A linha tênue entre o sentimentalismo e a maturidade. Escrito e dirigido pelo ótimo cineasta italiano Paolo Sorrentino, A Mão de Deus, produção da Netflix, aborda o luto, a perda, as escolhas, aqueles momentos onde nossas vidas dão uma virada e algumas coisas esquecidas em nosso imaginário acabam se tornando peças chaves em um mundo voltado à realidade, onde a felicidade não existe, o que existe de fato são momentos felizes. Cotado para uma indicação ao Oscar na categoria de Melhor filme Estrangeiro (categoria muito disputada com presenças quase certa da última obra-prima de Hamaguchi, por exemplo, Drive my Car), o projeto nos leva a uma jornada existencialista, da liberdade incondicional, da escolha e principalmente da responsabilidade pessoal.
Na trama, conhecemos Fabietto (Filippo Scotti), um jovem ainda saindo da adolescência e partindo
para em breve uma vida adulta que ainda precisa passar pelos grandes momentos
da adolescência. Ele vive em uma casa de muito amor e harmonia, de classe média,
em Nápoles, com seu irmão Marchinno (Marlon
Joubert), sua mãe Maria (Teresa
Saponangelo) e seu pai Severio (Toni
Servillo). Eles adoram futebol e estão entusiasmados com a possibilidade de
Maradona sair do Barcelona e ir jogar pelo Napoli. As reuniões familiares tomam
conta de boa parte da trama, ali conhecemos curiosos personagens, fruto talvez
de uma visão única que Sorrentino observa pois a história parece bastante
próxima do diretor. Os conflitos entre a mãe e o pai, o segundo a trai faz anos
mas a mãe ainda acredita no amor dele são constantes, dentro dessa ótica arte mesmo
os conflito amorosos dos outros parentes também ganham ares análogos para a
mesma reflexão. Certo dia, uma tragédia acontece e o protagonista precisará
entender o mundo de algumas outras formas.
Brincando dentro do processo criativo de um filme, não só
pelas menções a grandes cineastas do cinema italiano como Zeffirelli e Fellini,
o roteiro navega nos pontos de virada de uma vida, os rumos que são tomados
chegam através de ações e consequências, mesmo que na linha superficial e até
certo ponto fantasiosa pela excentricidade de alguns personagens. Na linha de
frente o protagonista e seus conflitos bem definidos que se juntam a subtramas
de próximos, algumas que se desenvolvem, outras que são esquecidas, fato que
pode incomodar o cinéfilo mais detalhista e observador.
A Mão de Deus possui
praticamente duas partes: uma é uma construção dentro de uma imaturidade aos
olhos de Fabietto, na outra as descobertas que o moldam para toda sua recente
trajetória de vida. A grande sacada do filme, e até mesmo um elo construtor de
arcos, é a opção de um plano de fundo sobre o futebol, um dos laços da grande
família de Fabietto. Mencionado muitas vezes, é verdade, e com o título em sua
total homenagem, aqui Maradona é apenas um coadjuvante de luxo. Era impossível
falar de Nápoles sem citar um dos deuses da história do futebol.