Todo ano são lançados centenas de
títulos no concorrido mercado exibidor mundial. No Brasil, poucos são os
cinemas que realmente possuem um carinho necessário com sua programação. Para vocês
terem ideia, alguns dos programadores de cinema por aqui nem assistem filmes.
Absurdo? Talvez. Cada empresa segue sua linha de raciocínio (lembrando que é na
pipoca o grande lucro de um cinema) e o mercado acaba de alguma forma absorvendo
todo tipo de pensar.
Algumas ótimas distribuidoras tentam
trazer o melhor do cinema nacional e mundial para cá, mesmo sabendo a
dificuldade que será entrar com esses títulos em cartaz pelo Brasil. Pena que
não dá pra trazerem a maioria dos filmes. Temos muito poucas distribuidoras e
muito menos cinemas de qualidade na programação do que tínhamos anos atrás. Sendo
assim, muitos títulos acabam passando desapercebidos ano após ano, sendo,
talvez, descobertos futuramente em plataformas de streamings, ou de outra forma...
Muitas dessas produções tem uma pegada
bastante original, contando histórias que pouco vemos em filmes por aí.
Pensando nisso, segue abaixo uma humilde lista de ótimas produções originais
que tiveram poucas ou nenhuma chance de serem vistas por brasileiros, no
Brasil.
--
#1 Canastra
Suja
Quando em momentos de conflito não existe nem um alma estranha para aconselhar. Escrito e dirigido por Caio Sóh, Canastra Suja é um drama, um retrato nu e cru de uma família recheada de problemas, onde muitos se blindam na dependência alcoólica do pai, Batista, interpretado pelo ótimo Marco Ricca. Impressiona a capacidade do roteiro em prender o espectador. Talvez pelos ‘plot twist’ existentes, talvez pela curiosidade do olhar do público em saber qual o final de cada personagem. É um filme sobre família, seus problemas, seu cotidiano. Cada personagem é uma peça nesse tabuleiro. A eminência da tragédia é algo que percorre todos os intensos 120 minutos de projeção.
Batista (Marco Ricca) e Maria (Adriana
Esteves) são casados e são pais de três filhos: Emília (Bianca Bin), Ritinha (Cacá Ottoni) e Pedro (Pedro Nercessian). Eles levam uma vida
de aparências, regados de problemas do cotidiano, muito por conta do fato de
Batista ser um alcoólatra. Sem confiança de ninguém de sua família, o pai
desconta toda sua raiva e frustrações da vida bebendo e no relacionamento
repleto de dificuldades com o filho. Alguns acontecimentos surpreendentes vão
contornar essa história.
As reviravoltas do roteiro são
importantes para o ritmo da trama, vamos aos poucos vendo faces ocultas dos
personagens que causam surpresa e mudam nossa ótica sobre eles. Cartas de
baralho definem arcos. Extremamente complexos individualmente, completamente
desalinhados como família, Canastra Suja apresenta um leque de
portas se abrindo ao mesmo tempo que muitas outras se fecham. O olhar para o
futuro com alegria vai virando um pequeno feixe de luz na porta mais distância
que conseguimos enxergar.
As subtramas são muito bem elaboradas,
exploram as características de cada personagem. Os dramas tomam camadas densas
e profundas. Muitos personagens parecem estar no limite. Pedro usa os problemas
do pai como justificativa para sua falta de rumo na vida, colocando-o sempre em
evidência. Emília é um epicentro importante da família. Parece que todas as
variáveis passam por ela, possui um papel de equilíbrio, pelo cuidado que tem
pela irmã Ritinha. Namora Tatu (David
Junior), mas também gosta do seu chefe dentista. A partir do segundo arco, conhecemos
um pouco mais a fundo a dama do baralho, que parece esconder segredos, sonhos e
objetivos, Maria, a mãe. Quando a família volta do trabalho, seu papel
permanece como outra vertente de equilíbrio, principalmente na relação
conturbada entre o filho e o marido. A batalha entre pai e filho percorre todos
os arcos. Um coloca no outro a culpa pelos seus problemas. Batista é um pai
rígido mas não consegue se livrar de seus fantasmas com a bebida, o que coloca
em xeque todo o respeito que os outros poderiam ter por ele.
A bela apresentação inicial, ao melhor
estilo teatral, onde a câmera passa pelos personagens já indicava um certo tipo
de ciclo que veríamos, talvez com uma redenção, talvez com esclarecimentos
sobre os futuros dos personagens. Canastra Suja é um trabalho
sólido, surpreendente e, desde já, podemos afirmar ser um dos grandes trabalhos
do cinema nacional dos últimos anos. Pena que teve uma carreira relâmpago em
algumas poucas cidades e em alguns poucos cinemas pelo Brasil.
#2
Bait
Quando a técnica de filmagem se sobrepõe e faz
tudo ganhar sentido na características dos personagens. Bait, tá aí um filme extremamente interessante! O cineasta Mark Jenkin, que assina a direção e roteiro dessa pérola com passagem
pelo Festival de Berlim e vencedor de um BAFTA, resolveu usar 130 rolos de
filme Kodak que viraram um 16mm todo em preto e branco para mostrar aos
cinéfilos as possibilidades de criatividades, não só narrativas mas de técnicas
quando pensamos sobre um filme. Simples e complexo, dramático e pulsante, um
baita achado na galeria dos bons filmes exibidos em festivais nos últimos anos.
Na trama, conhecemos o emburrado pescador Martin Ward (Edward Rowe), um homem de poucas palavras, que possui um sonho de ter um barco só dele para ganhar mais dinheiro e buscar uma felicidade ainda distante. O protagonista possui um péssimo relacionamento com o irmão Steven (Giles King), pois, esse usa o barco que foi do pai deles como transporte turístico e não para pescar conforme as tradições da família. Além disso, Martin confronta a tudo e a todos buscando preservar a parte da cidade que mais conhece da maneira como ele sempre conheceu. Mas, no meio tempo de tudo isso, uma tragédia acontece e isso pode mexer nos planos do destino de Martin.
O modo como fora filmado, belíssimo, que teve até que ter todos os diálogos dublados em estúdio, às vezes pode atrapalhar nossa análise sobre essa pequena relíquia cinematográfica. Há um complemento entre a técnica utilizada e as características dos personagens. Tudo se encaixa muito bem principalmente quando conhecemos os porquês e as consequências de tudo que assistimos. Ainda há tempo do roteiro abordar como subtrama jovens e descobertas do amor, os impactos e embates da mudança de rota do turismo de uma região tradicional, relacionamento familiar, ciúmes de irmão.
O interessante é que se formos analisar a fundo, percebemos que dá para se entender o filme de trás pra frente, ou ao contrário. Jenkin mostra aos cinéfilos que a simplicidade usada com criatividade, é uma arma impactante de quem busca uma originalidade tão necessária na mesmice de nossos tempos.
Na trama, conhecemos o emburrado pescador Martin Ward (Edward Rowe), um homem de poucas palavras, que possui um sonho de ter um barco só dele para ganhar mais dinheiro e buscar uma felicidade ainda distante. O protagonista possui um péssimo relacionamento com o irmão Steven (Giles King), pois, esse usa o barco que foi do pai deles como transporte turístico e não para pescar conforme as tradições da família. Além disso, Martin confronta a tudo e a todos buscando preservar a parte da cidade que mais conhece da maneira como ele sempre conheceu. Mas, no meio tempo de tudo isso, uma tragédia acontece e isso pode mexer nos planos do destino de Martin.
O modo como fora filmado, belíssimo, que teve até que ter todos os diálogos dublados em estúdio, às vezes pode atrapalhar nossa análise sobre essa pequena relíquia cinematográfica. Há um complemento entre a técnica utilizada e as características dos personagens. Tudo se encaixa muito bem principalmente quando conhecemos os porquês e as consequências de tudo que assistimos. Ainda há tempo do roteiro abordar como subtrama jovens e descobertas do amor, os impactos e embates da mudança de rota do turismo de uma região tradicional, relacionamento familiar, ciúmes de irmão.
O interessante é que se formos analisar a fundo, percebemos que dá para se entender o filme de trás pra frente, ou ao contrário. Jenkin mostra aos cinéfilos que a simplicidade usada com criatividade, é uma arma impactante de quem busca uma originalidade tão necessária na mesmice de nossos tempos.
#3 Atlantique
Em seu primeiro trabalho como diretora,
a cineasta francesa Mati Diop consegue reunir elementos
físicos e sobrenaturais para nos contar uma história de amor pouco convencional
que acontece em Dakar, no Senegal. Em meio a uma paisagem e arcos que remetem
ao grande oceano que banha a parte da cidade onde se passa a trama, Diop e
suas lentes conseguem uma incrível conexão com quem assiste do lado de cá da
telona. Disponível no catálogo da Netflix, o filme levou o grande prêmio do
Júri em 2019 no prestigiado Festival de Cannes.
Na trama, conhecemos a jovem Ada (Mame
Bineta Sane), uma mulher que vive seus dias atuais na expectativa do
casamento arranjado por um homem que não ama. Ada, esconde outra paixão, se
encontra escondida com seu grande amor Souleiman (Ibrahima Traoré)
sempre que possível. Quando Souleiman resolve, sem avisá-la, partir pelo oceano
atrás de uma vida melhor, a vida de Ada ganha novas e curiosas passagens.
Abordar o sobrenatural de maneira
interessante é um trabalho para poucos, e esse fato é a grande reviravolta do
filme que caminha lentamente pelos detalhes do ambiente deixando surpresas como
migalhas em uma trilha até o seu clímax. Dentro do contexto desse bom projeto,
o amor é visto de uma ótica bonita através do sentimento, das afinidades, além
claro de ótimas pitadas de críticas sobre a condição social da região, costumes
e crenças.
Atlantique é um trabalho para ser apreciado. Um pequeno
tesouro perdido nos milhares de lançamentos dos streamings. É um filme que
cinéfilo tende a gostar, os contornos narrativos transbordam emoções puras que
viram paralelos à nossa realidade.
#4 Nefta Football Club
Nas linhas da ingenuidade, propósito e
razão nunca desaparecem. Indicado ao Oscar de Melhor Curta, Nefta
Football Club usa da criatividade de um assunto comum com a
fragilidade do olhar ingênuo. Sacada bastante interessante do cineasta Yves
Piat que entre outros pontos incorpora à sua história a essência do
futebol pelo olhar das crianças.
Ao longo dos quase 17 minutos de
projeção, conhecemos rapidamente dois irmãos que estão sozinhos andando de moto
por uma estrada deserta da Tunísia (próximo à fronteira com a Argélia) até que
eu deles precisa urinar e acaba avistando um burro com um headphone e uma carga
curiosa: um pó branco que, no modo deles enxergarem, parece sabão em pó.
Tentando descobrir ao certo o que é aquele produto, o mais velho bola um plano
para tentar negociar aquilo, enquanto o mais novo acaba tendo outros planos.
Todo curta bom precisa ser impactante
em algum momento, pois são poucos minutos para se fazer o público se interessar
pelo que acontece em tela. Nefta
Football Club consegue reunir elementos que juntos constroem um desfecho
com mensagem positiva, pra lá de emblemática, onde a pureza e a ingenuidade
vencem qualquer tipo de caminho.
#5 Buoyancy
A falta de perspectiva em um mundo que
se distancia das emoções positivas. Indicado da Austrália ao Oscar de Melhor
filme estrangeiro no ano passado (não chegou entre os cinco
finalistas), Buoyancy, ou Empuxo como
alguns denominaram por aqui, é uma forte e dramática saga de um jovem sem rumo
que buscando oportunidades na liberdade das escolhas acaba envolvido no
submundo absurdo do tráfico de pessoas. Com uma fotografia impecável e um
roteiro com bastante profundidade, o projeto dirigido e roteirizado pelo
cineasta australiano Rodd Rathjen (debutando em longas) nos
guia para uma metáfora de sobrevivência cruel e impactante.
Há muitas verdades sobre o mundo lá
fora que nem imaginamos ou nunca paramos para pensar. O dia a dia de milhares
de jovens sem oportunidades de renda, alimentação e estudo básicos é o pontapé
inicial dessa cruel história de um jovem de menos de 15 anos chamado Chakra (Sarm
Heng) que resolve abandonar a família no Camboja para tentar a sorte de ser
alguém no mundo e assim acaba sendo enviado para um barco de pesca em alto mar
onde o capitão é uma alma bastante cruel. Buscando sobreviver após humilhações
e testemunhando atos cruéis do capitão, Chakra precisará ser forte e lutar com
todas suas forças para sobreviver ao pesadelo.
Existem filmes onde a profundidade da
maldade é colocada dentro de uma profundeza difícil de acessar. Humano até o
limite de qualquer borda de alma, os princípios de raízes da sobrevivência
viram a única solução para a situação caótica enfrentada pelo protagonista. Há
um jogo de emoções conturbado por situações extremas, como o fato de ter que
trabalhar quase o dia todo para comer um potinho de arroz. O protagonista vai
se modelando, inflando dentro de suas emoções para se tornar amadurecido a
ponto de tomar decisões vitais para ter alguma chance de sobreviver em meio a
essa maldade toda.
O arco final é intenso e condiz com
tudo que o filme se mostra. Exibido no Festival de Berlim do ano passado, Buoyancy vai
até seu último minuto nos mostrando as escolhas e como e porquê o protagonista
resolve suas questões. O que será do futuro dele? Há esperança por dias
melhores? Ele se tornara outra pessoa? Depois dessa tempestade, uma coisa é
certa, ninguém fica igual ao que era antes. Filmaço, que absurdamente não
ganhou chances no circuito brasileiro de exibição.
#6 Rosie
Da aparente simplicidade em contar a
realidade, até a riqueza de chamar a atenção para uma reflexão da sociedade.
Daquelas gratas surpresas que nós cinéfilos sempre assistimos ao longo dos
anos, aquele filme que você nunca tinha ouvido falar e se por acaso assistiu,
se impressionou. Bem, isso acontece com Rosie, dirigido pelo
cineasta irlandês Paddy Breathnach (que também assinou a
direção do ótimo filme Viva) com roteiro de Roddy Doyle.
Uma mãe, um marido e as dificuldades de arranjarem um lugar para morar. Parece
simples? Mas não é não, drama dos bons, forte e impactante.
Na trama, conhecemos Rosie (Sarah
Greene) e John (Moe Dunford), um casal que enfrenta dificuldades
financeiras e não conseguem um lugar para morar tendo que passar dia após dia
dentro do carro com seus filhos. Assim, ao longo de uma tentativa e outra,
acompanhamos melhor a trajetória dessa jovem mãe, seu passado de brigas com a
mãe e a busca por dias melhores para sua família.
Rosie é
o tipo de filme com cara de festival de cinema. Reflexivo a todo instante, a
protagonista é colocada em xeque a cada minuto, seja pela diretora da escola de
seus filhos, seja pelas duras palavras de sua mãe, pelo olhar de outras famílias,
pela ótica de amigos próximos que estão com o cachorro da família até eles
arranjarem algum lugar. Mas ao longo dos curtos 86 minutos também dá tempo de
entendermos a ótica de John, o marido, que se esforça entre um bico e outro
para arranjar dinheiro e assim sustentar sua família.
O filme é duro em muitos momentos, dá
uma aflição, encosta na realidade de maneira importante e serve para
refletirmos e pensarmos duas vezes antes de julgar as pessoas. Mas, uma
mensagem linda de união familiar chega a cada gesto da família, seja com a
preocupação com o bichinho adorado de pelúcia de um dos filhos, no afeto entre
marido e mulher, ou pela questão da proteção quando o carro está lotado e o pai
precisa dormir fora dele mas de perto e observando se todos ficarão bem. Rosie é
um filme sobre um retrato de nossa sociedade, importante assistirem.
#7 Guaraní
O que fazer quando nos damos conta de
que o que buscamos está ao nosso lado? Escrito e dirigido pelo cineasta
paraguaio Luis Zorraquin, Guaraní é impactante da
maneira mais pura e singela que você possa imaginar já ter visto em um filme
nos últimos anos. Falando sobre cultura, tradições e família, o longa-metragem
ainda não lançado no Brasil vai conquistando o coração do público aos poucos,
de maneira simples e honesta. Somos testemunhas do amadurecimento dos
personagens que de maneira linda encontram uma certa redenção a sua maneira de
pensar e ver o mundo mesmo tendo poucos recursos. Com um desfecho de deixar
você sentado no cinema até o fim dos créditos pensando sobre a vida, Guaraní muito
se aproxima, por conta de certos detalhes, do nosso campeão Central do Brasil.
Na trama, conhecemos Atilio (Emilio
Barreto), um barqueiro que vive de maneira bastante humilde junto de sua
família repleto de mulheres. Sua vida é o rio, em sua profissão já viu de tudo
dentro de toda água que já navegou. Seu contato mais próximo mas mesmo assim
não tão amistoso é com sua neta Iara (Jazmin Bogarin) com quem passa
longas horas ao longo dos dias após a jovem voltar da escola, já que é ela que
o ajuda nas travessias pelo rio levando produtos de um lado para o outro.
Atilio sempre quis ter um neto homem para passar tudo que aprendeu sobre sua
cultura Guaraní mas só mulheres nascem em sua família. Mas a vida pacata de avô
e neta mudam quando a mãe de Iara, que mora na Argentina, envia uma carta
dizendo que está grávida de um menino. Assim, a dupla parte rumo rios a dentro
em uma viagem rumo a Argentina para convencer a mãe de Iara a criar a nova
criança no Paraguai com as tradições guaranis.
A simplicidade faz toda a diferença
nesse emocionante filme. Usando de poucos recursos mas com uma grande ideia nas
linhas de roteiro, Zorraquin foca
naquilo que precisava, que era conseguir passar toda a emoção em simples gestos
de um protagonista limitado mas que conta com uma rica de viver neta que acaba
sendo o contraponto perfeito para que a emoção transborde em cena. Os últimos
arcos são fabulosos, chegando a um desfecho poderoso e inesquecível.
#8 Jak
Pies Z Kotem
Temos que aprender a viver todos como
irmãos ou morreremos todos como loucos. Dirigido pelo cineasta nascido no
Cazaquistão Janusz Kondratiuk, Jak Pies Z Kotem (sem
tradução para o português) é um projeto que fala sobre as fábulas da vida em
paralelo a uma realidade cheias de razões para não mais se acreditar. Uma
relação conflituosa entre irmãos se transforma em uma jornada de descobertas,
onde o brilho dos personagens está contido em cada cena.
Na trama, conhecemos os irmãos
cineastas Andrzej (Olgierd Lukaszewicz) e Janusz (Robert Wieckiewicz)
que ao longo do tempo nutriram uma relação repleta de altos e baixos. Agora já
na etapa final de vida, Andrzej sobre um acidente que o impossibilita de ser
sozinho e como não há mais ninguém para ajudar, seu irmão Janusz e sua esposa
decidem cuidar dele.
A relação de entre os irmãos navega
pela tristeza e nos conflitos emotivos. Janusz guiou sua vida através dos
sonhos do irmão e sentiu demais uma longa distância entre os dois que acontece
já na chegada do terço final da vida de ambos. Andrzej, mente muito criativa
talvez pelo fato de trabalhar com arte, após seu derrame só lhe sobra o ato de
sonhar e imaginar situações para tudo que está vivendo e o pouco caminho que
ainda precisa percorrer antes de falecer.
Misturando um drama profundo com
pitadas de comédia, esse longa polonês se destaca pela alma de seus personagens
e pelo ótimo roteiro que nos faz navegar junto a tudo de emocional que aparece
na trama. Sem previsão de estreia no Brasil, o filme é quase uma relíquia em
torno de tantos lançamentos aos longos dos anos.
#9
Dogman
Como você enxerga as brutalidades da
vida? Indicado da Itália ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, Dogman é
um retrato social, brutal, passado em uma periferia italiana onde vários
questionamentos são levantados a cada nova virada no roteiro. O longa é
dirigido pelo cineasta italiano Matteo Garrone, do inesquecível e
impactante Gomorra, e protagonizado pelo ator Marcello
Fonte, vencedor da Palma de Ouro em Cannes de melhor ator.
Na trama, passada em uma cidadezinha na
Itália não identificada, conhecemos o carinhoso, peladeiro e boa praça Marcello
(Marcello Fonte), um humilde e gentil dono de uma petshop localizada na
região central dessa cidadezinha. Marcello vive tranquilo seus dias e adora
passar o tempo com sua única filha. Mas Marcello acaba envolvido em várias
situações com Simoncino (Edoardo Pesce) um perturbador, baderneiro que
incomoda todos na cidade, sempre arrumando confusão. Após uma dessas situações
terminar em consequências terríveis para Marcello, o protagonista busca sua
vingança da maneira mais radical que poderia.
O bom roteiro é aquele que sabe
flexionar sua trama para chegar ao clímax de maneira certa, sem pressa, levando
ao público um estrondoso ar de surpresa. É exatamente isso que Dogman faz!
De drama, vira thriller em frações de segundos, levando o espectador a ser o
juiz das ações de Marcello na segunda parte do filme. A ação e consequência que
sofre o dono da pet shop, por ter a reputação abalada e o desespero de não
saber o que fazer para acabar com aquela dor são parte desse quebra cabeça
psicológico instaurado e muito bem dirigido por Garrone.
Coisas ruins vão acontecer com pessoas
boas. É praticamente um versículo vital. Os coadjuvantes dão ótimo tom a todo o
liquidificador de pensamentos que chegam até o protagonista quando está em
crise existencial, sozinho, tendo que combater o vilão de todos e que fora
muito mais para ele. Somos testemunhas de uma desconstrução total do personagem
e nos levam a pensar à margem da sociedade, como se vivessem em áreas sem
regras, nem leis, onde os homens caminham pelos seus próprios e nublados
pensamentos. Um soco no estômago esse belo trabalho que passou rapidamente pelo
circuito exibidor brasileiro.
#10
American Animals
‘Em um mundo tão belo, eu queria ser
especial. Mas eu sou insignificante. Eu sou um esquisitão. Que diabos estou
fazendo aqui?’ Creep da extraordinária banda Radiohead,
encaixa muito bem quando pensamos em American Animals. Um dos mais
comentados filmes do Festival de Sundance de anos atrás, tem em seu roteiro
criativo seu enorme pilar para apresentar ao público uma história real, com
diversos pontos de vista e uma auto avaliação dos verdadeiros autores desse
curioso roubo que ocorreu nos Estados Unidos alguns anos atrás. Escrito e
dirigido pelo excelente Bart Layton (do ótimo O
Impostor), o projeto é uma espécie de ação/ficção com documentário.
Envolvente do primeiro ao último minuto, é, com toda certeza, um dos grandes
filmes que nunca foram exibidos no circuito de salas de cinema no Brasil.
Na trama, conhecemos Spencer (Barry
Keoghan), um estudante de arte bastante introspectivo que dorme e acorda
pensando em encontrar algum sentido para sua vida. Certo dia, durante uma
visita à biblioteca da universidade que estuda, descobre alguns livros raros
que ficam em uma sala especial protegidos por uma bibliotecária. Assim, junto
com seu amigo Warren (Evan Peters), e mais outros dois, começa a bolar
um plano mirabolante para roubar as raridades. Para dar mais ingredientes à
trama, realidade e ficção se unificam durante as quase duas horas de projeção,
transformando um simples filme de roubo em algo muito interessante e
esclarecedor.
Qual o sentido da vida? Viver o sonho
americano nunca é fácil. Aos olhos dos dois maiores protagonistas da trama,
conseguimos enxergar motivos e razões para entendermos seus atos. A troca entre
realidade e ficção, dita o ritmo do roteiro, com pontos de vistas entrelaçados
e diferentes sobre determinados detalhes. Um trabalho primoroso de Layton. Indo
mais a fundo nas palavras e contextos desse roteiro, se pensarmos em um
protagonista, Spencer se encaixa, onde nossos olhos mais se concentram pois é o
personagem que se constrói e desconstrói com uma rapidez gigante, divide as
atenções com o excêntrico Warren, o motor do filme, o explosivo, dúbio, grande
incentivador do roubo e inconsequente em seus atos.
Qual a razão dos jovens realizarem algo
tão audacioso? Uma das grandes perguntas do filme, é respondida a toda a
instante, pelos personagens reais que aparecem relatando seus pontos de vista.
Não só os que participaram do roubo mas também familiares e envolvidos no caso
que marcou época na história recente norte-americana. American
Animals é muito mais que um simples retrato sobre o panorama jovem
norte americano, é um crítica social profunda, repleta de camadas, onde cada um
de nós, do lado de cá da tela, recebemos diversos argumentos para chegarmos ao
nosso próprio final sobre todas as interrogações que o filme entrega.