Inspirado no período da vida de Arlindo Barreto onde ele
interpretava o famoso palhaço Bozo na televisão, Bingo – O Rei das Manhãs, indicado do Brasil ao Oscar de Melhor
filme estrangeiro em 2018 e primeiro trabalho como diretor de Daniel Rezende - vencedor
do Bafta de melhor edição e indicado ao Oscar na mesma categoria, ambos por seu
trabalho no inesquecível Cidade de Deus
- é um projeto marcante, mesmo com altos
e baixos, onde vemos um destaque para o relacionamento conturbado entre pai e
filho e uma envolvente trama que tenta colocar luz aos mistérios de uma figura
emblemática de décadas atrás da televisão brasileira. No papel principal, Vladimir
Brichta encontra finalmente seu grande personagem no cinema e exala talento na
pele desse complicado, controverso e muito polêmico palhaço.
Na trama, conhecemos o ator Augusto Mendes (Vladimir Brichta),
um pai amoroso que mora com sua mãe Marta Mendes (Ana Lúcia Torre), uma ex-atriz
de novela, e que está buscando melhor colocação profissional depois de
participações em diversos filmes de pornochanchada e pequenos papéis em
novelas. Certo dia, quando chegara para um teste em uma prestigiada emissora de
televisão resolve se candidatar a vaga de apresentador de um novo programa
infantil onde precisa interpretar um palhaço ao vivo, todos os dias de semana.
Após ser aprovado no teste, mesmo com algumas dúvidas da diretora do programa
Lucia (Leandra Leal), Augusto passa a fazer muito sucesso com o programa e isso
acaba trazendo diversos vícios que ficam fora de controle, alterando sua
relação com os mais próximos principalmente.
O relacionamento de pai e filho, responsáveis pelas melhores
cenas dentro do roteiro, possui vários momentos, uma verdadeira roda gigante de
emoções. No início vemos um pai dedicado, que busca o filho na escola e não
perde um compromisso. A transformação chega com o sucesso de Bingo nas manhãs
de muitas televisões ligadas no horário. Totalmente fora de controle, Augusto
utiliza drogas a todo instante, não perde uma noitada recheada de mulheres e
abusa do álcool como se fosse água. Mas há um conflito dentro dele. Não podendo
revelar sua identidade por trás da fantasia de Bingo, se sente preso e sufocado
como um ator que busca o reconhecimento. Com a morte da mãe, tudo fica mais
caótico, culminando em uma demissão após um episódio triste que acontece
através de seu nariz (marca do palhaço).
Um operário a serviço de sua arte? Essa questão da fama
desenfreada e a busca por dinheiro e poder que ao longo de todos os anos que
nos conhecemos como gente só cresce, ganha contornos sufocantes na visão do
protagonista. O roteiro, assinado pelo experiente Luiz Bolognesi (O Bicho de Sete Cabeças) apresenta muitas
coisas que não aconteceram de fato na realidade, mas outras sim. A famosa
licença poética. Essa mescla gera uma fórmula que se encaixa em boa parte do tempo.
Só na parte final da trama, na reconstrução de Augusto como pessoa saudável, o
ritmo perde o tom e acelera bastante, talvez na busca de um final épico de redenção
onde fica fixo na mente do espectador a figura de Bingo.
Se Bingo – O Rei das
Manhãs vai vencer o Oscar, não sabemos. Na verdade, não sabemos nem se ele
chega na lista dos cinco. Mas não importa, esse é um dos melhores filmes
nacionais lançados em circuito comercial dos últimos anos.