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28/04/2024

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Crítica do filme: 'Verissimo'


O Luis Fernando do Verissimo. Partindo 15 dias antes do aniversário de 80 anos de uma das lendas da literatura brasileira, o documentário Verissimo, busca um recorte do dia a dia de um dos maiores cronistas do cotidiano. Com um acertado tom intimista, a narrativa, de alguma forma, simplifica a personificação de um homem pacato que adora criar laços com as palavras através de seu próprio universo. Dirigido por Angelo Defanti, o projeto foi um dos destaques do Festival É Tudo Verdade desse ano.

Ao longo de uma hora e meia de projeção, da simplicidade ao brilhantismo, caminhamos pelas reflexões não expostas, nos momentos de relaxamento, na rotina, algo que cobre e desvenda um pouco de uma personalidade que vê os holofotes como uma consequência de seu brilhante trabalho que segue constante mesmo aos 80.

O estático que não quer dizer parado. Ouvindo músicas do musical Hamilton, leituras de jornais, brincando com os netos, batendo seu pensar criativo nas teclas do seu computador, acompanhamos um introvertido Luis Fernando, não adepto do celular, que já jogou ao mundo os mais variados assuntos e insiste em nunca parar. Ao mesmo tempo, um pouco do seu processo criativo, um contemplar único com ideias reunidas pelo humor peculiar acaba ganhando formas.

A sacada de apresentar um novo olhar em meio a tanto que já foi falado e filmado sobre o escritor é o maior mérito. O emblema do seu clube de futebol do coração, o Internacional de Porto Alegre, fixo na altura da distante na fileira de uma coleção de Fernando Sabino, sua relação carinhosa com seus parentes, as inúmeras idas à eventos, seus momentos de pausa e pensativo, sua dedicação memorável ao ofício que lhe deu projeção internacional. Em sua residência na cidade de Porto Alegre, acompanhamos o Luis Fernando do próprio veríssimo.


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27/04/2024

Crítica do filme: 'Aumenta que é Rock'n'Roll'


Rock and roll e cinema, tudo isso junto e misturado? Vamos falar agora sobre Aumenta que é Rock'n'Roll. Chegou aos cinemas nesse final e abril de 2024 um longa-metragem brasileiro que usa a nostalgia à seu favor para contar uma história que envolve sonhos, amores, política e muito rock and roll. Baseado no livro autobiográfico "A Onda Maldita", de Luiz Antonio Mello, Aumenta que é Rock'n'Roll navega pelas ambições e desejos de uma juventude fervilhando por liberdade e desejos em meio ao processo de restauração da democracia.

Na trama, ambientada no início dos anos 80, conhecemos Luiz Antonio (Johnny Massaro), um jovem jornalista que desde os tempos de colégio, ao lado do amigo Samuca (George Sauma), sonha em trilhar carreira pelas ondas do rádio. Luiz consegue a grande oportunidade da vida ao ser colocado de frente de um novo projeto e assim criar a Fluminense Fm, mais conhecida como ‘A Maldita’, que logo se torna uma das estações mais ouvidas, lançando grandes nomes do rock nacional. Em meio ao caos de tentar manter seu sonho, com desafios atrás de desafios, ele começa a se aproximar de uma das locutoras do lugar, Alice.

Um tempo que não volta mais. Através dos sonhos de um protagonista obstinado, contornamos um contexto borbulhante de um país, uma ligação entre a cultura e as formas de expressão. A rádio é um dos meios de comunicação que mais vem ficando para trás após a chegada da internet, por isso histórias assim, de idealizações de sucesso de outros tempos são importantes para mantermos a preservação da memória ativa. E não pensem que só quem viveu esses tempos mostrados vai se interessar por esse filme, o leque é bem aberto.

Sob o foco de um protagonista, muito bem interpretado por Johnny Massaro, chegamos aos dilemas que vão desde a estrutura de uma oportunidade até sonolentos pontos românticos. Aliás, esse último ponto é encaixado de forma um pouco forçada dentro de uma narrativa que se apoiam no carisma de ótimos personagens. Ao longo de quase duas horas de projeção, mesmo com algumas derrapadas, indo de encontro à clichês, a narrativa busca ser pulsante, embalada por uma trilha sonora com canções conhecidas, se construindo a partir de uma realização pessoal buscando assim alcançar reflexões mais amplas que ligam a política ao espírito de uma geração marcada pela redemocratização. 

Aumenta que é Rock'n'Roll cumpre seu objetivo, com a sacada de ter a nostalgia como base do entretenimento, revive o espírito sonhador que está em todos nós. Não deixem de conferir, em cartaz nos cinemas! Viva o cinema brasileiro!

 

 

 

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16/04/2024

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Crítica do filme: 'Hoje é o Primeiro Dia do resto da sua vida'


Um filme sobre pais e filhos sempre traz reflexões e emoções para todos nós que acreditamos em dias melhores para toda uma nova geração. Selecionado para o Festival ‘É Tudo Verdade’ 2024, o documentário paulista Hoje é o Primeiro Dia do resto da sua vida nos leva ao encontro com uma família que está crescendo, com uma adoção aguardada e as iminentes mudanças em torno de suas vidas. Filmado na própria casa de um casal com o lado profissional ligado ao audiovisual, momentos se tornam eternos nesse registro pulsante que coloca a maternidade e paternidade lado a lado.

Mostrando a parte final do processo de adoção de Gael, de apenas 4 meses pelos seus novos pais, os cineastas Bel Bechara e Sandro Serpa, em meio aos tempos complexos de pandemia, de forma leve, verdadeira e emocionante conhecemos as conflitantes emoções que se jogam no caminho, além de descobertas que valerão para toda uma vida. As inseguranças de pais de primeira viagem, as reviravoltas no cotidiano do casal, as novas maneiras de enxergar o mundo, o medo do futuro, se juntam ao abstrato das emoções aqui se ligando a uma ternura que emociona.

Recortes de momentos que outros pais de primeira viagem já tiveram, aproximam essa história com a de tantas outras. É muito fácil se emocionar quando a verdade está presente em cada cena, em cada preocupação. Um mundo que era de dois, agora é de três e o alicerce desse projeto é exatamente mostrar essas mudanças cotidianas que vão desde a arrumação da casa até as primeiras experiências com tudo que uma nova vida precisa. O caos político de uma eleição próxima a vir (o projeto foi filmado em 2021) abre incertezas, medos, caso não haja mudanças.

Hoje é o Primeiro Dia do resto da sua vida é um singelo recorte de uma nova família, uma nova estrutura que é voltada ao amor. Tomara que esse filme chegue até o circuito exibidor. Merece.

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Crítica do filme: 'Luiz Melodia – No Coração do Brasil'


Um observador do próprio cotidiano sem deixar de ampliar os olhares para o coletivo. Escolhido como filme de encerramento do 'Festival É Tudo Verdade' 2024, Luiz Melodia - No Coração do Brasil nos leva para um tour objetivo sobre a carreira gloriosa, com altos e baixos, de um dos maiores artistas que o Brasil já viu. Chegando até o sucesso e o inusitado de ir ao seu desencontro, ao longo de 85 minutos de projeção, pelas ruas da alegria e com o violão debaixo do braço, acompanhamos um meteoro de carisma e genialidade que saiu do morro e conquistou plateias de todo o país.

Com o auxílio do próprio protagonista contando sua história através de imagens e vídeos, o documentário passa pelo toque de sonhar sozinho que levou o grande melodia a uma direção de sucesso atrás de sucesso. Sem fronteiras quanto ao gosto musical, seus embates com o próprio mercado fonográfico, a primeira canetada de sucesso, as parcerias musicais, são algumas das passagens desse belo trabalho assinado por Alessandra Dorgan.

Passando rapidamente por seus primeiros passos na música, sua relação carinhosa e muito próxima com o lugar onde foi criado, o Morro Do Estácio, a chegada ao mundo da fama, num primeiro momento logo reconhecido como talentoso compositor, depois seu desabrochar como um intérprete de apresentações únicas, vemos ao longo de 85 minutos a caminhada até seu brilhantismo que conquistou a atenção de Gal Costa e outras lendas da Música Brasileira.

Com o rico auxílio de imagens de outrora, passeando no estácio, um lugar que sempre lhe quis, ou num momento pelos palcos da vida, Luiz Melodia - No Coração do Brasil costura, num recorte interessante sobre sua carreira, o homem e o artista de forma empolgante. Melodia pode ter ido por aí mas jamais saiu daqui...dos nossos corações.

 

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08/04/2024

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Crítica do filme: 'Brizola'


A Inquietude na busca por um tempo bem melhor para se viver. Selecionado para o Festival É Tudo Verdade 2024, o documentário Brizola busca através de fatos e depoimentos traçar um recorte profundo da trajetória de vida de um político dono de uma personalidade forte, combativa, marcante, que ao longo dos anos foi se tornando um eterno inconformista com a situação do povo brasileiro. Em cerca de uma hora e meia de duração, o cineasta Marcos Abujamra faz uma ampla cobertura de períodos importantes da política brasileira deixando margens para reflexões para toda uma nova geração.

A narrativa traça seus horizontes no antes, a pausa e o depois. Filho de camponeses do interior do sul do país, criado pela mãe viúva, Leonel Brizola conseguiu alcançar os estudos na década de 40, se formando engenheiro e logo depois já entrando de cabeça na vida política. Dono da marca de ‘exílio mais longo de todos os políticos brasileiros’, mais de 5.000 dias fora do território brasileiro durante os tempos de Ditadura, o criador do PDT tem sua carreira política dividida em duas etapas. Ao longo do anos foi deputado, prefeito, governador (de dois estados), tentou algumas vezes ser o presidente do Brasil. Temido por possíveis competidores em meio ao sempre conturbado cenário político de nosso país.

Numa época, não muito distante, onde alterar o sistema de poder era tratado como um ato comunista, o desencanto dos dias de revolucionário chega quando o personagem central do documentário desembarca no Uruguai (fugindo do Brasil após o golpe de 1964), com a força das desilusões e afastamento com lideranças políticas, inclusive com membros de Cuba dos quais era muito ligado. Tempos depois, a chegada à Nova Iorque (depois Lisboa), sob o aval do até então presidente americano Jimmy Carter, logo após praticamente ser expulso do território uruguaio, acende novamente o desejo de se reunir com lideranças políticas brasileiras e planejar um possível retorno.

Ligado a causa trabalhista e principalmente a educação, Brizola não deixava de expor suas opiniões, além de ações que contrariava interesses. Com isso teve rusga com o famoso presidente norte-americano John F. Kennedy, calorosos embates com jornalistas, sempre tendo como marca uma inquietude para realizar aquilo que colocava na cabeça. O documentário tem um mérito importante: através de fotografias, entrevistas, depoimentos, molda a narrativa de forma a ser um grande aulão sobre a história brasileira.

Já numa segunda parte de sua carreira política, o conturbado cenário de uma de suas eleições para governador no Rio de Janeiro ganha os holofotes em um importante momento do doc. Aqui as influências da imprensa internacional serviria como ferramenta de proteção ao caos do sistema eleitoral à beira de fraudulentas ações. Criação da Passarela do Samba, o popular sambódromo, e a criação dos CIEPS são feitos notórios de seu governo. Esse último ponto, tendo como objetivo a educação como um braço da cultura, algo que seus opositores insistiam em destruir com a elite e suas ideologias indo para um confronto que envolvia até mesmo o quarto poder.

A esquerda e sua eterna divisão (algo parecido com o que vimos recentemente) que acabou deixando a direita elitista assumir com folgas o poder das primeiras eleições democráticas após a ditadura, personificada aqui na figura do ex-presidente Fernando Collor de Mello, marcaria a proximidade do fim de seu sonho de ser presidente do país. Depois novamente governador do RJ, o documentário não deixa de citar sua proximidade com Collor, seu antigo rival de urna, algo que marcaria o início da sua queda como força política.

Figura marcante na política brasileira, Brizola sempre será um nome lembrado. Suas ideias, suas desavenças, ganham olhares e reflexões nesse projeto que consegue resumidamente, mas sem deixar de mostrar importantes detalhes, apresentar um pouquinho do que foi nosso país e muitas verdades que vemos no Brasil de hoje.  

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03/04/2024

Crítica do filme: 'Uma Família Feliz'


O obscuro no mundo das aparências. Chega aos cinemas brasileiros nesse início de abril um suspense brasileiro que consegue estabelecer suas bases em um clima de tensão constante onde é construída a chegada até um esgotamento, os caminhos da paranoia, a quebra de confiança, um castelo de cartas que vai desmoronando rumo ao imprevisível. Dirigido por José Eduardo Belmonte, Uma Família Feliz coloca para reflexões o mundo das aparências, as verdades imprecisas, o linchamento público, a maldade, novos olhares para uma família taxada por todos como perfeita. No papel principal, Grazi Massafera, muito competente, que consegue encontrar um interessante caminho na construção dessa difícil personagem.

Na trama, conhecemos Eva (Grazi Massafera), uma artesã de bonecos de bebês à espera do terceiro filho, o primeiro menino, que vive seus dias felizes ao lado do marido, o advogado Vicente (Reynaldo Gianecchini), e das duas filhas gêmeas em um condomínio de alto padrão numa grande cidade brasileira. Certo dia, já após o nascimento do novo filho, e em meio a uma depressão pós-parto evidente, suas filhas aparecem machucadas e Eva acaba sendo acusada de ter cometido tal ato. Assim, sua vida muda completamente, desencadeando uma série de conflitos que rebatem em acontecimentos estranhos e duvidosos.

Como combater a maldade? A loucura é uma variável aqui invisível mas que permeia todo o caminho de muitos dos personagens. A quebra da confiança é o primeiro estágio que logo vira uma paranoia caminhando para uma angústia desenfreada onde a inconsequência logo toma conta da razão. A narrativa se constrói ao redor de toda essa tensão e um dos méritos é conseguir manter-se constante. Todo visto em cena: desde as cores, objetos, cenários, o figurino, conseguem ser elementos de impacto, que querem dizer alguma coisa, e se juntam para essa manutenção da tensão.

Há também uma grande lupa no sentido de família colocado para reflexões. Um casamento desmoronando aos poucos, a depressão pós-parto, a falta de entendimento nas lacunas não preenchidas, a imaturidade em lidar com situações conflituosas. Dentro de quatro paredes, a porta é aberta e o espectador percebe, não só nos detalhes, a desconstrução de uma família perfeita.

Cheio de referências a algumas famosas obras cinematográficas conhecida dos cinéfilos, desde Precisamos falar sobre Kevin de Lynne Ramsay até A Caça de Thomas Vinterberg, o longa-metragem encosta bastante na essência de Anjo Malvado de Joseph Ruben. Uma questão interessante é que o roteiro escrito por Raphael Montes, logo após (e somente após) virou um livro onde o universo visto na obra cinematográfica acaba se expandindo. Pode ser uma interessante ação complementar para o espectador.

É tão bom ver o cinema brasileiro explorando o universo do suspense, um gênero tão amado por muitos cinéfilos. O drible no chocar, talvez uma sensação guardada para o estrondo do seu desfecho, fortalece o terror psicológico em uma obra que caminha pelas aflições sem deixar as reflexões em segundo plano.



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19/03/2024

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Crítica do filme: 'Morte Vida e Sorte'


Para toda ação uma consequência. Com um roteiro que consegue se manter firme no seu discurso remetendo ao sonhar pela arte, o longa-metragem independente brasileiro Morte Vida e Sorte aborda as desilusões da vida adulta e os perrengues para não desistir dos sonhos na visão de amigas que mergulham juntas no abismo das incertezas. Dirigido por Alexandre Setembro, o projeto flerta com a metalinguagem, com a fantasia que se mostra real, numa série de profundas reflexões sobre a vida tendo como palco o coração de São Paulo.

Na trama, conhecemos três amigas que moram juntas na mais badalada cidade brasileira buscando recursos para montar uma peça de teatro. Soterradas pelas cobranças da vida adulta mas sem desistir dos sonhos acabam chegando ao limite e resolvem realizar assaltos pra conseguir dinheiro. Esse fato, de virarem criminosas, mexerá para sempre nas suas trajetórias com a consciência sobre os atos cometidos aos poucos chegando com força.

O que fazer quando não se pode mudar o mundo? O projeto embarca em camadas interessantes na construção de suas personagens. A busca pelo sonho é uma variável constante, nesse ponto o confronto com as dificuldades de uma profissão, com as incertas audições, os editais que nunca saem, desaguam até mesmo em constantes confrontos criativos. Num segundo momento, com os conflitos mundanos se acumulando, a razoabilidade é jogada fora. Todo esse processo é muito bem conduzido pela direção.

A narrativa busca por meio de intensos diálogos situar a chegada até os limites, passando pelas  ações e consequências quando ultrapassam o importante semáforo de valores do que é certo ou errado. A estética toda em Preto e Branco faz parte dessa construção, algo que pode gerar uma série de interpretações mas o vazio existencial é algo que a princípio chega com impacto.

Morte Vida e Sorte é um interessante exercício da linguagem cinematográfica, a partir de um roteiro que busca bater na tecla das desilusões sem se projetar para algo muito longe de muitas realidades.


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16/03/2024

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Crítica do filme: 'Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor'


A genialidade declamando a sofrência. Trazendo para o centro do palco histórias marcantes da história de um dos mais brilhantes músicos do Brasil, o documentário Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor nos mostra entrevistas realizadas com o letrista de histórias de amor no final da década de 60 até o início dos anos 70, além de depoimentos de amigos, parentes e consagrados nomes da música brasileira. Um equilibrado quebra-cabeça que mistura relatos de sua vida pessoal, suas inspirações e a trajetória de sucesso.

Primeiro longa-metragem da carreira do cineasta Alfredo Manevy, o projeto bate na tecla da rica contribuição musical de Lupi (apelido carinhoso por qual era chamado pelos amigos), suas lutas, seus amores, além de toda a história de uma época, na fase final da sua vida já em período da ditadura.

Gaúcho, da região de ilhota, um bairro conhecido pelas enchentes em Porto Alegre, Lupicínio Rodrigues começou fazendo música no quartel antes da maioridade. As dores de cotovelo que viveu foram para o papel somado a uma narrativa trágica que expõe as dores de amores como protagonista. Obras marcantes marcaram sua carreira de várias décadas com uma volta por cima quando perde espaço no mercado fonográfico com as famosas vozes da era do rádio ficando para trás e a chegada da Jovem Guarda.

O cantor que influenciou gerações, tendo canções imortalizadas em grandes vozes do Brasil, com suas inesquecíveis declamações da sofrência e do samba-canção tem seu nome marcado também no esporte brasileiro, com a composição de um dos hinos de clubes de futebol mais bonitos, o do Grêmio de Porto Alegre, feito no início da década de 50.

Um grande defensor pelos direitos autorias, sofreu com a falta de crédito em diversas músicas fora do Brasil. Inclusive, um fato curioso ligado ao Oscar não é esquecido pelo documentário. Na trilha sonora do filme Dançarina Loura, indicada ao Oscar em meados da década de 40, tem uma música de Lupicínio que até hoje o crédito a ele não foi dado pela academia.

Exibido em alguns festivais brasileiros, Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor não deixa de ser um abre alas para quem nunca ouviu falar desse grande músico, um homem que viveu e cantou as dores de cotovelo com uma genialidade notável.

 

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08/03/2024

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Crítica do filme: 'Morcego Negro'


Será só um o vilão dessa história? Exibido no Festival é Tudo Verdade do ano passado, o espetacular documentário Morcego Negro nos leva de volta para o final da década de 80 e início dos anos 90, um período de recomeço da democracia, onde um lobista de Alagoas se tornaria uma figura central no impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Com 10 anos de pesquisas sobre a vida de PC Farias, materiais de arquivos (alguns exclusivos), depoimentos de jornalistas, amigos, família, os cineastas Chaim Litewski e Cleisson Vidal resumem de forma intrigante o cenário político dentro da recém-restaurada democracia brasileira além de fatos sobre o misterioso assassinato do lobista.

1989, primeiras eleições com voto popular após mais de duas décadas. Em Alagoas, surge um forte nome para a presidência do Brasil, Fernando Collor de Mello. Com a ajuda da elite empresarial brasileira, preocupadas com a possibilidade do outro candidato (Lula) vencer as eleições apostam suas fichas em Collor. Ao lado dele, seu braço direito, o tesoureiro da campanha para presidência, PC Farias, um homem de negócios, até então desconhecido, que se tornou o cérebro de um amplo esquema de corrupção. Nesse resumo, estão inseridas informações que nos ajudam ao longo da cronologia dos fatos.

Amante da aviação, inclusive seu avião mais famoso, o Morcego Negro, dá nome ao documentário, Paulo César Farias tem importante recortes de sua vida contada ao longo de duas horas de projeção. Sua ascensão como homem poderoso ligado ao presidente, sua vida pessoal ao lado da esposa e filhas, seu relacionamento posterior, suas fugas espetaculares, o circo midiático que se tornou sua vida, negociações mal explicadas, se misturam com os andares do conturbado cenário político brasileiro. Uma cronologia impecável, com riqueza de detalhes, contextualizada, indo a fundo sobre muitas questões.

Sobre a mais misteriosa situação que envolve PC Farias, seu assassinato, o documentário apresenta os fatos, opiniões de legistas deixando para o espectador uma série de reflexões. Foi queima de arquivo? A mulher com quem estava o matou? O que aconteceu de fato naquele dia e lugar?

Baseado em partes no livro Morcegos Negros de Lucas Figueiredo, esse documentário investigativo mostra a chegada ao poder e a queda de um figura que marcou a história da política brasileira. Um filme importante para conhecer mais sobre nosso país. Dia 21 de março chega aos cinemas. Imperdível.

 

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17/12/2023

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Crítica do filme: 'Propriedade'


O choque guiado pelo não diálogo. Exibido em diversos festivais no Brasil e no mundo, um dos mais impactantes filmes brasileiros dos últimos tempos finalmente chega ao circuito exibidor trazendo no colo uma história forte, aterrorizante, onde os conflitos de classes se mostram evidentes entre dois mundos que entram em um confronto inconsequente. Escrito e dirigido por Daniel Bandera, Propriedade traça paralelos importantes com a sociedade de hoje, principalmente nos distanciamentos aos diálogos construtivos e a falta de compreensão para que se resolvam diferenças.


Na trama, conhecemos Tereza, uma mulher de família rica (Malu Galli) que no passado fora vítima de um assalto que acabou na morte do assaltante, fato que a deixou traumatizada. O tempo passa e junto ao seu marido resolvem fazer uma viagem para a fazenda da família no interior. Só que chegando no lugar, os trabalhadores que prestam serviços lá, liderados por Dona Antônia (Zuleika Ferreira), se revoltam por uma série de situações e tomam o lugar. Tereza consegue se trancar no seu carro mas sem ter a chance de fugir. Assim, começa um jogo psicológico onde a não comunicação se torna um elemento importante para refletirmos sobre o que assistimos até o último segundo de projeção.


Como se colocar no lugar do outro? Rodado antes da pandemia, no segundo semestre de 2018, em São José da Cora Grande, cidade de pouco mais de 20.000 habitantes, situada no litoral sul de Pernambuco, o longa-metragem, de passagens marcantes em inúmeros festivais de cinema, embarca em uma narrativa repleta de tensão onde o chocar se torna uma ferramenta importante para o refletir. Os conflitos emocionais logo viram combustível de sobrevivência, aqui sob duas óticas, onde chegamos em interrogações, as principais: afinal, tem alguém certo nessa história? Tem heróis e vilões? As respostas podem ser bem diversas para essas questões.


A habilidade de Bandera ao conduzir essa história é vista nos detalhes, na força do discurso fortemente encravado nas linhas do roteiro pelo duelo das antagonistas. Tereza e Dona Antônia, brilhantemente interpretadas por Malu Galli e Zuleika Ferreira, respectivamente, nos guiam de forma angustiante para os abismos no diálogo de posições sociais distintas que parecem nunca se entenderem. De um forte drama somos surpreendidos para uma grande virada, um abre alas onde chega o terror, um lugar em que a aflição toma conta da nossa atenção.

 


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Crítica do filme: 'Tia Virgínia'


A solidão e o despertar. Uma reunião familiar para o natal vira o palco para relações deterioradas pelo tempo, por atitudes repetitivas aos olhos de uma protagonista amargurada,  muitas vezes com o olhar perdido, como se não pudesse controlar o tempo que se passou. Vencedor de cinco Kikitos e uma menção honrosa no Festival de Gramado, o longa-metragem Tia Virgínia, escrito e dirigido por Fabio Meira joga pra escanteio a melancolia de escolhas no passado para trilhar a estrada do se reinventar.


Na trama conhecemos Virginia (Vera Holtz), uma mulher solteira, que nunca teve filhos ou se casou, que cuida da sua mãe de quase 100 anos em uma casa confortável. Ela está prestes a receber a visita das duas irmãs, o esposo de uma delas e alguns de seus sobrinhos para comemorarem juntos aquele que pode ser o último natal da mãe já bem debilitada. Ao longo de memórias da família, situações que beiram ao constrangimento, Virgínia passa esse dia prestes a perceber que é a hora de realizar tudo aquilo que sempre sonhou, entrando em conflito com quem quer que seja.


A narrativa nos joga para dentro de desabafos, desilusões, escolhas de integrantes de uma família com um jogo de olhares fixados em Virginia, a única solteira e a escolhida pra cuidar da mãe. Igual a muitos lares, parece a vida real! Em 24 horas ali presa naquele lugar e com os mesmos confrontos que chegam de quem tá do lado de fora, uma série de acontecimentos, como se fosse um vulcão em erupção, a faz ver o filme de sua vida tomando de loucuras o caminho que ainda falta. Mas será loucura mesmo desabrochar, tomar coragem e ser feliz?


A câmera posicionada de forma fixa em muitos momentos transformam nossos olhares em um personagem que acompanha tudo como se estivéssemos com o buraco da fechadura em aberto. As reflexões da terceira idade ganham moldes, o eventual rancor se mostra de forma madura acoplando num despertar para a vida que sempre quis, isso tudo sob o plano de fundo impactada pela belíssima trilha sonora assinada por Cesar Camargo Mariano.


Tia Virgínia é um atemporal peça de teatro sobre a vida, aqui numa versão cinematográfica. As cores ganham força, a melancolia é apenas detalhada como transição, o futuro pertence somente aqueles que conseguem se desprender daqueles olhares com tom de repreender, ah, e o aprender não tem idade... o viver então...



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14/12/2023

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Crítica do filme: 'O Sequestro do Voo 375'


Os momentos de tensão e as saídas em meio a uma crise inesperada. Dirigido pelo cineasta Marcus Baldini e baseado em fatos reais, O Sequestro do Voo 375 aponta sua direção para altas cargas de tensão, com cenas muito bem feitas e recortes de conflitos que se estendem ao longo de caóticas horas de medo que passageiros e tripulação de um voo comercial no Brasil vivenciaram no final da década de 80. Reunindo detalhes poucas vezes antes vistos, como uma manobra arriscada não reconhecida por alguns, a recriação do Boeing onde aconteceu a situação e artistas inspirados, a narrativa se volta no seu recorte sob o olhar do piloto não dando muitas margens para que outros conflitos possam se desenvolver.


Na trama, ambientada no final da década de 80 conhecemos um homem chamado Nonato (Jorge Paz), uma pessoa completamente descontrolada e insatisfeita com os rumos de sua vida que resolve planejar o sequestro de um voo comercial buscando mudar a rota do mesmo para a capital do Brasil e atingir o palácio do planalto. Cabe ao piloto Murilo (Danilo Grangheia), responsável máximo pelo voo, conseguir encontrar alguma saída para essa situação extrema.


A importância de conhecer o contexto político da época para entendermos os motivos do ato criminoso. Com o Brasil em crise, às vésperas de novas eleições presidenciais em um governo (do Sarney) com um pífio crescimento econômico e uma inflação altíssima jogando bem pra cima o preço dos produtos finais, a vida de milhares de trabalhadores foram afetadas. Dentro desse raio caótico de problemas no nosso país vão de encontro aos motivos de Nonato em realizar o sequestro. Esses porquês do sequestrador são colocados na narrativa de forma bem superficiais.   


Outro ponto que passa correndo são os absurdos das falhas de segurança que são vistos de forma implícita dentro de obviedades inacreditáveis como uma arma ir parar dentro de um avião comercial! As medidas de seguranças para voos, com todo certeza passaram por rigorosas modificações após esse incidente.


O clímax gira em torno dos conflitos que acontecem na cabine. Algo que se encaixa dentro de um dos objetivos, cumpridos com louvor, que era o de não perder a atenção em uma história onde já se sabia o final.  É até compreensivo um roteiro com total foco em um personagem, já que toda a força dramática está nas ações desse protagonista muito bem representado pelo ator Danilo Grangheia. A alta carga de tensão é mantida durante toda a projeção, a ótima produção técnica praticamente nos transporta para dentro daquela aeronave que marcaria para sempre a história da aviação brasileira.


O Sequestro do Voo 375 é um filme para ser visto no cinema, de preferência, em casa poderá não ser tão impactante. A produção, uma das mais caras dos últimos anos, estreou nos cinemas em dezembro de 2023 e logo deve estar disponível no catálogo da Star Plus.



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02/12/2023

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Crítica do filme: 'Quando eu me Encontrar'


Sobre as curvas que se cruzam em plena contramão. Exibido no segundo dia de exibições na Mostra de Cinema de Gostoso 2023, o longa-metragem cearense Quando eu me Encontrar consegue por meio de uma narrativa eficiente explorar com eficácia as riquezas das interseções de seu principal conflito, esbarrando em laços abruptamente desfeitos, chegando aos poucos em questões existenciais acopladas a uma pergunta que segue constante: Qual o sentido no se jogar na vida? Dirigido por Amanda Pontes e Michelline Helena, Quando eu me Encontrar é aquele filme que vai te conquistando aos poucos e quando termina queremos saber mais.


Na trama, somos apresentados a uma curiosa história de uma jovem chamada Dayane que do dia pra noite resolve partir da vida que levava, abandonando mãe, irmã e o namorado de longa data. E exatamente esses três personagens e seus entendimentos sobre essa situação é quem viram os protagonistas. Assim, conhecemos Marluce, a mãe de Dayane, uma mãe esforçada, com dois empregos que está lutando contra a surpresa do abandono da filha. Mariana, é a irmã mais nova da jovem que sumiu, uma adolescente que passa a enfrentar algumas questões no colégio, no qual é bolsista. E por fim, Antonio, o apaixonado ex-namorado de Dayane que segue ladeira abaixo sem entender direito porque foi abandonado.


O abandono de tudo e todos refletindo sobre outras histórias. A simplicidade é o melhor remédio para contar as verdades que estão lá fora. Essa é uma verdade absoluta e que vira uma marca dessa produção que surpreende o público apresentando um alguém que nunca aparece mas insiste em estar presente na vida de três pessoas que estão passando por momentos de turbulências em suas vidas. Ambientada em uma Fortaleza da atualidade, o longa-metragem também abre brechas para abordar o cotidiano, aproximando mais ainda seus refletires aos espectadores.


Qual o sentido no se jogar na vida? Tem paralelos com quem consegue driblar os medos? Somos testemunhas de uma curiosa e instigante investigação sobre uma crise existencial, dentro do contexto desse marcante abandono, acaba fazendo surgir novos caminhos na vida de pessoas que olhavam apenas em uma direção. A casa vazia, os conflitos maternais, a narrativa caminha por estradas de completas redescobertas nos levando para um desfecho de reflexões.


O filme é produzido pela Marrevolto Filmes, um grupo nascido na cidade de Fortaleza cerca de sete anos atrás formado por profissionais do audiovisual brasileiro que já estão nessa indústria faz mais de uma década. A data de estreia nos cinemas deve ser para 2024.



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01/12/2023

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Critica do filme: 'Nada Será como Antes – A Música do Clube da Esquina'


Que notícia que nos dão de vocês? Buscando trazer novos olhares para um famoso movimento de talentosos músicos mineiros na década de 60, o Clube da Esquina, o documentário dirigido pela cineasta Ana Rieper, Nada Será como Antes – A Música do Clube da Esquina, navega com leveza e poesia pela história de algumas criações de sucessos em canções oriundas de uma observação detalhada do que viviam, também dos amores. As referências musicais e os paralelos entre o movimento estudantil e o cinema como pontos importantes para a criação do grupo são amplamente debatidos sob diversos olhares. Ganchos para um recorte mais amplo de uma época de constante mudanças no Brasil são vistos mas a narrativa estaciona na superfície.


A primeira parte do documentário é contagiante, seguimos numa estrada deliciosa que nos mostra curiosidades da amizade ao brilhantismo. No bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte, futuros compositores e letristas de sucessos se reuniam, cada um com suas referências musicais, alguns adoravam Jazz, outros Beatles. Essa diversidade de influências é muito bem captada pelas lentes da diretora que por meio de imagens de arquivos e depoimentos de quem viveu todo aquele início de história leva o espectador a ficar hipnotizado durante a reflexão de como a simplicidade e a genialidade encontram paralelos constantes.


Todo dia é dia de viver. Na sua segunda metade, sem se desprender de mérito algum, o filme perde fôlego, tentando entrar em um recorte mais amplo de uma época com muita coisa a se dizer, caminha lentamente para um lugar perto do comum, como muitas outras produções. Exibido no Festival do Rio, na Mostra de São Paulo e filme de abertura da décima oitava edição do Fest Aruanda Nada Será como Antes – A Música do Clube da Esquina pode ser visto como um registro marcante para quem viveu o Brasil desde aqueles tempos além de plantar uma semente para o olhar atento de uma nova geração.


Naquela calçada, fugindo de outro lugar, talvez num domingo qualquer, a história foi escrita. Milton Nascimento, Lô Borges, Marcio Borges, Toninho Horta, Wagner Tiso, Beto Guedes e outros integrantes brindaram a todos nós com o flerte ao inesquecível, uma poderosa ferramenta de amor pela cultura como um todo de um timaço da nossa música que provaram a cada verso que os sonhos não envelhecem.

 


 

 

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23/10/2023

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Crítica do filme: 'Levante'


Os conflitos que mudam os caminhos. Abordando um dos temas mais polêmicos do planeta, o aborto, o novo trabalho da cineasta Lillah Halla nos joga para um olhar para a adolescência onde a chegada da maturidade, os embates com os conflitos que se seguem, e a força da amizade batem à porta a todo instante. Exibido no Festival de Cannes em 2023, inclusive vencendo um prêmio, Levante é um filme forte, profundo, que estaciona no seu principal conflito explorando os muitos olhares sobre uma questão muito sensível que no Brasil ainda é um enorme tabu.


Na trama, conhecemos Sofia (Domênica Dias), uma adolescente super alegre, entrosada com as amigas de longa data, craque do time de vôlei de seu bairro que após se destacar nas quadras recebe uma possível proposta irrecusável, sendo forte concorrente à uma bolsa de estudos para jogar seu esporte favorito em outro país sul-americano. Acontece que no mesmo período dessa grande notícia, uma outra abala suas estruturas emocionais, ela está grávida. Desesperada e querendo interromper a gravidez, ela busca forças nas amigas e no seu pai (Rômulo Braga) mas sem deixar de sentir a fúria de um grupo de pessoas que fica sabendo da tentativa de aborto e que começa a discriminá-la.


Mesmo estacionado no seu principal conflito, o que podemos entender como um clímax constante, o roteiro escrito por María Elena Morán (e pela própria Lillah Halla) ganha muito méritos ao conseguir prolongar esse momento, fato que nos leva a refletir cada vez mais sobre a discussão proposta.


Há muitos pontos de reflexões que se seguem pela dinâmica narrativa. Partindo de um choque entre a realidade e a oportunidade, a jornada de Sofia apresenta várias variáveis ligadas ao emocional, no início numa bolha em forma de isolamento buscando entender as variáveis que se apresentam no seu presente, depois na luta pelos seus direitos em ser ouvida. O aborto no Brasil vem sendo debatido mais a partir do final da década de 80, com a constituição federal brasileira juntamente com a luta das mulheres para serem ouvidas. A saga da personagem de alguma forma representa outros tantos casos espalhados pelo nosso país.


Ainda sem previsão de estreia no circuito de exibição brasileiro, Levante estende sua bandeira sem deixar de mostrar visões, verdades, dúvidas, opiniões de todos os lados.



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21/10/2023

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Crítica do filme: 'Mussum, o Filmis'


A arte de fazer emocionar pelo riso. Um dos longas-metragens brasileiros mais aguardados de 2023, Mussum, o Filmis nos mostra grande parte da trajetória de um ícone do humor, uma personalidade de nossa cultura que brilhou intensamente nos palcos, na televisão e no cinema. Ao longo de quase duas horas de projeção, o projeto apresenta fatos conhecidos e alguns nem tão conhecidos de sua vida pessoal que marcaram para sempre sua trajetória.  Primeiro longa-metragem como diretor da carreira do excelente ator Silvio Guindane, Mussum, o Filmis se consolida como uma das mais brilhantes cinebiografias já realizadas no nosso país.


Na trama, conhecemos partes da trajetória de vida de Antônio Carlos Bernardes Gomes, apelidado de Mussum, desde os tempos da infância pobre, passando pela esperança de estabilidade no serviço militar, seu amor pelo samba e pela Mangueira que o levou a ser integrante de um grupo chamado Os Originais do Samba, e sem esquecer do momento onde brilhou, quando se viu humorista por acaso, primeiro na saudosa Escolinha do Professor Raimundo e chegando até o ápice quando fora chamado por Renato Aragão para ser um dos integrantes de um dos programas televisivos mais vistos da história, os Trapalhões. Seus dramas na vida pessoal também contornam o brilhante roteiro assinado por Paulo Cursino.


Uma história muito bem contada. Partindo da infância humilde, seus fortes laços com a mãe, o longa-metragem nos traça um raio-x completo da vida pessoal e profissional de Mussum. Os conflitos ao longo de sua trajetória giraram em torno das escolhas que tomou a partir do seu gosto pela música. Quando abandona o serviço militar para cair na estrada com o grupo Os Originais do Samba, na vida pessoal seu casamento afunda em desilusões além de trocar a estabilidade pela incerteza. Com uma riqueza de detalhes encaixado em um dinamismo contagiante, o filme prepara o terreno para seu clímax, quando Mussum chega ao universo da comédia, quase sem querer em uma cena com o maravilhoso Grande Othelo. Aqui, seu leque de opções se chocam, pois encontrou seu brilhantismo onde menos esperava, tendo que abrir mão de seu grande sonho de seguir na carreira musical.


Grande vencedor do Festival de Gramado desse ano, com seis kikitos, Mussum, o Filmis navega por uma narrativa que empolga o público em muitos momentos, dosando fortes dramas existenciais com cenas que marcaram gerações e gerações de fãs. É preciso elogiar também a atuação de Aílton Graça, que interpreta o protagonista já na fase adulta. Impressiona em muitos momentos.


Com lançamento previsto para o início de novembro, Mussum, o Filmis deve ser uma das grandes bilheterias do cinema brasileiro em 2023. E merecidamente. Você chora e ri através da trajetória de um homem que marcou pra sempre seu nome na história cultural brasileira.

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Crítica do filme: 'A Festa de Léo'


Conflitos que amadurecem. Exibido no Festival do Rio 2023, o longa-metragem carioca A Festa de Léo nos mostra um dia na vida de mãe e filho, moradores de uma famosa favela carioca, que precisam lidar com situações que fortalecerão o elo que possuem. Primeiro projeto longa-metragem do Grupo Nós do Morro para os cinemas, o filme transforma um lugar em personagem com uma série de reflexões sociais, onde as desilusões se convergem com os sonhos quando a realidade bate na porta mas sem se distanciar da esperança. O projeto é dirigido por Luciana Bezerra e Gustavo Melo.


Na trama, conhecemos Rita (Cintia Rosa), uma mulher batalhadora que luta diariamente para conseguir seguir em busca de dias melhores ao lado do filho Léo (Nego Ney), no Morro do Vidigal, Rio de Janeiro. No dia do aniversário de 12 anos do filho, Cintia passará por uma série de situações com enormes desgastes muitas dessas ligadas ao pai de Léo, Dudu (Jonathan Haagensen), um malandro com dívidas que rouba o dinheiro contado para a festa. Assim, ao longo de 24 horas, vamos conhecendo muitos conflitos e outros personagens que ajudam a contar essa história.


Como amadurecer em meio a conflitos que chegam em nosso destino? Algumas variáveis da vida não são possíveis serem controladas, sendo assim, como vencer em dias de fortes conflitos emocionais? A narrativa se coloca em duas estradas, a visão da mãe e a do filho. Na primeira, enxergamos uma visão geral da luta diária em manter o sustento do seu lar, as dificuldades financeiras, os fortes laços com os vizinhos, o cotidiano no Vidigal e situações que refletem à realidade. A visão de Léo sobre tudo que ocorre também é muito bem detalhada, percebemos os sonhos se chocando com a realidade quando a situação do pai é exposta aos seus olhos. Ambos embarcam em conflitos que geram dor mas que amadurecem. O roteiro é cirúrgico, a direção é certeira, conseguindo transmitir todas as emoções em uma narrativa que nos leva para o refletir constantemente.


Vale a pena falarmos do Nós do Morro, organização social que liga o jovem ao mundo das artes e ao longo de seus 37 anos de vida se tornou um grande formador de talentos em oficinas culturais. Um dos criadores da ONG foi o mato grossense Guti Fraga, diretor e preparador de elenco. A Festa de Léo tem em seu elenco uma maioria de artistas que tem sua formação ligada ao projeto. Ainda sem previsão de estreia nos cinemas, o filme é mais um ótimo achado na excelente seleção de uma das melhores edições do Festival do Rio.

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16/10/2023

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Crítica do filme: 'Othelo, o Grande'


Buscando por meio de imagens de arquivos e depoimentos sobre diversos temas, contar de forma breve a trajetória de um intérprete de vários sentimentos que logo se tornou um dos mais destacados artistas da história dos palcos e telas de nosso país, Othelo, o Grande nos declama a genialidade do improviso e o dom de fazer rir se tornando um projeto fundamental para quem ama a sétima arte. O documentário, dirigido por Lucas H. Rossi traz em seu paralelo importantes momentos do cinema brasileiro.


Ao longo de hipnotizantes 82 minutos de projeção, acompanhamos parte da história de Sebastião Bernardes de Souza Prata, nascido na hoje conhecida Uberlândia, em 1915, um homem que tinha a política de fazer rir! Lutando contra o preconceito em praticamente todas as fases de sua vida, logo ficou conhecido como Grande Otelo, sendo o grande responsável por dar vida à personagens com enorme apelo popular que estão nas memórias de muitas pessoas até hoje.


Trechos de muitos de seus trabalhos mais conhecidos ganham pequenos recortes e reflexões, como: Macunaíma do cineasta carioca Joaquim Pedro de Andrade e Fitzcarraldo, do aclamado cineasta alemão Werner Herzog. Entre os momentos mais marcantes, seu encontro com Orson Welles gera um depoimento sobre o sumiço de filmes que mostravam grandes verdades do Brasil na década de 40, fato que poucos conhecem. A dupla com Oscarito não foi esquecida, essa que marcou uma fase impressionante da comédia brasileira.


O início da Atlântida (famosa produtora de filmes), no início da década de 40, além dos rumos do cinema brasileiro ganham alguns depoimentos de Grande Otelo tiradas de algumas das inúmeras entrevistas que o documentário conseguiu em sua excelente pesquisa. Durante todo o tempo em que esteve ativo no mercado, o ator nunca escondeu o que pensava sobre os bastidores. As tragédias da vida pessoal também ganham espaço, flertou com esse momento inclusive em plena Avenida Presidente Vargas sem ser época de carnaval.


Othelo, o Grande venceu o prêmio de Melhor Documentário no Festival do Rio 2023, um merecido prêmio para um filme que mostra com muita riqueza de detalhes, a vida de um gigantesco artista brasileiro.

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Crítica do filme: 'Ana'


Atravessando o recorte na vida de uma jovem moradora da periferia carioca que vive um presente repleto de conflitos, o novo trabalho do cineasta Marcus Faustini abre seu leque de reflexões a partir do medo e insegurança amarrados em uma profunda crise existencial. O projeto de 75 minutos de projeção busca com os conflitos criar uma narrativa que foge do discurso de apresentar soluções, é um filme que vai de encontro às verdades dentro de um recorte real da sociedade onde o medo se acopla em sonhos e desejos.


Na trama, conhecemos Ana (Priscila Lima), uma jovem que está atualmente com a cabeça voltada para trabalhar. Ela mora com o único irmão (Gustavo Luz) em uma modesta casa na periferia do Rio de Janeiro e tem como ganha pão passear com cachorros na parte rica da cidade. Com saudades da mãe, falecida meses atrás, busca proteger o irmão contra o preconceito que bate à sua porta. Parece viver uma crise existencial profunda mas sem deixar de interagir com os amigos. E nesse presente repleto de conflitos, ainda tem a chegada de Cristiano (Vinícius de Oliveira), um ex que fugiu para a Bahia sem maiores explicações por quem ainda tem sentimentos.


Um abstrato retrato do medo ganha fortes expressões por aqui. O medo de uma sociedade desleal, da opressão de cada esquina. Ana parece viver os seus medos e os dos que ama, um jornada que paralisa seu sonhar. Ela parece detectar isso, se enxerga muitas vezes perdida, querendo resolver os problemas que a cercam mas seu dar os primeiros passos para soluções. Mas será que todos os problemas que a cercam tem soluções? As sessões com a psicóloga, com fitas gravadas para driblar a timidez, servem para revelar suas angústias a um outro alguém, assim entendemos melhor a intrigante personagem dentro de sua bolha existencial que não encontra caminhos para o sentimento que se vive e se torna difícil de falar.


Ana nos leva também a pensar nos problemas de uma periferia em crises sociais constantes, no preconceito de uma ainda sociedade conservadora onde a homofobia bate na porta de muitas pessoas que somente querem ser felizes. Longe do discurso de encontrar soluções, o longa-metragem é mais reto e direto, apresenta muitas verdades que acontecem por aí.



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Crítica do filme: 'O Mensageiro'


O diálogo em meio ao caos. Exibido na Première Brasil, entre os selecionados na competição de longa-metragem, o novo trabalho da ótima cineasta brasileira Lucia Murat explora os tempos difíceis da ditadura no Brasil trazendo um recorte de dois personagens que tem seus destinos cruzados trazendo suas visões dos dois lados de um conflito. O Mensageiro, independente de qualquer coisa, é mais um daqueles filmes que são necessários para que nunca caia no esquecimento as barbaridades desse regime autoritário instaurado no Brasil que sufocou a liberdade, explorou a censura e trouxe a violência e a repressão para o cotidiano do brasileiro.


Na trama, conhecemos um soldado Armando (Shi Menegat) que durante os tempos cruéis da Ditadura no Brasil esteve servindo em um lugar onde estavam prisioneiros políticos. Entre esses, uma jovem de classe média chamada Vera (Valentina Herszage) que sofre terríveis barbaridades durante todo o período em que fica presa. Um dia, o soldado resolve levar uma mensagem dela para a mãe Maria (Georgette Fadel), criando assim uma linha de diálogo com essa mulher.


Percorrendo uma trajetória de incertezas, o protagonista se choca a todo instante com as contradições quando começa a refletir sobre os dois lados da moeda de uma época que deixou marcadas intermináveis em um Brasil de pouco tempo atrás. Seus conflitos são a força motora dessa história. A narrativa conquista o espectador quando abre espaço para dois personagens que giram ao redor do epicentro, o foco aqui não é na jovem presa (como muitos filmes sobre o tema trilham suas jornadas, mostrar os conflitos dos presos nessa época) e sim um soldado e a mãe de uma presa. As lições que nascem desses encontros, nos fazem entender uma época e as dúvidas que chegavam para muitos durante esse período.


Ao longo de quase duas horas de projeção, o roteiro também abre olhares para os conflitos familiares, no caso a mãe e o pai da jovem presa, também para a visão cruel dos militares sobre toda a barbaridade cometida em lugares escondidos onde ocorriam situações absurdas ligadas a um pensamento desumano. As marcas de Vera representam a de milhares de outros presos durante a Ditadura, alguns inclusive que nunca mais encontraram suas famílias novamente. O Mensageiro reforça a reflexão sobre esse tempo sombrio, um filme importante para nunca esquecermos esses tempos.



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