14/06/2021

10 Ótimos Filmes Dirigidos por Mulheres - Parte 2

Seguimos em nossa jornada, com uma parte 2 repleta de diversidade nas tramas, para apresentar ótimos filmes dirigidos por mulheres de todo o mundo. Mesmo com uma longa batalha para vencerem dentro de um universo audiovisual ainda muito machista, cada vez mais mulheres estão trabalhando com cinema em diversas áreas da indústria cinematográfica.


Nosso especial contínuo, de muitas partes que serão postadas ao longo dos meses, tem o intuito de mostrar ao público diversos filmes, alguns que passaram desapercebidos pelo público inclusive, que são dirigidos por excelentes profissionais de cinema.


Diretoras dos longas-metragens abaixo:


Catherine Corsini, Kelly Fremon Craig, Lorene Scafaria, Bettina Oberli, Emma Seligman, Maïwenn, Emily Ting, Chloé Zhao, Isabella Eklöf e Silja Hauksdóttir.

 


Um Belo Verão (França, 2015)

 

Tão bom morrer de amor e continuar vivendo. Dirigido pela cineasta francesa Catherine Corsini, do ótimo Partir (2009)Um Belo Verão, que fez parte da programação do Festival Varilux de Cinema Francês 2016, é um filme que fala sobre a luta das mulheres na década de 70 e um amor que nasce ingênuo e vira uma página importante na história das envolvidas. Um dos grandes destaques do longa-metragem é o belo roteiro assinado pela dupla Catherine Corsini e Laurette Polmanss que consegue com maestria dominar a atenção do público contando sempre com a ajuda de uma singela dose de empatia das ótimas personagens. 

 

Na trama, acompanhamos a trajetória da jovem Delphine (Izïa Higelin), filha única que vive no interior da França com seu pai e sua mãe. Certo dia, resolve abandonar sua família para descobrir o mundo em uma Paris no ano de 1971, lugar onde está passando por uma época de transformações intensas ligada à liberdade sexual e ao feminismo. Assim que chega na capital francesa, logo se aproxima de uma grupo de mulheres que lutam pelos direitos das mesmas, fazendo inúmeros protestos e invadindo conferências sobre temas polêmicos. Uma das líderes do grupo é Carole (Cécile De France), uma bela mulher que vive com seu namorado Manuel. Com o passar do tempo, Delphine e Carole vão se aproximando e acabam de apaixonando intensamente, provocando uma série de conflitos para ambas. 

 

Um Belo Verão se sustenta na força do amor. Fala com garra e inteligência sobre a força das mulheres em sua constante luta de igualdade de direitos. Entre esses dois universos, o do amor e o da luta feminina, giram as ótimas personagens interpretadas pela excelente atriz belga Cécile de France e pela jovem francesa Izïa Higelin. Delphine é uma jovem que sempre ajudou seu pai nos trabalhos na fazenda onde mora. Quando descobre Carole, uma mulher independente, pra frente, com muita atitude e delicadamente bela se entrega completamente a uma paixão cercada de preconceito e dúvidas em relação à liberdade desse amor. Carole descobre sua sexualidade com Delphine, se entrega e se apaixona como nunca antes fizera, vive a cada dia tentando mostrar ser merecedora do amor de Delphine. O conflito entre as duas acontece por conta da fragilidade nas atitudes de Delphine que tem muito medo do que os outros vão pensar se descobrirem sobre elas.

 

Se o final é triste ou não, não vou dizer. Mas acredito muito que esse belo trabalho deixa em nossa memória uma linda mensagem sobre como viver. A liberdade, a igualdade, pontos importantes na ideologia francesa ao longo das décadas, são fundamentais para que tenhamos o livre arbítrio de respirar as experiências de vida que achamos as mais felizes para nossa existência.

 

 

Quase 18 (EUA, 2017)


Na adolescência tudo parece o fim do mundo, mais é apenas o começo. Escrito e dirigido pela estreante em direção de longas metragens Kelly Fremon CraigQuase 18 é uma grande aventura na estrada sempre complicada da adolescência. Diferente de outros longas com o tema que não conseguem reunir um grupo de situações/argumentos interessantes, Quase 18 navega com muita sabedoria e honestidade nessas águas conturbadas dessa fase da vida. O elenco é de primeira, encabeçado pela jovem veterana Hailee Steinfeld e com coadjuvantes de peso como os ótimos Woody Harrelson e Kyra Sedgwick

 

Na trama, conhecemos a ‘aborrecente’ Nadine (Hailee Steinfeld), uma jovem com diversas dificuldades em se socializar com pessoas de sua idade que acaba perdendo seu pai, um dos seus únicos portos seguros. Sua relação com sua mãe Mona (Kyra Sedgwick) e seu irmão Darian (Blake Jenner) sempre foi complicada e as coisas só pioram quando uma de suas poucas amigas Krista (Haley Lu Richardson) acaba se apaixonando pelo seu irmão. Assim, ao longo dos conflituosos dias, Nadine terá que viver situações para chegar ao verdadeiro entendimento sobre os valores da vida, para isso contará com a ajuda inusitada de seu professor Mr. Brunner (Woody Harrelson).

 

O roteiro, escrito pela diretora, é excelente. Passamos em cerca 105 minutos por algumas fases da vida da protagonista, uma adolescente rebelde que mantém um relacionamento extremamente difícil com sua família. No primeiro arco, vemos uma fase pré adolescente que, de maneira bem rápida, nos ajudar a compor as principais características e modo de pensar da personagem. O desespero fica maior quando sua melhor amiga, e praticamente única, já na fase de high school, acaba se apaixonando por seu irmão e resolve optar pela distância e embarcando em uma fase de novas descobertas e abrindo os olhos para pessoas que já conhecia mas não conseguia enxergar. O professor Brunner, acaba chegando como um amigo, fazendo um papel parecido com um pai tentando dar bons conselhos e usando, muitas vezes, a mesma linguagem da personagem, é a memória do pai, seu maior porto seguro, que o professor acaba personificando aos olhos da jovem. 

 

Quase 18, tinha tudo para ser mais um enlatado norte-americano esquecível mas logo nos primeiros minutos vamos percebendo que esse filme seria uma grata surpresa. Não percam esse filme!

 

 

A Intrometida (EUA, 2015)


A felicidade é uma estação intermédia entre a carência e o excesso. Escrito e dirigido pela diretora e roteirista Lorene Scafaria, que entre outros trabalhos foi roteirista do ótimo Nick & Norah: Uma Noite de Amor e Música e dirigiu o peculiar Procura-se um Amigo para o Fim do MundoA Intrometida é um drama disfarçado de comédia com um tom melancólico muito profundo que é atenuado pela atuação carismática da veterana Susan Sarandon. Falando com propriedade de assuntos que vão da dor da perda à vontade de se reencontrar, aos poucos, o filme se torna uma grata surpresa que vai deixar muito cinéfilo com sorrisão aberto. 

 

Na trama, conhecemos a carinhosa Marnie Minervini (Susan Sarandon), uma mulher já na metade final de sua vida que recentemente perdeu seu companheiro de toda uma vida. Completamente sem rumo, resolve se mudar para mais próximo de sua filha Lori (Rose Byrne), em Los Angeles, na Califórnia. Expondo sua solidão de diversas e muitas vezes engraçadas maneiras, Marnie acaba invadindo a privacidade de sua filha a todo instante (fruto de uma carência do momento) e após um chega pra lá de Lori, Marnie embarca em uma jornada de descobertas onde irá conhecer pessoas que mudarão para sempre esse momento instável que vive. 

 

Com um orçamento que girou em torno de 10 Milhões de Dólares, A Intrometida se sustenta, além de outras coisas, na força de seus coadjuvantes. Os dramas de Lori, a filha da protagonista, são tão complexos quanto os de Marnie, perdeu o namorado para outra mulher, se encontra sozinha e depressiva. O filme às vezes brinca com essa depressão da dupla, envolvendo o espectador em cenas hilárias, talvez para dar um tom um pouco mais leve para falar sobre assuntos bem densos e complicados. J.K. Simmons, nosso eterno professor Fletcher (Whiplash) e seu ótimo personagem Zipper, preenche uma lacuna muito interessante na história que é o amor. Susan Sarandon, ganhadora do Oscar em 1996 pelo excelente Os Últimos Passos de um Homem, aproveita todos esses elementos e transforma sua personagem em uma curandeira dos seus próprios conflitos internos, uma aula de simpatia e atuação dessa sempre surpreendente atriz.

 

Exibido no Festival de Toronto 2015, esse longa metragem é um daqueles projetos que vão melhorando a cada cena. Com um começo meio morno onde o foco é explicar, em pouco tempo, toda uma personalidade complexa e abalada pela carência, o filme a partir do segundo arco foca nas reviravoltas das consequências que impactam na vida da protagonista, e aí o filme cresce muito. Com a personagem principal exalando carisma, diversas cenas hilárias, um roteiro pra lá de competente e uma direção firme, a dramédia se coloca como um grande aulão de terapia com o foco na arte de viver.

 

 

Minha Incrível Wanda (Suiça, 2020)

Como uma família pode buscar soluções para uma situação de crise que engloba a todos? Tudo é movido a dinheiro nessa vida? E se não? Qual a solução? Minha Incrível Wanda, que esteve na programação da Mostra de SP de 2020, é um conto atual que reúne uma família rica repleta de personalidades diferentes e uma trabalhadora polonesa que precisam resolver, com todos saindo ganhando, uma situação pra lá de inusitada. Dirigido pela cineasta Bettina Oberli (que também assina o roteiro ao lado de Cooky Ziesche) somos levados as loucuras do fato com muita habilidade e com riqueza nos detalhes que compõem as excentricidades em contraponto à inconsequência. Há simbolismos bastante delicados na construção do eminente, marca registrada de todo bom cineasta.  

 

Na trama, conhecemos a jovem trabalhadora polonesa e mãe de dois filhos Wanda (Agnieszka Grochowska) que a cada nova temporada trabalha durante alguns meses para uma família rica na Suíça. Sua prioridade nos afazeres é cuidar do já debilitado Josef (André Jung) como uma espécie de enfermeira. A família adora Wanda, principalmente Josef. Só que as vezes, principalmente quando chega de madrugada, Wanda e Josef, escondido dos demais, entram em um acordo que causará graves confusões e situações para toda a família.

 

O imprevisível engenhoso roteiro, muito bem definido em seus arcos expostos em números romanos, produz uma série de situações complicadas que vamos buscando compreensão pela ótica conturbada e emocionalmente abalada dos ótimos personagens. Há vários contrapontos interessantes que vão se solucionando como reflexões da sociedade, até mesmo conflitos mais do que batidos entre classes sociais. No primeiro arco, entendemos os personagens, e somos apresentados ao conflito; no segundo chega o conflito e suas primeiras impressões de todos; no terceiro, as tentativas de soluções para que todos ganhem com a situação. Tudo muito simples, objetivo e bastante verdadeiro. Destaque também para a trilha sonora assinada pelo duo Grandbrothers formado em Düsseldorf pelo suiço Lukas Vogel e o alemão Erol Sarp. Ótimo filme.


Shiva Baby (EUA, 2021)


Quando o trágico encontra seu equilíbrio no cômico. Disponível na plataforma MUBI, Shiva Baby nos mostra segredos, famílias, mentiras. Todo tipo de drama se afunila no campo das surpresas, em encontros quase inimagináveis, além de situações mal resolvidas em um passado recente de uma jovem em grandes conflitos quando resolve ir com os pais a uma reunião tradicional após um funeral, parte da tradição judia. O confronto com seu modo de viver, do qual foi criada, essas tradições de sua família judia, vira rebeldia e parece que acompanhamos o clímax, da primeira cena até os acontecimentos dentro de um leque de situações constrangedoras que se juntam aos montes somadas a um eminente insucesso nas suas tentativas já frustradas de liberdade sem limites. Um grande filme, escrito e dirigido pela cineasta Emma Seligman, um dos melhores disponíveis pelos streamings aqui no Brasil.

 

Na trama, conhecemos Danielle (Rachel Sennott), uma jovem que se prostitui sem que seus pais saibam de nada. Um dia, resolve acompanhar os pais (que a bancam desde sempre), a um pós funeral de uma amiga da família judia que pertence. Nesse dia, que é uma reunião em uma casa, acaba encontrando antigos amores, conflitos com seus pais por conta dos seus objetivos na vida, desconfiados olhares de conhecidos e uma surpresa ligada à sua vida na prostituição. Prestes a chegar a um ataque emocional, vamos descobrindo todas as fraquezas e inconsequências que acompanham a complexa protagonista. Lembra um pouco, mesmo com inúmeras diferenças, a também ótima comédia britânica Morte no Funeral.

 

Parece que estamos olhando pelo buraco da fechadura no campo das emoções da protagonista, um mérito de um afiado roteiro e uma lente detalhista de Seligman. Há também um equilíbrio entre o trágico e o cômico. A protagonista busca sua liberdade ser alguém à frente do seu tempo. Mas comete o erro, fruto de sua imaturidade, de não buscar desenvolver alternativas para suas inconsequências, como se estivesse em órbita somente com seus impulsos esquecendo dos complementos vitais para um equilíbrio de felicidade e dedicação.

 

Eminentes conflitos, um peso na consciência, buscando no desespero de se sobressair, almejando uma perfeição por meio de mentiras, elementos que obviamente levarão a personagem a um limite emocional, quase um divisor de águas sobre sua vida. Há uma busca de reconhecimento de seus pais mas envolvida em muitas mentiras e foco descontrolado sobre o que quer da vida, fora a mordaça imaginária que se coloca que fica evidente quando se vê sem saída sobre como resolver todas as situações que estão em descontroles na sua frente. Shiva Baby apresenta um complexo cenário sobre abalos emocionais, reunidos com um certo clima de tensão, um filme que todo psicólogo deveria assistir, além de todos que amam uma boa história, um bom cinema. Bravo!

 

 

Meu Rei (França, 2015)


Não quero que pense em mim sem motivos, mas que faça de mim o motivo dos seus pensamentos. Depois de dirigir o excelente Polissia, quatro anos atrás, a cineasta e atriz francesa Maïwenn volta para trás das câmeras dessa vez para dirigir um intenso drama que em pouco mais de 120 minutos de projeção encara a difícil missão de mostrar a vida de um casal com temperamentos diferentes que quando se juntam uma série de inconsequências acontece levado ambos a um extremo destrutivo. Impressionante a atuação da dupla de protagonistas, Emmanuelle Bercot venceu o prêmio de melhor atriz em Cannes em 2015 por esse papel.

 

Na trama, acompanhamos a trajetória de Tony (Emmanuelle Bercot) e Giorgio (Vincent Cassel), um casal que briga mais do que faz amor, muito por conta do jeito possessivo de ser do segundo. O filme traça e mostra um paralelo sempre na visão de Tony, onde no primeiro andamento está se recuperando de uma grave lesão ortopédica e paralelamente vamos conhecer sua história e todo o começo da relação conturbada com o futuro marido. O público acompanha de perto todo o trajeto dessa história que emociona e toca profundamente nossos corações. 

 

São duas visões completamente diferentes sobre o relacionamento. Georgio é um saudosista da liberdade, da inconsequência, ano após ano muda muito pouco mesmo que comece a entender melhor o mundo ao seu redor e sua família. Já Tony é a parte que mais sente todo o desenrolar da trajetória do casal. Antes uma confiante mulher, começa aos poucos a perceber que seu marido é um homem desequilibrado que em muitos momentos deixa seu lado egoísta dominar a relação dos dois. Tony sofre demais, explora suas tristezas mais profundas e tenta a todo tempo dar a volta por cima (a construção de desconstrução de Tony é feito com maestria por Bercot que mostra todo seu talento em cena), contando com a ajuda de seu irmão Solal (Louis Garrel), o único que percebe logo de cara que Georgio levaria sua irmã ao limite.

 

O paralelismo que acontece, mostrando duas fases na vida de Tony é uma das grandes sacadas do roteiro, escrito pela própria diretora e pela roteirista Etienne Comar. Impressionante como as duas fases se encontram no final fazendo tudo um grande sentido para o público entender mais profundamente todas as transformações que passou a protagonista. Meu Rei, que fora exibido no Festival Varilux de Cinema Francês de alguns anos atrás é uma pequena obra-prima que o cinema francês brinda todos nós cinéfilos. Bravo!

 

 

Already Tomorrow in Hong Kong (EUA, 2016)


Selecionado para diversos festivais durante todo o ano de 2015, estreou nos Estados Unidos em fevereiro de 2016, uma curiosa trama, que um pouco se assemelha à clássica trilogia de Richard Linklater, Antes do Amanhecer/Antes do Pôr-do-Sol/Antes da Meia-NoiteAlready Tomorrow in Hong Kong é uma micro mais contagiante história de amor intangível. Ao longo dos curtíssimos 78 minutos de projeção, somos testemunhas de profundos diálogos que vão de uma criativa crítica ao mundo da tecnologia até as razões pelas quais amamos alguém. Jamie Chung e Bryan Greenberg, os protagonistas, dão um espetáculo de harmonia e fazem toda a magia do cinema acontecer a partir do poder que as palavras possuem na hora que você conhece alguém. Ótima direção da cineasta Emily Ting.

 

Na trama, conhecemos Josh (Bryan Greenberg), um jovem banqueiro norte-americano que mora faz uma década em Hong Kong. Certo dia, quando está do lado de fora de onde acontece a festa de sua atual namorada, acaba conhecendo a bela Ryby (Jamie Chung), com quem acaba passando as horas seguintes passeando pelas ruas de Hong Kong. Em certo momento, quando Ruby descobre que Josh tem namorada, eles se despedem. Um ano mais tarde, por uma brincadeira do destino talvez, eles voltam a se encontrar por acaso e agora precisam se entender, saber realmente se vão ser marcantes na vida de cada um.

 

Todo bom diretor sabe, assim como os jurados de Master Chef Brasil, que o menos é mais. A diretora e também roteirista deste singelo e profundo trabalho Emily Ting, em sua primeira direção de um longa-metragem, adota essa tática de confiar 100% no roteiro e na interação dos seus personagens principais. Com diálogos inteligentes e objetivos, além de compreendemos melhor as personalidades dos protagonistas, conseguimos ficar com aquele sentimento de surpresa na espera do que realmente pode acontecer quando esss dois mundos bem diferentes se chocam. Há semelhanças com a trilogia de Linklater, mas Already Tomorrow in Hong Kong consegue ter sua própria essência, mexe com nossos corações e foca num princípio sempre sugestivo, o da escolha que precisamos fazer em momentos chaves de nossas vidas.

 

A única coisa de ruim que possa ter nesse texto sobre esse lindo trabalho é a quase certeza de que esse filme não chegará ao circuito brasileiro. Talvez pela falta de observação cinéfilas das distribuidoras, talvez pela falta de coragem que ainda faltam em alguns de apostar em filmes que mexem com nossos corações e não tem artistas famosos contando a história. De certo, é que se você caro leitor tiver a chance de assistir a essa película, não perca essa chance. 

 

 

Nomadland (EUA, 2021)


O que é lembrado, vive. Um dos filmes mais badalados da premiação do Oscar desse ano, Nomadland, escrito (baseado no livro homônimo de Jessica Bruder), dirigido e editado pela cineasta chinesa Chloé Zhao é um road movie cíclico sobre a solidão e os desencontros em relação ao lugar no mundo de uma forte e solitária protagonista (interpretada pela ótima Frances McDormand). Nos faz refletir bastante sobre nossa existência e também sobre as estradas da vida que todos enfrentamos, cada qual a sua forma. Assuntos atuais como a crise econômica e as gangorras de um capitalismo que leva a maioria dos trabalhadores a serem um mero número sem piedade quando as dificuldades ou rendimentos abaixo do esperado chegam também estão presentes nesse belo trabalho vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza.

 

Na trama, conhecemos Fern (Frances McDormand) uma mulher mais velha que vive em uma Van antiga, nômade, pelas estradas da vida. Sem lugar fixo, trabalha em determinadas época do ano na mesma filial de distribuição da Amazon. Combate a solidão, o frio, as desconfortantes situações que precisar enfrentar para buscar respostas que tanto procura. Quando o amor chega inesperadamente, ou algo parecido com isso, acaba gerando uma espécie de conflito dentro dela e decisões precisarão serem tomadas.

 

Lar é só um nome ou é algo que carregamos conosco? A protagonista não é uma mulher perdida no mundo, na verdade é uma corajosa ser humana, dona de uma atitude para muitos radical mas que para ela se torna uma única saída. A decisão de viver sozinha a leva a um combo de emoções. A perda do marido, conexão com a natureza, à espera de uma palavra amiga nos momentos mais duros e difíceis, há muitos pontos para análise nessa construção profunda de uma personagem forte que aos poucos vai aprendendo a cada dia mais sobre a vida sozinha e sobre os obstáculos que pode enfrentar pelo caminho.

 

A direção é magistral. Zhao consegue nos mostrar as belezas da solidão, o elo da protagonista com a natureza (em cenas belíssimas) e a dureza de momentos conflituosos onde as lágrimas se tornam as grandes companheiras de viagem. Alguns acharão um ‘filme lento’ mas as conexões com a histórias estão por todo lugar, além disso, por conta de depoimentos de outros na mesma situação de Fern, em praticamente um retrato real sobre nômades, vamos refletindo sobre essa situação de muitas almas solitárias e suas escolhas em estarem sozinhos nas respectivas fases da vida que se encontram.  Belo filme.  

 

 

Holiday (Holanda/Suécia, 2021)

 

O paradoxo entre luxo e a violência sem limites. Após dois curtas-metragens e ter assinado o roteiro do polêmico filme Border, a cineasta sueca de 43 anos Isabella Eklöf chega ao seu primeiro longa-metragem na direção dando um grande bico na porta contando a trajetória de uma ingênua jovem e seu relacionamento abusivo com um gângster durante a passagem deles na cidade portuária de Bodrum, na Riviera turca. História impactante, cenas pesadíssimas, que embrulha o estômago mas faz refletir sobre a questão da redenção dentro de um camuflado deslumbre, se existe ou não. Holiday está disponível no ótimo catálogo do streaming Reserva Imovision.

 

Na trama, conhecemos Sascha (Victoria Carmen Sonne), uma jovem que desembarca em um aeroporto na Turquia para passar um tempo na casa de praia do namorado bandido Michael (Lai Yde) e acaba encarando uma normalidade de violência e abusos dentro do universo do namorado. Quando parece que começa a perceber que há algo errado, ou pelo menos que deseja sair daquele universo mesmo que de maneira não convicta, ela conhece um velejador holandês mas Michael não deixará as coisas irem para o rumo que estavam caminhando.

 

Selecionado para o Festival de Sundance no ano de 2018, Holiday, aborda paralelos que nos fazem entender melhor a protagonista, consumida por uma ingenuidade tamanha. Por exemplo, o medo vira um paralelo para o ar dessa ingenuidade que envolve a personagem, escolhas aparecem na sua frente a todo instante mas o deslumbre para com um vida de luxo e a acomodação de uma falsa liberdade parece que a deixam confusa a todo instante, mesmo seus instintos a levando para uma busca por uma outra realidade pois aquilo que vive não pode ser nem de longe um padrão para uma vida calma e tranquila. Nada ao seu redor a ajuda nesse caminho complicado, a chegada do velejador holandês parece que desperta nela uma reação de esperança, quase uma desconstrução sobre a sua visão daqueles dias naquele lugar.

 

Violência física, psicológica, o filme é recheado de fortes cenas que deixarão o espectador impactado. Esse poder de atingir chocando é o caminho tomado por Eklöf para mostrar os caminhos quase sem volta da vida, por escolhas que estão na nossa frente mas com todos os obstáculos que as vezes não nos fazem enxergar.

 

 

Agnes Joy (Islândia, 2019)


O choque do espírito pragmático com o espírito sonhador. Escrito e dirigido pela cineasta islandesa Silja HauksdóttirAgnes Joy, indicado pela Islândia ao Oscar no ano de 2019, caminha a curtos passos entre conflitos de mães e filhas de duas gerações, imposições sobre a vida, aquelas dentro da lógica de doutrinas de senso comum andando na linha do ‘normal social’. A rebeldia aliada à inconsequência, como as aparências enganam, como equilibrar a arte do sonhar, são questões que chegam forte nas nossas mais óbvias reflexões sobre o que vemos ao longo de menos de 90 minutos de projeção. Por mais que o nome do filme seja Anges Joy (nome da filha), a trama gira quase sempre em torno da mãe (interpretada pela ótima atriz Katla M. Þorgeirsdóttir). Um interessante trabalho, mais profundo do que aparenta ser.

 

Na trama, conhecemos Rannveig (Katla M. Þorgeirsdóttir), uma mãe rígida, controladora, comandante da empresa da família, a qual teve que assumir assim que seu pai faleceu interrompendo seus outros sonhos. Infeliz no trabalho, ela se desdobra entre a educação da filha adotada Agnes Joy (Donna Cruz), alguma atenção que busca do marido Einar (Þorsteinn Bachmann) e as aparências para os outros de sua ‘família perfeita’.  Quando a chegada de um novo vizinho, um ator conhecido por alguns, acaba mexendo um pouco nessa história vamos descobrindo os sentimentos escondidos dos personagens. Embaralhados pontos de vistas sobre o casamento mãe e pai completamente distantes ganham argumentos diversos.

 

Encontramos mais sentido sobre a vida, sentados vendo o mar, do que no meio do caos e estresse que pode virar nossa rotina. Nessa batalha entre o nublado e o céu de brigadeiro quando pensamos sobre nosso futuro, o foco para os paralelos acabam sendo dentro da questão familiar. Mãe, filha e pai, cada um à sua forma, buscam ser uma família perfeita aos olhos dos outros mas o cotidiano só comprova que não existe família perfeita. A primeira a se rebelar contra a mesmice infeliz é Agnes o que acaba preparando o terreno para Rannveig buscar se reinventar, dando sorrisos aos desejos, buscando não controlar tanto tudo e a todos mas as linhas do roteiro não desenvolvem Einar o que acaba deixando lacunas a serem preenchidas para um entendimento mais completo das transformações que acontecem.  



O filme possui poucas questões sobre o trabalho de Rannveig mas o pouco que aborda abre uma ótica para a questão de trabalhadores estrangeiros que arriscam tudo e imigram para países europeus em buscam de boas oportunidades mas muitas empresas colocam salários lá embaixo e poucas oportunidades, diferente do que seriam se fossem por um trabalhador local. Quase uma escravidão moderna. Mesmo na superfície, o filme levanta essa ótima questão global.

 


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E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #444 - Renata Costa


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nossa entrevistada de hoje é cinéfila, de São Paulo. Renata Costa é bailarina e professora de ballet .

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Em São Paulo a sala preferida é o Espaço Itaú de Cinema na rua Augusta, a programação é bem diversificada e o café é ótimo.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Foi O Império Contra ataca em um cinema de rua, foi fantástico.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Um só? Muito difícil….Os preferidos são David Lynch, Kubrick e o Lars Von Trier, mas o filme é Apocalipse Now do Francis Ford Coppola.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Central do Brasil me emocionou muito, a estória, fotografia, música e as interpretações.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Não me considero cinéfila, sou apenas amadora, cinéfilo de verdade é aquele que respira cinema.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Acredito que não, acho que talvez entendam melhor sobre o mercado, filmes mais lucrativos com maior potencial de bilheteria ,mas em SP tem boas opções de programação mais alternativa.

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Jamais, pelo menos é o que eu espero.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Elefante do Gus Van Sant.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Pode até abrir mas acho difícil emplacar antes da vacina, é um ambiente fechado, difícil relaxar.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Acho que tem produzido coisas interessantes e tem conquistado espaço nos cinemas o que eu acho muito positivo.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Matheus Nachtergaele.

 

12) Defina cinema com uma frase:

A vida é sonho, cinema é vida.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Nunca aconteceu nada de extraordinário, prefiro as sessões bem vazias e silenciosas.

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

Quenhé ?!?

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Acho que não, acho mais importante ser um bom leitor.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Godzilla, dormi no cinema.

 

17) Qual seu documentário preferido?

Não assisto muitos mas gostei muito de Wild Wild Country na Netflix.

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão? 

Sim, quando o final do filme é cartático não tem como não aplaudir.

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Coração Selvagem.

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Omelete, não conheço muitos.

 

21) Qual streaming disponível no Brasil você mais assiste filmes?

Netflix, mas adoraria assinar o MUBI.

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Programa #29 Guia do Cinéfilo - Paulo Máttar


Episódio #29 do meu programa de entrevistas na TV Caeté, Programa Guia do Cinéfilo.

Nesse episódio entrevisto o cinéfilo e lendário programador do Cine Arte UFF, Paulo Máttar.
O Programa Guia do Cinéfilo acontece toda terça-feira, ao vivo, no canal da TV Caeté no youtube (https://www.youtube.com/channel/UC8bE...​).
#cinema​ #entrevistas​ #entrevista​ #filmes​ #filme​ #raphaelcamacho​ #cinéfilo​ #cinéfilos​ #movies​ #movie​ #cinemabrasileiro

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O que achei do filme: 'O Divino Baggio'


Nesse vídeo, Raphael Camacho analisa objetivamente o filme 'O Divino Baggio'.

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Crítica do filme: 'AmarAção'


Os abalos emocionais de quem não entende completamente o amor. Mas afinal, quem entende né? Filme produzido sem apoio de leis de incentivo, patrocínio ou financiamento externo, AmarAção, inspirado em fatos reais, busca amplos debates sobre relacionamentos, insegurança, as neuroses da incompetência em se relacionar. Só que o roteiro é uma grande confusão, muitas vezes sem rumo, distanciando o espectador do epicentro da trama. No elenco, vale o destaque para Caco Ciocler, que co-protagoniza o projeto em uma versão fictícia de si mesmo. O projeto tem direção dos irmãos Eric Belhassen e Marc Belhassen.


Na curiosa trama, conhecemos os amigos, o francês radicado no Brasil Eric (Eric Belhassen) e o ator Caco (Caco Ciocler), ambos passando por fases complicadas nos seus relacionamentos amorosos. O primeiro pensa que jogaram um feitiço nele (ou algo parecido com isso) e corre para todos os lados em busca de explicações. Já o segundo, após uma briga busca o reconciliar com a namorada. De São Paulo à Paris, de Paris à Jerusalém, a busca de ambos, mesmo em estradas completamente diferentes, bebendo uma Colorado Caium ou outra, tentarão encontrar razões para seus porquês.


Parece a todo instante que está faltando alguma coisa para dar sentido ao que vemos em cena, como se o roteiro apresentasse espaço, lacunas não preenchidas e que por conta do confuso andamento não conseguimos preencher com nossa forma de entender o apresentado. Há uma constante tentativa de chegada no objetivo, em mostrar campos de reflexão sobre as duas avenidas das emoções, dos amigos, cada qual nas diferenças em entender até onde vai a culpa do outro dentro de seus respectivos relacionamentos. De fato, se há algum sentido no ‘feitiço’ pensado, é a provocação pelo modo de pensar e agir quando as coisas não estão navegando a favor.


Há espaço, mesmo que de maneira superficial, quase inexistente, para outros conflitos na vida deles, entre pais e filhos, entre mãe e filha, entre irmãos. Mas sem conclusões, às vezes beirando a pretensão de achismos dentro do que podemos chamar de quebra molas nessas relações, os momentos de dificuldade em interagir, no conteúdo dos mais diversos relacionamentos mostrados. Os personagens imersos nas suas ansiedades por rápidas respostas sobre as emoções desalinhadas que vivem, buscam também em simbolismos religiosos explicações para o que não entendem. Mas qual o porquê da procura? Se você descobrir a resposta dessa pergunta, o filme conseguiu se conectar com você. Eu não descobri essa resposta.



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13/06/2021

Crítica do filme: 'A Boa Esposa'


Trazendo para os espectadores uma história de força feminina, mudanças em uma época que se soma à famosa revolução social de 1968 na França, marcada por greves gerais e ocupações estudantis que provocaram uma liberdade e força da cultura jovem na Europa, A Boa Esposa mostra o despertar das personagens, de gerações diferentes, para os iminentes conflitos em busca dessa liberdade em um tempo ainda em curtas mudanças no modo de enxergar a mulher na sociedade, na família, no trabalho. Dirigido pelo cineasta Martin Provost e com mais uma bela atuação da musa do cinema francês, Juliette Binoche, o filme, principalmente em seu desfecho, para lá de emblemático, não deixa de ser um grito de força para as próximas gerações.


Na trama, conhecemos Paulette Van Der Beck (Juliette Binoche), que junto ao seu marido Robert (François Berléand) comandam uma escola na Alsácia que basicamente tem o objetivo de treinar adolescentes para se tornarem donas de casa perfeitas. Lá aprendem a cozinhar, a costurar, todos os elementos absurdos sem escolhas para seguirem ordens do marido, só podendo ficar calada. Mas visões feministas chegam para as jovens através do rádio, de algumas experiências escondidas das jovens culminando em uma espécie de revolta ainda tímida mas que ganha força com a união entre elas. Em paralelo a isso, após um acontecimento trágico, Paulette redescobre o amor que fora separado anos atrás pela guerra o que a faz entrar também em uma nova linha de pensar, ensinando o que já não acredita, há um conflito interno pouco exposto que começa a surgir com a chegada desse inacreditável novo amor.


Há reflexões em todos os cantos desse ótimo longa-metragem francês. Na frase: ‘Amaria ser sua esposa, não sombra de sua vida’ fica óbvio a mudança, a atitude, a união das mulheres em relação a como são tratadas por uma sociedade extremamente machista. O uso da comédia em contraponto, ou até mesmo misturada ao drama dão suavidade, leveza, deixando a reflexão chegar de maneira mais mastigada ao espectador. O caótico universo do desespero daqueles que não conseguem se posicionar acabam avançado nas linhas da tragédia mesmo que o filme tenha poucas pausas dramáticas/cômicas.


Em paralelos, dentro do universo temporal mencionado (final da década de 60), vamos vendo uma França como uma pólvora de conflitos sociais, principalmente contra o governo de De Gaulle (já no finalzinho do governo do mesmo). Conseguimos preencher as linhas das lacunas deixadas, enxergamos o horizonte, sobre essa construção de um movimento em diversos lugares do mundo (não só na França). Nesse ponto, a importância da personagem Paulette que entra em uma desconstrução tão profunda quanto o país em sua volta. A partir dessa transformação, rouba a cena completamente, fruto também da competência em cena de Binoche.


O longa-metragem estreia dia 17 de junho. Um belo trabalho, repleto de humor, drama (até musical!) e carismáticas interpretações. Seguir ordens do marido, só podendo ficar calada? Não mais!

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