Mostrando postagens com marcador Crítica do FIlme. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Crítica do FIlme. Mostrar todas as postagens

17/04/2024

Crítica do filme: 'A Natureza do Amor'


Exibido na Mostra Um Certo Olhar no Festival de Cannes do ano passado, A Natureza do Amor estrutura suas bases partindo do pessimismo em relação ao sentimento mais intenso que existe. O choque dos momentos de êxtase com a realidade, no sentido de conexões que logo viram desconexões, passam por citações de Platão à Schopenhauer. Acompanhamos os desenrolares através de uma protagonista e sua necessidade de descobrir o afeto, o amor, tendo o desejo como uma lacuna que aos poucos vai mudando de sentido. Escrito e dirigido por Monia Chokri, A Natureza do Amor é uma jornada de opostos que se atraem

Na trama, conhecemos a professora Sofia (Magalie Lépine Blondeau), uma mulher inteligente, na casa dos 40 anos, que está em um relacionamento frio com o namorado Xavier (Francis-William Réaume). Certo dia, conhece o atraente Sylvian (Cardeal Pierre-Yves), responsável pela reforma de sua casa de campo. Mesmo sendo completamente diferentes, logo uma paixão intensa acontece entre os dois mas aos poucos a protagonista embarca em dolorosas incertezas.

Falar sobre decepções amorosas passa muito mais pelos personagens do que pelas situações. É bem curiosa a visão pessimista que é proposta. Algo que é válido, pois encosta na realidade. E se incomodar alguns, é porque fez sentido! O roteiro é bem profundo ao jogar para reflexões as dores de uma confusa protagonista, que movimenta para cima o sarrafo encontrando um mar de desequilíbrio, um deserto de desilusões. O prazer e o conviver logo se tornam embates, um jogo da vida que escancara medos e desejos.

Nessa produção canadense francesa também tem um debate interessante entre a frustração e o recomeçar. Dois pontos fora da curva se juntam, trazendo para debates os conflitos familiares, as formas de pensar, rumando para uma constatação da maturidade em relação aos  sentimentos e os conflitos do amar. O recomeçar na verdade se constata como uma estrada de aprendizado, no eterno viver e aprender. A busca pela equilíbrio da ilusória felicidade plena se desprende de qualquer conto de fadas.

A Natureza do Amor é um filme antes de mais nada, maduro. Escancara as verdades longes de melancolias, mostra a realidade. Nem sempre é o tempo certo quando se encontra alguém que preenche parte do que necessitamos e nem por isso é para se baixar a cabeça e estabilizar-se. Sofia é um reflexo de muitas jornadas por aí.


Continue lendo... Crítica do filme: 'A Natureza do Amor'

04/04/2024

Crítica do filme: 'O Homem dos Sonhos'


Um brinde à Jung! Depois do excelente Doente de Mim Mesma, um enorme laboratório de experiências sociais acachapantes, o cineasta dinamarquês Kristoffer Borgli volta as telonas dessa vez ao lado de um ator que adora o universo do peculiar, do exótico, do inusitado, o Sr. Nicolas Cage, no interessantíssimo longa-metragem O Homem dos Sonhos. Forçando o absurdo para dentro da sociedade atual, consumida por valores que vão do idolatrar ao cancelar em frações de segundos, vemos o inconsciente encontrar a vida real em um roteiro que foge do convencional, prezando a criatividade, abordando o incomum numa estranha epidemia de sonhos.

Na trama, conhecemos Paul (Nicolas Cage), um infeliz professor universitário, especialista em biologia do desenvolvimento, que um dia começa a aparecer nos sonhos de milhares de pessoas e logo viralizando após um artigo ser publicado. A peculiar situação mexe com toda sua controlada rotina e a de sua família, o fazendo ir do céu ao inferno, primeiro como um sonho, depois com a chegada dos reflexos dos pesadelos.  

O que você quer ver nos seus sonhos? Nesse obra, que vai dar o que falar, Kristoffer Borgli nada de braçadas rumo ao engenhoso, contemplando visualmente e de forma estonteante o nonsense, criando uma narrativa deslumbrante escancarando as balançadas nos valores morais e alguns pontos que acabam se transformando em estáticos epicentros de conflitos mundanos. Esse é um cineasta que precisamos colocar na agenda para conferir seus próximos filmes, sempre tem algo fora da caixa em seu cinema. Essa fuga do convencional é algo importante para o fôlego criativo que queremos encontrar mais por aí no audiovisual.

Fugindo do: ‘O que você faria?’, esse sexto filme de Cage em 2023 (o cara é uma máquina!), apresenta um roteiro que no seu discurso entrega os pontos interligados, o que fortalece uma crítica social para todos os lados partindo de lapsos dentro de um conceito taxado como absurdo por muitos e amplamente apresentado pelo psiquiatra suíço, fundador da psicologia analítica, Carl Gustav Jung. Se você curte psicologia, esse é um filme que você precisa assistir!

Ainda há tempo para uma outra questão e seus alcances com nosso refletir: Como as pessoas lidam com o inusitado? A política do cancelamento e as diversas maneiras de recepção ao inconsciente coletivo são jogadas para os reflexos dos novos tempos, na era dos influencers, da busca pela viralização nas redes sociais, da imaturidade na interpessoalidade, do absorver e jogar ao mundo (as vezes sem a devida atenção). A possibilidade do sonho virando pesadelo nada mais é que um personificação dos medos e conflitos emocionais que se apresentam na frente de muitos caminhos nos dias de hoje.  

Divertido, inteligente, O Homem dos Sonhos entrega a jornada de um homem comum, que vira um estranho no sonho dos outros, mas que a solidão apresentada causa reflexos quando pensamos em interações do lado de cá da telona. Exibido pela primeira vez no Festival de Toronto esse projeto marca a primeira parceria entre Nicolas Cage e a elogiada produtora A24. Além disso, marca o centésimo filme na carreira vitoriosa desse genial artista vencedor do Oscar.



Continue lendo... Crítica do filme: 'O Homem dos Sonhos'

28/03/2024

Crítica do filme: 'Instinto Materno'


Da angústia à paranoia. Do luto à necessidade de culpar. Chegou aos cinemas nesse finalzinho de março um suspense psicológico que instaura uma intrigante Guerra Fria entre duas amigas que após um grave acidente doméstico vivem uma relação despedaçada e imprevisível. Primeiro trabalho na direção do experiente diretor de fotografia francês Benoît Delhomme, Instinto Materno joga seus esforços para apresentar adultos lidando com uma situação incontrolável onde a terceirização da culpa se torna uma constante. Baseado na obra homônima da escritora belga Barbara Abel.

Na trama, ambientada na década de 60, conhecemos duas amigas, vizinhas, praticamente inseparáveis: Celine (Anne Hathaway) e Alice (Jessica Chastain). Quando uma tragédia acontece, essa relação entre as amigas é completamente abalada. Assim, ao longo dos dias, entre o luto e a culpa, no campo das suposições uma série de desconfianças encontra o caminho das personagens.

As diferentes formas de lidar com a tragédia. A interessante e necessária introdução parece apresentar de forma bem prática alguns dos traços de personalidade das protagonistas além de um olhar para os seus respectivos relacionamentos. Assim, vemos Celine, tendo o filho como grande tesouro, que após o nascimento dele se contentou em ser dona de casa, uma vida que parece levar com bastante leveza e felicidade ao lado do marido que trabalha com produtos farmacêuticos. Já Alice tem uma personalidade forte, não deseja no momento um segundo filho, sonha em voltar ao trabalho e seguir carreira no jornalismo, algo que o marido, um gerente de contas, machista, não apoia.

Após o grande evento do filme, o conflito que apresenta a virada na trama, as peças meio que se embaralham. A tristeza da culpa se torna um elemento enigmático como se o roteiro buscasse o imprevisível dentro de um leque de conflitos emocionais que entram em choque com personalidades, se atualizando a partir do gatilho que passam. Nesse ponto entram em protagonismo uma direção de arte impecável e uma fotografia que ganha destaque com fortes cores que expressam os cruzamentos de emoções que circulam entre a desconfiança e os fortes traços de amargura.

Mesmo derrapando num desfecho que vai se moldando previsível, Instinto Materno apresenta de forma eficiente o confronto com a dor, com a perda, pontos catalizadores da inconsequência não só aos olhos de uma mãe e sua busca por culpar alguém mas também no de terceiros e a necessidade quase absurda de controlar o incontrolável. 


Continue lendo... Crítica do filme: 'Instinto Materno'

19/03/2024

,

Crítica do filme: 'Morte Vida e Sorte'


Para toda ação uma consequência. Com um roteiro que consegue se manter firme no seu discurso remetendo ao sonhar pela arte, o longa-metragem independente brasileiro Morte Vida e Sorte aborda as desilusões da vida adulta e os perrengues para não desistir dos sonhos na visão de amigas que mergulham juntas no abismo das incertezas. Dirigido por Alexandre Setembro, o projeto flerta com a metalinguagem, com a fantasia que se mostra real, numa série de profundas reflexões sobre a vida tendo como palco o coração de São Paulo.

Na trama, conhecemos três amigas que moram juntas na mais badalada cidade brasileira buscando recursos para montar uma peça de teatro. Soterradas pelas cobranças da vida adulta mas sem desistir dos sonhos acabam chegando ao limite e resolvem realizar assaltos pra conseguir dinheiro. Esse fato, de virarem criminosas, mexerá para sempre nas suas trajetórias com a consciência sobre os atos cometidos aos poucos chegando com força.

O que fazer quando não se pode mudar o mundo? O projeto embarca em camadas interessantes na construção de suas personagens. A busca pelo sonho é uma variável constante, nesse ponto o confronto com as dificuldades de uma profissão, com as incertas audições, os editais que nunca saem, desaguam até mesmo em constantes confrontos criativos. Num segundo momento, com os conflitos mundanos se acumulando, a razoabilidade é jogada fora. Todo esse processo é muito bem conduzido pela direção.

A narrativa busca por meio de intensos diálogos situar a chegada até os limites, passando pelas  ações e consequências quando ultrapassam o importante semáforo de valores do que é certo ou errado. A estética toda em Preto e Branco faz parte dessa construção, algo que pode gerar uma série de interpretações mas o vazio existencial é algo que a princípio chega com impacto.

Morte Vida e Sorte é um interessante exercício da linguagem cinematográfica, a partir de um roteiro que busca bater na tecla das desilusões sem se projetar para algo muito longe de muitas realidades.


Continue lendo... Crítica do filme: 'Morte Vida e Sorte'

16/03/2024

,

Crítica do filme: 'O Livro da Discórdia'


O sexo e a punição. Exibido no Festival Varilux de Cinema Francês do ano passado a comédia O Livro da Discórdia apresenta reflexões sobre uma geração de imigrantes no choque entre as memórias do passado e o presente na visão de um escritor de meia idade, descendente de argelinos. Dirigido pela atriz e cineasta francesa Baya Kasmi, em seu segundo longa-metragem de ficção, o projeto abre também espaço para mercado editorial dos livros e seu circuito de interesses. Tudo funciona de forma equilibrada em um roteiro que preza pelo humor na medida certa.

Na trama, acompanhamos a trajetória de Youssef (Ramzy Bedia), um homem de 45 anos, que mora em Paris e busca seu primeiro grande sucesso como escritor. Quando seu novo livro, que relata experiências vividas na sua adolescência na cidade de Marselha, vira um fenômeno de vendas Youssef fica preocupado de falar com os pais sobre a obra que apresenta questões que vão longe do encontro de tudo que sua família acredita. 

Abrindo espaço para o enigmático mercado editorial e seus vícios em busca do sucesso, o filme usa do flashback para entendermos sentimentos do passado e os dilemas que se seguem no presente em uma França recheada de questões sobre imigrações, algo corriqueiro numa Europa dos nossos tempos. A forma como se apresenta os temas polêmicos ligados à religião e os costumes também geram ótimos debates, aqui acoplados na visão de uma família que flerta com o tradicional, por conta de suas raízes, mas que faz muito tempo vive num mundo atual onde as aparências se tornaram ferramentas de não enfrentamento de possíveis embates. 

Inteligente sem perder o humor. A causa e o efeito ganham sentido quando entendemos que as autocríticas chegam por meio de terceiros, pelos mais próximos do protagonista. Seu conflito, segue durante toda narrativa com a exposições de situações se tornando um elemento importante sem fugir do discurso do roteiro. O desenho de sua estrutura familiar é apresentado de forma bem humorada com Youssef preso na premissa de que a realidade sempre vai além da ficção.

 

Continue lendo... Crítica do filme: 'O Livro da Discórdia'
,

Crítica do filme: 'Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor'


A genialidade declamando a sofrência. Trazendo para o centro do palco histórias marcantes da história de um dos mais brilhantes músicos do Brasil, o documentário Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor nos mostra entrevistas realizadas com o letrista de histórias de amor no final da década de 60 até o início dos anos 70, além de depoimentos de amigos, parentes e consagrados nomes da música brasileira. Um equilibrado quebra-cabeça que mistura relatos de sua vida pessoal, suas inspirações e a trajetória de sucesso.

Primeiro longa-metragem da carreira do cineasta Alfredo Manevy, o projeto bate na tecla da rica contribuição musical de Lupi (apelido carinhoso por qual era chamado pelos amigos), suas lutas, seus amores, além de toda a história de uma época, na fase final da sua vida já em período da ditadura.

Gaúcho, da região de ilhota, um bairro conhecido pelas enchentes em Porto Alegre, Lupicínio Rodrigues começou fazendo música no quartel antes da maioridade. As dores de cotovelo que viveu foram para o papel somado a uma narrativa trágica que expõe as dores de amores como protagonista. Obras marcantes marcaram sua carreira de várias décadas com uma volta por cima quando perde espaço no mercado fonográfico com as famosas vozes da era do rádio ficando para trás e a chegada da Jovem Guarda.

O cantor que influenciou gerações, tendo canções imortalizadas em grandes vozes do Brasil, com suas inesquecíveis declamações da sofrência e do samba-canção tem seu nome marcado também no esporte brasileiro, com a composição de um dos hinos de clubes de futebol mais bonitos, o do Grêmio de Porto Alegre, feito no início da década de 50.

Um grande defensor pelos direitos autorias, sofreu com a falta de crédito em diversas músicas fora do Brasil. Inclusive, um fato curioso ligado ao Oscar não é esquecido pelo documentário. Na trilha sonora do filme Dançarina Loura, indicada ao Oscar em meados da década de 40, tem uma música de Lupicínio que até hoje o crédito a ele não foi dado pela academia.

Exibido em alguns festivais brasileiros, Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor não deixa de ser um abre alas para quem nunca ouviu falar desse grande músico, um homem que viveu e cantou as dores de cotovelo com uma genialidade notável.

 

Continue lendo... Crítica do filme: 'Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor'

15/03/2024

Crítica do filme: 'Ervas Secas'


Quando se fecha os olhos, os problemas nunca tem fim. Um vilarejo turco, um professor desiludido e com o sonho de sair dali, um fato marcante em meio a uma neve incessante. Indicado à Palma de Ouro em Cannes no ano passado, o longa-metragem turco Ervas Secas escancara o conformismo para destrinchar as relações humanas movidas pela esperança, a raiva, as incertezas. Baseado no diário do professor Akin Aksu, esse, que é o nono longa-metragem do excelente cineasta Nuri Bilge Ceylan, um decifrador da natureza humana, caminha na objetivo de apresentar argumentos de que uma vida tem valor mesmo que não encontre mais sentido.

Na trama, acompanhamos um período na vida do professor de artes Samet (Deniz Celiloglu), um homem que chegou no último ano como professor em uma aldeia distante e já planeja novos voos em uma das maiores cidades da Turquia. As desilusões sobre o ensino, as desconfianças sempre foram uma marca de sua personalidade. Um dia, ele e mais outro professor, são acusados de contato inadequado com duas alunas, fato esse que muda para sempre seus planos. Quando tudo parecia bem confuso e perdido, se aproxima de Nuray (Merve Dizdar), professora de uma outra escola da região, uma mulher que o confronta sobre seu conformismo, sua acomodação dentro de um fugir ao invés de encarar, trazendo novos olhares e restos de esperança.

O sufoco dos próprios gritos. As desilusões sobre o papel do ensino na formação, as desconfianças, retratos políticos, os relacionamentos se somam a trajetória de um protagonista que culpa o lugar por todos os seus problemas. O intrigante labirinto das suas emoções se jogam na evidência ao não conseguir entender os porquês das acusações que podem influenciar para sempre seu futuro. Cansado da esperança, se joga na incerteza. Esse relato nada mais é que um paralelo com muitos destinos do lado de cá da tela, transformando essa obra é algo muito próximo quando enxergamos uma enxurrada de realidade em cada movimento.

O espectador precisa de paciência, são mais de três horas de duração. A narrativa caminha de forma lente e desabrochando uma poderosa trama onde tudo é minuciosamente envolvido por belas imagens e diálogos longos, profundos. Impressionante como tudo faz grande sentido quando pensamos no uso das imagens e seus movimentos. Somos testemunhas de uma enorme viagem rumo ao abstrato dos sentimentos sem perder o norte de apresentar os caminhos para novas perspectivas, novos olhares, para dentro e para o que está lá fora.


Continue lendo... Crítica do filme: 'Ervas Secas'

13/03/2024

, ,

Crítica do filme: 'Eu, Capitão'


Contando a saga de dois jovens que vai do sonho de uma vida melhor passando por um enorme pesadelo sem fim na busca do objetivo, o longa-metragem Eu, Capitão, indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional nesse ano, é um profundo recorte cheio de temas atuais que nos faz refletir a todo instante. Dirigido pelo cineasta italiano Matteo Garrone o filme embarca em uma narrativa que relata muito dos conflitos dos nossos tempos se tornando uma história impactante sob o ponto de vista de refugiados e suas superações.

Na trama, conhecemos os primos Seydou (Seydou Sarr) e Moussa (Moustapha Fall), dois jovens senegaleses que resolvem fazer uma viagem de Dakar até a Itália em busca de seus sonhos. Só que essa jornada não será como ele imaginam, sofrem com os horrores da ganância humana, conflitos geopolíticos, esgotando as curtas margens de esperança mas também encontrando pelo caminho novas formas de entender o mundo.

Vencedor de alguns prêmios no Festival de Veneza, o filme coloca em seu principal holofote os valores da moral e a humanidade tendo como referência o olhar imaturo e até ingênuo de dois jovens que acabam descobrindo os horrores que os seres humanos são capazes durante a caminhada. Os dilemas se tornam constantes, continuar ou não continuar? É possível confiar com o pesadelo batendo na janela dos sonhos a toda hora?

A questão dos refugiados é amplamente debatida. Um refúgio num lugar seguro, uma premissa básica de quem sofre na sua terra natal, vai entrando em contraponto à políticas governamentais, pessoas maldosas que buscam se aproveitar da esperança alheia, esgotando a esperança e a transformando em lapsos entrando quase sempre em uma situação de sobrevivência. A história mostrada no filme se aproxima demais com a de milhares de outras pessoas que buscam outros países para chamarem de lar, por isso a importância do ponto de vista deles que aqui é brilhantemente retratado.

Eu, Capitão é um dos filmes mais impactantes da lista dos indicados ao Oscar desse ano. Um filme pra ver e refletir, uma brilhante narrativa que vai demorar a sair de nossas memórias.



Continue lendo... Crítica do filme: 'Eu, Capitão'

08/03/2024

,

Crítica do filme: 'Sintonia de Amor' *Revisão*


O significado de milhões de pequenas coisas. Chegava aos cinemas três décadas atrás um filme apaixonante que navega do luto ao recomeço pelas linhas intensas e imprevisíveis do amor. Indicado para dois Oscars, Sintonia de Amor contorna a melancolia com a esperança trazendo carismáticos personagens que são levados para um encontro às cegas num tempo onde o Tinder nem pensava em existir. Dirigido pela cineasta Nora Ephron, esse é um dos três filmes estrelados pela dupla Tom Hanks e Meg Ryan. O mais rentável de todos eles.

Na trama, conhecemos Sam (Tom Hanks), um arquiteto de luto que se muda para Seattle com o filho em busca de um novo recomeço após a morte da esposa. Um ano e meio depois e sem avançar muito no luto ainda intenso, numa noite de natal seu filho resolve enviar uma mensagem para um programa de uma rádio pedindo ajuda para o pai arranjar uma nova esposa. A mensagem toca os corações de muitos, inclusive da jornalista Anne (Meg Ryan) que embarca em uma viagem para conhecer essa família de dois.

Inspirado no clássico da década de 50, Tarde Demais para Esquecer, a narrativa segue em paralelo as vidas de Sam e Anne tendo como interseção a possibilidade do amar. Assim, vemos um possível encontro entre um homem abalado pelo trauma que perdeu um pouco da esperança de amar intensamente e de uma mulher sonhadora que percebe aos poucos que o seu presente não é da forma como queria. A construção dos personagens, seus dramas e conflitos, são vistas de formas separadas.

O sentido de família aqui é muito bem explorado pelo roteiro. Do luto ao recomeço, há um enorme espaço onde o desenvolvimento dos personagens acontecer através dos olhares para os conflitos, não só dos protagonistas mas dos coadjuvantes que os cercam, que se seguem mesmo tendo o exagero, as licenças poéticas em muitas linhas. Aqui o impossível é aproximado ao inusitado, ou ao ar de sabedoria do destino, fato esse que aproxima os corações sonhadores do lado de cá da telona.

Um ingrediente é fundamental por aqui! A trilha sonora é marcante, com lindas versões de clássicos da música. Nat King Cole, Louis Armstrong, Céline Dion, Joe Cocker são algumas das vozes que ouvimos em canções fabulosas, como: As Time Goes By, When I Fall In Love, A Kiss To Build A Dream On.

Duas curiosidades sobre o filme. A primeira é que Tom Hanks e Meg Ryan só tiveram cerca de dois minutos de tempo de tela juntos em cena. A segunda, é que durante a sua folga, Tom Hanks começava a gravar a dublagem do primeiro Toy Story.

Sintonia de Amor é um sucesso dos anos 90, um filme para todos os românticos continuarem suas caminhadas na esperança de que o grande amor da vida existe e pode te encontrar em qualquer lugar.



Continue lendo... Crítica do filme: 'Sintonia de Amor' *Revisão*
, ,

Crítica do filme: 'Morcego Negro'


Será só um o vilão dessa história? Exibido no Festival é Tudo Verdade do ano passado, o espetacular documentário Morcego Negro nos leva de volta para o final da década de 80 e início dos anos 90, um período de recomeço da democracia, onde um lobista de Alagoas se tornaria uma figura central no impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Com 10 anos de pesquisas sobre a vida de PC Farias, materiais de arquivos (alguns exclusivos), depoimentos de jornalistas, amigos, família, os cineastas Chaim Litewski e Cleisson Vidal resumem de forma intrigante o cenário político dentro da recém-restaurada democracia brasileira além de fatos sobre o misterioso assassinato do lobista.

1989, primeiras eleições com voto popular após mais de duas décadas. Em Alagoas, surge um forte nome para a presidência do Brasil, Fernando Collor de Mello. Com a ajuda da elite empresarial brasileira, preocupadas com a possibilidade do outro candidato (Lula) vencer as eleições apostam suas fichas em Collor. Ao lado dele, seu braço direito, o tesoureiro da campanha para presidência, PC Farias, um homem de negócios, até então desconhecido, que se tornou o cérebro de um amplo esquema de corrupção. Nesse resumo, estão inseridas informações que nos ajudam ao longo da cronologia dos fatos.

Amante da aviação, inclusive seu avião mais famoso, o Morcego Negro, dá nome ao documentário, Paulo César Farias tem importante recortes de sua vida contada ao longo de duas horas de projeção. Sua ascensão como homem poderoso ligado ao presidente, sua vida pessoal ao lado da esposa e filhas, seu relacionamento posterior, suas fugas espetaculares, o circo midiático que se tornou sua vida, negociações mal explicadas, se misturam com os andares do conturbado cenário político brasileiro. Uma cronologia impecável, com riqueza de detalhes, contextualizada, indo a fundo sobre muitas questões.

Sobre a mais misteriosa situação que envolve PC Farias, seu assassinato, o documentário apresenta os fatos, opiniões de legistas deixando para o espectador uma série de reflexões. Foi queima de arquivo? A mulher com quem estava o matou? O que aconteceu de fato naquele dia e lugar?

Baseado em partes no livro Morcegos Negros de Lucas Figueiredo, esse documentário investigativo mostra a chegada ao poder e a queda de um figura que marcou a história da política brasileira. Um filme importante para conhecer mais sobre nosso país. Dia 21 de março chega aos cinemas. Imperdível.

 

Continue lendo... Crítica do filme: 'Morcego Negro'

25/02/2024

Crítica do filme: 'Ferrari'


A trajetória de um indecifrável homem da velocidade. Exibido pela primeira vez aos olhos do mundo no prestigiado Festival de Veneza do ano passado, Ferrari, novo trabalho do ótimo norte-americano de 81 anos, Michael Mann, joga na tela um recorte da vida de um poderoso personagem, enigmático, quase indecifrável, dominado por uma paixão avassaladora que domina sua trajetória no final da década de 50. Visuais milimetricamente pensados, cores, iluminação, moldam os diferentes momentos que a narrativa traduz das linhas do roteiro baseado na obra Ferrari -O homem por trás das Máquinas escrita pelo jornalista nova iorquino Brock Yates no início da década de 90.

Na trama, ambientada em 1957, um período de enormes crises para o todo poderoso do automobilismo Enzo Ferrari (Adam Driver) que vê seus dias se chocarem com conturbadas questões pessoais, envolvendo a amante Lina (Shailene Woodley) e a esposa Laura (Penélope Cruz), e uma necessidade de glória em uma famosa e perigosa competição de carros, com longa distância, chamada Mille Miglia, que parece ser a grande saída para uma estabilidade financeira e pro seu futuro nos negócios. O longo de pouco mais de duas horas de projeção vamos vendo um recorte profundo, intercalando momentos, de uma figura lendária do esporte mundial.

Num primeiro momento, e algo que percorre toda a narrativa, vemos um conturbado casamento, com o luto em andamento, um trauma recente da perda de um filho, algo que isolou qualquer possibilidade de normalidade na relação entre Enzo e sua esposa (também sua sócia, desde o início da famosa empresa uma década antes). Esses abalos matrimoniais viram estopins de conflitos que alcança a infidelidade e embates calorosos. Penélope Cruz e Adam Driver estão fabulosos em seus respectivos papéis, poderiam ter sido lembrados nas indicações ao Oscar, mesmo que esse ano nos brinde com também outras excelentes interpretações nas categorias Melhor Ator e Melhor Atriz.

Passamos então logo para o cenário automobilismo de uma era que se tornaria a base de tudo que conhecemos sobre a famosa escuderia italiana até hoje. Nesse ponto, o profundo drama se joga na mente de Enzo, sua intensidade e muitas vezes falta de trato social, tratando seus pilotos como meras peças em busca dos mais altos objetivos mas que traziam perigos constantes. Também há espaço para os embates entre Enzo e a imprensa da época. Um fato legal para nós brasileiros é a presença de Gabriel Leone, com bom tempo de tela, interpretando um dos pilotos da Ferrari.

Apenas um apaixonado por automobilismo? Um empresário sem compaixão que leva seus funcionários ao limite? Um marido infiel? Com um orçamento próximo da casa dos 100 milhões de dólares, Ferrari mostra as facetas de um homem que se joga em situações que lançadas em um oceano de dilemas flerta com as incertezas. Não é um contexto fácil de se mostrar, a narrativa parece que tem uma chave que vira a todo instante mostrando as intensidades do pessoal e profissional. Há muita coisa acontecendo ao mesmo tempo e o olhar do espectador precisa de atenção.

Quase três décadas buscando realizar essa obra, desde o início da ideia, o excelente cineasta Michael Mann brinda o espectador com uma direção impecável, envolvendo o espectador nos diferentes momentos na vida de um homem que marcou seu nome na história do esporte.


Continue lendo... Crítica do filme: 'Ferrari'

16/02/2024

, , ,

Crítica do filme: 'Zona de Interesse'


A normalidade de uma família e o horror de milhares de outras separados por poucos metros. Indicado em cinco categorias no Oscar 2024, inclusive Melhor Filme, o longa-metragem Zona de Interesse é uma jornada inquietante que nos leva de volta aos horrores feitos pelos nazistas sob a ótica de uma família alemã. Baseado no livro homônimo escrito por Martin Amis esse é um daqueles filmes que de tão impactantes demoram a sair de nossas memórias. Impressionantemente realista joga o espectador para os pensares daqueles terríveis tempos.

Na trama, ambientada na segunda guerra mundial, conhecemos Rudolf Höss (Christian Friedel), alta patente nazista e comandante do campo de concentração de Auschwitz que vive com sua esposa Hedwig (Sandra Hüller) e seus filhos em uma casa confortável levando a vida que sempre sonharam. O lugar é situado ao lado do campo de concentração mencionado, onde atrocidades foram cometidas.

Primeiro filme do cineasta britânico Jonathan Glazer em língua não inglesa, o projeto consegue passar sua forte mensagem através de uma captação de imagens impressionantes, entre outros fatores, com muitos planos abertos que se transformam na imersão à dinâmica daquela família. A naturalidade em contraponto as atrocidades sendo cometidas a poucos metros são chocantes e muito do que não é mostrado fica óbvio nas entrelinhas. Essa construção da linguagem cinematográfica e toda a sensação de aflição de um contexto marcante na história da humanidade é feito de forma sublime.

Esse é um daqueles projetos audiovisuais que precisam ser debatidos. Não só por sua apurada técnica quando pensamos em cinema mas também pelos debates que levanta a partir de um registro histórico doloroso porém necessário e pra nunca cair no esquecimento.


Continue lendo... Crítica do filme: 'Zona de Interesse'

06/02/2024

Crítica do filme: 'Moneyboys'


Os que sobram são aqueles que ninguém quer. A frieza sobre as escolhas, a estática solidão, o incisivo tom melancólico, a noção do que é o amor e seu sacrifício constante, são elementos importantes no primeiro trabalho na direção de um longa-metragem do cineasta chinês C.B. Yi, Moneyboys. Exibido no Festival de Cannes, o projeto explora também as mudanças de vida, a partir de uma China Rural para uma terra de oportunidades carregando em seus conflitos as dificuldades de entender a que preço são feitas escolhas que impactam na sua visão do mundo.

Na trama, conhecemos Fei (Kai Ko), um pouco no seu início na sua trajetória como garoto de programa que busca um pé de meia para ajudar a família até tempos mais tarde onde se vê preso em dilemas e conflitos. Os novos olhares sobre sua relação com a família, a aproximação com um jovem que reflete muito do que ele era, e a redescoberta de um grande amor do passado transformam a trajetória do protagonista que cada vez mais se afasta de qualquer deslumbre sobre o que é realmente ser feliz.

O olhar atento de C.B. Yi se mostra uma peça importante nesse trabalho que escancara as curvas da vida aos olhos de um alguém sem referência, que desbravou o mundo em busca de um objetivo que era o de fazer sua família ter uma melhor condição. Os conflitos que contornam a trajetória do personagem começam exatamente desse ponto, como sua família enxerga a forma como ele ganha esse dinheiro. Em uma estrada dolorosa rumo sua identidade familiar, tentativas e mais tentativas de se aproximar dos laços que se desfizeram viram frustrações que desembocam em uma certa paralisia do almejar dias melhores. O filme caminha pela dor através de imagens que impactam a experiência.

Sem esquecer de apresentar o fator importante do embate do rural e o urbano de uma China com vários pontos de vistas, o desenvolvimento do personagem se encaixa também em paralelos universais, o fator importante do relacionamento entre as pessoas onde gera muitas reflexões. A culpa, outro elemento importante e escancarado em tela, logo chega nos traumas de um passado nunca esquecido que chega acoplado num grande amor adormecido. A narrativa se mantém constante no seu tom melancólico sem perder o ritmo.

Ao longo de duas horas de projeção, Moneyboys, exibido também na última edição do Festival do Rio, tem o mérito de fazer perguntas e logo jogar essas questões para reflexões do espectador, através de um introspectivo personagem, que aos olhos dos outros entra em uma espiral de dúvidas sobre outros caminhos que poderia seguir, até mesmo conselhos que pode dar, quase um nômade da própria felicidade, que busca seu caminho para dias melhores através de uma tempestade de conflitos. Belíssimo primeiro trabalho de C.B. Yi.


Continue lendo... Crítica do filme: 'Moneyboys'

02/02/2024

, ,

Crítica do filme: 'Segredos de um Escândalo'


A ultrapassagem das linhas da moral. Indicado para um Oscar, o de roteiro original, o novo trabalho do cineasta californiano Todd Haynes joga ao público uma história repleta de variáveis tendo um complexo decifrar, com fundo investigativo, que transforma o filme em um dosado suspense que tende seus esforços na leitura de uma personagem enigmática que se esconde em uma nada aparente tranquilidade. Segredos de um Escândalo tem um roteiro que busca nos detalhes e descobertas, circular com profundidade nos conflitos.

Na trama, conhecemos a famosa atriz Elizabeth (Natalie Portman) que aceitou recentemente um papel no cinema que é o de uma personagem real, Gracie (Julianne Moore), que no passado teve sua vida exposta e envolvida em um crime, já que manteve relações com um jovem menor de idade que hoje é seu marido Joe (Charles Melton). Buscando ir atrás de segredos desse relacionamento, Elizabeth não medirá esforços para descobrir novas verdades desse casal, moradores da cidade costeira de Savannah.

Exibido no Festival de Cannes em 2023, onde foi logo adquirido pela toda poderosa dos streamings Netflix, o projeto apresenta diversos questionamentos mas com as peças já definidas pelo ato absurdo no passado, a união bastante contestada que vira o estopim de todos os conflitos que se seguem. A partir disso, uma análise psicológica vai moldando o ritmo de uma narrativa que encaixa seu foco em um triângulo de personalidades distintas que deixam margens interpretativas nas entrelinhas.

Assim, chegamos em uma atriz e meio a uma pesquisa minuciosa que insiste em cruzar as linhas da moralidade, uma mulher que parece se esconder do seu crime, um jovem adulto totalmente imaturo que parece ter perdido sua adolescência se dedicando a um relacionamento que nem sabe se julga como amor. Quando se encontram, a partir de uma iminente nova exposição, os desencontros em versões são as surpresas que são entendidas de diversas formas pelos próprios personagens. Quando pensamos em Elizabeth e Gracie e seus embates por trás da aparente amistosa relação, são interessantes as cenas com os espelhos que aparecem, mais de uma vez, dando real sentido de um buscar entender uma a outra, dentro de um contexto de fatos inadmissíveis.

Filmado em apenas 23 dias, Segredos de um Escândalo não é uma história fácil de se contar, talvez por isso a narrativa pode se perder ao buscar seu ritmo em um suspense mas com fortes conflitos emocionais batendo na porta a toda hora.  


Continue lendo... Crítica do filme: 'Segredos de um Escândalo'
, , ,

Crítica do filme: 'Pobres Criaturas'


A libertação aos olhos ingênuos de um renascimento. Indicado para 11 Oscars e com um chamativo estilo visual repleto de referências, absorvendo uma peculiar identidade na linguagem, o novo trabalho do cineasta grego Yorgos Lanthimos pulsa em tons e sensações, longe do pudico, apresentando uma história de uma volta à vida que dialoga com os tabus de uma época. Adaptação de uma obra homônima escrita pelo escritor britânico Alasdair Gray no início dos anos 90, Pobres Criaturas foi exibido pela primeira vez no Festival de Veneza, onde levou o prêmio máximo do evento, o Leão de Ouro.

Na trama, conhecemos Bella Baxter (Emma Stone), uma jovem que ganhou uma segunda chance na vida após ser salva da morte pelo Dr. Godwin Baxter (Willem Dafoe), um excêntrico cientista famoso por experiências bizarras. Buscando reaprender valores e o básico da vida, Bella logo se abraça a necessidade do livre-arbítrio embarcando assim em uma enorme aventura quando foge com um duvidoso advogado chamado Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo).

Com muitas cenas filmadas em estúdio, é notório o uso de um estilo visual fascinante com total domínio de uma própria criação na identidade da linguagem, com experimentos na fotografia, trocas de lentes e a busca constante pelo alcançar o peculiar. Méritos de Yorgos Lanthimos, cineasta grego que antes de impactar o mundo do cinema logo no seu terceiro longa-metragem (Dente Canino) foi uma das mentes criativas da abertura e encerramento das Olimpíadas de 2004 em Atenas.

A narrativa, com um impressionante dinamismo, nos leva para uma verdadeira epopeia que alcança o desejo da descoberta em um contexto inserido dentro da era vitoriana em um cenário europeu ainda tímido em relação as interpretações sobre a moralidade. O roteiro usa com habilidade a atemporalidade ligada à críticas sociais para realizar um trabalho primoroso que gera muitas reflexões.

O uso de imagens chocantes dentro de uma linha surrealista que vai do absurdo ao sensível, explorando o abstrato das emoções através de um eficiente tour, transborda até seus ótimos personagens, com destaque para a atuação impecável de Emma Stone como a grande protagonista. Pobres Criaturas pode ser definido como uma fábula ligada ao comportamento humano que caminha pela estranheza para debater o atemporal em uma sociedade ainda carente de bons debates.

  

Continue lendo... Crítica do filme: 'Pobres Criaturas'
, ,

Crítica do filme: 'Os Rejeitados'


Não nascemos só para nós mesmos. Indicado para cinco Oscars e trazendo para reflexões o acordar para a maneira que levam a vida alguns personagens que possuem em comum a ausência e suas lacunas, Os Rejeitados parte das companhias inusitadas, passando pelo luto, problemas familiares, abrindo seu leque de emoções através de um roteiro sublime que nos faz pensar sobre a importância do entender um outro alguém. Dirigido pelo ótimo cineasta norte-americano Alexander Payne e escrito por David Hemingson (em seu primeiro roteiro para um longa-metragem) esse é um daqueles filmes que vão morar nos corações de muitos nesse ano.

Na trama, ambientada no início da década de 70, conhecemos Paul (Paul Giamatti), um exigente, até mesmo rabugento, professor de história das civilizações antigas que se dedicou toda sua vida lecionando em Barton, um colégio internato de grande prestígio na região da nova Inglaterra. Perto das comemorações de natal, ele fica responsável por alguns alunos que não visitarão as famílias e ficarão nesse lugar. Assim, acaba tendo seu destino cruzado com um dos alunos, Angus Tully (Dominic Sessa), um jovem que se mete em muitos problemas desde que sua mãe iniciou uma nova família, e também com a cozinheira do lugar, Mary (Da'Vine Joy Randolph), uma mãe com uma enorme perda recente.

O que é o equilíbrio no seguir em frente na vida? O pensar, o sentir, o agir são estágios, aqui vistos como camadas dos conflitos, que são minuciosamente colocados em tela através do caminho e interseções dos três personagens. Um lugar frio (que remete ao estado emocional dos personagens), o luto, problemas familiares, situações não resolvidas no passado veem à tona modelando assim uma narrativa linear, detalhista, que empurra seu clímax em arcos conclusivos, desenvolvidos através das interações, a troca de experiências, dentro de um olhar sensível para o relacionamento interpessoal.

Os corações preenchidos tem espaço para mais momentos felizes? Qual o sentido da felicidade? Através da compreensão do olhar ao próximo, o desabrochar para novas maneiras de pensar seus próprios conflitos se tornam um objetivo de cada um dos personagens. Mesclando a imaturidade com seu total oposto, o foco é centralizado no professor amargurado pelo seu passado que usa a disciplina como um escudo para nunca o verem por completo através dessa defesa. É uma linda composição de personagem de Paul Giamatti, que merece todos os prêmios por seu impactante papel. Outro destaque é Da'Vine Joy Randolph, impecável no seu difícil papel, emociona e diz muito pelo olhar.

Estreando aos olhos do mundo no prestigiado Festival de Toronto do ano passado, todo rodado em locações reais, longe de qualquer estúdio, Os Rejeitados se posiciona como uma parábola social, expondo os reflexos através de profundas camadas ligadas às emoções variadas e os mais distantes tipos de ausência.


Continue lendo... Crítica do filme: 'Os Rejeitados'

19/01/2024

, , ,

Crítica do filme: 'Anatomia de uma Queda'


As hipóteses de uma tragédia. Vencedor de muitos prêmios, inclusive a Palma de Ouro em Cannes além dos prêmios de melhor roteiro e melhor filme estrangeiro no Globo de Ouro, o longa-metragem Anatomia de uma Queda nos leva para o campo das suposições, dos dilemas, na vida de uma família que desmorona por completo após uma fato impactante. Escrito e dirigido pela cineasta francesa Justine Triet, o projeto caminha de forma minuciosa pela exclusão da determinação, jogando todos seus holofotes para os fatos, conclusões e achismos que envolvem um casamento em crise que se afunda em frustrações, com a presença de um fardo emocional marcante, após uma outra tragédia no passado.

Na trama, conhecemos Sandra (Sandra Hüller), uma famosa escritora alemã que mora com o marido francês, o também escritor Samuel (Samuel Theis), e o filho Daniel (Milo Machado Graner), de 11 anos, na região dos alpes franceses. Certo dia, Samuel é encontrado morto em uma parte na frente da casa. A polícia logo começa uma investigação e começa a suspeitar que Sandra cometeu o crime, iniciando assim uma jornada de incertezas rumo as verdades em um detalhado julgamento onde o filho do casal, que ficou com deficiência visual após um acidente num passado recente, pode ser uma testemunha chave.

Um rompimento após uma tragédia. O roteiro é engenhoso, detalhista, traça os perfis de suas peças chaves com bastante eficiência. Somos jogados para dentro de verdades de um casamento que desmorona de vez quando se choca com um fato marcante. O egocentrismo, o egoísmo, a inveja, se tornam recorrentes na vida desse casal de escritores. Há também o ponto de vista do jovem Daniel, suas interpretações para tudo que presencia no cotidiano, onde os dilemas se seguem dentro de uma angustiante situação.

Mas como se chega até a culpa ou a inocência? O filme foca nisso? Anatomia de uma Queda é também um filme de tribunal, onde todos buscam compreender o ocorrido, mesmo essa conclusão sendo posta em segundo plano. A narrativa busca olhares para essa família mas com a falta do dinamismo, onde cada detalhe da investigação se sustenta no campo das suposições, assim é compreensível achar o filme maçante em alguns momentos.

O desmoronar através de um fato é uma das peças do efeito dominó que se chega na sua conclusão onde não existe uma verdade absoluta, onde a frustração vira uma tatuagem marcada nas emoções. Anatomia de uma Queda deve marcar presença no mais famoso prêmio do cinema, o Oscar, em algumas categorias. É um projeto que necessita de atenção total durante suas duas horas e meia de projeção.


Continue lendo... Crítica do filme: 'Anatomia de uma Queda'

11/01/2024

Crítica do filme: 'Beekeeper - Rede de Vingança'


Tiro, porrada, bomba e abelhas. Com um olhar superficial sobre cibercriminosos, organizações secretas, corrupção, que se abraça no mais do mesmo sem medo de ser feliz, Beekeeper - Rede de Vingança nos apresenta um invencível anti-herói estacionado em um recorte repleto de peças soltas que não foge do lugar comum, caminhando rapidamente rumo ao previsível. Rodado nos Estados Unidos e na Inglaterra, a maior parte na segunda, o projeto é protagonizado por um dos mais conhecidos astros de filmes de ação da atualidade, Jason Statham.

Na trama, conhecemos Adam Clay (Jason Statham), um introspectivo homem, apicultor, que aluga um espaço para sua criação de abelhas no terreno de uma simpática senhora. Quando essa mulher cai em um golpe pela internet, onde perde todas suas economias, Adam vai em busca dos criminosos e assim revelando seu passado como ex-membro de uma organização secreta e muito temida pelo alto escalão do governo (os Beekeepers). Com seus atos moralmente questionáveis sendo expostos a cada cena, nesse projeto acompanhamos a saga desse anti-herói rumo a sua vingança implacável.

A primeira coisa que nos perguntamos quando vemos o título do filme: qual o sentido aqui de Beekeeper? O que seria essa rede de vingança? Essas respostas, por mais incrível que pareça, simplesmente não existem no roteiro assinado por Kurt Wimmer. Essa falta de desenvolvimento das questões que giram sobre tal organização secreta praticamente anulam o caminhar dos conflitos dentro do arco dramático do protagonista.

Se formos comparar por exemplo com a saga John Wick, o primeiro ponto logo após o início dos conflitos do personagem interpretado por Keanu Reeves é uma apresentação objetiva de tudo que o contorna. É simples, quando uma peça fundamental não é desenvolvida, pontas soltas são vistas aos montes jogando o foco para uma ação sem freios. Exatamente o que acontece em Beekeeper - Rede de Vingança.

Desde sua estreia nos cinemas no final da década de 90, no ótimo longa-metragem de Guy Ritchie, Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes, o ex-mergulhador profissional Jason Statham, que antes da fama, durante muitos anos, foi integrante da equipe nacional de mergulho da Inglaterra, esteve em inúmeras produções como coadjuvante até conseguir ser a estrela principal e um rosto muito conhecido. Pena que nesse filme, seu carisma é sugado e nem mesmo as tentativas de pausas dramáticas se encaixando entre um combate e outro salvam esse que é um do seus mais esquecíveis personagens da carreira.

O cineasta norte-americano David Ayer, responsável pela direção, tem filmes interessantes na sua carreira atrás das câmeras. Marcados para Morrer e Corações de Ferro, por exemplo, são projetos onde há um forte desenvolvimento dos personagens, uma desconstrução bem detalhada, um olhar para as fraquezas, algo bem pé no chão o que de certa forma aproxima o espectador pois flerta com a realidade. Não é o que acontece nesse seu novo projeto que muitas vezes, longe de qualquer complexidade narrativa, se resume as bem coreografadas cenas de ação e a banalidade de um personagem que simplesmente não se desenvolve.

 

Continue lendo... Crítica do filme: 'Beekeeper - Rede de Vingança'

10/01/2024

,

Crítica do filme: 'Mal Viver'


Não existe band-aid para grandes feridas. Selecionado de Portugal para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro 2024, Mal Viver nos apresenta um intrigante olhar para a figura materna repleto de inquietudes que nos tiram do lugar comum. Escrito e dirigido pelo cineasta João Canijo, baseado vagamente em sua própria infância, o projeto, muitas vezes desafiador, parece querer apontar seu norte para as lacunas do afeto, os conflitos persistentes de uma família, algo como uma página revirada em um mar de recordações trazendo na bagagem momentos de revelações tendo como alicerce uma personagem enclausurada numa bolha melancólica que parece aguardar sem pressa o último suspiro.

Na trama, conhecemos uma família de cinco mulheres que estão prestes a passar alguns dias juntas no hotel da família, numa região praiana, localizado em uma vila portuguesa do Município de Esposende. Entre idas e vindas dos hóspedes, conflitos entre elas se estabelecem tendo o passado como algo desafiador a ser relembrado. O epicentro se coloca na relação entre Piedade (Anabela Moreira) e Salomé (Madalena Almeida), mãe e filha, a primeira cheia de angústias e medos com uma depressão evidente, a segunda já na fase da faculdade, acabou de perder o pai e tenta se reconectar com a mãe com quem não nunca se deu bem.

A incerteza faz parte da vida mas se jogar nela é um passo doloroso para alguns. Partindo desse contexto, o conflito com a figura materna se mostra como a origem de tudo que vemos. Duas tentativas de reconexões de gerações entre mãe e filha, com barreiras entre elas, segue se sustentando nos desabafos desalinhados associados até a última gota de egoísmo. Em todos os casos, uma relação familiar danosa provoca a incapacidade de encarar os problemas de frente.

Vencedor de um importante prêmio na última edição do Festival de Berlim, o Urso de Prata (prêmio do júri), Mal Viver não se encosta em pausas dramáticas, a tensão é constante, mesmo assim há um espaço para o refletir. Subtramas também recheadas de conflitos vão se modelando conforme a narrativa apresenta seu ritmo lento, por vezes com imagens distantes, planos sequências, em busca de complementos do olhar do outro. O quebra-cabeça emocional proposto por Canijo é realmente perturbador, para o olhar mais atento tudo em cena tem um porquê.

 


Continue lendo... Crítica do filme: 'Mal Viver'

07/01/2024

Crítica do filme: 'O Segredo de Marrowbone'


A luta da mente contra o trauma. Lançado em 2017, reunindo rostos da nova geração no seu elenco, o suspense O Segredo de Marrowbone explora o fato traumático, o transtorno dissociativo de identidade, a percepção do que é ou não realidade, nos colocando diante de um labirinto emocional muito bem conduzido pela narrativa. Escrito e dirigido pelo cineasta espanhol Sergio G. Sánchez, debutando na função de diretor, inclusive indicado ao Prêmio Goya em 2018 por esse trabalho, o projeto consegue se manter constante na sua linha de tensão onde caminhamos por descobertas, levando a um desfecho onde se revelam as últimas peças de um quebra-cabeça engenhoso.

Na trama, ambientada no final da década de 60, mais precisamente quando o homem foi à lua, conhecemos quatro irmãos, Jack (George MacKay), Billy (Charlie Heaton), Jane (Mia Goth) e Sam (Matthew Stagg), que após o falecimento da mãe, vivem isolados em uma enorme casa longe dos grandes centros. Há algum segredo entre eles e aos poucos vamos entendendo melhor essa história após uma série de situações.

O que é o sobrenatural por aqui? Existe algo sobrenatural por aqui? Sobre o que exatamente é essa história? O roteiro, na sua busca de esconder os segredos, nos leva para uma análise ampla do trauma e suas consequências pelo olhar de irmãos que andam numa estrada de agonia e tensão constante. O medo é um elemento forte, muitas vezes implícito, que só vamos entender o seu real sentido quando chegamos no clímax do arco dramático do irmão protagonista, Jack. É preciso prestar a atenção para entender tudo no fim.

Depois de contribuir com outro cineasta espanhol, o J.A. Bayona, nos roteiros dos ótimos O Impossível e O Orfanato, Sergio G. Sánchez se mantém no suspense, na reflexão sobre a agonia e a consequência, aqui tendo como referência uma casa com dolorosas lembranças, o ponto que interliga seus personagens. O trabalho de direção de arte, fotografia, são interessantes. As emoções e seus conflitos muitas vezes são transmitidas em imagens que por exemplo usam a luz natural, sendo a única utilizada nas cenas dentro do casarão onde se passa a maior parte do filme.

O Segredo de Marrowbone não é aquele tipo de filme que vão ter muitas interpretações, o final é bem objetivo e explica as lacunas em aberto. Há a possibilidade do espectador embarcar em uma análise mais profunda pela mente humana em cima de um inconsciente que domina as ações.



Continue lendo... Crítica do filme: 'O Segredo de Marrowbone'