O desenrolar de conflitos familiares tendo o mar como testemunha. Escrito e dirigido pelo cineasta colombiano Edgar De Luque Jácome, em seu primeiro trabalho como diretor de longas-metragens, A Filha do Pescador de forma bem objetiva, contorna a aceitação e o perdão dentro de um contexto familiar, numa relação conturbada entre pai e filha tendo uma paisagem deslumbrante como testemunha. O preconceito, o assédio, o machismo também são elementos que estão inseridos nas linhas do competente roteiro.
Na trama, conhecemos Samuel (Roamir Pineda) um experiente pescador que mora em uma ilha e vive
seus dias dedicado 100% ao seu trabalho. Amargurado com o passar do tempo, sem
se livrar das desilusões, aprendeu a viver com a solidão. Certo dia, seu filho
que não via faz mais de uma década, volta pra casa, agora como uma mulher trans
chamada Priscila (Nathalia Rincón),
que fugiu da cidade onde morava por conta de uma situação. Quando Samuel se
machuca após uma ida ao mar e precisa de alguém para cuidá-lo, esse pode ser o
momento que precisam para se entenderem.
Há um paralelo importante do choque familiar com o mar e a
força da natureza. Ambientado num lugar isolado mas com suas belezas,
percebemos as dores de um passado já distante que ganham novos sentidos com um
reencontro, mesmo que em meio a tempestades que logo podem virar dias bonitos. Mas
até quando o perdão pode superar as inconsequências? A desconstrução de Samuel
é a base para uma narrativa que ruma para a aceitação ao mesmo tempo que
encontra a amargura envolvida por uma solidão. O vai e vem do mar e o olhar
para a natureza são como uma mensagem indireta, uma parábola, para os
desequilíbrios das relações.
Nessa co-produção Brasil, República Dominicana, Colômbia e
Porto Rico, em menos de 80 minutos de projeção, com o passar dos conflitos que
se seguem vamos vendo uma tentativa de reconexão surgindo, mais uma chance numa
relação que insistiu em se perder com o tempo. O preconceito enraizado num
machismo interminável nos leva até a dor de uma personagem sofrida, frequentemente
assediada, que busca um oásis pro seu sofrimento exatamente num lugar onde as
pedras chegam na frente de qualquer conforto.
A Filha do Pescador dispara suas considerações a partir da melancolia
de personagens no sentido de um sentimento que não se desprende da perda. A
construção narrativa eficiente e com respiros para entendermos os conflitos dos
protagonistas fortalecem o discurso, dentro de um contexto de aflições nos
levando até um mar de reflexões.