20/04/2021

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #381 - Larissa Melo


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nossa entrevistada de hoje é cinéfila, do Rio de Janeiro. Larissa Melo tem 24 anos, é formada em Realização e Produção Audiovisual na Escola de Cinema Darcy Ribeiro; Integrante em "Elviras" Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema e também do Coletivo Noéli - Mulheres na Filosofia UERJ. Graduada em Filosofia pela UERJ. Pesquisadora em Cinema e Feminismos. Cinema Queer. Dá aulas de cinema há 4 anos. Foi professora de Cinema no Ateliê Oriente e Curadora do Cine Oriente. Foi professora de Cinema, Videoarte e Performance no espaço Despina de Residênciais artísticas. Diretora do curta-metragem "The Ephemeral", exibido na Mostra Internacional "Wicklow Screendance Laboratory" (Irlanda) 2018.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Estação Net Botafogo de Cinema. A programação costumava ser um charme antes da pandemia. Com mostras incríveis, festivais e filmes clássicos também Era o point cinéfilo dos cariocas. As salas não são modernas, mas não era o que realmente importava e sim a mágica do lugar, sentar no café que eles tem e ficar conversando pós filme, trocando experiências. Só em escrever já me vem uma nostalgia gigante, boas histórias e bons filmes, tudo num só lugar com as pessoas que a gente ama.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Fallen Angels” (Anjos Caídos” de Wong Kar Wai). Foi um filme que assisti aos 16 anos, sozinha em casa. Tudo na narrativa me levava para um lugar incomum, seja as ruas iluminadas da Hong-Kong dos anos 90, bem como os ângulos inusitados feitos com lentes fish-eye, justamente no close dos personagens. A solidão e os encontros ocasionais que acontecem no filme, por sua vez, eram bem familiares, independente do lugar ao qual nos encontramos, alguns sentimentos podem ser sim universais e o cinema nos aproxima disso. Wong Kar Wai executa isso muito bem com suas histórias de amor e solidão.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Minha diretora favorita é a Agnès Varda e meu filme favorito dela se chama “As Praias de Agnès” onde ela conta a história da sua carreira como cineasta, mesclada com a própria história da nouvelle vague. Ela e seu filme são cheios de um humor doce e seu jeito de atravessar o outro e à nós espectadoras e espectadores é diferente. Sua mistura

de ficção com realidade nos aproxima de um mundo belo, poético e preocupado com o coletivo, uma preocupação em estar sempre surfando na beleza da vida, nas pequenas coisas. Eu amo quem consegue fazer “inventários das coisas miúdas” que acabam sendo gigantes em nós.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Atualmente é “Bacurau” do Kleber Mendonça. Este filme resgatou um sentimento muito forte em nós cinéfilas e cinéfilos brasileiros. Em um só filme ele discute problemas que enfrentamos dentro do Brasil e também a ameaça externa de um certo imperialismo cultural que continua forte. Um filme que expõe as heranças da colonização que ainda vive nas engrenagens do nosso modo de pensar. A força mostrada na união do povo que habita Bacurau, nos mostra a potência do coletivo. É também uma mensagem de amor e homenagem aos nordestinos e sua história.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Acredito que não se trata apenas de uma relação de amor com os filmes, mas ter uma relação íntima com as imagens-movimento, que chamamos frames. Acreditar nas múltiplas transformações que elas causam em nós e no mundo, desde seu nascimento até os dias atuais. Sabemos que os filmes por vezes também podem ser perigosos, no sentido de que todos eles chegam para nós como uma perspectiva de mundo e temos que tomar cuidado na seleção de qual iremos abraçar. Mas são também os filmes essas máquinas atemporais de viagem no tempo ao passado e a um futuro que ainda não existe. Os filmes estão ligados ao imaginário de outros mundos, e isso é muito forte pois é nossa maneira de “ensaiar” como podemos melhorar este mesmo mundo em que estamos atualmente. Ser cinéfila ou cinéfilo é estar ligado com uma experiência de um novo radical. Assistir a um filme é sair do mundo, mesmo estando dentro dele, mesmo que por 2 horas. É um tempo de atenção crucial para uma pausa nessa vida. E é nas pausas que encontramos imensidão.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Infelizmente não. Os cinemas de grande público são dedicados a produções maiores que irão trazer um retorno alto financeiro e geralmente escolhidos por pessoas que pensam mais por esta ótica. Sabemos que não há problemas em amar os filmes de herói ou outros blockbusters. O problema se encontra quando só encontramos este tipo de entretenimento nas salas de cinema. O espaço para filmes brasileiros e também independentes ainda é muito pequeno em grandes salas de cinema e isso é um dos sintomas que causam o afastamento do público de uma conexão maior com o cinema nacional, por exemplo.

 

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Acredito que a sala de cinema apenas mudou suas configurações. Agora em momentos de pandemia estamos enfrentando uma morte abrupta destas salas presenciais. Mas estamos tentando resistir a isso de maneiras criativas. Logo no começo da pandemia, em abril do ano passado, criei o Cineclube Online Varda, gratuito e voltado para sessões online de filmes com debates. Assistimos todos juntos e conversamos online via chamada de vídeo logo depois. Esta experiência tem resgatado essa potência bonita que surge quando assistimos filmes em grupo.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

A Ghost Story” ou no Brasil “Sombras da vida” foi uma boa surpresa para mim quando assisti em 2017. É um filme pouco conhecido mas que traz questões envolvendo vida, morte e tempo. O filme investiga de uma forma muito particular a natureza do tempo e das coisas e como nos transformamos diante deste processo. O filme começa com uma premissa muito simples e no final acaba levantando um debate acerca da história da humanidade como um todo.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Não. Como respondi em uma das perguntas acima, acredito que é o momento de pensar em maneiras criativas de fazer isso online e para aqueles que não tem acesso à uma rede de internet, trabalhar em projetos que possibilitem isso para todos. Desde o início estamos falando que estamos “juntos” neste sofrimento com a pandemia, mas a verdade é que este sofrimento é muito diferente para uma grande maioria. Muitos não têm o conforto de poder estar em casa, com acesso aos streamings ou mesmo à internet, como mencionei. A pandemia apareceu para gritar a desigualdade social que o Brasil já enfrenta há muitos e muitos anos. A preocupação que temos agora extrapola um pouco a questão das salas de cinema, mas sabemos que a arte e o acesso aos filmes é algo importante para a formação de qualquer pessoa, principalmente dos jovens. Portanto o foco é auxiliar como pudermos ongs que já fazem um trabalho similar ou nos inspirar a criar novos projetos que substituam as salas de cinema e tragam os filmes à essas pessoas de uma outra forma.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Apesar do desmonte da indústria cinematográfica e dos ataques políticos constantes que o setor passa, os filmes brasileiros têm conquistado o mundo através de festivais e de prêmios importantes. As cineastas e os cineastas brasileiros continuam com um fôlego implacável e tem produzido belos filmes.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Karim Ainouz é um diretor que sou mega fã. Acho seus trabalhos sempre muito sensíveis e cheios de nuances. Dá gosto de acompanhar a evolução e o reconhecimento merecido de seu trabalho.

 

12) Defina cinema com uma frase:

O Cinema nos faz habitar o impossível e isso nos traz a chance de viver muitas vidas em uma.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Sempre há muitas histórias loucas dentro do Cinema. Presenciei um pedido de casamento uma vez. Não sabemos até hoje se foi brincadeira ou real mesmo. De qualquer maneira, todos ficaram radiantes na sala.

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

Não assisti até hoje! Guardo a resposta para uma próxima entrevista :)

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Não acredito que precise ser cinéfilo não, apesar de ajustar bastante. Acho que pra ser diretora ou diretor tem que ser apaixonado pela vida. Não necessariamente por contar histórias, tem que ser apaixonado mesmo pelo que vê no dia a dia, pelo ato de observar. Quem observa bem o mundo ao seu redor tem potencial para fazer belos filmes.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

“Cara, cadê meu carro”? E ainda sim talvez assistiria novamente haha. Sessão da tarde feelings.

 

17) Qual seu documentário preferido?

“Os catadores e eu” de Agnès Varda.

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?

Sim! Para Bacurau e Aquarius!

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Acho que nenhum. Mas gostaria de assistir “Coração Selvagem” do David Lynch, que tem ele no elenco.

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Não leio muitos sites de cinema, apesar de trabalhar com isso! Mas vou puxar sardinha para o site Guia do Cinéfilo e convidar você leitor ou leitora a ler e a divulgar o conteúdo que rola aqui para todos :)