O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.
Nossa entrevistada de hoje é cinéfila, do Rio de Janeiro. Larissa Melo tem 24 anos, é formada em
Realização e Produção Audiovisual na Escola de Cinema Darcy Ribeiro; Integrante
em "Elviras" Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema e também do
Coletivo Noéli - Mulheres na Filosofia UERJ. Graduada em Filosofia pela UERJ.
Pesquisadora em Cinema e Feminismos. Cinema Queer. Dá aulas de cinema há 4
anos. Foi professora de Cinema no Ateliê Oriente e Curadora do Cine Oriente.
Foi professora de Cinema, Videoarte e Performance no espaço Despina de
Residênciais artísticas. Diretora do curta-metragem "The Ephemeral",
exibido na Mostra Internacional "Wicklow Screendance Laboratory"
(Irlanda) 2018.
1) Na sua cidade,
qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da
escolha.
Estação Net Botafogo
de Cinema. A programação costumava ser um charme antes da pandemia. Com mostras
incríveis, festivais e filmes clássicos também Era o point cinéfilo dos
cariocas. As salas não são modernas, mas não era o que realmente importava e
sim a mágica do lugar, sentar no café que eles tem e ficar conversando pós filme,
trocando experiências. Só em escrever já me vem uma nostalgia gigante, boas histórias
e bons filmes, tudo num só lugar com as pessoas que a gente ama.
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
“Fallen Angels” (Anjos Caídos” de Wong Kar Wai). Foi um filme que assisti aos 16 anos, sozinha em
casa. Tudo na narrativa me levava para um lugar incomum, seja as ruas iluminadas
da Hong-Kong dos anos 90, bem como os ângulos inusitados feitos com lentes
fish-eye, justamente no close dos personagens. A solidão e os encontros ocasionais
que acontecem no filme, por sua vez, eram bem familiares, independente do lugar
ao qual nos encontramos, alguns sentimentos podem ser sim universais e o cinema
nos aproxima disso. Wong Kar Wai executa isso muito bem com suas histórias de
amor e solidão.
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
Minha diretora favorita é a Agnès Varda e meu filme favorito dela se chama “As Praias de Agnès” onde ela conta a
história da sua carreira como cineasta, mesclada com a própria história da
nouvelle vague. Ela e seu filme são cheios de um humor doce e seu jeito de
atravessar o outro e à nós espectadoras e espectadores é diferente. Sua mistura
de ficção com realidade nos aproxima de um mundo belo,
poético e preocupado com o coletivo, uma preocupação em estar sempre surfando na
beleza da vida, nas pequenas coisas. Eu amo quem consegue fazer “inventários
das coisas miúdas” que acabam sendo gigantes em nós.
4) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
Atualmente é “Bacurau”
do Kleber Mendonça. Este filme
resgatou um sentimento muito forte em nós cinéfilas e cinéfilos brasileiros. Em
um só filme ele discute problemas que enfrentamos dentro do Brasil e também a
ameaça externa de um certo imperialismo cultural que continua forte. Um filme
que expõe as heranças da colonização que ainda vive nas engrenagens do nosso
modo de pensar. A força mostrada na união do povo que habita Bacurau, nos
mostra a potência do coletivo. É também uma mensagem de amor e homenagem aos
nordestinos e sua história.
5) O que é ser
cinéfilo para você?
Acredito que não se trata apenas de uma relação de amor com
os filmes, mas ter uma relação íntima com as imagens-movimento, que chamamos
frames. Acreditar nas múltiplas transformações que elas causam em nós e no
mundo, desde seu nascimento até os dias atuais. Sabemos que os filmes por vezes
também podem ser perigosos, no sentido de que todos eles chegam para nós como uma
perspectiva de mundo e temos que tomar cuidado na seleção de qual iremos
abraçar. Mas são também os filmes essas máquinas atemporais de viagem no tempo
ao passado e a um futuro que ainda não existe. Os filmes estão ligados ao
imaginário de outros mundos, e isso é muito forte pois é nossa maneira de
“ensaiar” como podemos melhorar este mesmo mundo em que estamos atualmente. Ser
cinéfila ou cinéfilo é estar ligado com uma experiência de um novo radical.
Assistir a um filme é sair do mundo, mesmo estando dentro dele, mesmo que por 2
horas. É um tempo de atenção crucial para uma pausa nessa vida. E é nas pausas
que encontramos imensidão.
6) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por
pessoas que entendem de cinema?
Infelizmente não. Os cinemas de grande público são dedicados
a produções maiores que irão trazer um retorno alto financeiro e geralmente
escolhidos por pessoas que pensam mais por esta ótica. Sabemos que não há
problemas em amar os filmes de herói ou outros blockbusters. O problema se
encontra quando só encontramos este tipo de entretenimento nas salas de cinema.
O espaço para filmes brasileiros e também independentes ainda é muito pequeno
em grandes salas de cinema e isso é um dos sintomas que causam o afastamento do
público de uma conexão maior com o cinema nacional, por exemplo.
7) Algum dia as salas
de cinema vão acabar?
Acredito que a sala de cinema apenas mudou suas configurações.
Agora em momentos de pandemia estamos enfrentando uma morte abrupta destas
salas presenciais. Mas estamos tentando resistir a isso de maneiras criativas.
Logo no começo da pandemia, em abril do ano passado, criei o Cineclube Online
Varda, gratuito e voltado para sessões online de filmes com debates. Assistimos
todos juntos e conversamos online via chamada de vídeo logo depois. Esta
experiência tem resgatado essa potência bonita que surge quando assistimos
filmes em grupo.
8) Indique um filme
que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
“A Ghost Story”
ou no Brasil “Sombras da vida” foi uma
boa surpresa para mim quando assisti em 2017. É um filme pouco conhecido mas
que traz questões envolvendo vida, morte e tempo. O filme investiga de uma
forma muito particular a natureza do tempo e das coisas e como nos
transformamos diante deste processo. O filme começa com uma premissa muito
simples e no final acaba levantando um debate acerca da história da humanidade
como um todo.
9) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Não. Como respondi em uma das perguntas acima, acredito que
é o momento de pensar em maneiras criativas de fazer isso online e para aqueles
que não tem acesso à uma rede de internet, trabalhar em projetos que possibilitem
isso para todos. Desde o início estamos falando que estamos “juntos” neste sofrimento
com a pandemia, mas a verdade é que este sofrimento é muito diferente para uma
grande maioria. Muitos não têm o conforto de poder estar em casa, com acesso aos
streamings ou mesmo à internet, como mencionei. A pandemia apareceu para gritar
a desigualdade social que o Brasil já enfrenta há muitos e muitos anos. A
preocupação que temos agora extrapola um pouco a questão das salas de cinema,
mas sabemos que a arte e o acesso aos filmes é algo importante para a formação
de qualquer pessoa, principalmente dos jovens. Portanto o foco é auxiliar como
pudermos ongs que já fazem um trabalho similar ou nos inspirar a criar novos
projetos que substituam as salas de cinema e tragam os filmes à essas pessoas
de uma outra forma.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
Apesar do desmonte da indústria cinematográfica e dos
ataques políticos constantes que o setor passa, os filmes brasileiros têm
conquistado o mundo através de festivais e de prêmios importantes. As cineastas
e os cineastas brasileiros continuam com um fôlego implacável e tem produzido
belos filmes.
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Karim Ainouz é um
diretor que sou mega fã. Acho seus trabalhos sempre muito sensíveis e cheios de
nuances. Dá gosto de acompanhar a evolução e o reconhecimento merecido de seu
trabalho.
12) Defina cinema com
uma frase:
O Cinema nos faz habitar o impossível e isso nos traz a chance
de viver muitas vidas em uma.
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
Sempre há muitas histórias loucas dentro do Cinema.
Presenciei um pedido de casamento uma vez. Não sabemos até hoje se foi
brincadeira ou real mesmo. De qualquer maneira, todos ficaram radiantes na
sala.
14) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
Não assisti até hoje! Guardo a resposta para uma próxima
entrevista :)
15) Muitos diretores
de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta
precisa ser cinéfilo?
Não acredito que precise ser cinéfilo não, apesar de ajustar
bastante. Acho que pra ser diretora ou diretor tem que ser apaixonado pela vida.
Não necessariamente por contar histórias, tem que ser apaixonado mesmo pelo que
vê no dia a dia, pelo ato de observar. Quem observa bem o mundo ao seu redor
tem potencial para fazer belos filmes.
16) Qual o pior filme
que você viu na vida?
“Cara, cadê meu
carro”? E ainda sim talvez assistiria novamente haha. Sessão da tarde feelings.
17) Qual seu
documentário preferido?
“Os catadores e eu” de Agnès Varda.
18) Você já bateu
palmas para um filme ao final de uma sessão?
Sim! Para Bacurau
e Aquarius!
19) Qual o melhor
filme com Nicolas Cage que você viu?
Acho que nenhum. Mas gostaria de assistir “Coração Selvagem” do David Lynch, que tem ele no elenco.
20) Qual site de
cinema você mais lê pela internet?
Não leio muitos sites de cinema, apesar de trabalhar com
isso! Mas vou puxar sardinha para o site Guia do Cinéfilo e convidar você
leitor ou leitora a ler e a divulgar o conteúdo que rola aqui para todos :)