01/10/2020

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #111 - Jair Silva


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

Nosso entrevistado de hoje é um dos programadores mais cinéfilos que o Brasil tem. Formado em publicidade na UNAMA em Belém do Pará, Jair Silva estudou cinema na Escola Darcy Ribeiro (RJ). Tem alguma experiência em produção de docs institucionais, curtas e publicidade. Também dirigiu alguns curtas, três no total... começou no mercado de distribuição na Imovision como assistente de programação e entrou na Vitrine Filmes em 2013, como gerente de programação. Trabalhou a programação Vitrine/Esfera durante a parceria das duas distribuidoras em 2014. Desde 2016 é gerente da área de cinema na O2 PLAY

Obs: meu querido amigo Jairzão. A primeira lembrança que tenho do Jair são mensagens sobre o filme Branca de Neve, escrito e dirigido pelo Pablo Berger. Depois, virei programador de um cinema esquecido em Copacabana. Jair foi um dos poucos, no início, que sempre me ajudou, e a toda equipe do cinema, a reerguemos o espaço, sempre me oferecendo filmes ótimos. Um cara nota mil, justo, correto. Continue brilhando querido cinéfilo.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Posso dizer que tenho 3 "minhas cidades". Em Belém do Pará, onde comecei meu interesse pelo cinema, tenho relação com muitas salas.. Quando novinho ia muito ao cinema Olímpya, o mais antigo em funcionamento do Brasil, e o Palácio, a maior sala de cinema da cidade, de dois andares no centro da cidade, que hoje infelizmente virou igreja evangélica. Na minha juventude, ia muito aos cinemas 1,2 e 3 de um grupo local que passavam os filmes um pouco mais alternativos. Já adulto, tenho boas lembranças de assistir filmes e Mostras especiais no Cine Líbero Luxardo, sala que hoje, é a única em Belém que dá espaço ao cinema independente. No período que morei no Rio, os cinemas do Estação Botafogo e o Espaço Botafogo, o Roxy no coração de Copacabana, o maravilhoso Odeon, são alguns tenho muitas boas lembranças, e ainda o saudoso Paissandú. Já São Paulo, a diversidade de salas é maior. Tenho carinho por muitas. E uma tristeza muito grande de termos perdido espaços incríveis como o Cine Arte, no Conjunto Nacional. Uma grande perda para quem ama cinema, e para cidade de São Paulo.

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2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Outra pergunta difícil. Não me recordo o primeiro. Minha mãe é professora, e sempre entendeu a educação e a cultura como elemento fundamental na formação do indivíduo. Então lembro que desde muito criança, ir a teatro, cinema, apresentações de dança, circo, e cinema sempre foi minha maior paixão. Lembro de ir sessões de filmes dos Trapalhões por exemplo. O filme ET me marcou muito. Me tocou profundamente. E eu era bem criança. Talvez seja minha lembrança mais forte do cinema nesses primeiros contatos. Lembro de assistir O Império do Sol, e me apaixonar pela trilha sonora. Eu estudava música no Conservatório Carlos Gomes, e aprendi a gostar, a ouvir música clássica, e isso me fez ter essa proximidade com trilha sonora, que tenho até hoje. Império do Sol e O Último Imperador foram do mesmo ano, assisti os dois no cinema, e eu com 10 anos, sai muito impactado dos dois filmes, no mesmo período histórico. Por mais que naquela altura, não entendesse as questões políticas do filme, me aguçou a curiosidade. Gosto muito de geopolítica, de história. E o cinema me despertou isso também.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Essas perguntas pra quem gosta de cinema são bem complicadas. Amo tantos diretores. Do pop como o Spielberg, a um cinema mais independente como o filipino Brillante Mendoza ou o chinês Jia Zhang-ke. Digo isso para falar que tenho muitos diretores que admiro. De diferentes estilos, épocas e nacionalidades.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Essas perguntas para resumir tudo a "um" para quem gosta de cinema é muito complicado.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Cinema é imersão. E ser cinéfilo se deixar entregar a essa imersão. Vivenciar verdadeiramente o que é entregue pelo filme.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Sim. Mas acho muito subjetivo o "entender de cinema". Os programadores das salas assistem muitos filmes. Muitas vezes não se pode colocar um filme no cinema, porque gostou dele. A sala de cinema não é como a TV na sala da minha casa que posso colocar só o que eu gosto. Nem seria essa a função de um cinema. O programador de uma sala tem que entender isso e dar oportunidade ao seu público. Dito isso, tem que entender o perfil de cinema, e isso depende da cidade, região que ele está inserido, e também o perfil de negócio da sala.

 

7)  Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Não. Cinemas, teatros, são lugares de encontros de pessoas com vários pontos de vista, lugares de troca de ideias.  Existirão alternativas ao presencial, a tecnologia nos oferece isso, e ainda bem que oferece. Mas nada substitui essa troca real da experiência coletiva e tão individual ao mesmo tempo de uma sala de cinema. A sala de cinema oferece experiência única.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Tem muitos. Mas tem um que sempre indico, que mudou minha percepção de ver o mundo.

As Neves do Kilimanjaro, de Robert Guédiguian.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Sim. Diante de tantos lugares, que entendo ter menor segurança que as salas de cinema, como igrejas, academias, se respeitando seriamente os protocolos, os cinemas devem reabrir.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Excelente. E parte dessa excelência é alcançada graças a diversidade das produções, a liberdade das escolhas de temas e nossa pluralidade cultural que um país do tamanho do nosso oferece. Que continue assim, com funcionamento de políticas públicas de cultura, e quem esteja a frente dessas políticas, da Ancine, seja quem entenda de fato da importância do cinema como produção cultural e como negócio, e que não censurem nem interfiram no conteúdo.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

 São muitos. Mais uma vez, é muito difícil limitar.

 

12) Defina cinema com uma frase:

Cinema é a arte onde executamos e mais necessário sentimento humano. A empatia.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Quando assistia DOGVILLE, no Cinema Paissandú no Rio, nas sequências finais, (atenção spoiler), a cidade em chamas, uma mulher, sozinha, sentada a umas duas cadeiras ao meu lado, vibrava na cena da mãe com os filhos. Ela vibrava como se a vingança fosse dela. E eu também estava assim. O cinema do Lars é visceral. Nos faz aflorar sentimento