O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.
Nosso entrevistado de hoje é um dos programadores mais
cinéfilos que o Brasil tem. Formado em publicidade na UNAMA em Belém do Pará, Jair Silva estudou cinema na Escola Darcy Ribeiro (RJ). Tem alguma experiência em produção de docs
institucionais, curtas e publicidade. Também dirigiu alguns curtas, três no
total... começou no mercado de distribuição na Imovision como assistente de programação e entrou na Vitrine Filmes em 2013, como gerente de
programação. Trabalhou a programação Vitrine/Esfera
durante a parceria das duas distribuidoras em 2014. Desde 2016 é gerente da
área de cinema na O2 PLAY.
Obs: meu querido amigo Jairzão. A primeira lembrança que
tenho do Jair são mensagens sobre o filme Branca
de Neve, escrito e dirigido pelo Pablo
Berger. Depois, virei programador de um cinema esquecido em Copacabana.
Jair foi um dos poucos, no início, que sempre me ajudou, e a toda equipe do
cinema, a reerguemos o espaço, sempre me oferecendo filmes ótimos. Um cara nota
mil, justo, correto. Continue brilhando querido cinéfilo.
1) Na sua cidade,
qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da
escolha.
Posso dizer que tenho 3 "minhas cidades". Em Belém
do Pará, onde comecei meu interesse pelo cinema, tenho relação com muitas
salas.. Quando novinho ia muito ao cinema
Olímpya, o mais antigo em funcionamento do Brasil, e o Palácio, a maior sala de cinema da cidade, de dois andares no
centro da cidade, que hoje infelizmente virou igreja evangélica. Na minha
juventude, ia muito aos cinemas 1,2 e 3 de um grupo local que passavam os
filmes um pouco mais alternativos. Já adulto, tenho boas lembranças de assistir
filmes e Mostras especiais no Cine
Líbero Luxardo, sala que hoje, é a única em Belém que dá espaço ao cinema
independente. No período que morei no Rio, os cinemas do Estação Botafogo e o Espaço
Botafogo, o Roxy no coração de
Copacabana, o maravilhoso Odeon, são
alguns tenho muitas boas lembranças, e ainda o saudoso Paissandú. Já São Paulo, a diversidade de salas é maior. Tenho
carinho por muitas. E uma tristeza muito grande de termos perdido espaços
incríveis como o Cine Arte, no
Conjunto Nacional. Uma grande perda para quem ama cinema, e para cidade de São
Paulo.
.
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
Outra pergunta difícil. Não me recordo o primeiro. Minha mãe
é professora, e sempre entendeu a educação e a cultura como elemento
fundamental na formação do indivíduo. Então lembro que desde muito criança, ir
a teatro, cinema, apresentações de dança, circo, e cinema sempre foi minha
maior paixão. Lembro de ir sessões de filmes dos Trapalhões por exemplo. O filme
ET me marcou muito. Me tocou profundamente. E eu era bem criança. Talvez
seja minha lembrança mais forte do cinema nesses primeiros contatos. Lembro de
assistir O Império do Sol, e me
apaixonar pela trilha sonora. Eu estudava música no Conservatório Carlos Gomes,
e aprendi a gostar, a ouvir música clássica, e isso me fez ter essa proximidade
com trilha sonora, que tenho até hoje. Império
do Sol e O Último Imperador foram
do mesmo ano, assisti os dois no cinema, e eu com 10 anos, sai muito impactado
dos dois filmes, no mesmo período histórico. Por mais que naquela altura, não
entendesse as questões políticas do filme, me aguçou a curiosidade. Gosto muito
de geopolítica, de história. E o cinema me despertou isso também.
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
Essas perguntas pra quem gosta de cinema são bem complicadas.
Amo tantos diretores. Do pop como o Spielberg,
a um cinema mais independente como o filipino Brillante Mendoza ou o chinês Jia
Zhang-ke. Digo isso para falar que tenho muitos diretores que admiro. De
diferentes estilos, épocas e nacionalidades.
4) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
Essas perguntas para resumir tudo a "um" para quem
gosta de cinema é muito complicado.
5) O que é ser
cinéfilo para você?
Cinema é imersão. E ser cinéfilo se deixar entregar a essa
imersão. Vivenciar verdadeiramente o que é entregue pelo filme.
6) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por
pessoas que entendem de cinema?
Sim. Mas acho muito subjetivo o "entender de
cinema". Os programadores das salas assistem muitos filmes. Muitas vezes
não se pode colocar um filme no cinema, porque gostou dele. A sala de cinema
não é como a TV na sala da minha casa que posso colocar só o que eu gosto. Nem
seria essa a função de um cinema. O programador de uma sala tem que entender
isso e dar oportunidade ao seu público. Dito isso, tem que entender o perfil de
cinema, e isso depende da cidade, região que ele está inserido, e também o
perfil de negócio da sala.
7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?
Não. Cinemas, teatros, são lugares de encontros de pessoas
com vários pontos de vista, lugares de troca de ideias. Existirão alternativas ao presencial, a
tecnologia nos oferece isso, e ainda bem que oferece. Mas nada substitui essa
troca real da experiência coletiva e tão individual ao mesmo tempo de uma sala
de cinema. A sala de cinema oferece experiência única.
8) Indique um filme
que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
Tem muitos. Mas tem um que sempre indico, que mudou minha
percepção de ver o mundo.
As Neves do
Kilimanjaro, de Robert Guédiguian.
9) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Sim. Diante de tantos lugares, que entendo ter menor
segurança que as salas de cinema, como igrejas, academias, se respeitando
seriamente os protocolos, os cinemas devem reabrir.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
Excelente. E parte dessa excelência é alcançada graças a
diversidade das produções, a liberdade das escolhas de temas e nossa
pluralidade cultural que um país do tamanho do nosso oferece. Que continue
assim, com funcionamento de políticas públicas de cultura, e quem esteja a
frente dessas políticas, da Ancine,
seja quem entenda de fato da importância do cinema como produção cultural e
como negócio, e que não censurem nem interfiram no conteúdo.
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
São muitos. Mais uma
vez, é muito difícil limitar.
12) Defina cinema com
uma frase:
Cinema é a arte onde executamos e mais necessário sentimento
humano. A empatia.
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema: