20/06/2025

Crítica do filme: 'Cuckoo'


Lançando luz sobre um esquisitismo eficiente, onde as peças embaralhadas de um tabuleiro de suspense são apenas a superfície de conflitos mais profundos, Cuckoo conduz o espectador por uma trama de tensão crescente que transita por diferentes camadas de drama familiar. Escrito e dirigido pelo cineasta alemão Tilman Singer, em seu segundo longa-metragem, o projeto apresenta várias linhas a seguir até o seu decifrar.

Gretchen (Hunter Schafer) é uma jovem de quase 18 anos que, após um acontecimento, precisa ir morar com seu Luis (Marton Csokas), sua madrasta Beth (Jessica Henwick) e sua meia-irmã Alma (Mila Lieu) em um resort nos Alpes Bávaros, na Alemanha, que é o ponto de um futuro projeto de seu pai. Chegando nesse lugar, distante dos dias agitados dos Estados Unidos que está acostumada, Gretchen começa a perceber aos poucos que alguns curiosos segredos estão circulando pelo seu redor.

Cuckoo pode ser visto como um drama familiar que se abre em camadas através do inusitado, do fantástico. A protagonista, muito bem interpretada por Hunter Chafer, é um pilar de todos os enigmas que se mostram do início ao fim dos 102 minutos de projeção. Mas se você está pensando em algo mastigado, com fácil entendimento, procure outro filme.  

A trama pode parecer imprecisa em alguns momentos, demora um pouco pra ‘dar liga’, o que chama a atenção é como a narrativa consegue se desenvolver mesmo assim através dos pontos de interrogação do que vemos em cena. A construção da tensão, feita com uma eficiência quase cirúrgica, se apoia em uma combinação de ruídos ensurdecedores, personagens inquietantes, lapsos hipnóticos e visões trágicas que se repetem em um looping perturbador, nos levando pelo fascinante universo do esquisitismo e referências à algumas obras de Dario Argento.

Exibido no Festival de Berlim no ano passado e lançado diretamente no Prime Video, sem sequer passar pelos cinemas brasileiros, este terror constrói uma atmosfera densa de suspense ao mesmo tempo em que desafia a compreensão imediata de sua trama. Com uma premissa enigmática, o filme instiga a curiosidade do público, que se mantém atento na tentativa de decifrar os segredos que surgem ao longo da narrativa. Por mais estranhos que pareçam, os acontecimentos acabam se encaixando em uma lógica que se revela de forma convincente em seu desfecho.

 

 

 

 

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Crítica do filme: 'Titan: O Desastre da OceanGate'


Os detalhes da catástrofe. Chega à Netflix um documentário que reconstrói, com rigorosa pesquisa e depoimentos impactantes, todo o contexto que levou a um dos desastres marítimos mais trágicos dos últimos tempos. Dirigido por Mark Monroe, Titan: O Desastre da OceanGate organiza seus achados investigativos em uma linha temporal precisa, trazendo reflexões profundas e múltiplos pontos de vista sobre o ocorrido.

Um chefe narcisista que não admitia ser questionado. Assim é definido Stockton Rush, um empresário norte-americano fundador e diretor executivo da OceanGate, grande foco de reflexões desse documentário que logo alcançou o Top 10 da plataforma em alguns países. Sua empresa, especialista em levar pessoas pagantes por meio de submersíveis até alguns limites dos oceanos, percorreu noticiários pelo mundo com avanços nas expedições oceânicas em busca também de estudos e relevância sobre grandes naufrágios.

Visto por alguns como um visionário genial, essa imagem desmorona diante dos relatos de ex-funcionários presentes no documentário. Movido pelo sonho de explorar mais detalhadamente os destroços do Titanic, Stockton tornou-se obcecado pelo projeto do novo submersível Titan, assumindo um papel central em sua continuidade, mesmo após sucessivos alertas sobre os riscos envolvidos. A bordo do submersível que viria a implodir, estavam o próprio Stockton, um especialista no Titanic; um empresário britânico; um empresário paquistanês-britânico e seu filho.

Rico em detalhes, este projeto audiovisual com forte caráter investigativo nos conduz por análises técnicas que vão desde a escolha dos materiais até os testes realizados com o novo modelo de submersível. Os relatos vêm de pessoas que acompanharam de perto todas as etapas do processo. A negligência surge como um fio condutor da narrativa, com o documentário apontando de forma direta para Stockton como o principal responsável pela tragédia. Ao longo de quase duas horas, somos levados a um choque constante, com verdades sendo expostas uma após a outra.

Com estreia mundial no Festival de Tribeca dias atrás, esse documentário de grande impacto emocional, que pode gerar indignações pelos absurdos cometidos por um homem que achava que sabia de tudo, chegou logo em seguida ao catálogo da Netflix de muitos países, inclusive o Brasil.

 

 

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Crítica do filme: 'Nossos Tempos'


Um projeto super secreto, uma história de amor que percorre o tempo. Já vimos algo parecido por aí, não é mesmo? O filme mexicano Nossos Tempos, recém-lançado na líder dos streamings (Netflix), tenta dar um frescor ao tema ao misturar conceitos de física com um drama que transita entre reflexões sobre relacionamentos, choque cultural e questões de sexismo. O machismo estrutural e as inquietações sobre o futuro posicionam o filme diante de temas relevantes, mas, apesar do potencial para ir mais fundo, a narrativa recua e acaba se acomodando na zona de conforto de um romance piegas.

Nora (Lucero) e Héctor (Benny Ibarra) são dois brilhantes cientistas que no ano de 1966, em seus estudos secretos no porão da universidade onde lecionam, descobrem como viajar no tempo. Embarcando na incrível máquina que criaram, acabam indo parar 59 anos no futuro onde enfrentarão situações que nunca imaginaram, além das surpresas com os avanços tecnológicos de um mundo em intensas modificações. Logo, o relacionamento entre os dois enfrenta uma crise provocada pela não adaptação de Héctor ao mundo que se apresenta.

Dirigido por Salvador Cartas, entre expectativas criadas e estereótipos desenvolvidos, Nossos Tempos tem um início promissor seguindo pelo fascinante universo da física, viagem no tempo, buraco de minhoca (espaço-tempo que conecta duas regiões distantes do universo). Quando a física abre espaço para os problemas conjugais, guiados pelos dilemas de entendimento das mudanças importantes e necessárias na sociedade ao longo do tempo o projeto vai desabando aos poucos.  

Em seu clímax, é notório um ‘tilt’ entre o foco na ciência e a história de amor, nos levando para a comodidade da superfície quando se mostram na cara do gol assuntos relevantes para reflexões. As boas intenções no roteiro, ao trazer para debates mudanças necessárias de nossa sociedade, vão por água abaixo. O importante tema que gira em torno do feminismo e do sexismo são jogados para escanteio, definidos de forma decepcionante por um desfecho insosso e contraditório.

Nossos Tempos tinha tudo para ser um importante trabalho audiovisual onde o universo do tempo e espaço encontram suas fronteiras entre as formas de entendimento com manifestações em diversos aspectos da sociedade e cultura. Mas ao preferir seguir uma fórmula de bolo, se torna um produto mais do mesmo.   

 

 

 

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Crítica do filme: 'Improvisação Perigosa'


Trilhando com passos largos o caminho de uma comédia camuflada de ‘nonsense’, acaba de chegar ao Prime Video um longa-metragem que coloca três aspirantes a comediantes, todos flertando com o fracasso, na linha de frente do perigo. Com uma estrutura narrativa simples e um roteiro repleto de diálogos feitos sob medida para o riso fácil e também inteligente, Improvisação Perigosa, dirigido por Tom Kingsley, aposta na ridicularização para construir uma sátira afiada sobre o insucesso.

Na vida profissional, as coisas vão de mal a pior para Kat (Bryce Dallas Howard), Marlon (Orlando Bloom) e Hugh (Nick Mohammed). Kat é uma professora de improvisação que ainda não conseguiu emplacar sua carreira como comediante. Marlon, um ator em busca do papel que mude sua trajetória, vive de pequenas oportunidades que nunca o levam ao estrelato. Já Hugh, um funcionário tímido e deslocado em uma grande empresa, vê nas aulas de improviso uma tentativa de dar algum rumo à sua vida. Certo dia, o destino cruza o caminho dos três e, sob a orientação de um agente da polícia, eles embarcam em uma missão inusitada: se infiltrar em uma perigosa gangue, criando personagens como disfarces. A partir daí, uma série de confusões e situações inusitadas está garantida.

Como inserir a comédia num clássico caminho que percorrem muitos filmes de ação? Com esse foco como objetivo e deixando as entrelinhas brilharem com o insucesso profissional em pauta, Improvisação Perigosa pode ser analisado de forma bastante profunda com camadas ocultas que enxergamos através das incertezas, de uma crise existencial. Num primeiro momento parece estarmos diante de um filme bobo, sem perspectiva, mas aos poucos vamos entendendo a leveza de um desfile de críticas sobre a sociedade, o bom e o mau, o sucesso e o desastre.

Este é aquele tipo de filme que arranca risos justamente quando menos esperamos, comprovando a eficácia de um roteiro provocativo que desafia os estereótipos e subverte a tradicional lógica entre heróis e vilões nos filmes de ação. Aqui, os dilemas reais da relação entre indivíduo e trabalho são transportados para o terreno do absurdo, sempre carregados de desespero, o que cria uma identificação imediata com o público. Mérito de uma história original criada por Derek Connolly e Colin Trevorrow, posteriormente adaptada pela dupla de comediantes britânicos Ben Ashenden e Alexander Owen.


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18/06/2025

Crítica do filme: 'O Último Respiro'


Baseado em uma história real que envolve uma das profissões mais perigosas do mundo, o longa-metragem O Último Respiro vai direto ao ponto, sem rodeios, ao reconstituir um resgate inacreditável – e até hoje considerado inexplicável – ocorrido a centenas de metros de profundidade no Mar do Norte. Sob a direção de Alex Parkinson, o filme conduz o espectador por uma narrativa intensa e cheia de tensão, onde o foco e a precisão exigidos pelo ofício se chocam com variáveis incontroláveis da natureza.

Ao longo de 93 minutos, acompanhamos a trajetória de Chris (Finn Cole), um mergulhador especializado em grandes profundidades, que é escalado para uma missão de manutenção em oleodutos submarinos, ao lado de Duncan (Woody Harrelson) e Dave (Simu Liu). Quando o navio que os leva começa a sofrer com o tempo ruim, Chris acaba ficando para trás com apenas 10 minutos de oxigênio emergencial restante. Correndo contra o tempo, Duncan, Dave e toda a equipe de comando no navio buscam soluções para trazê-lo de volta.

São 30 mil quilômetros de oleodutos – tubulações subaquáticas responsáveis pelo transporte de petróleo – cuja manutenção depende exclusivamente de mergulhadores de saturação, profissionais que passam longos períodos em grandes profundidades. Partindo desse cenário arriscado, o roteiro escolhe um recorte específico: uma intensa história de sobrevivência, que concentra seu foco no clímax e nas decisões cruciais de toda uma equipe, sem se aprofundar em muitas camadas narrativas.

Movimentando-se entre thriller e drama, uma fórmula eficiente acaba sendo imposta, indo direto ao centro de suas questões, algo que se difere de muitos outros filmes que retratam resgate e mostram o sopro da tentativa de sobrevivência. Soma-se a isso uma ótima direção e ótimas atuações. O projeto, com cenas de tirar o fôlego, teve locações em Aberdeen (Escócia) e em Malta, tendo o auxílio do documentário Last Breath como referência – também dirigido por Parkinson (ao lado de Richard da Costa).

Essa história é algo até hoje sem muitas explicações científicas. A água fria e a mistura de gases com alta pressão parcial de oxigênio pode ser algo que explique o retorno intacto do mergulhador. Mas até os dias atuais esse resgate bem-sucedido é um dos grandes mistérios do mundo e aqui nessa obra, que chegou na Prime Video em 2025, vemos com real impacto todo o mix de emoções que trabalhadores numa das mais arriscadas profissões do mundo podem passar a qualquer momento do seu perigoso ofício.  


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Critica do filme: 'Sally'


Em busca de uma história real, marcante e cheia de camadas, o documentário Sally nos conduz pela trajetória pessoal e profissional de Sally Ride, a primeira astronauta norte-americana a viajar para o espaço. Corajosa e pioneira, ela abriu caminhos em um ambiente dominado pelo machismo dentro dos estudos aeroespaciais. Disponível no Disney Plus, o projeto, vencedor de um prêmio no Festival de Sundance deste ano, já desponta como um dos grandes documentários lançados em 2025.

O roteiro é cirúrgico ao revelar os detalhes mais significativos da trajetória de Sally Ride, desde o circo midiático em torno de sua primeira missão até os debates sobre sexualidade em uma década de 1970 e 1980 ainda marcada por forte preconceito contra quem decidia se assumir. Além disso, somos guiados pela própria Sally em muitos momentos, por meio de áudios e vídeos da época. Nessa narrativa em grande parte contada por ela mesma, o documentário nos ajuda a compreender o contexto social da época e as inúmeras pressões que ela enfrentou por todos os lados.

Um dia a NASA colocou um anúncio com vagas para selecionar o primeiro grupo de astronautas femininas do programa espacial norte-americano. Num mundo dominado por homens, Sally foi uma das selecionadas. Num primeiro momento somos convidados a conhecer um pouco sobre a protagonista desta história, como se fosse uma espécie de prólogo sobre o que o projeto abordaria mais pra frente. Esses primeiros minutos são fundamentais para reter nossa atenção, somos logos fisgados pelas dicas de camadas que logo se abririam. Embarcamos em um universo de sonhos e segredos.

Graduada simultaneamente em Inglês e Física pela prestigiada Universidade de Stanford, Sally Ride era altamente qualificada para ocupar qualquer cargo que desejasse na NASA. No entanto, a pressão da opinião pública e o ambiente conservador da época a fizeram manter em segredo, por toda a vida, seu relacionamento com Tam O'Shaughnessy — revelação trazida de forma sensível por este documentário. Ao expor essa parte até então oculta de sua história, o filme propõe um exercício de revisitar os mesmos acontecimentos sob uma nova perspectiva, iluminando os sacrifícios pessoais que Sally precisou fazer em sua trajetória. Tudo isso é conduzido com delicadeza e profundidade pelo roteiro.

Dirigido por Cristina Costantini, Sally chega para mostrar todas as verdades de uma vida dedicada a sua profissional mas também com sacrifícios dolorosos. Depois das soviéticas Valentina Tereshkova e Svetlana Savitskaya, Sally Ride marcou seu nome como uma das poucas mulheres a irem para o espaço. Você precisa conhecer essa história!

 

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15/06/2025

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Crítica do filme: 'Nem Toda História de Amor Acaba em Morte' [CINEPE 2025]


A rotina que mata. Trazendo um importante olhar para a surdez e acessibilidade gerando uma representatividade importante e ainda pouco vista nos produtos audiovisuais brasileiros, o longa-metragem paranaense Nem Toda História de Amor Acaba em Morte, entre beijos e feridas, num cair e levantar, busca um retrato sutil do cotidiano das relações.

Sol (Chiris Gomes) está em um casamento na iminência do fim. Quando resolve tomar essa decisão, acaba conhecendo Lola (Gabi Grigolom), uma jovem atriz surda. Quando as duas resolvem embarcar de forma definitiva nesse relacionamento, conflitos com o ex-marido de Sol se tornam presentes.  

Uma nova fase da vida e os sussurros dos que cismam em não entender, se tornam alguns dos contrapontos que se chocam numa narrativa com um abre alas com o freio de mão puxado mas que de alguma forma utiliza um trunfo interessante, um papo reto, uma mensagem objetiva, que deixa o filme leve, com momentos cômicos e com fácil identificação.

Nessa tragicômica jornada, que ganha força à medida que se afasta de seu início, acompanhamos uma protagonista em crise, descobrindo novas formas de amar e de enxergar as relações. O roteiro adota uma estrutura quase episódica, como pequenas esquetes que se costuram em busca de simplificar o que é, por natureza, complexo. Embora nem sempre alcance maior profundidade e por vezes se embarace em suas próprias propostas, a narrativa mantém um tom leve e agradável que convida o espectador a seguir até o fim.

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14/06/2025

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Crítica do filme: 'Depois do Fim' [CINEPE 2025]


Exibido no antepenúltimo dia das mostras competitivas do CINEPE 2025, o curta-metragem Depois do Fim apresenta um desabafo de emoções reprimidas, desencadeando um inesperado choque capaz de despertar conflitos há tempos adormecidos. Em um recorte profundo – mesmo com poucos minutinhos – sobre ‘O que não durou e as suas causas’, embarcamos rapidamente num universo muito visto nos filmes de Richard Linklater que aqui ganha sua própria originalidade nas mãos de uma habilidosa direção de Pedro Maciel.

Seis anos após o último adeus, Ana (Olivia Torres), uma musicista atualmente em uma relacionamento, dá de frente com o ex-namorado, Théo, oferecendo uma carona. Esse fato leva esses dois ex-pombinhos para preenchimentos de lacunas que ficaram perdidas pelo tempo. Será que há possibilidades para novos capítulos dessa história?

Uma carona, um reencontro, uma história de amor guardada numa caixinha de memórias. Em 19 minutos de duração, o curta-metragem nos convida a um encontro que, na verdade, é sobre desencontros. Entre confissões e desabafos, o filme faz do presente uma ponte para revisitar o passado e propõe uma reflexão madura sobre os labirintos emocionais dos relacionamentos.

Brincando com as incertezas, o roteiro preenche suas linhas com diálogos de múltiplas camadas e significados, encontrando uma cadência certeira e um ritmo envolvente. A narrativa, sempre centrada nos personagens, direciona o olhar do espectador para uma verdadeira explosão de emoções.

Criar um elo com o público não é fácil, há muitos méritos nisso. Esse é um filme que chega no seu desfecho com gostinho de quero mais. Quem sabe não vira um longa, né? Eu correria pra assistir!

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Crítica do filme: 'Itatira' [CINEPE 2025]


Assisti a um filme bastante curioso e instigante no CINEPE, que podemos definir como um verdadeiro “True Sobrenatural Brasileiro”. Com um prólogo impactante, repleto de figuras enigmáticas e imagens fragmentadas, o longa-metragem Itatira já abre evocando uma atmosfera de mistério e inquietação, ambientada numa pequena cidade do sertão cearense.

Fugindo do lugar-comum, a narrativa nos conduz por uma espécie de investigação sobre o inexplicável, enquanto expõe de forma crua e incisiva as feridas morais de uma comunidade que logo se vê engolida por um verdadeiro circo midiático. Dirigido por André Luís Garcia, roteirista de Cidades Fantasmas, vencedor do Festival É Tudo Verdade anos atrás, Itatira desafia o público a cada instante, a cada imagem, a cada som, com um cinema sensorial fascinante.

Em um pequeno município do interior do Ceará — que dá nome ao filme — um suposto espírito começa a se manifestar dentro de uma escola, fazendo os estudantes passarem mal de algumas formas. Com a recorrência dos episódios, o caso rapidamente desperta o interesse da mídia, que transforma a situação em um espetáculo sensacionalista, afetando de maneira profunda e desestabilizadora a rotina dos moradores da região.

Explorando de forma criativa diferentes camadas temporais e a cultura do sobrenatural dentro de uma atmosfera sensorial cuidadosamente construída – com o som de grilos, o tilintar metálico e o sopro do vento –, o projeto aposta numa narrativa que se demora a acontecer. Esse ritmo mais lento, porém, encontra amplitude e coerência na cadência de uma trilha sonora tensa que envolve todo o filme. É preciso entrega e paciência para embarcar nessa experiência.

Seria esse um projeto sobre um grande achado? Um fenômeno do outro mundo? Padres chamados para um lugar que acontecem coisas que ninguém consegue explicar logo vira bafafá e munição para uma exposição violenta no lado moral a partir do circo midiático que logo tomou conta. Nesse ponto, seu ápice, o lugar é um personagem central que nos convida lentamente para um raio-x sociológico que explica muito de nossa sociedade.

 

 

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12/06/2025

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Crítica do filme: 'Senhoritas' [CINEPE 2025]


Seu mundo é você quem faz. Mostrando o retorno de uma amizade virando um estopim para descobertas na melhor idade, o longa-metragem Senhoritas caminha do embalo suave dos boleros à energia contagiante da salsa conduzindo o público por uma jornada sensível sobre o valor das conexões humanas. Selecionado para a Mostra Competitiva de Longas-Metragens do CINEPE 2025, esse projeto escrito e dirigido por Mykaela Plotkin é um mergulho afetuoso sobre as – muitas vezes dolorosas - reflexões sobre a vida, o recomeçar e os impulsos fascinantes de se lançar ao novo.

Lívia (Analu Prestes) é uma arquiteta aposentada que após conquistar a estabilidade, vive seus dias ao lado do marido, sem muitos grandes momentos. Sua maior alegria vem do vínculo afetuoso com a neta, que ilumina seus dias. Tudo isso muda quando sua amiga Luci (Tânia Alves) volta o Brasil e muda completamente a forma de pensar e agir da protagonista. Se revelando aos desejos antes contidos, Lívia desperta para uma jornada de descobertas e libertação. 

Com sua ótima premissa e dando espaço para um sensível olhar para a melhor idade, busca desenvolver os conflitos de maneira delicada e com um foco em uma fascinante protagonista, muito bem interpretada pelo furacão de emoções Analu Prestes. A narrativa corre o risco de não encontrar um grande clímax, aquele grande momento, mas consegue entregar sua bela mensagem do início ao fim.

Longe de ser algo inovador em relação a outros projetos audiovisuais, Senhoritas busca encontrar seu norte na maneira delicada que apresenta o descongelamento da monotonia. Logo chegamos numa ponte importante e fundamental que passa pelo reconectar das relações, nas três gerações de uma família, nos dilemas que se mostram constantes, nos impulsos e receios de confrontos.

Rodado há alguns anos, Senhoritas finalmente chega ao circuito de festivais, revelando o impacto sensível da direção de Mykaela Plotkin e da entrega do elenco. Nesta envolvente jornada, chama atenção a escolha narrativa de não revisitar o passado: o filme se ancora no presente e propõe um achado imaginativo que floresce na mente de quem se permite mergulhar no que se vê em tela.

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Crítica do filme: 'Sertão 2138' [CINEPE 2025]


A introspecção de uma solidão. É tão bom vermos filmes brasileiros de ficção científica ganhando os holofotes e chegando com fortes mensagens para refletirmos sobre o nosso agora. Esse é o caso de Sertão 2138, uma engenhosa – e ao mesmo tempo simples - distopia gravada no sertão de Pernambuco que passando pela inspiração, a importância da referência, da pesquisa, chega até um olhar atento para as questões climáticas e socioeconômicas.

Neste sci-fi ambientado no sertão e dirigido por Deuilton Júnior, o futuro, a tecnologia e o conhecimento formam o tripé de uma narrativa que, embora careça de ritmo, propõe um debate através do olhar melancólico de uma protagonista em crise, às vésperas de uma fuga de um planeta adoecido.

Em um futuro não tão distante, uma brilhante pesquisadora desenvolve uma estação espacial fora da Terra — uma alternativa para um novo mundo, repleto de possibilidades, diante de um planeta que se tornou quase inabitável por múltiplas razões. Quando ela está indo pra lá, surge uma missão que a coloca em novos debates sobre a existência.

Criado na Universidade Federal de Pernambuco, por estudantes atentos aos assuntos do cotidiano de um planeta com muitas questões que precisam serem debatidas, em 19 minutos vemos o local (o sertão) como um forte elemento representativo, cheio de saídas para nosso pensar. Os conceitos imaginativos oriundos da ficção científica viram uma espécie de cereja do bolo que ilustra e convida o público para conversar sobre as nossas necessidades para o agora.

Selecionado para a 2ª Edição do Festival de Cinema de Xerém, esse curta-metragem nos leva até o encontro entre o empírico e o inesperado. Cheio de interpretações e cantinhos de reflexões ao longo de seu desenvolvimento, faz parte da galeria de obras audiovisuais que aplicam criatividade ao mostrar verdades.

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Crítica do filme: 'O Ano em que o Frevo não foi pra Rua' [CINEPE 2025]


O frevo de uma nota só. Em meio à pandemia, que sufocou sonhos e silenciou a alegria, as emoções contidas nas ruas vazias ganham voz no documentário O Ano em que o Frevo não foi pra Rua, selecionado para a mostra competitiva nacional do CinePE 2025. Dirigido por Mariana Soares e Bruno Mazzoco, o filme apresenta um olhar sensível mas arrastado sobre o isolamento, a ausência e o reencontro de apaixonados pelo carnaval pernambucano, privados da celebração que dá ritmo às suas vidas.

Dando voz à representantes dos conhecidos mundialmente - O Galo da Madrugada, O Homem da Meia-Noite - de Recife à Olinda, vamos percorrendo as emoções conflitantes de dois anos sem carnaval. Mesmo perdendo fôlego em muitos momentos, a bonita e intensa relação dos pernambucanos com as festas populares é algo que é transmitido, contagia. Até a volta do final feliz: atenção e apreensão, emoções captadas através do sentimento vazio de um hiato com muitas questões.

O som melancólico do saxofone assume um papel central na atmosfera do filme, reforçando a tristeza onde a narrativa parece encontrar sua zona de conforto. Essa escolha sonora nos conduz por uma sequência de retornos emocionais — entre depoimentos de foliões, compositores e amantes das grandes festas culturais da região — ainda que, em alguns momentos, acabe recaindo em clara redundância. É como se estivéssemos ouvindo a mesma mensagem num eterno play de uma vitrola que busca gerar as reflexões num certo desconforto.

Não chega a ser um filme triste sobre carnaval (acho até que é impossível isso!). Há um esforço louvável para reflexões que já vimos – sobre outros temas – dentro do momento que a Covid-19 pegou a todos nós de surpresa. Mas a bolha de tristeza profunda que vai se criando é uma estrada sem retorno que não chega ao seu ápice mesmo quando tudo ganha cores.   

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07/06/2025

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Crítica do filme 'A Caverna' (2025) - [CINEPE 2025]


Conseguindo o efeito de uma poderosa bomba criativa que chega na raiz dos seus conflitos de forma acachapante, o filme A Caverna apresenta, de forma contundente, um recorte de uma relação intensa entre mãe e filha. A narrativa, com seus toques alegóricos certeiros, se liberta no denso terreno das emoções, formando uma experiência envolvente que facilmente fisga o olhar de quem enxerga algo próximo de alguma realidade.

Exibido na Mostra Competitiva de Curtas Nacionais da 2ª Edição do Festival de Cinema de Xerém, esse interessante projeto parte do princípio de que tudo em cena importa, utilizando muitas vezes de um incomodar para chamar a atenção do público. Associado a isso, logo o temporal que se cruza, busca nas infinidades do cinema uma porta de entrada para o ‘fora da caixa’.

Mãe e filha se veem em momentos distantes, com a segunda prestes a sair da casa onde sempre morou e descobrir o mundo que se apresenta através do seu olhar como artista. Nesse conflito, que também tem lampejos do forte amor desse laço eterno, ambas buscam soluções para a relação já fragmentada por cuidados em excesso. Num lugar figurativo, cheio de possibilidades de entendimento - uma caverna - se torna o espaço onde soluções podem ou não serem alcançadas.

Um dilema aliado ao discurso - o ficar ou abandonar – guiados por duas inspiradas artistas em cena (Patrícia Saravy e Natália Garcia), se mostra uma base importante para pensarmos sobre a sociedade e os obstáculos na interrelação. Associado a isso, trazendo um olhar para o real através de um assunto que não se mostra completamente, a Síndrome do Pânico, vamos percorrendo embates fervorosos.

Escrito e dirigido por Luísa Fiedler, esse curta-metragem dá margens para interpretações sem perder um ponto fixo onde seu desabrochar acontece.


 

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03/06/2025

Crítica do filme: 'O Grande Golpe do Leste'


Um por todos e todos por um. Trazendo um olhar singular para importantes acontecimentos históricos e políticos que envolveram a Alemanha no início da década de 1990, o longa-metragem O Grande Golpe do Leste une a reconstrução de laços familiares com um duelo de ideais entre o Socialismo e o Capitalismo, passados a limpo de forma bem-humorada. Escrito e dirigido por Natja Brunckhorst, e com o foco nas reflexões sobre um marcante momento da geopolítica, o projeto apresenta seus carismáticos personagens como porta-vozes de olhares do povo ao papel do estado.

Maren (Sandra Hüller) e Robert (Max Riemelt) são um casal que vivem os tempos de incertezas após o início da reunificação da Alemanha, meses depois da queda do Muro de Berlim. Moradores de um condomínio onde outros moradores passam pelas mesmas dificuldades e sem saber o que será do futuro, um dia encontram um bunker cheio de dinheiro prestes a perder o valor. Buscando trocar esse dinheiro o mais rápido possível, a família comunista e seus amigos embarcam numa série de aventuras para conseguir estabilidade num mundo novo que está por vir.

Esse retorno aos tempos em que os desdobramentos tiveram início na Conferência de Potsdam é muito bem construído, com diversos personagens representando pontos-chave para a futura reintegração do território alemão. A crise política e econômica do comunismo soviético e a migração de muitos habitantes da Alemanha Oriental para a Hungria – aqui personificado pelo personagem Volker (Ronald Zehrfeld) - se tornam entrelinhas dentro de todo o contexto. Jannik (Anselm Haderer), o filho do casal protagonista, fica com a missão de entregar o elo com as reinvidicações e protestos que também ajudaram a ruir a ideia do socialismo naquela parte da Europa.

Essa comédia dramática acerta em cheio ao nos levar pelas suas duas horas de projeção para um tour engraçado e reflexivo sobre as formas de olhar o mundo. É aquele filme que nem vemos o tempo passar, com um dinamismo que chama a atenção. O grande achado da narrativa é preencher todos os espaços ao associar a questão social com os desenrolares de problemas familiares, além de algumas subtramas aparecendo e somando-se ao discurso de traçar olhares para a conscientização política – de todas as idades - e uma curiosidade crescente sobre as formas de viver no iminente capitalismo.

Protagonizado pela indicada ao Oscar Sandra Hüller (Anatomia de uma Queda), novamente impecável em sua atuação, O Grande Golpe do Leste busca de maneira criativa e empolgante ser mais que um aulão de história. Estreia dia 12 de junho nos cinemas.


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Crítica do filme: 'O Jogo da Viúva'


Um intrigante passeio psicológico e os motivos que levam até um crime são duas variáveis destrinchadas no novo sucesso da Netflix, o longa-metragem espanhol O Jogo da Viúva. Inspirado nos acontecimentos do conhecido Caso Patraix, ocorrido em Valência, Espanha, em agosto de 2017, este true crime, ao longo de duas horas de projeção, nos conduz pelas complexidades da mente e o atropelamento dos princípios que guiam o comportamento humano.

A enfermeira Maje (Ivana Baquero) é casada faz menos de um ano com um engenheiro e entra numa reta de desilusões e infelicidade. Depois de inúmeras traições por parte dela, consegue seduzir um conhecido do trabalho, o também enfermeiro Salva (Tristán Ulloa), e o convence de executar um plano diabólico: matar o marido dela. Quando o assassinato acontece, as peças desse jogo da viúva vai caindo aos poucos por conta de uma investigação detalhada guiada por Eva (Carmen Machi), a detetive responsável pelo caso.

Longos atos, dedicados ao desenvolvimento dos conflitos, revelam dois pontos de vista centrais neste tabuleiro macabro, apresentando, em detalhes, seus elementos mais impactantes. Num primeiro instante, o olhar da investigação policial através de Eva, uma experiente detetive da polícia espanhola que começa aos poucos perceber os verdadeiros caminhos para a solução desse crime. Num segundo momento, somos convidados a um retrato psicológico sombrio de uma mulher manipuladora e pronta pra tirar o marido do caminho.

Dessa forma, o filme ganha ritmo e olhar de curiosidade com um boomerang de informações, um vai e vém que mostra o antes e depois desse crime que chocou a Espanha. Buscar traçar os caminhos para a inconsequência que se somam a um jogo pra satisfazer desejos sombrios, num primeiro momento parece arriscado já que o filme é muito mais um suspense policial do que um suspense psicológico. Mas a fórmula acaba dando certo.

Mas não espere momentos de alta tensão ou alguma reviravolta, não há muitas inovações em relação a outros projetos sobre investigações de assassinatos. O roteiro é competente, mostra todos os lados dos envolvidos, mesmo com apenas pinceladas num primeiro momento, um abre alas frio e que busca logo se encontrar com o clímax. Mesmo sabendo sobre o desfecho, a estrada até os motivos geram reflexões e são bem contextualizadas.  

O Jogo da Viúva logo alcançou o Top 10 da Netflix, reforçando o sucesso de obras audiovisuais True Crime com o público. Gosta de filmes policiais? Veja e tire suas próprias conclusões.


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