como o ser humano reage em momentos difíceis. Escrito e dirigido pelo cineasta Christian Petzold (um dos bons nomes na direção quando pensamos em cinema europeu, com ótimos trabalhos recentes) o projeto nos leva a uma jornada de conhecimento de uma personagem forte e muito complexa que possui um modo de pensar confuso, altera realidade com imaginação como se estivesse perdida dentro das interseções dos seus intensos relacionamentos e sentimentos. Cheio de simbolismos, o roteiro brinca com o espectador a todo instante.

 

 

Na trama, conhecemos Undine (Paula Beer), uma historiadora, que está à beira de uma certa loucura, discutindo sobre o iminente término de relacionamento com o namorado Johannes (Jacob Matschenz) que a traiu recentemente. Mas, por coincidência do destino, no mesmo dia que termina o relacionamento, encontra com o mergulhador industrial Christoph (Franz Rogowski) e logo surge uma paixão intensa entre os dois. Com o passar do tempo, idas e vindas de trem (a distância que separam os dois pombinhos), Undine encontra Johannes certo dia e esse momento poderá mudar pra sempre o provável final feliz dessa história.

 

 

Nos guiamos pelas ações de Undine a todo instante. Historiadora, obsessiva, uma solidão com a estranheza de não entender muito bem certas situações ao seu redor, muitas vezes introspectiva, vivendo uma fuga atrás da outra dentro de uma lógica fora da realidade. Uma alma carente que não sabe se definir fora de um relacionamento. Personagem extremamente complexa, um grande desafio para a competente atriz alemã Paula Beer.

 

 

O interessante e porque não dizer bastante original roteiro não fala somente sobre a complexidade psicologia por trás da sua protagonista, há espaço também para recebemos uma grande aula sobre Berlim e parte da história alemã através dos estudados momentos de palestras que a personagem ministra a muitos visitantes de um ponto turístico de Berlim. Há um vão entre a relação desses momentos com a maneira de pensar de Undine mas nada que atrapalhe o bom filme que se apresenta.

 

 

 

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Crítica do filme: 'Professor Polvo'


Tudo na vida tem começo, meio e fim. Um homem e seus conflitos em certa etapa da vida, consumido pelo stress de um cotidiano caótico em não encontrar um oásis dentro das obrigações que se amontoam em sua vida. Durante mais de 200 dias na África do Sul, resolve interagir todo esse tempo com um polvo e assim acaba embarcando em uma série de descobertas sobre como vive esse molusco de oito tentáculos e que possui uma série de ventanas. Uma narrativa detalhista, emocionante, que mexe com nossos campos reflexivos nos paralelos que encontramos entre as leis da vida de um polvo e nós que estamos fora da água. Professor Polvo, produzido pela Netflix, está concorrendo ao Oscar de Melhor Documentário em 2021.


Hipnotizante, inspirador. Uma história que pode parecer quando a gente lê a sinopse meio sem sentido, começa a mostrar porque é tão profunda quando começamos a entender as mudanças na maneira de pensar do mergulhador que se sente outro planeta debaixo da água. Acaba criando uma inusitada amizade com o polvo, esse que possui uma capacidade surpreendente e criativa de enganar seus inúmeros predadores. Ricas imagens preenchem a tela a todo instante, é como se estivéssemos dentro daquele pedacinho do oceano acompanhando de perto toda essa saga sem objetivo específico mas sempre surpreendente.


A parte onde descobrimos a força de vontade de se reconstruir é um clássico exemplo da vida, onde milhões espalhados pelo mundo precisam diariamente buscar suas chances de uma confortável trajetória em uma concorrência muitas vezes desleal mas mesmo assim, a maioria de nós, consegue de alguma forma (ou faz de tudo) sobreviver. Há mais paralelos: o sacrifício, a felicidade, as dificuldades, os obstáculos, nada de novo mas sempre com o olhar do inacreditável pelas intensas imagens que conseguimos acompanhar.


História de amizade, leis da vida, paralelos com os cotidianos espalhados por aí. Um dos grandes documentários dos últimos anos, despretensioso mas que consegue emocionar até os corações mais distantes de emoções.



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E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #376 - Maria Trika


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nossa entrevistada de hoje é cinéfila, de Belo Horizonte (Minas Gerais). Maria Trika tem 23 anos, é crítica de Cinema na revista Cinética, artista plástica, realizadora e estudante de Cinema, criadora da produtora THE BOCHE Filmes e ex- aluna do casa viva. Começou a escrevendo para a Rocinante, revista online de crítica cinematográfica. Também possui alguns ensaios e poesias publicados em revistas físicas e on-lines. É criadora da produtora THE BOCHE filmes, onde realiza trabalhos como diretora, diretora de arte, montadora, pesquisadora e organização de projetos. Há alguns anos é curadora dos cineclubes CineLixo e CineChão. Além disso, já realizou curadoria para algumas mostras de cineclubes em escolas. Desde muito cedo, desenvolve trabalhos de artes plásticas e gráficas. Realizou diversas exposições, performances, fanzines e é editora dʼA Criatura - publicação de trabalhos artísticos independentes, idealizada e protagonizada exclusivamente por mulheres, que leva o selo dʼA Zica. Por alguns anos trabalhou como pesquisadora e montadora de documentários na empresa OCCHI - Observatório de consumo e cultura.  Também trabalhou na galeria contemporânea de arte GAL - arte e pesquisa, e desenvolve trabalhos com arte educação.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Sala Humberto Mauro, no palácio das artes.  Esse lugar é a maior escola de cinema da cidade, onde aprendemos e mergulhamos no cinema a partir da experiência e do afeto (experiência a la O Guru e os Guris, de Jairo Ferreira saca?). Foi lá que todos os caminhos do cinema se apresentaram e abriram para mim. É um dos meus lugares favoritos de BH.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Pergunta difícil, porque acho que essa 'primeira vez' segue acontecendo e acontecendo novamente. Um filme é sempre uma descoberta (mesmo se for uma descoberta do mesmo, da indiferença, do ranço, ou de algo que não nos agrada ou afeta), sempre um lugar diferente.

 

A primeira vez que entendi um pouco do que era cinema foi ainda criança. Me lembro (muito pouco) desse dia, minha mãe me levou ao cinema para assistir Tainá - Uma aventura Amazônica, de Tânia Lamarca, Sérgio Bloch e lembro de sair em choque, pois não sabia que o cinema era algo que se fazia e que, também, existia aqui no Brasil.

 

Mas a primeira vez que o cinema me atravessou como corrente elétrica aconteceu anos depois, quando vi Sem essa aranha, de Rogério Sganzerla, em uma 'sala de cinema' extremamente improvisada. Aquilo atravessou de uma forma muito brutal e bonita, sentia vontade de rir e vomitar ao mesmo tempo e, de repente, me peguei chorando sem entender mais nada. Essa sensação de inquietação e de fascínio absoluto que o cinema tem quando atravessa os sentimentos da gente.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Me desculpe, talvez não seja a melhor pessoa para responder essas perguntas. Na minha forma de entender e aprender o mundo, não consigo definir coisas de uma maneira categórica ou comparativa. Muita coisa me é favorita. Mas posso citar alguns que me afetam muito:

 

Carlão (Carlos Reichenbach) - A Ilha dos Prazeres Proibidos (1979)

Claire Denis - Noites sem dormir (1994)

André Novais - Fantasmas (2010)

David Lynch - Cidade dos sonhos (2001)

John Carpenter - Halloween - A noite do terror (1978)

Clarissa Campolina - Solon (2016)

Ana Carolina - Mar de rosas (1977)

Margarida Cordeiro e António Reis - Trás-os-montes (1976)

 

 

Falei que não sei brincar. hahah desculpe.

 

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Atualmente são:

Noir Blue (2017), de Ana Pi

Vermelha (2019), de Getúlio Ribeiro

Cinema, Aspirinas e Urubus (2005), de Marcelo Gomes

 

Porque percebo em todos eles uma calma e sensibilidade no gesto de olhar (para onde olham), uma sinceridade na forma de lidar com o que se vê (como se filma) e a humildade perante o tempo (como o filme se transforma e se faz).

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Para mim, ser cinéfila é sobre ter um corpo físico e sensível que é atravessado pelo cinema (em toda sua amplitude), permitir se transformar por aquilo e, depois, sentir fome.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feita por pessoas que entendem de cinema?

Para mim quem entende de cinema é toda e qualquer pessoa que se abre a experiência de assistir um filme. Então de alguma forma sim. Só acho que os cinemas poderiam ter uma programação mais diversa, atendendo diferentes tipos de aberturas e buscas de suas e seus espectadores.

 

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Acredito (e espero) que não. Acho que pode virar algo meio 'vintage', como a fotografia analógica. No entanto é notável uma transformação na forma de assistir os filmes, então acredito que as salas devem mudar um pouco (bastante) com o tempo.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Karma - Enigma do medo (1984), dirigido por Custódio Gomes e Fauzi Mansur; e Driver (1978), de Walter Hill.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Acho isso meio impensável, ainda mais em meio a onda roxa e todo o momento que estamos passando no Brasil. Claro, que se fosse analisar apenas o meu querer e individualidade, sim, pois sinto uma grande saudade. No entanto, não é sobre isso né? Não se trata do eu mas do todo, essa pandemia nos convoca justamente para o pensar coletivo, então, até que essa situação seja segura para todes, não acho que as salas deveriam reabrir.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Curiosa sua pergunta. Muita coisa é produzida e o cinema brasileiro são vários… acho q o bonito é que temos mais pessoas produzindo mais acesso a recursos e editais (mesmo que ainda seja necessário muito muito mais) e nesse processo muitas coisas valiosas sendo feitas.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Clarissa Campolina.

 

12) Defina cinema com uma frase:

Cinema é muita coisa e atravessa muito fundo na gente. É um trem muito poderoso.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Minha primeira paixão aconteceu paralela ao momento que, também, me apaixonava mais intensamente pelo cinema. Assistimos muitos filmes juntes. Nem eu nem elu assumia ou sabia da paixão compartilhada. Depois de um ano de lenga lenga, começou uma mostra do Godard, no Humberto Mauro. Fomos em todas (literalmente TODAS) as sessões, foi uma imersão total no cinema dele (até na pior fase em vhs). E as mimsessões eram uma experiência muito única, sabe? Sentia a respiração pela pele da pessoa sentada a milímetros de distância de mim, os braços, as pernas  e as mãos quase se tocando, mas sem nunca tocar, os micro gestos e ruídos que iam se comunicando e  se sintonizando...Tudo isso somado a sensação dos filmes, era como se eu assistisse os filmes pelo corpo, pela pele, pelo tesão (em especial os primeiros do Godard, na sua fase mais romântica).

 

Até que no final da mostra, um amigo próximo virou para a gente e falou que ninguém gostava tanto de Godard assim, só poderíamos mesmo estar apaixonades. Morri de vergonha e já entrei correndo na próxima sessão. No meio do filme, senti algo roçando entre a minha perna e a da pessoa, era um filhote de gato. Saímos de lá juntes, apaixonades, iniciando um relacionamento e com um gato adotado. Foi engraçado e, realmente, ninguém poderia gostar tanto de Godard assim.

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras…

Neste caso, me interessa mais a intenção por trás dessa pergunta, do que o que poderia dizer sobre o filme (que, inclusive, adoro).

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Dirigir um filme é um processo muito delicado. Exige muita atenção, escuta, sabe? Entendo como um processo de sensibilização para então poder criar. Eu, pessoalmente, no meu processo de direção, acho a cinefilia algo importante. Mas não acho crucial. Mais do que as referências (que sempre contribuem muito), a pessoa precisa estar atenta ao desejo dela, do olho, do real e do filme.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Novamente não lido muito com esses extremos de melhor/pior. Mas se tivesse que escolher algo próximo a isso, seria Roma, de Alfonso Cuarón, por sentir uma ausência absoluta de cuidado e compromisso com o que ele alega estar comprometido. Acho um filme cínico, egocêntrico e desleal transvestido de humanista. Sua desonestidade é o que mais me causa repulsa.

 

17) Qual seu documentário preferido?

Os Arara (1983), de Andrea Tonacci; "Nada levarei quando morrer aqueles que mim deve cobrarei no inferno" (1981), de Miguel Rio Branco; Nũhũ yãg mũ yõg hãm: essa terra é nossa! (2020), de Isael Maxakali, Sueli Maxakali, Carolina Canguçu, Roberto Romero; e Conte isso àqueles que dizem que fomos derrotados (2018), de Camila Bastos, Pedro Maia de Brito, Aiano Bemfica, Cristiano Araújo.

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?  

Já, em festivais.

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Eu A M E I essa pergunta. Isso me lembrou um 'dado' que amo e concordo: quanto mais Nicolas Cage lança filmes em um ano, menos pessoas morrem em acidentes de helicóptero nos EUA. Ou seja, salvando vidas desde sempre hahaha.

 

Acho que tenho um ranking de 3:

Arizona nunca mais (1987), dos Irmãos Coen

Vivendo no Limite (199), de Martin Scorsese

Coração Selvagem (1990), de David Lynch

 

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Cinética, Another Gaze, Zagaia e Verberenas.  Gosto/gostava muito de algumas leituras que já não estão publicando muitas coisas ou foram desativadas como Fora de quadro, Olhos Livres (01 e 02) e Filmes Polvo. Além disso o twitter hahah.

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E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #375 - Lidiane Bach


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nossa entrevistada de hoje é cinéfila, de Porto Alegre (Rio Grande do Sul). Lidiane Bach tem 40 anos, uma pisciana que vive navegando pelos mares do cinema, da literatura, do tarot e da arte em geral. Apaixonada por viajar e procurar poesia nos acontecimentos cotidianos. Licenciada em Artes Visuais e uma completa apaixonada pela arte de parar o tempo: a fotografia.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Sala Redenção, porque acho incrível a curadoria que fazem trazendo filmes que dificilmente eu descobriria sozinha.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Não sei se foi o filme que me fez pensar que o cinema é um lugar diferente, mas me fez ter certeza que o cinema poderia me ensinar muito: Deus e o diabo na terra do sol, do Glauber Rocha - esse filme é um marco para minha experiência com cinema.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Eu amo o Almodóvar, Tudo sobre minha mãe.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Eu sou uma completa apaixonada pelo nosso cinema! Pode roubar? Não quero indicar de novo Deus e o diabo na terra do sol, então vou indicar um filme mais atual, porque nosso cinema vem num crescente maravilhoso, vou votar em Bacurau, do Kléber Mendonça Filho, por trazer uma estética que fez meu coração vibrar lembrando com a proximidade com o "cinema clássico", o filme é arrebatador, visceral e necessário. Sai do cinema com um vazio na alma e com milhares de questionamentos fervilhando na minha cabeça ... coisas que a experiência do cinema faz conosco: "nos suga para dentro da narrativa e nos devolve desconstruídos", amo.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

 

Putz! Eu sei que sou cinéfila, mas é algo tão natural, tão visceral que não tinha parado para pensar no que isso significa para mim ... sei lá, é uma paixão que me move, me alimenta e me ajuda a "enfrentar" a realidade.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Não

 

7)  Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Meu coração fica apertadinho em pensar nisso, espero que não aconteça, mas a esperança está pequena.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Um nacional, porque não perco a oportunidade de dizer que nosso cinema é maravilhoso!

Por que você não chora? da Cibele Amaral.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Morro de saudade de uma sala de cinema (já tem um ano que não entro numa), mas acho que enquanto não for seguro é complicado reabrir; embora tenha o outro lado, fico pensando que é muito mais complexo que abrir ou não, tem toda uma questão econômica envolvida também, o que significa pessoas que dependem das salas abertas para comer, por exemplo ... é difícil dizer algo sobre o assunto.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

 

Acho que o nosso cinema é de altíssima qualidade, sinto tanto todo esse "desmonte" do nosso audiovisual. Atingimos um patamar de excelência e precisamos seguir produzindo e nos aperfeiçoando.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Os filmes da diretora Laís Bodanzky, acho ela genial.

 

12) Defina cinema com uma frase:

Vou com o Fellini: o cinema é um modo divino de contar a vida!

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Não lembro de nenhuma, mas vou citar a performance que a Helena Ignez realizou na Cinemateca Capitólio, aqui em Porto Alegre, foi uma experiência surreal.

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

Sério mesmo que vai fazer isso comigo? afff ... Um filme desnecessário, mas gostei da militância: todos os pequeninos merecem proteção, alimentação, amor ... tinha mais alguma coisa que não lembro agora.

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Não acho que seja um pré requisito, mas creio que quanto mais filmes se assiste, mais se estuda cinema, maior a chance do diretor dominar a linguagem e fazer escolhas mais certeiras.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Putz, tô lascada! Não costumo falar das coisas que não gosto ... assisti esses dias o musical Cats, do Tom Hooper ... eu adoro musicais, mas esse foi muito ruim.

 

17) Qual seu documentário preferido?

Aqui vou "chover no molhado", vou indicar o Eduardo Coutinho e o maravilhoso Edifício Master, seria heresia da minha parte não indicar Coutinho.

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?  

Claro, Senhor dos Anéis, só de lembrar da saga já me emociono!!!

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Fácil, Cidade dos Anjos, um clássico da minha adolescência, rsrss

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Os blogs que eu mais leio são: Papo de Cinema, Guia do Cinéfilo, Cinema com Rapadura.

 

 

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16/04/2021

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Crítica do filme: 'Paraíso'


As canções, as almas e os corações que sempre se deixam emocionar. Após quatro décadas fora do Brasil, o cineasta Sérgio Tréfaut resolve buscar por suas memórias primárias até onde lembra de estar no seu país através de um grupo de pessoas, em sua grande maioria na feliz idade, que se reúnem nos jardins de um ponto turístico carioca para uma seresta semanal. No karaokê popular da alegria instaurado, que acontece faz muito tempo, ouvimos grandes clássicos de diversas gerações, de Alceu e Elba até Wando, De Lupicínio Rodrigues à Moska, Caetano. Entre outros. Filmado nos jardins do palácio do catete, pouco antes da pandemia, o filme apresenta um reflexivo desfecho que se conecta com o momento atual do mundo, particularmente do Brasil e alguns desses frequentadores.


Em menos de 90 minutos, o documentário busca resgatar memórias dos personagens que aparecem mas também do cineasta. A solidão acaba sendo uma testemunha ocular desse ‘Paraíso’ que remete ao título, aparece quando estão sozinhos, ou em memórias nos depoimentos, mesmo isso sendo feito sem muita profundidade, entre uma canção e outra a mensagem chega em nossos corações. O bom humor e a descontração navegam no contraponto da constatação do estar sozinho.


A seresta que participam é acontecimento semanal da vida deles, a segunda casa de muitos. O palco é a sede do governo de nosso país até a criação de Brasília, um lugar belíssimo, muito bem cuidado que de alguma forma respira arte, até cinema possui. E como ia ser lindo ver esse filme passando lá no cinema do Museu da República. Quem sabe né?

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Crítica do filme: 'Röckët Stähr's Death of a Rockstar'


Às vezes é preciso lutar pelo que realmente se acredita. Selecionado para a Competição de animação dentro da Première Internacional do Fantaspoa de 2021, Röckët Stähr's Death of a Rockstar é um musical com técnicas de animação, com o poder vocal de um rockstar que nos leva para uma viagem à mais de 100 anos na frente do nosso tempo onde as futuras gerações parecem não terem aprendido com os erros e imperfeições do passado. Involução da raça humana? Ideias em extinção? Crenças cansadas? Somos testemunhas de uma genial turnê mundial de libertação à prisão de ideias, imposições do que fazer, as tentativas de calar a individualidade. Os simbolismos, as críticas nas canções, o paralelo com a realidade se unem em uma estrada nos dizendo em alto e bom som para encontrarmos nosso próprio caminho, seja ele qual for. Possui um ritmo arrepiante, como se fechássemos os olhos e escutássemos a vida.


Na trama, vemos o início de uma nova revolução no mundo. Estamos no ano de 2164 e movimento rock and roll não existe e ainda é calado por autoridades de personalidades duvidosas. Mas um excêntrico cientista imerso em suas ideias e loucuras resolve criar um rockstar clonado para fazer uma enorme turnê global e assim buscar resgatar a voz individual de cada um de nós. Mas nem todo o plano feito com boas intenções acaba dando 100% certo e obstáculos vão aparecer nessa jornada.


Röckët Stähr's Death of a Rockstar é irônico com sua inteligência nas entrelinhas, reflete sobre as ironias que a vida pode nos oferecer, numa delas: será que todas as grandes tragédias começam com o amor? Quando o sacrifício se torna um vício e feito pelo bem comum, esse bem comum acaba se tornando escasso em sua essência? A questão do desapego é um ponto importante para análise estando em pontos de interseções, dentro disso, uma subtrama super interessante e profunda de uma filha e seus embates com a educação que recebe de seus pais.


A liberdade, em muitos sentidos é o foco de mais reflexões. Uma versão do passado que foi reescrita pelos políticos e seus burocratas leva a uma nova onda por mudanças, principalmente dos que podemos chamar de filhos de uma revolução atemporal onde lutam pelos seus direitos e por um mundo onde a maioria não deve forçar a sua vontade sobre a minoria. A questão do desemprego, menções capitalistas como ‘Mercado estatal’, ‘preços altos’, ‘pequenas opções’, e ainda sobra tempo para uma brilhante e constante homenagem para várias lendas do rock, da música e clássicos do cinema. Röckët Stähr's Death of a Rockstar é completo, genial, pena que poucos vão ter a chance de assistir.

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Crítica do filme: 'Danger! Danger!'


Será que todos temos o desejo de voltar no tempo? Brincando com essa questão muito batida no universo audiovisual, navegando por uma estrada de infinitas possibilidades através de um misterioso protagonista Danger! Danger! em um retrato de universo cheio de dúvidas, extremismo pra todo lado, polarização das opiniões dentro de uma conjuntura sociopolítica. É a saga de um homem buscando mudar sua maior tragédia do passado contra uma nação disposta a tudo para mudar os eventos da Corrida Espacial, da Guerra Fria e da Segunda Guerra Mundial. Dirigido por Lexie Findarle Trivundza e Nick Trivundza.


Na trama, conhecemos Jonathan Danger (Benedict Mazurek) um homem que cai em um lugar distante, a 32 km da costa da África, em meados da década de 80 disposto a achar um templo, que inclusive o caminho está tatuado um mapa no seu peito. Só que ele não é o único atrás desse lugar e assim acaba se metendo em enormes confusões contra soviéticos nervosos mas contando com a ajuda de dois irmãos. É uma aventura com pitadas de Indiana Jones com conceitos de viagem no tempo costurados em uma conjuntura de modificações políticas.


Na linha quase intermediária entre média e longa-metragem, Danger! Danger! Tem sua base, sua concepção, pensada através de uma viagem abordando paralelos à mitos, lendas, nada diferente do que muitos povos ao redor do mundo vivem repetidamente geração após geração, nutrindo dentro de um conservadorismo cultural. Há um campo profundo de reflexão se formos analisar o ponto de vista sócio-político e sempre conflituoso de grandes nações em busca de reafirmação de suas forças. Junte-se a isso diálogos com piadinhas quase infames, personagens excêntricos dentro de um esteriótipo já bastante visto em filmes de aventura, o barato do projeto é que podemos supor que é uma produção criada por cinéfilos, muitas menções à Alien, de volta para o futuro... vale a viagem.

DANGER! DANGER! Official Trailer from Adventure Company on Vimeo.

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E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #374 - Kit Menezes


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nossa entrevistada de hoje é cinéfila, de Piracicaba (São Paulo). Kit Menezes tem 51 anos, mãe da Carolina, do Rafael e da Gabriela. Dirigiu os curta-metragens “Volume Morto” (2018) e "A velha" (2016). É roteirista e diretora do mini-documentário "dos 80 aos 40, 50..." (2014), exibido em festivais e mostras de cinema. Trabalhou como diretora de arte no curta Estranho Ímpar, dirigido por Beto Oliveira (2015) e do longa-metragem Cães Famintos (2016), do mesmo diretor. Atua com experimentações audiovisuais desde 1996 com trabalhos  reconhecidos de videoarte, premiados no Mapa Cultural Paulista (1999 e 2000). É professora universitária, performer e integrante do NUPECC - núcleo de pesquisa e criação da Casa do pano, de Campinas. "Inscrições do Tempo no corpo presente", projeto contemplado pelo PROAC em 2019, é seu primeiro longa-metragem. Atualmente vive em São Pedro, interior de São Paulo e participa do ICine - forum de cinema do interior paulista.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Já faz algum tempo que os únicos cinemas que temos em Piracicaba são os do Shopping Piracicaba Infelizmente. Eu gostava muito do Cine Arte quando tinha, ficava no mesmo prédio onde existe o Teatro Municipal. Era um cinema que passava mais filmes alternativos, menos comerciais. Filmes de arte.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Eu acho que foi Indiana Jones e os caçadores da Arca perdida. Foi um filme de aventura. Lembro de ter ido com minha prima. Lembro do ritual: a pipoca e o filme e depois do filme o sorvete no La Paloma. Acho que é mais a memória afetiva do que do filme em si... não sei, está tudo misturado hoje...

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Eu gosto de várias diretoras mulheres. Gosto muito da Chantal Akerman, uma cineasta belga incrível que dirigiu o maravilhoso Jeanne Dielman, 23, Quai du Commerce, 1080 Bruxelles. Esse é meu filme favorito dela!

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Difícil escolher um filme favorito... Gosto de muitos. Acho que o que eu mais gosto hoje, dos filmes que tenho assistido recentemente é Vitalina Varella, do diretor português Pedro Costa.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Pergunta difícil, ardilosa... tem várias possibilidades de respostas... eu acho que uma das respostas possíveis é dizer que é gostar muito de assistir filmes, mas não qualquer filme. É gostar de assistir determinados filmes que tem a ver com especificidades de repertório, de gosto, de tema, de abordagem. Tem a ver com ser tocado/as pelo filme. Tem a ver com um desejo de também fazer filmes. Porque ser cinéfilo é querer dialogar com o que se assiste, com o que nos toca.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Acredito que o cinema é muito pautado hoje por uma relação econômica. Isso não significa não entender de cinema mas entender por uma perspectiva comercial. Existem outras formas de entender cinema.

 

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Espero sinceramente que não.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Kbela, da Yasmin Tainá. É um curta, está no youtube.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Não.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Eu acho a produção cinematográfica audiovisual brasileira hoje maravilhosa!!!!!! Tem muita diversidade! E um imaginário muito rico de possibilidades e experimentações.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Gosto do trabalho do João Paulo Maria Miranda, que é de Rio Claro e tem uma trajetória interessante. Mas gosto de muitos outros e outras diretoras também.

 

12) Defina cinema com uma frase:

Amor.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

As histórias que eu poderia contar são inenarráveis!

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

Um filme dos anos 1990?

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Não. Acho que para dirigir um filme é preciso sensibilidade, respeito e repertório. Conhecer algumas técnicas é imprescindível mas muita coisa pode ser criada a partir do que se tem.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Poxa... não sei dizer.

 

17) Qual seu documentário preferido?

Gosto de muitos. Não sei dizer.

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão? 

Sim. Bacurau. Foi catártico.

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Despedida em Las Vegas.

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Verberenas.

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