19/02/2017

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Crítica do filme: 'À Sua Completa Disposição'


Não é preciso que a bondade se mostre; mas sim é preciso que se deixe ver. Em seu primeiro trabalho como diretora de longas metragens, a atriz, roteirista e cineasta Baya Kasmi traz para o público uma história repleta de reviravoltas que começa com uma trama peculiar que gira em torno de uma bondade excessiva em fazer as pessoas se sentirem bem. Je Suis a Vous Tout de Suíte é também um complexo retrato familiar que contorna temas como a religião, o preconceito e as inúmeras maneiras que temos de enxergar as coisas mais simples da vida.

Na trama, conhecemos a bela Hanna Belkacem (Vimala Pons), uma assistente de recursos humanos de uma empresa de vinhos que mora na França onde vive um cotidiano repleto de situações inusitadas, muitas dessas por conta de sua vontade de fazer os outros se sentirem bem. Sua família, de descendência argelina, sempre foi bastante parecida. Seu pai (Ramzy Bedia) é um comerciante que não consegue dizer não as pessoas, sua mãe Simone (Agnès Jaoui) é uma pseudoterapeuta que vive tentando fazer sua família viver feliz não importa os acontecimentos conturbados do cotidiano. Já com seu irmão Donnadieu (Mehdi Djaadi), a relação de Hanna era de muita proximidade na infância mas aos poucos foi se afatando a partir de diversas divergências na maioria de enxergarem o mundo ao redor. Assim, com altas doses de feedbacks explicativos, o filme vai mostrando aos poucos as novas possibilidades para a protagonista, regada por muito amor de sua família.

Je Suis a Vous Tout de Suíte começa um pouco confuso, talvez por tamanha peculiaridade das cenas iniciais, talvez por não conseguir realmente mostrar nos primeiros minutos sobre o que seria a trama. Quem consegue aguentar chegar ao segundo ato, se surpreende com a virada na trama, que adota flashbacks para explicar o porquê das escolhas de todos nas suas respectivas trajetórias mas sempre focando em sua protagonista. Podemos dizer que é uma comédia nonsense, repleta de diálogos confusos mas que de alguma forma conseguem envolver o espectador. A subtrama mais interessante é a do irmão da personagem principal e sua curiosa escolha em se converter a religião muçulmana e adotar hábitos da mesma, talvez a sua maior complicação na relação com a irmã.

Comédia ou drama? O filme navega nessas duas trajetórias e tenta uma fórmula mágica de interação com o espectador que funciona mais do meio para frente. Je Suis a Vous Tout de Suíte foi lançado há dois anos atrás na Europa e não tem previsão de desembarcar aqui no Brasil. Poderia fazer um bom sucesso no circuito das salas de arte.

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Crítica do filme: 'Kazoku wa tsuraiyo (What a Wonderful Family)'



Não quero que pense em mim sem motivos, mas que faça de mim o motivo dos seus pensamentos. Dirigido pelo experiente cineasta japonês Yôji Yamada – com mais de oitenta trabalhos como diretor inclusive o excelente, lançado no Brasil anos atrás, Uma Família em Tóquio – o longa metragem de comédia Kazoku wa tsuraiyo é um pequeno recorte de uma tradicional família japonesa que entra em erupção após um pedido de rompimento matrimonial que causa uma grande instabilidade em pais e filhos envolvidos. O filme é dividido em arcos estilo seriado de trinta minutos norte americanos mas com uma delicada pegada de cinema oriental. 

Na trama, conhecemos um velhinho aposentado, mal humorado, chato (protagonizado por Isao Hashizume) que vive uma vida confortável após a aposentadoria. Dentro de sua casa moram com ele dois de seus três filhos e a sua nora e netos, transformando o ambiente em uma grande movimentação diária. Certo dia, após voltar para casa e esquecer que era dia de aniversário de alguém muito importante recebe um inusitado pedido de divórcio de sua esposa. Assim, tentando entender (do seu jeito) o porque que sua esposa quer se separar dele, e tendo que conviver com a fofoca que rola em torno do assunto por todos que são próximos a casa, o protagonista busca, entre um drink e outro, alguma solução para a inusitada situação.

O filme é repleto de momentos interessantes mas que muitas vezes ficam apenas na superfície na hora de encontrar as razões para determinadas emoções. No primeiro arco, vemos uma inteligente apresentação dos personagens, e, mesmo bem acelerado, o roteiro consegue em um primeiro momento apresentar argumentos para construirmos uma pequena interação com a trama. No segundo ato em diante, após o pedido de divórcio, talvez por ser uma comédia e nunca sair desse gênero (nem nos momentos de emoção razoavelmente profunda) o filme se perde. É como se tivesse muitas fortes a se explorar e o roteirista escolhe abrir todas elas ao mesmo tempo, deixando o resultado bem abaixo do esperado. Um dos exemplos é a curta historia do engraçado detetive que é contratado para investigar o protagonista, que praticamente some da trama sem explicação mesmo quando descobrimos que possui forte vínculo com o mesmo.

Kazoku wa tsuraiyo veste a camisa de um Sitcom Japonês que busca seus diferenciais exatamente nas conhecidas tradições orientais. Até em relação a trilha sonora podemos ver isso, nos sentimos vendo 5 ou 6 episódios de uma curta temporada de mais um produto feito para riso fácil mas que poderia ao menos emocionar mais nossos corações.


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12/02/2017

Crítica do filme: 'Lion: Uma Jornada Para Casa'



Veja os problemas como pequenos milagres que podem trazer-lhe sabedoria e mudança. Baseada na obra A Long Way Home, de Saroo Brierley (protagonista da história), Lion: Uma Jornada Para Casa é um filme que comove mesmo com alguns problemas no seu confuso roteiro. Dirigido pelo cineasta australiano Garth Davis, em sua primeira aventura em longas de ficção, o filme foi indicado ao Oscar 2017 nas categorias Melhor Filme, Melhor Ator Coadjuvante (Dev Patel), Melhor Atriz Coadjuvante (Nicole Kidman), Roteiro Adaptado e Fotografia. Mesmo com essas indicações todas, talvez seja um dos filmes mais fracos na forte lista de filmes da principal premiação de cinema do mundo.

Na trama, conhecemos a incrível história de Saroo Munshi (Sunny Pawar na fase criança e Dev Patel na fase adulta), um menino que com cinco anos acaba se perdendo de seu irmão mais velho em uma estação de trem na Índia e acaba vivendo dias intensos fugindo de diversos obstáculos e tendo a sorte de conseguir encontrar um lar bem longe dali, na Austrália, através da adoção do casal John (David Wenham) e Sue (Nicole Kidman). Quando mais velho, acende dentro dele um enorme desejo de reencontrar sua família na Índia e assim, com a ajuda do Google Earth, consegue bolar um plano para tentar encontrá-los mesmo que isso mexa demais com sua atual vida e principalmente com seus relacionamentos com a família e a namorada Lucy (Rooney Mara). 

O primeiro arco da fita é muito interessante e nos dá uma grande base de informações para entendermos parte da incrível história mostrada, acompanhamos todas as dificuldades e desafios, com muitas pitadas de sorte, que o jovem protagonista enfrentou até conseguir ser adotado por uma família australiana. Mas a partir do segundo ato, já na fase adulta do personagem principal, tudo se confunde, há uma espécie de metáfora embutida em algumas cenas, um paralelo com as emoções de Saroo, não muito convincentes. Parece que na segunda parte do filme, o roteiro buscou a fórmula dos blockbusters hollywoodianos e fez uma grande confusão de referências, além de personagens importantes praticamente nulos na trama (como o pai e a namorada do protagonista interpretada por Rooney Mara). 

O filme não é ruim, longe disso. Algumas cenas são comoventes e exploram com muita eficiência toda a emoção que transborda, principalmente nas diálogos entre mãe e filho, méritos também para as boas atuações de Kidman e Patel nesses momentos. Mas falta ao roteiro um pouco mais de informação ao público sobre algumas lacunas que ficam sem respostas.  Lion: Uma Jornada Para Casa, estreia no Brasil nas próximas semanas e pode ser que agrade boa parte do público. É um filme que fala sobre família, sofrimento, redescobertas e uma busca constante em encontrar respostas para se seguir em frente.


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Crítica do filme: 'Quase 18'



Na adolescência tudo parece o fim do mundo, mais é apenas o começo. Escrito e dirigido pela estreante em direção de longas metragens Kelly Fremon Craig, Quase 18 é uma grande aventura na estrada sempre complicada da adolescência. Diferente de outros longas com o tema que não conseguem reunir um grupo de situações/argumentos interessantes, Quase 18 navega com muita sabedoria e honestidade nessas águas conturbadas dessa fase da vida. O elenco é de primeira, encabeçado pela jovem veterana Hailee Steinfeld e com coadjuvantes de peso como os ótimos Woody Harrelson e Kyra Sedgwick. 

Na trama, conhecemos a ‘aborrecente’ Nadine (Hailee Steinfeld), uma jovem com diversas dificuldades em se socializar com pessoas de sua idade que acaba perdendo seu pai, um dos seus únicos portos seguros. Sua relação com sua mãe Mona (Kyra Sedgwick) e seu irmão Darian (Blake Jenner) sempre foi complicada e as coisas só pioram quando uma de suas poucas amigas Krista (Haley Lu Richardson) acaba se apaixonando pelo seu irmão. Assim, ao longo dos conflituosos dias, Nadine terá que viver situações para chegar ao verdadeiro entendimento sobre os valores da vida, para isso contará com a ajuda inusitada de seu professor Mr. Brunner (Woody Harrelson).

O roteiro, escrito pela diretora, é excelente. Passamos em cerca 105 minutos por algumas fases da vida da protagonista, uma adolescente rebelde que mantém um relacionamento extremamente difícil com sua família. No primeiro arco, vemos uma fase pré adolescente que, de maneira bem rápida, nos ajudar a compor as principais características e modo de pensar da personagem. O desespero fica maior quando sua melhor amiga, e praticamente única, já na fase de high school, acaba se apaixonando por seu irmão e resolve optar pela distância e embarcando em uma fase de novas descobertas e abrindo os olhos para pessoas que já conhecia mas não conseguia enxergar. O professor Brunner, acaba chegando como um amigo, fazendo um papel parecido com um pai tentando dar bons conselhos e usando, muitas vezes, a mesma linguagem da personagem, é a memória do pai, seu maior porto seguro, que o professor acaba personificando aos olhos da jovem. 

Quase 18, tinha tudo para ser mais um enlatado norte americano esquecível mas logo nos primeiros minutos vamos percebendo que esse filme seria uma das gratas surpresas do circuito esse ano. Não percam esse filme!

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Crítica do filme: 'No Fim do Túnel (2016)'



Tudo que é feito no presente afeta o futuro por consequência, e o passado por redenção. Escrito e dirigido pelo cineasta argentino Rodrigo Grande, o eletrizante suspense No Fim do Túnel (2016) é mais um daqueles filmes impactantes que mostram a incrível habilidade dos argentinos em fazer corações cinéfilos felizes. Protagonizado pelo excelente ator Leonardo Sbaraglia (do ótimo O Silêncio do Céu), o longa metragem é adrenalina pura, deixando um envolvente clima de tensão durante grande parte das duas horas de projeção. São muitos méritos dessa pequena grande obra que fala sobre redenção e as habilidades que encontramos em nós mesmos em momentos desafiadores e inconsequentes. 

Na trama, conhecemos o recluso Joaquín (Leonardo Sbaraglia), um homem que vive uma total depressão e que possui dívidas atrás dívidas. Joaquín vive em uma cadeira de rodas em uma casa de três andares e usa uma espécie de elevador para poder se locomover ao subsolo onde mantém uma rotina de trabalho ligado à eletrônica. Certo dia, bate em sua porta uma mulher chamada Berta (Clara Lago) e sua filha buscando moradia em uma das partes da casa que o protagonista colocou para alugar. Pouco tempo depois da chegada dessa misteriosa mulher em sua vida, Joaquín quase que por acaso descobre que criminosos estão cavando um túnel na casa ao lado e que esse túnel passa por baixo de sua casa. Em um ato desafiador e perigoso, o personagem principal resolve filmar e gravar as ações dos criminosos que antecedem o crime: invadir um banco que fica próximo ao lugar onde estão. Assim, após descobrir um grande segredo, resolve fazer de tudo para atrapalhar o plano dos bandidos.

O filme é acelerado em seu começo, o que poderia ser um grande risco para os preenchimentos das lacunas do protagonista. Não sabemos suas origens, o que aconteceu com sua família e quem realmente é aquele homem na cadeira de rodas que vive isolado e carente de convívio social. Mas essa acaba sendo a grande mágica do excelente roteiro, parte direto para os momentos de tensão, que são muitos. No segundo arco, quando Joaquin descobre um segredo, uma parte maior do plano dos criminosos, o filme se torna um thriller eletrizante sem previsão e com muitas alternativas para seu futuro desfecho.  Leonardo Sbaraglia dá um grande show na pele do protagonista, esconde algumas facetas e coloca o público em linha de tensão com atitudes imprevisíveis e arriscadas.

A ótica composta aos olhos do protagonista é feita com louvor, nos sentimos dentro daquela casa mal iluminada a todo instante e com certezas de que muitas emoções estão prestes a explodir na telona. O filme foca na ação do presente, não quer saber do passado dos personagens, essa parte inclusive fica a cargo do público que precisa compor uma espécie de chute cronológico que é formado com algumas referências do que houve tempos atrás com eles, principalmente com o protagonista.  No Fim do Túnel (2016) é um belíssimo filme que reúne excelentes atores, um roteiro exemplar e uma direção minimalista, delicada que nos coloca a todo instante dentro da ação.

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