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14/10/2025

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Crítica do filme: 'Ruas da Glória' [Festival do Rio 2025]


A vida como ela é. Percorrendo um relacionamento destrutivo e contrapondo o fascínio de um novo lugar e suas tragédias que logo se mostram presentes, o longa-metragem Ruas da Glória, escrito e dirigido por Felipe Sholl, apresenta um certo lirismo - uma metáfora que percorre emoções e sensações ligadas ao desespero, alcançando as dores quando o caos da existência se mostra angustiante.

Sempre envolta no tema, a narrativa cumpre seu propósito ao maximizar a ebulição dos sentimentos, com cenas carnais bem dirigidas - mais explícitas que sugeridas – atingindo a essência humana e seus impulsos em meio a uma tensão sexual sufocante. O desejo se alia ao desespero, elementos emocionais fundamentais para os pilares dos complexos personagens, muito bem interpretados por Caio Macedo e Alejandro Claveaux.

Gabriel (Caio Macedo) é um jovem professor de literatura que acaba de chegar ao Rio de Janeiro, após um falecimento e um conflito com parte da família, experiências que mexeram com suas emoções. Fascinado pela cidade maravilhosa, muda-se para o bairro da Glória e, numa noite em um badalado clube, acaba conhecendo o uruguaio Adriano (Alejandro Claveaux), que vive da prostituição. Completamente obcecado por Adriano, Gabriel se entrega de corpo e alma em um complexo relacionamento. Quando Adriano desaparece, o protagonista, buscando um drible na solidão, vai conhecendo novos personagens pelo caminho e encontra significativas reflexões sobre a vida.

O roteiro percorre um recorte complexo da autodestruição, onde o desejar se torna uma importante parte das reflexões. Podemos nos perguntar: estamos vendo o amor, a obsessão ou ambas as coisas? Essa fuga de paradigmas, dentro da explosão de infelicidade proposta, nos leva a pensar sobre os obstáculos que, cada um de sua forma, passam alguma vez (ou várias) na vida - um dos méritos da obra. Contudo, há um calcanhar de aquiles (não comprometedor): a falta de respiro dentro desse recorte extenuante flerta com avanços pouco significativos, beirando ao repetitivo, o que, de certa forma, atrapalha o andamento. 

O desespero, o sufocar, as dores de um momento repleto de portas fechadas. Ruas da Glória apresenta uma estrada destrutiva, marcada por altos e baixos, descobertas e revelações, com a esperança surgindo como um trunfo quando a maré vira – algo mundano, humano e capaz de fazer refletir. 

 

 

 

 

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13/10/2025

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Crítica do filme: 'Brasa' [Festival do Rio 2025]


Com um tema central, importante e atual, colocado para debate e desenvolvido com sensibilidade ao longo de sua breve, porém bem distribuída duração, o curta-metragem Brasa nos leva até um recorte profundo sobre uma questão alarmante que choca pelas estatísticas em nosso país: a gravidez na adolescência.

Com ótimas artistas em cena - Bárbara Colen e Mel Faria em destaque - que transmitem toda a aflição e tensão dos conflitos que se seguem, o projeto dirigido por Diane Maia, em sua primeira direção, com roteiro assinado pela mesma e Ana Alkimin, teve sua primeira exibição no Festival do Rio 2025, onde integrou a potente lista da Première Brasil.

Analu (Mel Faria) é uma jovem estudante de 16 anos, apaixonada por um rapaz que trabalha como motoboy no Hortifruti de sua mãe (Bárbara Colen). Moradora de uma cidadezinha no interior do país, busca a realização dos seus sonhos mesmo com as limitações do cotidiano. Quando descobre que está grávida do rapaz, Analu comunica o rapaz na esperança de um final feliz, mas logo é abandonada e precisará enfrentar a situação com a ajuda da mãe.

O filme deixa, nas entrelinhas, questões que circulam o tema principal, abrindo camadas. Um dos que mais chama a atenção é a desinformação e a falta de diálogo quando o assunto é sexualidade. O Brasil é um dos líderes no ranking de gravidez na adolescência, e uma das causas é o silêncio das emoções no âmbito familiar - algo explorado com sensibilidade por essa obra, que apresenta um retrato comovente de conflitos vividos por mãe e filha.

Brasa também apresenta reserva surpresas, com uma revelação no seu desfecho que se soma à toda carga de intensidade sobre o que se sente e não é revelado, chegando até um sentido amplo sobre os assuntos que surgem. O título do filme – certeiro e alinhado ao discurso - pode ser interpretado no sentido figurado como uma situação intensa que persiste mesmo com as revelações, simbolizando um primeiro passo de uma chama que não se apaga.

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Crítica do filme: 'As Dores do Mundo: Hyldon' [Festival do Rio 2025]


O cineasta e antropólogo Emílio Domingos vem enriquecendo nossas reflexões com projetos interessantes, bem amarrados e com recortes profundos ligados à nossa cultura. Foi assim em Black Rio! Black Power!, documentário sobre o movimento Black Rio, e em Os Afro-Sambas, o Brasil de Baden e Vinicius, obra que destrincha detalhes de um disco de Vinicius de Moraes e Baden Powell, lançado em meados da década de 1960. A cada novo registro, uma página da nossa música e sua relação com a sociedade se revela atemporal.

Seu novo trabalho, que dirige ao lado de Felipe David Rodrigues, lançado no Festival do Rio 2025, chega para colocar no centro da tela um nome que você talvez não conheça, mas já escutou alguma canção dele. As Dores do Mundo: Hyldon conta a trajetória de Hyldon de Souza Silva, conhecido apenas pelo primeiro nome: guitarrista e produtor, fã de Marvin Gaye, que logo virou artista. Além de tudo, um observador atento de muito momentos da música popular brasileira.

Desde a infância na Bahia até a chegada ao Rio de Janeiro, passando pelos primeiros acordes e as oportunidades que apareciam, ele sempre se manteve fiel a seu modo de pensar e viver a vida. Desconhecido por muitos, possui em seu acervo criativo canções emblemáticas cantadas até hoje. Vendo a Jovem guarda acontecer e com as influências do amigo Tim Maia, entre músicas rápidas e lentas, mostrou versatilidade e um estilo próprio, causando um forte impacto em toda uma geração.

O documentário, modelado por imagens de arquivos, vídeos de apresentações e reportagens de época, além de maravilhosas entrevistas com nomes como: Liniker, Mano Brown, Seu Jorge, Sandra de Sá, parte dos 50 anos de seu primeiro álbum – um estrondoso sucesso – e ajuda a revelar um pouco dos seus pensamentos ao longo dessas décadas, enquanto sobreviveu ao tumultuado mercado fonográfico brasileiro. O projeto sugere também paralelos reflexivos que dialogam com uma sociedade marcada por acontecimentos que influenciaram o nosso país.

Nessa narrativa deliciosa – Domingos sabe como contar uma história, e isso não é de hoje – extrai-se o suco de um Soul Man também por meio de duas das suas mais simbólicas canções. Da resposta a Schopenhauer na canção As Dores do Mundo até o clássico Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda (Casinha de Sapê), escrita em cinco minutos após uma viagem a uma praia do espírito Santo, vamos decifrando um artista com ‘A’ maiúsculo, que escolheu mostrar a vida real por meio de sua obra, conquistando corações e contemplando a pura essência do viver: não querendo saber quem foi, mas sim quem é.

 

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Crítica do filme: 'Pequenas Criaturas' [Festival do Rio 2025]


Costurando a sensibilidade humana de forma poética – mastigando a imaginação e a expressividade –, chegou, em um dos últimos dias de Festival do Rio, a sessão do longa-metragem brasileiro Pequenas Criaturas: um filme que você assiste e não esquece. Escrito e dirigido por Anne Pinheiro Guimarães, esse projeto encantador busca a comunicação com o público através de um roteiro envolvente, com personagens complexos e fascinantes, reunindo fragmentos de uma família dentro de recortes geracionais que se entrelaçam pelas amarguras do presente.

Ambientada numa Brasília de quase quarenta anos atrás, conhecemos Helena (Carolina Dieckmann) e seus dois filhos – uma criança e um adolescente – que chegam à capital do Brasil e se mudam para um prédio numa região central. Frustrada pela partida do marido, que logo viaja a negócios, ela se vê perdida e aflita, enquanto marcas do passado e inesperadas aventuras do presente se chocam, nos levando a um recorte cheio de conflitos, não só pra ela, mas para seus dois filhos.

Sob os três olhares desse núcleo familiar, as amarguras do presente logo se chocam com o acaso e o inusitado. Algumas vezes a bordo de uma Brasília amarela - símbolo interpretativo dentro da trama – percebemos a profundidade dos relacionamentos interpessoais sendo tratada com sutileza, fugindo da melancolia, mas sem deixar de ser incisivo nas provocações de reflexões. 

Um dos grandes desafios do filme era deixar atual um retrato familiar de quatro décadas atrás – e ele consegue. A construção dos personagens é envolvente, vai do riso à emoção, um dos trunfos de uma obra que contextualiza os primeiros anos de uma nova democracia – após a Ditadura Militar –, tendo como ambiente justamente a capital do Brasil. Assim, o roteiro parece se dividir em parábolas, que não fogem das lições morais, mas as tornam complementares. Uma mãe em um casamento infeliz, as descobertas da adolescência, até os amigos imaginários - cada peça desse quebra-cabeça emocional se encaixa para um norte de chegadas e partidas.

A solidão, as perdas, os medos, os perigos, as travessuras, o cuidar, a vida e a morte, se tornam elementos jogados em uma tempestade de sensações que nos entrega uma obra atemporal, vibrante e capaz de deixar marcas em nossos corações. Um dos melhores filmes exibidos no Festival do Rio 2025.

 

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Crítica do filme: 'Final 99' [Festival do Rio 2025]


O estado de ser num mundo de reinvenções do próprio pertencimento. Em uma trama bem bolada, que aborda a palavra 'identidade' em muitas facetas, o curta-metragem gaúcho Final 99, escrito e dirigido por Frederico Ruas, nos leva até um drama existencial - com flerte no suspense – em que, a partir da perda de um objeto, um possível encontro desperta reflexões sobre questões contemporâneas e existenciais. O filme foi selecionado para a Première Brasil de Curtas do Festival do Rio 2025.

Um segurança noturno (Bruno Fernandes) de um lugar cercado de tecnologia, mas também de um silêncio ensurdecedor, perde sua identidade - possivelmente vítima de algum furto. O documento é encontrado por uma imigrante estrangeira (Mbyá Guarani Luicina Duarte), que propõe um encontro.

Rodado logo após o caótico estado de emergência que atingiu o Rio Grande do Sul recentemente, o projeto apresenta rapidamente sua trama conseguindo alcançar camadas dentro do discurso proposto - um mérito de uma obra que não alonga e, ainda assim, preenche nosso refletir com suposições.

Interpretativo em alguns momentos, usa da casualidade e até mesmo uma indecifrável distopia para explorar a nossa capacidade de autoexistência - o nosso lugar em um mundo de oportunidades, mas também solidão. Estar em um lugar que não sente como seu, os desvios da solitude e o instante que a ficha cai - a partir dos acontecimentos acompanhamos a jornada melancólica de um protagonista que vai decifrando seu próprio estado de ser.

Em 14 minutos, percebemos um uso afiado da linguagem - de forma criativa e que prende a atenção, aliado a uma direção de arte chamativa e uma direção competente, em uma tentativa inabalável de explorar caminhos para uma comunicação com o espectador. Do concreto do tempo aos simbolismos do existir, elementos saltam aos olhos, compondo uma parábola (no sentido figurativo) cheia de lições que entrelaça o pertencimento com um olhar empático voltado à imigração.

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11/10/2025

Crítica do filme: 'O Último Episódio'


O que se aprende, o que dói, o que nos deixa vivo: o sonhar! Você também adorava assistir ao desenho Caverna do Dragão? Então, acho que você vai gostar desse filme que vamos citar agora! Chega aos cinemas brasileiros nesse início de outubro uma produção que utiliza a nostalgia com muita delicadeza e simpatia para retratar realidades de um Brasil que, mesmo enfrentando dificuldades, nunca deixa de sonhar.

Trazendo para o centro do discurso a cultura pop, os dramas familiares, e aquele olhar carinhoso sobre a juventude, O Último Episódio - primeiro longa-metragem solo do mineiro Maurilio Martins - é um projeto que liga a dor da perda às surpresas de quem curte se deixar envolver por boas histórias.

Ambientado em Laguna, um bairro de Contagem, em Minas Gerais, no início da década de 1990, acompanhamos a história de um jovem que está à beira de momentos importantes de sua vida. Um dia, resolve espalhar uma notícia inusitada: afirma ter o último episódio do seriado Caverna do Dragão - algo que o coloca de frente com situações inusitadas.

A dor da falta leva a simpática comédia a um mergulho nas camadas dramáticas. O pai, recorrente na trama, tem papel preponderante no campo emocional, um alicerce que ajuda a contar essa história. O alvo do discurso busca um Brasil próximo de muitos de nós – trabalhadores, sonhadores –, que se mostra valente em torno dos obstáculos cotidianos.

Assim, em um roteiro que funciona na sua simplicidade e pelo tom da nostalgia, caminhamos pelas suas dificuldades cotidianas do protagonista ao lado da mãe, o flerte com o primeiro amor, as responsabilidades que chegam ao lado da imaturidade, além da construção, tijolo por tijolo, das grandes amizades. Lições não faltam nesse simpático longa-metragem que, mesmo não conseguindo chegar em camadas muito profundas com uma direção que não se arrisca, convence pela poesia honesta – e pés no chão - que propõe.

 

 

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10/10/2025

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Crítica do filme: 'Honestino' [Festival do Rio 2025]


Qualquer filme que aborde os horrores do período de ditadura no Brasil já é, por si só, chocante. Tendo isso em mente, iniciamos as reflexões sobre mais uma obra que volta ao tema e, de maneira inquietante, nos leva até a história de um pai e líder estudantil que desapareceu nas mãos dos militares. Honestino, novo trabalho do cineasta amazonense Aurélio Michiles, mistura documentário e ficção em uma obra visceral que escancara verdades de quem sempre esteve do lado certo da história.

Com uma prévia contextualização de um dos momentos mais tristes da história brasileira – a ditadura militar – por meio de poemas, depoimentos, imagens de arquivos, chegamos até o início da década de 1970, quando o líder estudantil Honestino Guimarães desapareceu.

Valente na sua luta em busca da restauração da democracia, o estudante de geologia goiano viveu anos complicados, sendo alvo frequente de perseguição militar e chegando a ser preso diversas vezes na década anterior ao seu desaparecimento. Por necessidade de viver escondido, longe dos holofotes e da família, mudou para alguns estados vivendo em meio a solidão. Nesse documentário, vemos um recorte dessa trajetória ser contada, algo que vai de encontro a momentos de ebulição em nosso país.

Muito próximo do personagem-título – de quem era grande amigo – Michiles costura sua narrativa documental com o impulso da ficção, na qual encontramos uma atuação pulsante de Bruno Gagliasso, representando Honestino em momentos-chaves de reflexão e agonia vividos naquele período. Esse híbrido entre depoimentos de conhecidos e representações de momentos – da luta ao legado - coloca esse projeto em um outro patamar, causando um verdadeiro impacto de emoções.  

A estética do filme chama a atenção do público em muitos momentos: do preto e branco ao colorido, das sombras à esperança, somos atingidos por uma onda de reflexões por meio de uma pessoa que nunca será esquecida. A narrativa é de fácil entendimento, pulsa e emociona, apresentando um desfile de imagens e movimentos que realmente comovem, ressaltando a importância desse personagem - tanto como figura importante política e presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) quanto como pai amoroso que viveu pouco tempo perto da filha.  

Selecionado para o Festival do Rio 2025, exibido na noite do último dia 09 de outubro – uma data emblemática, já que no dia seguinte (momento em que escrevo estas palavras) completam-se 52 anos do sequestro de Honestino Guimarães – esse documentário é muito mais que um registro importante de uma página sombria de nosso Brasil, é uma enorme exclamação de resistência e memória: Honestino Vive!

 

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Crítica do filme: 'Dolores' [Festival do Rio 2025]


Em mais um dia de Festival do Rio 2025, encontramos com um filme brasileiro bem peculiar e a mesmo tempo interessante, que revela suas camadas através do desenrolar dos conflitos de três gerações de mulheres de uma mesma família. Dolores, dirigido por Marcelo Gomes e Maria Clara Escobar, investe numa narrativa contemplativa que mergulha nos pensamentos e os sonhos dos personagens, nos levando a sentir os dramas de personagens à beira de mais um importante passo na vida.

Dolores (Carla Ribas) é uma mulher solteira, já sexagenária, com marcas no passado. Perto de completar mais um aniversário, tem um sonho revelador. Mantém uma relação conflituosa com a filha Deborah (Naruna Costa), que aguarda a libertação do grande amor de sua vida para, enfim, ser feliz. Em contrapartida, Dolores possui uma ótima relação com a neta Duda (Ariane Aparecida), que trabalha numa espécie de clube de tiro e recebe uma oferta de emprego fora do país. Essas três mulheres vão se jogar em uma jornada em busca da realização de seus sonhos. 

Esse é um filme de fácil identificação, com temas amplamente debatidos na atualidade e personagens que ilustram realidades vividas por muitas pessoas, especialmente quando pensamos no como lidar com as adversidades. A obra encaixa reflexões imaginativas pelas entrelinhas mas também é possível se guiar pelo concreto da realidade nua e crua que se apresenta.

Ambientado na periferia de São Paulo, a história gira em torno da protagonista que dá nome ao filme – Dolores – uma mulher que encontra no contraditório e na inconsequência um combustível para os próximos passos. Personagem fascinante, ela se torna o elo que conecta  com todas as subtramas. Entre elas está Deborah e sua dor pelo amor, que desperta para novas jornadas, levando consigo um conflito não mostrado com a mãe. No outro vértice desse triângulo familiar, Duda representa o novo pensar de uma geração que não quer deixar oportunidades passarem. Sob esses pontos de vistas, percorremos as dificuldades que se mostram presente, a sorte, os sonhos e também as consequências da confiança.

Do literal ao simbólico, o recorte do sonhar permeia a trajetória das personagens, um alvo do discurso que sustenta tudo que acompanhamos. A narrativa, detalhista e de ritmo dosado,  busca um ar poético nos dilemas humanos. Assim, o filme se desenvolve através das três realidades que se entrelaçam com questões existenciais - do vício em jogos ao desejo de uma vida melhor. Marcelo Gomes e Maria Clara Escobar desenvolvem um trabalho competente na condução dessa história.

Essa obra é o ponto final de um roteiro deixado pelo cineasta Chico Teixeira, falecido seis anos atrás. Se fecha em Dolores a sua Trilogia dos Afetos, composta por A Casa de Alice (2007) e Ausência (2014).

Exibido na 73a edição do San Sebastian Festival e selecionado para a Première Brasil do Festival do Rio 2025, Dolores deixa marcas profundas em nossa reflexão sobre a existência. Pelos caminhos árduo que percorremos, entre as dores e também os recomeços, é importante não perder de vista as possibilidades de sonhar. É sempre levantar, sacodir a poeira e dar a volta por cima.

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Crítica do filme: 'Cheiro de Diesel' [Festival do Rio 2025]


Selecionado para a mostra Première Brasil de Documentários do Festival do Rio 2025, o impactante projeto Cheiro de Diesel é um profundo e inquietante recorte sociológico da cidade conhecida como ‘maravilhosa’. Buscando em seus intensos 80 minutos de projeção ampliar o debate sobre as intervenções militares nas favelas cariocas - mais precisamente quando o exército brasileiro ocupou o complexo da Maré durante a Copa do Mundo de 2014 -, chegamos num retrato comovente e avassalador pela visão da própria comunidade, de seus trabalhadores e moradores da região.

Muito bem montado, o longa-metragem costura com precisão seus pontos a partir de um discurso irrepreensível, onde caminhamos pela luta da jornalista, comunicadora comunitária e ativista social Gizele Martins em sua busca para dar voz ao que de fato aconteceu em uma região tomada por perigos de todos os lados – uma realidade que afetou em cheio o direito de ir e vir de 140.000 moradores.

A contextualização é bem feita e se insere naturalmente na narrativa, através das histórias que são contadas. Quando eventos de grande projeção passaram a ter o Rio de Janeiro como sede, o governo resolveu enviar o exército para um complexo de favelas - fato que gerou situações alarmantes, pouco divulgadas nas mídias tradicionais. A herança disso? As sequelas na vida de inúmeras pessoas que sofreram na pele os horrores dessa chamada ‘paz armada’.  

Indo à raiz dos problemas que se acumulam – que servem como um importante registro através do cinema –, chegamos aos medos constantes e às facetas de uma suposta proteção que, na verdade, revelou-se uma despreparada empreitada assinada pelo alto escalão da república.  Com o jornalismo também em pauta, o documentário exemplifica a tragédia e as marcas da violência por meio dos depoimentos de algumas vítimas, mas sem deixar de criar a ponte com o agora.

Cheiro de Diesel é um soco no estômago, um projeto valente que joga seus holofotes para as verdades muitas vezes não ditas – caladas pelos anos - e que precisam de uma vez por todas reflexões de todos nós.

 

  

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Crítica do filme: 'Massa Funkeira' [Festival do Rio 2025]


Abrindo espaço para vários olhares sobre o movimento funkeiro - um dos grandes expoentes da cultura brasileira quando pensamos em representações artísticas, sobretudo no Rio de Janeiro -, o documentário Massa Funkeira, novo trabalho da cineasta Ana Rieper, reúne um interessante retrato social a partir de uma série de registros e depoimentos de Mc’s, dançarinos e produtores, revelando novos olhares para essa arte musical que conquista atenção e aborda, sem papas na línguas, temas considerados tabus na sociedade.

A montagem desse filme é a chave do sucesso. Ao criar um ritmo intenso e envolvente, esse retrato social coloca em evidência - sem moralismos e julgamentos - as letras ligadas as relações íntimas, especialmente o sexo. Assim, percorremos o por trás da fama de artistas desse segmento que alcançaram sucesso em vários períodos dos últimos anos, chegando também às mudanças e reflexões por trás das canções que embalaram bailes funks pelo Brasil – e pelo mundo.

Com uma mescla de batidas eletrônicas e letras imponentes – que chamam a atenção logo de cara -, o funk traduz as expressões e realidades do cotidiano, representando a força da periferia brasileira. Desmistificando esse gênero musical que ainda hoje é alvo de preconceitos por alguns olhares da sociedade, o projeto apresenta uma recorte sociológico profundo, divertido e, até mesmo, emocionante, capaz de fazer o público enxergar de outras formas para esse movimento musical por novas perspectivas. 

Massa Funkeira, selecionado para o Festival do Rio 2025, é um dos grandes documentários exibidos na edição deste ano do evento carioca. Ana Rieper mais uma vez consegue, com seu cinema documental de primeira linha, trazer olhares, relflexões e registros importantes da nossa sociedade.

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Crítica do filme: '#SalveRosa' [Festival do Rio 2025]


Uma mãe cruel, controladora e egoísta que expõe sua filha na internet. É a partir dessa premissa - que atravessa os muitos olhares sobre uma trágica relação familiar – que o novo trabalho da ótima cineasta Susanna Lira apresenta, de forma reta e contundente, um assunto que vem ganhando cada vez mais atenção na sociedade contemporânea: a exposição infantil nas redes sociais. #salverosa é um grito de socorro que pode abrir os olhos de muitas pessoas.

Aos 13 anos, Rosa (Klara Castanho) é uma jovem introspectiva que virou uma celebridade na internet com um canal que reúne milhões de assinantes. Ela vive sob o olhar atento da mãe (Karine Teles), uma mulher controladora, enigmática e que esconde segredos. Nessa relação que vai se mostrando cada vez mais conflituosa, acompanhamos os desenrolares desse chocante retrato quando Rosa começa a descobrir verdades da sua própria história. 

O tom colorido do projeto – com cores pulsantes, fruto de uma direção de arte que dialoga com o campo emocional a todo instante -, ajuda a potencializar as camadas emocionais dos personagens. Sob alguns pontos de vistas – fato que ajuda a narrativa a ganhar ritmo conduzindo à tensão – acompanhamos as ações e consequências quando um castelo de cartas macabro começa a desmoronar. De dentro pra fora – do íntimo familiar até os olhares de terceiro –, o roteiro busca os conflitos dentro de uma estrutural tradicional: sem se arriscar mas conseguindo evidenciar o impacto do chocar.

Uma vilã clássica - daquelas de despertar o ódio, debochada e atrevida - dita o ritmo em muitos momentos, mais uma atuação competente da atriz Karine Teles. A partir dessa figura emblemática na história que é contada, o projeto foca em trazer para debate o caótico retrato da inconsequência da exposição. À medida que a tecnologia é inserida de forma desenfreada através dos meios de comunicação que surgem a toda hora, a obsessão pela fama e sucesso coloca a moral escanteada. Um dos méritos desse filme é justamente lançar luz sobre essa questão.  

Prendendo a atenção em muitos momentos, o drama logo vira um suspense, com uma imprevisibilidade em seu final.  #salverosa cumpre o que promete: vai das relações tóxicas – que acontecem em muito lares – até as camadas da exposição em mundo cheio de perigos, distantes ou próximos de cada um de nós.

 

 

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06/10/2025

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Crítica do filme: 'Alice' [Festival do Rio 2025]


Já dizia alguém: é nos pequenos frascos que estão os melhores perfumes! Com uma composição visual deslumbrante, criando significados a partir do desbravar da linguagem, quase um chamado para a imersão de sentimentos que pulsam na tela, o curta-metragem Alice, dirigido por Gabriel Novis é um retrato comovente e profundo de uma mulher trans nascida em Maceió. Embarcando em uma reinvenção de sua própria trajetória, Alice Barbosa apresenta ao público a sua história, que teve estreia nacional no Festival do Rio 2025.

É impressionante como, em apenas 17 minutos, nossos pensamentos se veem mergulhados em reflexões constantes de um retrato muito bem construído e sensível. Tocante e contornando o terror do preconceito, a narrativa nos projeta para conhecer uma história que fala muito sobre família, despertar para suas verdades, o luto, os prazeres através do esporte e também as mudanças com as despedidas. Com uma narração da própria personagem-título, somos conquistados do primeiro ao último minuto.

Contextualizando de forma certeira a violência, o preconceito, a misoginia e a transfobia - traços de uma sociedade em constante medo, e, muitas vezes, incapaz de enxergar a realidade do próximo - Alice apresenta sua protagonista: uma jovem artista trans que desperta para algumas questões de sua vida após a perda, muito sentida, do pai. Esse luto, é uma variável que se torna constante, ganha simbolismo em tela, um elemento que cruza a trajetória que acompanhamos – das memórias da infância ao presente - de maneira acachapante.  

Esse é um filme para ser sentido, debatido, e embarcar na criatividade com que se modela a linguagem. Tudo o que aparece em tela parece dialogar com o discurso e com os pontos que se ligam à emoção. Esse curta-metragem alagoano foi o vencedor de um dos maiores festivais de documentários do planeta, o Hot Docs, no Canadá – feito que o posiciona como uma obra qualificável para a disputa do próximo Oscar. Tomara! Que filmaço!

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01/10/2025

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Crítica do filme: 'Morte e Vida Madalena' [CineBH 2025]


Inspirado em algumas histórias reais que o diretor Guto Parente escutou ao longo dos anos na sua vasta carreira no cinema – já são 11 longas-metragens no currículo – Morte e Vida Madalena, de maneira acertiva, e com uma narrativa pulsante ligada ao tragicômico, explora os caminhos e infinitas possibilidades da metalinguagem para expor os perrengues de uma profissão.

Selecionado para a Mostra Vertentes do CineBH 2025, o projeto - que já passou com grande sucesso por outros festivais de cinema este ano - é uma jornada que usa da melancolia debochada para apresentar ilustrações do cotidiano caótico de uma produção cinematográfica – algo pouco compreendido por quem não é do meio. Essa narrativa é impulsionada para a excelência com a atuação deslumbrante de Noá Bonoba.

Apresentando alguns dias de filmagens de um filme com baixo orçamento de ficção científica, conhecemos Madalena (Noá Bonoba), uma produtora de cinema prestes a ter o primeiro filho que passou por um momento dilacerante com o falecimento da sua maior referência, na vida e na profissão: seu pai. Precisando concluir um filme, Madalena precisa enfrentar inúmeros obstáculos e situações.

Impressiona como Parente consegue costurar drama e a comédia de forma harmoniosa, produzindo uma química, desde o início, com o público. Mergulhando nos perrengues de uma profissão que precisa provar seu valor a cada momento, o filme também revela a história de uma protagonista imersa em desilusões e decepções, mas que nunca deixar de encontrar um olhar positivo - ou mesmo um afeto carinhoso. É ou não é o reflexo de muitas histórias na realidade?

Pra dar vida a personagem principal, não tinha escolha mais certeira que Noá Bonoba. Que atuação maravilhosa! Sua presença pulsa como um coração vivo: oferece afeto e pede colo. Um verdadeiro presente para todos que tiverem a oportunidade de vivenciar essa obra.

Assistindo a esse filme, você ri, chora e se vê pensando nos dilemas universais que se desenrolam. O que mais se pode esperar de uma obra cinematográfica? Essa história, que certamente chegará com força para quem trabalha com cinema, encontra paralelos em diversas realidades - sociais, profissionais. Morte e Vida Madalena é um deleite para reflexões, um filme para a galeria dos melhores do ano.


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Crítica do filme: 'A Natureza das Coisas Invisíveis' [CineBH 2025]


Selecionado para a Mostra CineMundi do CineBH 2025, o delicado e marcante longa-metragem A Natureza das Coisas Invisíveis aposta no olhar ingênuo das primeiras fases da vida para construir uma trama que se sustenta na sutileza, encontrando reflexões maduras sobre a vida e a morte, equilibrando o conforto da imaginação com o impacto da realidade. O filme é escrito e dirigido por Rafaela Camelo, em seu primeiro longa-metragem.

Com a câmera sempre no lugar certo, somada a atuações maravilhosas e diálogos envolventes, cada peça do que assistimos se juntam para complementos, ampliando o discurso. Temas como a maternidade, os desafios na relação entre mães e filhas, a transição de gênero, o luto, são assuntos que aparecem ao longo dos cerca de 80 minutos de projeção.

Gloria é uma jovem super inteligente e comunicativa que acabou de entrar de férias. Sem ter com quem deixá-la, sua mãe, uma profissional da saúde, a leva diariamente ao hospital onde trabalha. Um dia, dá entrada na emergência Sofia, uma menina trans, neta de uma senhora que adoeceu. Com idades próximas, Gloria e Sofia logo se tornam amigas. As mães resolvem levá-las até um sítio, e lá começam a ultrapassar páginas do passado e abrir os horizontes para o futuro.

A história é contada de forma delicada, em uma narrativa de estrutura simples, na qual pontes são construídas através das imagens e mensagens, acompanhadas por uma trilha sonora cirúrgica. Assim, chegamos em preenchimentos de lacunas que se criam num primeiro momento. O encontro entre dois mundos, cujas questões convergem, e o olhar da criança para o universo cheio de questões da sociedade, abre espaço para temas polêmicos que podem servir para ótimos debates. De mansinho somos conquistados por essa história.

Os muitos sentidos da morte se tornam uma questão central que navega por toda a trama. Contornando esse tema muitas vezes complexo de captar olhares, a narrativa se lança em um corajoso jogo de complementos, no qual cada detalhe ganha importância em cena. Um exemplo disso é a presença de um porquinho que aparece durante partes da história, cujo simbolismo revela significados para os olhares mais atentos.

Exibido no Festival de Berlim deste ano e com uma sessão emocionante no CineBH, A Natureza das Coisas Invisíveis encontra nas sutilezas do primeiro olhar maduro para a existência seu porto seguro, apresentando uma história repleta de ternura, incertezas, e, acima de tudo, afeto.

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30/09/2025

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Crítica do filme: 'Assalto à Brasileira' [CineBH 2025]


Você sabia que, há quase 40 anos atrás, mais precisamente na cidade de Londrina, ocorreu um dos maiores assaltos a banco da história do Brasil? Jogando luz para alguns curiosos desenrolares desse evento, o novo longa-metragem do experiente cineasta José Eduardo Belmonte, Assalto à Brasileira, recria essa ação com toques certeiros de comédia, sob o ponto de vista de uma peça importante: um jornalista recém-demitido que acabou sendo um elo entre criminosos e a polícia.

Exibido no último dia de programação do CineBH 2025, o filme mergulha nos detalhes que compuseram as intermináveis horas de tensão, mas chega de forma leve para o público pelo foco nas trapalhadas e inexperiências dos personagens envolvidos. Há sempre um risco ao compor sugestões desse tipo: no fim das contas, os ladrões acabam despertando uma torcida – algo que, de fato, ocorreu com boa parte da população na época. Aqui, porém, é completamente justificável esse espírito de ‘Justiça Social’, já que o embate entre sistema e população abalada por instabilidade financeira provocava reações desse tipo, bem retratadas pelo projeto.  

Paulo (Murilo Benício) é um jornalista renomado que atravessa um momento turbulento em sua vida: recém-demitido, vai até a agência do Banco do Estado do Paraná (Banestado) para pegar seus trocados da rescisão. Chegando no local, acaba presenciando um inusitado assalto. Enxergando na situação uma oportunidade de reportagem - e percebendo, aos poucos, que os bandidos são completos amadores -, Paulo acaba sendo peça-chave na comunicação entre polícia e os assaltantes.

O ritmo do filme é fundamental para que os olhos do público não se desgrudem da tela- e aqui isso se mostra um fator de grande importância. Com um início promissor, a ótima trilha sonora, com canções que servem para marcar época aos acontecimentos, ajuda a começar com o pé direito. Há uma busca a todo instante por um equilíbrio na narrativa, que encosta nos exageros, mas sem se tornar redundante – o que poderia deixar maçante o contar essa história.        

Outro ponto importante é a contextualização, apresentada já na introdução do filme e que segue ao longo dos diálogos, uma manobra complementar que ajuda ao entendimento de certos porquês. Imagine o cenário: você compra um pão de manhã por um preço e, na mesma tarde, o valor é outro. Em 1987, ano desse acontecimento retratado na obra, o Brasil passava pelos primeiros passos da redemocratização, mas ainda carregava uma herança dos tempos de ditadura – uma inflação próxima de 400% ao ano –, realidade que deixou muitas pessoas à beira do desespero.

Mas o grande acerto do projeto é ilustrar eventos que muitas vezes parecem surreais com a força da essência cômica. Ótimos artistas - destaque para Christian Malheiros e Murilo Benício – dão vida à personagens que, em pequenas participações ou grande presença em tela, conquistam espaço na trama. Essa leveza acaba convencendo o público, que provavelmente vai interagir bastante com os acontecimentos quando o filme estrear no circuito exibidor.

Vencedor de três prêmios na última edição do Festival de Brasília, Assalto à Brasileira apresenta mais uma página curiosa de nosso Brasil de forma consistente e que vai levar o público ao riso mas sem deixar de sugeri reflexões sociais.

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17/08/2025

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Crítica do filme: '152 AB' [Mostra de Cinema de Fama]


Modelando uma narrativa simples e eficiente sobre as inquietudes urbanas, o curta-metragem 152 AB é um retrato sociológico do cotidiano de muita gente. Por esse gancho, a identificação já fisga rapidamente o público, trazendo paralelos com a realidade. Dirigido pela dupla Daniel Jaber e Jelton Oliveira, esse é um singelo recorte existencial, onde na estrada de desilusões as luzes de esperanças piscam e precisam, de alguma forma, serem aproveitadas.

Dois personagens e suas dificuldades, morando lado a lado, em um lugar onde os sonhos parecem se despedaçar. Ela, com dívidas de aluguel, prestes a ser despejada. Ele, com notícias terríveis e uma saudade de doer o peito. Num rápido encontro, desabafos e espasmos de luz do fim no túnel se mostram presentes.

Um muro dividindo histórias que se complementam. Através dos protagonistas e suas angústias, além os sonhos perdidos – completamente na corda bamba das emoções – a pergunta que logo nos fazemos é: O que fazemos na loucura cotidiana das responsabilidades e dificuldades? Através dos diálogos desses conhecidos de curto tempo, vizinhos que pouco se falavam, as peças de encaixe entre as duas histórias chegam em reflexões profundas sobre a vida.

Através da liberdade criativa e infinidades de possibilidades do cinema, o projeto encontra seu norte com elementos simples. Esse não se arriscar deixa tudo mais ‘pé no chão’, focando em ótimos diálogos e mensagens diretas que modelam o desenvolvimento dos personagens. Mesmo com um excesso de trilha sonora - que acaba escapando da atmosfera de tom sóbrio lapidado por melancolia que conduz a narrativa – 152 AB deixa sua marca, explorando as muitas realidades da grande parcela da população dos centros urbanos.

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Crítica do filme: 'Um Amigo na Noite' [Mostra de Cinema de Fama]


Um transeunte perdido no seu pensamento que vaga pelas ruas em busca de alguma luz para seus problemas. Num primeiro momento, essa definição é a mais certeira quando pensamos no curta-metragem Um Amigo na Noite. Indo de encontro a um problema social bastante comum – as aflições do cotidiano – o projeto mineiro dirigido por Vinicius di Castro busca ir nas raízes de seu discurso com pontos interessantes, e outros nem tanto assim.

Um trabalhador brasileiro - aqui esgotado pela sua rotina num escritório de advocacia – resolve abandonar o comodismo de seu veículo e partir a pé rumo a qualquer lugar que não seja dentro da bolha que virou seus dias. Pelas ruas de uma grande cidade brasileira, vagando pela noite, em certo momento se depara com um cãozinho querendo sua atenção, um fato com consequências, que irá fazê-lo refletir sobre seu papel no mundo.

Uma batida nas teclas – de forma incessante - abre alas de um filme que busca o refletir de um estado de solidão, um paralelo com infelicidade que muitas vezes não se mostra, só se sente. Os tons carregados de amargura se projetam em uma fotografia com ambientes escuros, trazendo o clima para uma tensão. A fuga do concreto e as novas interpretações da observação do cotidiano viram alicerces de uma narrativa que tenta a todo instante alcançar camadas mais profundas através de um homem sem direção, caminhando despretensiosamente rumo ao inesperado.

Quando o projeto sugere e ataca o debate que propõe se mostra interessante, quando tenta definir ou mesmo encontrar sentido para a situação que se encontra o protagonista - pulando as entrelinhas - o filme força situações existenciais. Esse último ponto, grande calcanhar de aquiles da produção, nos coloca de frente com a pretensão de definições sobre estado de espírito, quase um precipício criativo de uma história com paralelos com muitas realidades. 

 


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Crítica do filme: 'Bijupirá' [Mostra de Cinema de Fama]


No primeiro dia de exibições das mostras competitivas da 8ª edição da Mostra de Cinema de Fama nos deparamos com um filme que navega pelo encontro de duas gerações e as formas de enxergar o mundo. Tendo a imensidade do mar e seus mistérios como plano de fundo, o curta-metragem carioca Bijupirá busca ampliar seus horizontes de reflexões ao duelar pelos contrastes das relações que vão da agonia à aflição, da curiosidade ao medo, tendo dois personagens num ping pong de emoções.

Um jovem navega pelas águas com seu companheiro de travessia, um experiente pescador. Ao se jogar em uma intensa curiosidade acerca de uma mutualidade ocorrida na vida de animais marítimos, o jovem acaba se desprendendo do barco - rumando às incertezas e inconsequências. Do outro lado, seu parceiro de jornada entra numa espiral de dúvidas.

No horizonte do oceano, as aflições correntes de duas pessoas de faixa etária diferentes são logo apresentados através de um intenso diálogo que valida o real entendimento sobre relações. Não sabemos qual o elo entre os dois personagens, algo que justifica toda a narrativa alegórica com paralelos que miram a mutualidade. Mesmo com as peças embaralhadas é possível encontrar um norte para compreensões e reflexões.

Muito bem filmado, com ritmo dosado e que prende a atenção, esse projeto dirigido por Eduardo Boccaletti também se apoia em uma fotografia que amplifica elementos que representam a natureza. Esse, que é mais um elo numa corrente que joga suas fichas num desenvolvimento nada evidente dos protagonistas, é um dos pontos altos de uma trama que na sua simplicidade cria caminhos interessantes para intrigantes raciocínios - mesmo dando a impressão que com mais peças a harmonia do discurso chegaria com mais força.

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Crítica do filme: 'Procissão' [Mostra de Cinema de Fama]


Um dos filmes mais interessantes da Mostra de Cinema de Fama 2025, o curta-metragem cearense Procissão, é uma viagem hipnotizante rumo à construção de identidades fazendo refletir através de jornadas atemporais de vidas que se entrelaçam pela fé. Contemplativo, deixando margens pra imaginação e caminhos para suas interpretações, atravessa a criatividade com seu discurso certeiro aplicado a uma narrativa que preza pela sincronia visual impressionante - que causa impacto.

A reunião de elementos, e suas inter-relações, juntamente com traços marcantes de técnicas de animação impecáveis em sua reprodução na tela se agrupam para contar um amplo contexto, dentro de um recorte plural. De marchas de caráter comemorativo, chegamos até formações de cidades, de bolhas que encontram seus pontos em comum. Tudo isso feito com um ritmo dosado que deixa nosso pensar borbulhando de opções para embarcar no que assistimos.  

Com figuras caracterizando personagens – e todos tendo função como um todo - andando em direção a contar uma história sobre devoção e formações sociais que moldam regiões, o projeto nos leva em 16 minutos a pensar sobre a religiosidade com uma lupa social acoplada. Impressiona também como o tempo se torna um trunfo da narrativa, que explora o começo, meio e fim de ciclos, esse último através das memórias.

O artista visual e animador Álisson Pereira Flor é o responsável por esse curta-metragem criativo, nada pretencioso, que se coloca num papel inteligente de observador dos laços criados através da religiosidade popular. A fé, os encontros, as memórias, são colocados num liquidificador sociológico se tornando um filme com ótimos pontos para debate.   

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02/08/2025

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Crítica do filme: 'A Melhor Mãe do Mundo' [Bonito CineSur]


A Melhor Mãe do Mundo
novo longa-metragem de Anna Muylaert é arrebatador! Não há outra forma de começar esse texto! A desconstrução dos laços familiares surge como ponto de partida de uma trajetória que revela os impulsos necessários para, com os pés no chão e uma dose de criatividade, alcançar o início de um novo caminho. Uma verdadeira aula de narrativa, onde cada cantinho em cena ganha potência — seja pela atuação arrebatadora de Shirley Cruz, seja pela delicada gangorra entre dor e amor que atravessa a trama.

Gal (Shirley Cruz) é uma batalhadora. Trabalha como recicladora de lixo. Certo dia, num ato desesperado para fugir dos absurdos cometidos pelo marido (Seu Jorge), foge de casa junto com seus dois filhos. Durante esse período, fortalece seus laços maternos transformando esse momento numa grande aventura para essas duas crianças.

A ilusão palpável da aventura, quando vista por um olhar indefeso, escapa ao contraponto — ela se revela como complemento. Do pesadelo à esperança, o projeto assume um discurso plural, desdobrando camadas profundas e incessantes de reflexão. Aborda com sensibilidade temas como a maternidade, os relacionamentos abusivos e lança uma luz contundente sobre a violência contra a mulher. Somos capturados pela força desse roteiro, atentos a cada detalhe, enquanto ele escancara verdades que reconhecemos no nosso próprio cotidiano.

Cada detalhe em cena ganha intensidade — tudo salta aos olhos, grita, reverbera. A carga emocional toca fundo, entrelaçando compaixão e dor numa mistura capaz de nos desestabilizar. Os paralelos com a realidade surgem como um estalo: imediatos, incômodos, próximos demais. Quantas vezes vimos casos absurdos de violência contra a mulher estampando os noticiários ou vivenciados de perto? Este filme ultrapassa os limites da ficção, nos puxando de volta para reflexões urgentes deste lado da tela.

Selecionado para a Mostra Competitiva Sul-Americana do Bonito CineSur 2025, A Melhor Mãe do Mundo reafirma o talento de Anna Muylaert em um de seus trabalhos mais intensos e emocionantes. É daqueles filmes que tocam fundo, atravessam barreiras e permanecem com a gente. Uma obra necessária, que todos deveriam assistir.

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