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14/06/2021

10 Ótimos Filmes Dirigidos por Mulheres - Parte 2

Seguimos em nossa jornada, com uma parte 2 repleta de diversidade nas tramas, para apresentar ótimos filmes dirigidos por mulheres de todo o mundo. Mesmo com uma longa batalha para vencerem dentro de um universo audiovisual ainda muito machista, cada vez mais mulheres estão trabalhando com cinema em diversas áreas da indústria cinematográfica.


Nosso especial contínuo, de muitas partes que serão postadas ao longo dos meses, tem o intuito de mostrar ao público diversos filmes, alguns que passaram desapercebidos pelo público inclusive, que são dirigidos por excelentes profissionais de cinema.


Diretoras dos longas-metragens abaixo:


Catherine Corsini, Kelly Fremon Craig, Lorene Scafaria, Bettina Oberli, Emma Seligman, Maïwenn, Emily Ting, Chloé Zhao, Isabella Eklöf e Silja Hauksdóttir.

 


Um Belo Verão (França, 2015)

 

Tão bom morrer de amor e continuar vivendo. Dirigido pela cineasta francesa Catherine Corsini, do ótimo Partir (2009)Um Belo Verão, que fez parte da programação do Festival Varilux de Cinema Francês 2016, é um filme que fala sobre a luta das mulheres na década de 70 e um amor que nasce ingênuo e vira uma página importante na história das envolvidas. Um dos grandes destaques do longa-metragem é o belo roteiro assinado pela dupla Catherine Corsini e Laurette Polmanss que consegue com maestria dominar a atenção do público contando sempre com a ajuda de uma singela dose de empatia das ótimas personagens. 

 

Na trama, acompanhamos a trajetória da jovem Delphine (Izïa Higelin), filha única que vive no interior da França com seu pai e sua mãe. Certo dia, resolve abandonar sua família para descobrir o mundo em uma Paris no ano de 1971, lugar onde está passando por uma época de transformações intensas ligada à liberdade sexual e ao feminismo. Assim que chega na capital francesa, logo se aproxima de uma grupo de mulheres que lutam pelos direitos das mesmas, fazendo inúmeros protestos e invadindo conferências sobre temas polêmicos. Uma das líderes do grupo é Carole (Cécile De France), uma bela mulher que vive com seu namorado Manuel. Com o passar do tempo, Delphine e Carole vão se aproximando e acabam de apaixonando intensamente, provocando uma série de conflitos para ambas. 

 

Um Belo Verão se sustenta na força do amor. Fala com garra e inteligência sobre a força das mulheres em sua constante luta de igualdade de direitos. Entre esses dois universos, o do amor e o da luta feminina, giram as ótimas personagens interpretadas pela excelente atriz belga Cécile de France e pela jovem francesa Izïa Higelin. Delphine é uma jovem que sempre ajudou seu pai nos trabalhos na fazenda onde mora. Quando descobre Carole, uma mulher independente, pra frente, com muita atitude e delicadamente bela se entrega completamente a uma paixão cercada de preconceito e dúvidas em relação à liberdade desse amor. Carole descobre sua sexualidade com Delphine, se entrega e se apaixona como nunca antes fizera, vive a cada dia tentando mostrar ser merecedora do amor de Delphine. O conflito entre as duas acontece por conta da fragilidade nas atitudes de Delphine que tem muito medo do que os outros vão pensar se descobrirem sobre elas.

 

Se o final é triste ou não, não vou dizer. Mas acredito muito que esse belo trabalho deixa em nossa memória uma linda mensagem sobre como viver. A liberdade, a igualdade, pontos importantes na ideologia francesa ao longo das décadas, são fundamentais para que tenhamos o livre arbítrio de respirar as experiências de vida que achamos as mais felizes para nossa existência.

 

 

Quase 18 (EUA, 2017)


Na adolescência tudo parece o fim do mundo, mais é apenas o começo. Escrito e dirigido pela estreante em direção de longas metragens Kelly Fremon CraigQuase 18 é uma grande aventura na estrada sempre complicada da adolescência. Diferente de outros longas com o tema que não conseguem reunir um grupo de situações/argumentos interessantes, Quase 18 navega com muita sabedoria e honestidade nessas águas conturbadas dessa fase da vida. O elenco é de primeira, encabeçado pela jovem veterana Hailee Steinfeld e com coadjuvantes de peso como os ótimos Woody Harrelson e Kyra Sedgwick

 

Na trama, conhecemos a ‘aborrecente’ Nadine (Hailee Steinfeld), uma jovem com diversas dificuldades em se socializar com pessoas de sua idade que acaba perdendo seu pai, um dos seus únicos portos seguros. Sua relação com sua mãe Mona (Kyra Sedgwick) e seu irmão Darian (Blake Jenner) sempre foi complicada e as coisas só pioram quando uma de suas poucas amigas Krista (Haley Lu Richardson) acaba se apaixonando pelo seu irmão. Assim, ao longo dos conflituosos dias, Nadine terá que viver situações para chegar ao verdadeiro entendimento sobre os valores da vida, para isso contará com a ajuda inusitada de seu professor Mr. Brunner (Woody Harrelson).

 

O roteiro, escrito pela diretora, é excelente. Passamos em cerca 105 minutos por algumas fases da vida da protagonista, uma adolescente rebelde que mantém um relacionamento extremamente difícil com sua família. No primeiro arco, vemos uma fase pré adolescente que, de maneira bem rápida, nos ajudar a compor as principais características e modo de pensar da personagem. O desespero fica maior quando sua melhor amiga, e praticamente única, já na fase de high school, acaba se apaixonando por seu irmão e resolve optar pela distância e embarcando em uma fase de novas descobertas e abrindo os olhos para pessoas que já conhecia mas não conseguia enxergar. O professor Brunner, acaba chegando como um amigo, fazendo um papel parecido com um pai tentando dar bons conselhos e usando, muitas vezes, a mesma linguagem da personagem, é a memória do pai, seu maior porto seguro, que o professor acaba personificando aos olhos da jovem. 

 

Quase 18, tinha tudo para ser mais um enlatado norte-americano esquecível mas logo nos primeiros minutos vamos percebendo que esse filme seria uma grata surpresa. Não percam esse filme!

 

 

A Intrometida (EUA, 2015)


A felicidade é uma estação intermédia entre a carência e o excesso. Escrito e dirigido pela diretora e roteirista Lorene Scafaria, que entre outros trabalhos foi roteirista do ótimo Nick & Norah: Uma Noite de Amor e Música e dirigiu o peculiar Procura-se um Amigo para o Fim do MundoA Intrometida é um drama disfarçado de comédia com um tom melancólico muito profundo que é atenuado pela atuação carismática da veterana Susan Sarandon. Falando com propriedade de assuntos que vão da dor da perda à vontade de se reencontrar, aos poucos, o filme se torna uma grata surpresa que vai deixar muito cinéfilo com sorrisão aberto. 

 

Na trama, conhecemos a carinhosa Marnie Minervini (Susan Sarandon), uma mulher já na metade final de sua vida que recentemente perdeu seu companheiro de toda uma vida. Completamente sem rumo, resolve se mudar para mais próximo de sua filha Lori (Rose Byrne), em Los Angeles, na Califórnia. Expondo sua solidão de diversas e muitas vezes engraçadas maneiras, Marnie acaba invadindo a privacidade de sua filha a todo instante (fruto de uma carência do momento) e após um chega pra lá de Lori, Marnie embarca em uma jornada de descobertas onde irá conhecer pessoas que mudarão para sempre esse momento instável que vive. 

 

Com um orçamento que girou em torno de 10 Milhões de Dólares, A Intrometida se sustenta, além de outras coisas, na força de seus coadjuvantes. Os dramas de Lori, a filha da protagonista, são tão complexos quanto os de Marnie, perdeu o namorado para outra mulher, se encontra sozinha e depressiva. O filme às vezes brinca com essa depressão da dupla, envolvendo o espectador em cenas hilárias, talvez para dar um tom um pouco mais leve para falar sobre assuntos bem densos e complicados. J.K. Simmons, nosso eterno professor Fletcher (Whiplash) e seu ótimo personagem Zipper, preenche uma lacuna muito interessante na história que é o amor. Susan Sarandon, ganhadora do Oscar em 1996 pelo excelente Os Últimos Passos de um Homem, aproveita todos esses elementos e transforma sua personagem em uma curandeira dos seus próprios conflitos internos, uma aula de simpatia e atuação dessa sempre surpreendente atriz.

 

Exibido no Festival de Toronto 2015, esse longa metragem é um daqueles projetos que vão melhorando a cada cena. Com um começo meio morno onde o foco é explicar, em pouco tempo, toda uma personalidade complexa e abalada pela carência, o filme a partir do segundo arco foca nas reviravoltas das consequências que impactam na vida da protagonista, e aí o filme cresce muito. Com a personagem principal exalando carisma, diversas cenas hilárias, um roteiro pra lá de competente e uma direção firme, a dramédia se coloca como um grande aulão de terapia com o foco na arte de viver.

 

 

Minha Incrível Wanda (Suiça, 2020)

Como uma família pode buscar soluções para uma situação de crise que engloba a todos? Tudo é movido a dinheiro nessa vida? E se não? Qual a solução? Minha Incrível Wanda, que esteve na programação da Mostra de SP de 2020, é um conto atual que reúne uma família rica repleta de personalidades diferentes e uma trabalhadora polonesa que precisam resolver, com todos saindo ganhando, uma situação pra lá de inusitada. Dirigido pela cineasta Bettina Oberli (que também assina o roteiro ao lado de Cooky Ziesche) somos levados as loucuras do fato com muita habilidade e com riqueza nos detalhes que compõem as excentricidades em contraponto à inconsequência. Há simbolismos bastante delicados na construção do eminente, marca registrada de todo bom cineasta.  

 

Na trama, conhecemos a jovem trabalhadora polonesa e mãe de dois filhos Wanda (Agnieszka Grochowska) que a cada nova temporada trabalha durante alguns meses para uma família rica na Suíça. Sua prioridade nos afazeres é cuidar do já debilitado Josef (André Jung) como uma espécie de enfermeira. A família adora Wanda, principalmente Josef. Só que as vezes, principalmente quando chega de madrugada, Wanda e Josef, escondido dos demais, entram em um acordo que causará graves confusões e situações para toda a família.

 

O imprevisível engenhoso roteiro, muito bem definido em seus arcos expostos em números romanos, produz uma série de situações complicadas que vamos buscando compreensão pela ótica conturbada e emocionalmente abalada dos ótimos personagens. Há vários contrapontos interessantes que vão se solucionando como reflexões da sociedade, até mesmo conflitos mais do que batidos entre classes sociais. No primeiro arco, entendemos os personagens, e somos apresentados ao conflito; no segundo chega o conflito e suas primeiras impressões de todos; no terceiro, as tentativas de soluções para que todos ganhem com a situação. Tudo muito simples, objetivo e bastante verdadeiro. Destaque também para a trilha sonora assinada pelo duo Grandbrothers formado em Düsseldorf pelo suiço Lukas Vogel e o alemão Erol Sarp. Ótimo filme.


Shiva Baby (EUA, 2021)


Quando o trágico encontra seu equilíbrio no cômico. Disponível na plataforma MUBI, Shiva Baby nos mostra segredos, famílias, mentiras. Todo tipo de drama se afunila no campo das surpresas, em encontros quase inimagináveis, além de situações mal resolvidas em um passado recente de uma jovem em grandes conflitos quando resolve ir com os pais a uma reunião tradicional após um funeral, parte da tradição judia. O confronto com seu modo de viver, do qual foi criada, essas tradições de sua família judia, vira rebeldia e parece que acompanhamos o clímax, da primeira cena até os acontecimentos dentro de um leque de situações constrangedoras que se juntam aos montes somadas a um eminente insucesso nas suas tentativas já frustradas de liberdade sem limites. Um grande filme, escrito e dirigido pela cineasta Emma Seligman, um dos melhores disponíveis pelos streamings aqui no Brasil.

 

Na trama, conhecemos Danielle (Rachel Sennott), uma jovem que se prostitui sem que seus pais saibam de nada. Um dia, resolve acompanhar os pais (que a bancam desde sempre), a um pós funeral de uma amiga da família judia que pertence. Nesse dia, que é uma reunião em uma casa, acaba encontrando antigos amores, conflitos com seus pais por conta dos seus objetivos na vida, desconfiados olhares de conhecidos e uma surpresa ligada à sua vida na prostituição. Prestes a chegar a um ataque emocional, vamos descobrindo todas as fraquezas e inconsequências que acompanham a complexa protagonista. Lembra um pouco, mesmo com inúmeras diferenças, a também ótima comédia britânica Morte no Funeral.

 

Parece que estamos olhando pelo buraco da fechadura no campo das emoções da protagonista, um mérito de um afiado roteiro e uma lente detalhista de Seligman. Há também um equilíbrio entre o trágico e o cômico. A protagonista busca sua liberdade ser alguém à frente do seu tempo. Mas comete o erro, fruto de sua imaturidade, de não buscar desenvolver alternativas para suas inconsequências, como se estivesse em órbita somente com seus impulsos esquecendo dos complementos vitais para um equilíbrio de felicidade e dedicação.

 

Eminentes conflitos, um peso na consciência, buscando no desespero de se sobressair, almejando uma perfeição por meio de mentiras, elementos que obviamente levarão a personagem a um limite emocional, quase um divisor de águas sobre sua vida. Há uma busca de reconhecimento de seus pais mas envolvida em muitas mentiras e foco descontrolado sobre o que quer da vida, fora a mordaça imaginária que se coloca que fica evidente quando se vê sem saída sobre como resolver todas as situações que estão em descontroles na sua frente. Shiva Baby apresenta um complexo cenário sobre abalos emocionais, reunidos com um certo clima de tensão, um filme que todo psicólogo deveria assistir, além de todos que amam uma boa história, um bom cinema. Bravo!

 

 

Meu Rei (França, 2015)


Não quero que pense em mim sem motivos, mas que faça de mim o motivo dos seus pensamentos. Depois de dirigir o excelente Polissia, quatro anos atrás, a cineasta e atriz francesa Maïwenn volta para trás das câmeras dessa vez para dirigir um intenso drama que em pouco mais de 120 minutos de projeção encara a difícil missão de mostrar a vida de um casal com temperamentos diferentes que quando se juntam uma série de inconsequências acontece levado ambos a um extremo destrutivo. Impressionante a atuação da dupla de protagonistas, Emmanuelle Bercot venceu o prêmio de melhor atriz em Cannes em 2015 por esse papel.

 

Na trama, acompanhamos a trajetória de Tony (Emmanuelle Bercot) e Giorgio (Vincent Cassel), um casal que briga mais do que faz amor, muito por conta do jeito possessivo de ser do segundo. O filme traça e mostra um paralelo sempre na visão de Tony, onde no primeiro andamento está se recuperando de uma grave lesão ortopédica e paralelamente vamos conhecer sua história e todo o começo da relação conturbada com o futuro marido. O público acompanha de perto todo o trajeto dessa história que emociona e toca profundamente nossos corações. 

 

São duas visões completamente diferentes sobre o relacionamento. Georgio é um saudosista da liberdade, da inconsequência, ano após ano muda muito pouco mesmo que comece a entender melhor o mundo ao seu redor e sua família. Já Tony é a parte que mais sente todo o desenrolar da trajetória do casal. Antes uma confiante mulher, começa aos poucos a perceber que seu marido é um homem desequilibrado que em muitos momentos deixa seu lado egoísta dominar a relação dos dois. Tony sofre demais, explora suas tristezas mais profundas e tenta a todo tempo dar a volta por cima (a construção de desconstrução de Tony é feito com maestria por Bercot que mostra todo seu talento em cena), contando com a ajuda de seu irmão Solal (Louis Garrel), o único que percebe logo de cara que Georgio levaria sua irmã ao limite.

 

O paralelismo que acontece, mostrando duas fases na vida de Tony é uma das grandes sacadas do roteiro, escrito pela própria diretora e pela roteirista Etienne Comar. Impressionante como as duas fases se encontram no final fazendo tudo um grande sentido para o público entender mais profundamente todas as transformações que passou a protagonista. Meu Rei, que fora exibido no Festival Varilux de Cinema Francês de alguns anos atrás é uma pequena obra-prima que o cinema francês brinda todos nós cinéfilos. Bravo!

 

 

Already Tomorrow in Hong Kong (EUA, 2016)


Selecionado para diversos festivais durante todo o ano de 2015, estreou nos Estados Unidos em fevereiro de 2016, uma curiosa trama, que um pouco se assemelha à clássica trilogia de Richard Linklater, Antes do Amanhecer/Antes do Pôr-do-Sol/Antes da Meia-NoiteAlready Tomorrow in Hong Kong é uma micro mais contagiante história de amor intangível. Ao longo dos curtíssimos 78 minutos de projeção, somos testemunhas de profundos diálogos que vão de uma criativa crítica ao mundo da tecnologia até as razões pelas quais amamos alguém. Jamie Chung e Bryan Greenberg, os protagonistas, dão um espetáculo de harmonia e fazem toda a magia do cinema acontecer a partir do poder que as palavras possuem na hora que você conhece alguém. Ótima direção da cineasta Emily Ting.

 

Na trama, conhecemos Josh (Bryan Greenberg), um jovem banqueiro norte-americano que mora faz uma década em Hong Kong. Certo dia, quando está do lado de fora de onde acontece a festa de sua atual namorada, acaba conhecendo a bela Ryby (Jamie Chung), com quem acaba passando as horas seguintes passeando pelas ruas de Hong Kong. Em certo momento, quando Ruby descobre que Josh tem namorada, eles se despedem. Um ano mais tarde, por uma brincadeira do destino talvez, eles voltam a se encontrar por acaso e agora precisam se entender, saber realmente se vão ser marcantes na vida de cada um.

 

Todo bom diretor sabe, assim como os jurados de Master Chef Brasil, que o menos é mais. A diretora e também roteirista deste singelo e profundo trabalho Emily Ting, em sua primeira direção de um longa-metragem, adota essa tática de confiar 100% no roteiro e na interação dos seus personagens principais. Com diálogos inteligentes e objetivos, além de compreendemos melhor as personalidades dos protagonistas, conseguimos ficar com aquele sentimento de surpresa na espera do que realmente pode acontecer quando esss dois mundos bem diferentes se chocam. Há semelhanças com a trilogia de Linklater, mas Already Tomorrow in Hong Kong consegue ter sua própria essência, mexe com nossos corações e foca num princípio sempre sugestivo, o da escolha que precisamos fazer em momentos chaves de nossas vidas.

 

A única coisa de ruim que possa ter nesse texto sobre esse lindo trabalho é a quase certeza de que esse filme não chegará ao circuito brasileiro. Talvez pela falta de observação cinéfilas das distribuidoras, talvez pela falta de coragem que ainda faltam em alguns de apostar em filmes que mexem com nossos corações e não tem artistas famosos contando a história. De certo, é que se você caro leitor tiver a chance de assistir a essa película, não perca essa chance. 

 

 

Nomadland (EUA, 2021)


O que é lembrado, vive. Um dos filmes mais badalados da premiação do Oscar desse ano, Nomadland, escrito (baseado no livro homônimo de Jessica Bruder), dirigido e editado pela cineasta chinesa Chloé Zhao é um road movie cíclico sobre a solidão e os desencontros em relação ao lugar no mundo de uma forte e solitária protagonista (interpretada pela ótima Frances McDormand). Nos faz refletir bastante sobre nossa existência e também sobre as estradas da vida que todos enfrentamos, cada qual a sua forma. Assuntos atuais como a crise econômica e as gangorras de um capitalismo que leva a maioria dos trabalhadores a serem um mero número sem piedade quando as dificuldades ou rendimentos abaixo do esperado chegam também estão presentes nesse belo trabalho vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza.

 

Na trama, conhecemos Fern (Frances McDormand) uma mulher mais velha que vive em uma Van antiga, nômade, pelas estradas da vida. Sem lugar fixo, trabalha em determinadas época do ano na mesma filial de distribuição da Amazon. Combate a solidão, o frio, as desconfortantes situações que precisar enfrentar para buscar respostas que tanto procura. Quando o amor chega inesperadamente, ou algo parecido com isso, acaba gerando uma espécie de conflito dentro dela e decisões precisarão serem tomadas.

 

Lar é só um nome ou é algo que carregamos conosco? A protagonista não é uma mulher perdida no mundo, na verdade é uma corajosa ser humana, dona de uma atitude para muitos radical mas que para ela se torna uma única saída. A decisão de viver sozinha a leva a um combo de emoções. A perda do marido, conexão com a natureza, à espera de uma palavra amiga nos momentos mais duros e difíceis, há muitos pontos para análise nessa construção profunda de uma personagem forte que aos poucos vai aprendendo a cada dia mais sobre a vida sozinha e sobre os obstáculos que pode enfrentar pelo caminho.

 

A direção é magistral. Zhao consegue nos mostrar as belezas da solidão, o elo da protagonista com a natureza (em cenas belíssimas) e a dureza de momentos conflituosos onde as lágrimas se tornam as grandes companheiras de viagem. Alguns acharão um ‘filme lento’ mas as conexões com a histórias estão por todo lugar, além disso, por conta de depoimentos de outros na mesma situação de Fern, em praticamente um retrato real sobre nômades, vamos refletindo sobre essa situação de muitas almas solitárias e suas escolhas em estarem sozinhos nas respectivas fases da vida que se encontram.  Belo filme.  

 

 

Holiday (Holanda/Suécia, 2021)

 

O paradoxo entre luxo e a violência sem limites. Após dois curtas-metragens e ter assinado o roteiro do polêmico filme Border, a cineasta sueca de 43 anos Isabella Eklöf chega ao seu primeiro longa-metragem na direção dando um grande bico na porta contando a trajetória de uma ingênua jovem e seu relacionamento abusivo com um gângster durante a passagem deles na cidade portuária de Bodrum, na Riviera turca. História impactante, cenas pesadíssimas, que embrulha o estômago mas faz refletir sobre a questão da redenção dentro de um camuflado deslumbre, se existe ou não. Holiday está disponível no ótimo catálogo do streaming Reserva Imovision.

 

Na trama, conhecemos Sascha (Victoria Carmen Sonne), uma jovem que desembarca em um aeroporto na Turquia para passar um tempo na casa de praia do namorado bandido Michael (Lai Yde) e acaba encarando uma normalidade de violência e abusos dentro do universo do namorado. Quando parece que começa a perceber que há algo errado, ou pelo menos que deseja sair daquele universo mesmo que de maneira não convicta, ela conhece um velejador holandês mas Michael não deixará as coisas irem para o rumo que estavam caminhando.

 

Selecionado para o Festival de Sundance no ano de 2018, Holiday, aborda paralelos que nos fazem entender melhor a protagonista, consumida por uma ingenuidade tamanha. Por exemplo, o medo vira um paralelo para o ar dessa ingenuidade que envolve a personagem, escolhas aparecem na sua frente a todo instante mas o deslumbre para com um vida de luxo e a acomodação de uma falsa liberdade parece que a deixam confusa a todo instante, mesmo seus instintos a levando para uma busca por uma outra realidade pois aquilo que vive não pode ser nem de longe um padrão para uma vida calma e tranquila. Nada ao seu redor a ajuda nesse caminho complicado, a chegada do velejador holandês parece que desperta nela uma reação de esperança, quase uma desconstrução sobre a sua visão daqueles dias naquele lugar.

 

Violência física, psicológica, o filme é recheado de fortes cenas que deixarão o espectador impactado. Esse poder de atingir chocando é o caminho tomado por Eklöf para mostrar os caminhos quase sem volta da vida, por escolhas que estão na nossa frente mas com todos os obstáculos que as vezes não nos fazem enxergar.

 

 

Agnes Joy (Islândia, 2019)


O choque do espírito pragmático com o espírito sonhador. Escrito e dirigido pela cineasta islandesa Silja HauksdóttirAgnes Joy, indicado pela Islândia ao Oscar no ano de 2019, caminha a curtos passos entre conflitos de mães e filhas de duas gerações, imposições sobre a vida, aquelas dentro da lógica de doutrinas de senso comum andando na linha do ‘normal social’. A rebeldia aliada à inconsequência, como as aparências enganam, como equilibrar a arte do sonhar, são questões que chegam forte nas nossas mais óbvias reflexões sobre o que vemos ao longo de menos de 90 minutos de projeção. Por mais que o nome do filme seja Anges Joy (nome da filha), a trama gira quase sempre em torno da mãe (interpretada pela ótima atriz Katla M. Þorgeirsdóttir). Um interessante trabalho, mais profundo do que aparenta ser.

 

Na trama, conhecemos Rannveig (Katla M. Þorgeirsdóttir), uma mãe rígida, controladora, comandante da empresa da família, a qual teve que assumir assim que seu pai faleceu interrompendo seus outros sonhos. Infeliz no trabalho, ela se desdobra entre a educação da filha adotada Agnes Joy (Donna Cruz), alguma atenção que busca do marido Einar (Þorsteinn Bachmann) e as aparências para os outros de sua ‘família perfeita’.  Quando a chegada de um novo vizinho, um ator conhecido por alguns, acaba mexendo um pouco nessa história vamos descobrindo os sentimentos escondidos dos personagens. Embaralhados pontos de vistas sobre o casamento mãe e pai completamente distantes ganham argumentos diversos.

 

Encontramos mais sentido sobre a vida, sentados vendo o mar, do que no meio do caos e estresse que pode virar nossa rotina. Nessa batalha entre o nublado e o céu de brigadeiro quando pensamos sobre nosso futuro, o foco para os paralelos acabam sendo dentro da questão familiar. Mãe, filha e pai, cada um à sua forma, buscam ser uma família perfeita aos olhos dos outros mas o cotidiano só comprova que não existe família perfeita. A primeira a se rebelar contra a mesmice infeliz é Agnes o que acaba preparando o terreno para Rannveig buscar se reinventar, dando sorrisos aos desejos, buscando não controlar tanto tudo e a todos mas as linhas do roteiro não desenvolvem Einar o que acaba deixando lacunas a serem preenchidas para um entendimento mais completo das transformações que acontecem.  



O filme possui poucas questões sobre o trabalho de Rannveig mas o pouco que aborda abre uma ótica para a questão de trabalhadores estrangeiros que arriscam tudo e imigram para países europeus em buscam de boas oportunidades mas muitas empresas colocam salários lá embaixo e poucas oportunidades, diferente do que seriam se fossem por um trabalhador local. Quase uma escravidão moderna. Mesmo na superfície, o filme levanta essa ótima questão global.

 


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02/05/2021

10 Ótimos Filmes Dirigidos por Mulheres - Parte 1


Durante muito tempo dentro de um universo machista na indústria cinematográfica, brilhantes profissionais mulheres, tiveram que lutar bravamente para mostrar seu talento não só para o público mas para quem manda no negócio cinema.


Depois de diversos escândalos expostos, lutando contra a estereotipagem de personagens femininos, muitas vezes usadas como âncoras para uma interpretação masculina, também pelos direitos iguais de pagamento por um trabalho, a mulher tratada como objeto em cena, essas profissionais conseguiram inúmeras conquistas nos últimos anos, inclusive duas cineastas indicadas ao Oscar (poderiam até ser três né? Não esquecemos do trabalho brilhante de Regina King no filme Uma Noite em Miami) em 2021.


Ainda longe do ideal de igualdade que merecem, a luta continua e esse que vos escreve sempre estará buscando conhecer e mostrar a todos lindos trabalhos dessas guerreiras da sétima arte. Assim, surgiu a ideia de termos uma lista constante, de dez em dez trabalhos, para você leitor conhecer alguns fantásticos trabalhos de diretoras de cinema.


Nessa primeira parte, temos filmes da França, dos Estados Unidos, da Geórgia, da Grécia, da Alemanha... cineastas holandesas, francesas, norte-americanas, gregas...


Espero que gostem. Abaixo a primeira lista:

 

The Mustang (França, 2019)


Exibido no prestigiado Festival de Sundance, The Mustang, primeiro trabalho como diretora de Laure de Clermont-Tonnerre e com o já experiente ator belga Matthias Schoenaerts no papel principal, é um filme bastante sensível que aborda fortes temas familiares através da mudança de perspectiva de seu protagonista que começa a se envolver em um trabalho diferente, mesmo dentro de uma prisão. O roteiro consegue boas profundidades para abordar vários temas que envolvem o protagonista conseguindo criar um elo importante para entendermos as ações e consequências ao longo dos 96 minutos de projeção.

 

Na trama, conhecemos Roman Coleman (Matthias Schoenaerts), um homem condenado a muitos anos de prisão (a causa conhecemos ao longo do filme). Pai e prestes a ser avô, ele é bastante quieto e fala pouco mas acaba ganhando a oportunidade de ser selecionado a um programa de reabilitação ligado a treinamento de cavalos que serão apresentados em leilões. Assim, Coleman acaba conhecendo um cavalo Mustang brabo que aos poucos acaba lhe ensinando e completando peças para se desenvolver em seu quebra cabeça de emoções que sempre guiaram sua vida.

 

The Mustang não é um filme para qualquer um, você precisa sentir o filme para gostar. Seu ritmo lento e a costura para o desenvolvimento profundo das emoções acabam sendo trunfos aos olhos atentos. A relação dele com a filha que não o perdoa é ótima, emocionante em vários pontos. Coleman é um protagonista de poucas palavras mas que diz muito nas suas atitudes de rebeldia e emoção que acaba transbordando com a entrada do animal em sua vida. O fazer sentido para quem está preso deve ser algo importante a analisar. Poucos filmes conseguem trazer esse sentido tão bem como explicado como esse interessante trabalho que infelizmente não conseguiu chegar ao circuito exibidor brasileiro.



Beginning (Geórgia, 2020)


Visual aos montes, verbal quando necessário. Selecionado para o Festival de Cannes (2020), Festival de Toronto (2020) e vencedor de prêmio no Festival de San Sebastian (2020), Beginning, dirigido e escrito pela cineasta georgiana Dea Kulumbegashvili, fala sobre intolerância religiosa e a luta constante contra traumas difíceis de superar e dúvidas recentes de uma protagonista que busca achar soluções para o que acredita. Há cenas fortes e angustiantes, também longos planos, além de uma inquietante câmera estática onde os personagens compõem a trajetória de ações ou até mesmo a força dos sentidos da natureza. Um impactante e duro filme de Kulumbegashvili. Disponível no MUBI.


Na trama, conhecemos um casal, Yana (Ia Sukhitashvili) e David (Rati Oneli), que moram numa cidade provinciana, no interior da Georgia, onde ministram uma comunidade de Testemunhas de Jeová. Um dia, um incêndio criminoso na igreja deles é causado por extremistas, a partir desse momento, a vida de Yana se transforma radicalmente.

 

Uma terra sem lei, um radicalismo que embaça o óbvio. Totalmente sozinha no forte trauma que sofre, Yana é uma guerreira solitária que precisa enfrentar até mesmo as desconfianças do marido que não consegue se desprender de desconexas razões religiosas para enxergar tudo que aconteceu. Sendo coagidos por um misterioso detetive e uma polícia sem força em uma região onde a justiça não é para todos, somos testemunhas de uma derrocada na família de Yana.

 

Beginning é um profundo drama, que busca nos seus figurativos das leis que criam sobre o universo (que nem de longe são interpretadas da mesma maneira) os paradoxos ou até mesmo contrapontos para nos fazer refletir sobre o óbvio, a religião, a dor, a dúvida e o sofrimento.

 

 

Berthe Morisot (França, 2012)


A beleza das artes e os confortos dos retratos da vida. Depois de muitos trabalhos como diretora de fotografia, a cineasta parisiense Caroline Champetier apresenta um dos seus primeiros trabalhos como diretora principal, nesse interessante tele filme Berthe Morisot. O projeto, que rodou muitos poucos cinemas, sendo exibido em outras janelas, possui uma direção de arte impecável que passa a sensação ao espectador de estar entrando em uma coleção de museus de todo o mundo. Para dar vida a essa importante artista francesa, a escolhida foi a bela Marine Delterme (Vatel - Um Banquete para o Rei, Paris-Manhattan), que explora sua personagem de maneira convincente.

 

Na trama, baseada na obra Manet, un rebelle en redingote de Beth Archer Brombert, conhecemos a vida adulta da pintora impressionista francesa Berthe Morisot (Marine Delterme) que passa por diversas transformações nos rumos de sua vida, principalmente quando conhece uma das maiores figuras das artes no século XIX, Édouard Manet (Malik Zidi). Berthe foi sempre uma mulher a frente de seu tempo e conseguiu o respeito de todos através de sua forte personalidade e suas obras inesquecíveis.  

 

Uma das grandes damas do impressionismo, tem parte de sua vida detalhada nesse ótimo projeto. Com foco no primeiro ato em sua vida familiar e todo o inicial interessante pela pintura. Berthe nasceu em Bourges, era prática comum das famílias bourgeois em educar as filhas nas artes. Assim, ela e sua irmã tiveram aulas particulares com grandes professores da época. No segundo ato, o longa metragem, explora as transformações que Berthe passa após ter alguns de seus quadros bem comentados e seu encontro com uma das referências nas artes da época ,Manet. Os contextos políticos e sociais do século XIX também influenciam sua maneira de pensar e ver o mundo.

 

Há uma ênfase no relacionamento intenso da protagonista com Manet, onde crescem os atores em cena. Os dois são atraídos pelo contexto das artes mas o filme deixa claro que poderia ter sido uma grande história de amor também, talvez, atrapalhado porque Manet já era casado e ter sido diagnosticado com sífilis (causa inclusive de seu falecimento precoce aos 51 anos. Berthe foi musa inspiradora de quadros famosos do artista francês.

 

Nesse belo passeio pela história da arte europeia, somos testemunhas de uma incrível trajetória de uma mulher à frente de seu tempo.

 

 

Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre (Eua, 2020)


Nunca, raramente, às vezes, sempre. Seu coração pode estar partido hoje mas amanhã à luz da manhã. Ganhador de prêmios esse ano nos Festivais de Berlim e Sundance, um dos filmes mais comentados nas rodinhas cinéfilas dos últimos anos, Never Rarely Sometimes Always, escrito e dirigido pelo cineasta nova iorquina Eliza Hittman, traz ao público um recorte de um tema polêmico, o aborto, de maneira dura e necessária para gerar a reflexão de todos nós do lado de cá da tela. A protagonista, interpretada por Sidney Flanigan (em seu primeiro filme como atriz) é o retrato de muitas mulheres espalhadas pelo mundo, as escolhas que ela tem e as decisões que toma em um mundo de informações instantâneas mas tão distante para pessoas que ainda estão aprendendo sobre a vida. É um filme com cenas fortes, onde se expressa toda a dor e conflitos da protagonista. Impressiona a captação das emoções pelas lentes sensíveis de Hittman.

 

Na trama, conhecemos Autumn (Sidney Flanigan), uma jovem introspectiva de 17 anos que trabalha como caixa de supermercado enquanto termina a escola e que está passando por uma situação complicada e difícil, se sentindo sozinha, muito por medo de contar à família, medo das reações dos que giram ao seu redor. Buscando entender melhor a situação que vive, vai em busca de soluções que acha as que tem que tomar, ouvindo especialistas em clínicas femininas. Como mora no interior dos EUA, resolve embarcar em uma viagem para Nova Iorque, junto com sua prima e única confidente Skylar (Talia Ryder) para tomar decisões complicadas e tentar seguir em frente com sua vida.

 

As causas da reclusão emocional e suspiros de alegria pela música, um cruzamento de sentimentos. Uma série de problemas ligados às emoções estão contidas na vida da personagem principal, não só provocado pela situação da gravidez que se encontra. O filme abre espaço para outros temas que machucam as mulheres, principalmente sobre o assédio, exemplificado no da própria protagonista e o no da prima, os exemplos são muitos que assim como no filme nessa nossa sociedade ainda muito machista. Deixando claro argumentos profundos e contextualizados sobre dores e escolhas Never Rarely Sometimes Always possui 100 minutos de muitas histórias, não só desse recorte. Um filme importante para debates cada vez mais intensos e necessários sobre os temas abordados. Um belo trabalho da diretora e roteirista Eliza Hittman.

 

 

Olla (Grécia, 2019)


A independência do feminismo contra o machismo descarado. Escrito e dirigido pela cineasta grega Ariane Labed, Olla é um curta-metragem que deixa sua marca com paralelos importantes ligados à luta das mulheres e sua liberdade contra o conservadorismo, o pensamento machista, quase um desabafo do que se pode encontrar na realidade dos quatro cantos do planeta. Exibido no Festival de Cannes em 2019, em Clermont-Ferrand e Sundance em 2020.

 

Na trama, conhecemos Olla (Romanna Lobach), uma jovem que vem de uma parte menor da Europa, no leste e acaba conhecendo virtualmente através de um anúncio o francês Pierre (Grégoire Tachnakian), logo sem seguida a protagonista vai morar com Pierre e a mãe dele em uma casa pequena no subúrbio mas nada sai conforme o planejado, nem na visão de um, nem na visão da outra.

 

Limitada ao conservadorismo, Olla sente a liberdade quando está sozinha, seu ponto de reflexão, quase um desabafo de uma indomável mulher à frente do seu tempo que após entender toda a situação que vive resolve tomar atitudes que a fazem mais feliz. Seu contra golpe contra a violência e o machismo desenfreado é emblemático. O roteiro é objetivo, afinal são menos de 30 minutos, mas é preciso uma lida rápida na sinopse para se situar em pequenas referências que aparecem em quase escondidas entrelinhas.

 

 

Spagat (Suíça, 2020)


As quebras na linha do coração. Segredos, imigrantes ucranianos ilegais na Suíça, uma traição, um estopim inusitado. Dirigido pelo cineasta suíço Christian Johannes KochSpagat, que fez parte da ótima programação da Mostra SP 2020 é um longa-metragem suíço com um roteiro afiado (mesmo quando perde um pouco de fôlego nos últimos arcos com entrelinhas não muito bem resolvidas) onde consegue manter um clima de tensão sobre as consequências dos atos dos personagens. O ponto de interseção são as escolhas da protagonista Marina (Rachel Braunschweig em atuação segura) que descamuflam todas as mentiras em um efeito dominó impactante para os envolvidos.

 

Na trama, conhecemos a professora Marina (Rachel Braunschweig) que vive com sua filha e seu marido em uma área bem desenvolvida na cidade do interior da Suíça. Só que parte da vida de Marina é uma grande mentira, ela se relaciona faz meses com Artem (Aleksey Serebryakov) um imigrante ucraniano que mora na Suiça faz 6 anos sem documentação ou visto de residência junto com sua filha Ulyana (Masha Demiri), uma prodígio da ginasta que é aluna de Marina. Após um roubo de um headphone, uma série de acontecimentos se estabelecem mostrando a tese de que mentira tem perna curta.

 

Pra quem você falou de mim? O relacionamento entre pai e filha é conturbado. O primeiro é apaixonado pela amante mesmo sabendo que nunca a terá por completo e busca proteger a filha dos problemas legais por serem imigrantes sem documentação; a segunda imatura e inconsequente acaba não tendo culpa sobre a situação que vive, olha os outros tendo muito e ela limitada. Acontece um cenário curioso, a figura materna de Ulyana vira a amante secreta de seu pai. Confusão formada, os caminhos que cada personagem seguem a partir das cartas todas na mesa, gera dor e escolhas em outros tantos que os rodeiam.  



A Odisseia de Alice (França, 2014)


Acreditar em si mesmo leva a um destino infinito. Acreditar que falhou pode ser o fim da sua jornada. Assim, é preciso recomeçar. Escrito e dirigido pela atriz e diretora francesa Lucie Borleteau, A Odisseia de Alice é uma jornada em busca do saber amar, do conquistar ser reconhecida em sua profissão e também do saber esquecer e seguir em frente. A poderosa protagonista, interpretada pela excelente e bela atriz grega Ariane Labed (vencedora do prêmio de melhor atriz no Festival de Locarno), é o centro de todos esses conflitos e emoções que vão ganhando um certo charme libertário, com uma pegada feminista, ao longo dos intensos 97 minutos de projeção.

 

Na trama, conhecemos a jovem engenheira Alice (Ariane Labed), uma mulher de menos de 30 anos que trabalha na marinha mercantil. Entre uma viagem e outra, algumas que duram meses em alto mar, ela acaba reencontrando um dos grandes amores de sua vida, o capitão Gael (Melvil Poupaud). O problema é que Alice deixou em terra seu noivo, Felix (Anders Danielsen Lie - do excelente Oslo, 31 de Agosto) por quem tem grandes sentimentos. Ao longo dos dias, Alice precisará descobrir realmente para quem deseja entregar seu coração, ou se simplesmente prefere viver um dia de cada vez sem compromissos.

 

Alice, mesmo analisando de maneira trivial, é uma personagem bastante complexa que chega até certo ponto esconder os sentimentos de si mesmo. Há um conflito dentro dela, praticamente um triangulo isósceles onde duas posições mudam de posição constantemente. Lutando pelo reconhecimento em um lugar de trabalho onde vive cercada de homens e poucas mulheres, a protagonista coloca sua profissão em primeiro lugar.

 

Fica bem claro logo nos primeiros minutos de filmes que estamos prestes a sermos testemunhas de uma trajetória inconsequente de quem não sabe como amar. Há um sentimento bem forte de egoísmo da personagem principal. Alice é adepta da liberdade e, por causa de sua imaturidade nos relacionamentos, nunca pensa como o coração dos outros pode ficar por conta de suas atitudes. Ela sofre, chega próximo do amar mas prefere ser inconsequente. É uma escolha.

 

 

Com uma fotografia belíssima e ótimas atuações do simpático elenco, A Odisseia de Alice estreou no circuito brasileiro algumas semanas atrás de vem ganhando diversos elogios da crítica e dos cinéfilos. Merecido, é um belo trabalho.

 

The Rider (EUA, 2017)


Sabemos o que somos, mas não sabemos o que poderemos ser. A difícil decisão de desistir dos próprios sonhos por motivo de força maior. Escrito e dirigido pela cineasta chinesa Chloé Zhao (atual vencedora do Oscar por Nomadland)The Rider é uma fábula moderna, muito real, sobre a arte do se reinventar mesmo que isso vá contra tudo o que sempre conquistou. Falando sobre amizade, família e sonhos, o projeto foi organizado a partir do encontro entre e diretora Chloé Zhao e Brady Jandreau durante a pesquisa da primeira para seu filme anterior, Songs My Brothers Taught Me (2015).

 

Com um personagem baseado na vida do artista que o interpreta, The Rider conta a história de Brady Blackburn (Brady Jandreau) um jovem com um futuro brilhante no mundo dos rodeios até que após um grave acidente em um evento precisa se limitar a determinadas atividades e nunca mais poder realizar seu grande sonho. Tendo que se reinventar como pessoa, descobre na força dos amigos e da família novos motivos para se tornar uma pessoa de bem.

 

Colorindo nosso olhar com uma bela fotografia, The Rider é uma trama envolvente, que busca na profundidade de seu protagonista razões para entendermos melhor o louco mundo em que vivemos. Mesmo a cultura country sendo um pouco distante da maior parte das realidades brasileiras, o projeto projeta o tema como plano de fundo dando exata dimensão do quão fascinante é esse mundo. Abordando sonhos e as conseqüências das dificuldades que enfrenta o protagonista, nos identificamos a todo instante. Mesmo sendo lapidado com uma melancolia permanente, The Rider é capaz de encantar pela sutileza e as nítidas verdades do olhar do personagem, elo com o público.

 

Indicado para mais de 16 premiações em todo o mundo, incluindo o prêmio do C.I.C.A.E. Award no Festival de Cannes em 2017, além de indicações ao prestigiado Spirit Awards desse ano, The Rider não deixa de ser a realização de um sonho, uma singela e bonita homenagem de Zhao a seu protagonista. Um sonho sonhado sozinho é um sonho. Um sonho sonhado junto é realidade.

 

 

Uma Noite em Miami (EUA, 2020)


Quantas estradas um homem precisará andar antes que possam chamá-lo de homem? A mudança está chegando, sim ela vai. Dirigido pela atriz e cineasta, ganhadora do Oscar, Regina KingUma Noite em Miami... produzido e já no catálogo da Amazon, é um filme que fala sobre amizade, direitos humanos, causas sociais e que gera uma grande reflexão sobre como era os Estados Unidos e o mundo no meio da década de 60 em relação a desigualdades sociais, religião e preconceitos que ainda existem até hoje. Em um inusitado e ficcional encontro entre quatro amigos, negros, famosos entendemos escolhas marcantes na história norte-americana. Baseado na peça de teatro de Kemp Powers, que também assina o roteiro da produção. O longa-metragem, foi selecionado para o Festival de Cinema de Veneza do ano passado, sendo o primeiro filme dirigido por uma mulher afro-americana a ser selecionado na história desse festival.

 

A trama é ambientada em meados da década de 60, mais precisamente na noite onde o grande pugilista norte-americano Cassius Clay (Eli Goree), depois Muhammad Ali, venceu Sonny Liston e conquistou o título mundial de campeão dos pesos pesados. Naquele mesmo dia, para comemorar, Cassius fora se encontrar com os amigos de longa data: o cantor Sam Cooke (Leslie Odom Jr.), o ativista Malcom X (Kingsley Ben-Adir) e a estrela do futebol americano na época Jim Brown (Aldis Hodge) em um quarto de hotel em Miami. Nesse encontro, longos debates sobre causas sociais, ativismo político e a importância deles para mudanças futuras nos direitos iguais para os negros.

 

Diálogos acalorados, questões religiosas, sucessão de argumentos conforme sentimento vivido até ali, linha tênue entre amizade e imposição de convencimento, tudo isso acontece entre os quatro personagens em um quarto de hotel. Os rumos e conclusões dessas trocas de ideias seriam fundamentais para a consolidação do pensar no movimento negro nos Estados Unidos, já que os quatro eram negros de grande sucesso e exposição nas suas respectivas carreiras. Regina King, que antes desse já dirigiu um documentário e alguns episódios de séries como: This is UsThe Good Doctor e Scandal, consegue muito sucesso em transmitir as ideias dessas brilhantes mentes que foram fundamentais na luta constante pelos direitos iguais. As argumentações se tornam uma grande aula de história para todos que não conheciam ou por algum motivo nunca pararam para pensar o quão caótico era (ainda é!) a questão do preconceito na maior super potência do planeta.

 

O desfecho ao som de A Change is Gonna Come, na voz do ator Leslie Odom Jr. (ganhador do Tony por sua atuação magistral no musical Hamilton) é a cereja do bolo. Uma música que diz muito sobre o que conversam os quatro amigos. Tem sido um longo, um longo tempo para chegar, mas quem sabe algum dia...a mudança está chegando.

 

 

Quando Hitler Roubou o Coelho Cor-de-Rosa (Alemanha, 2019)


O amor é o melhor remédio do mundo. Em mais uma obra sobre os terríveis momentos que o mundo viveu na chegada de um dos maiores vilões da história da humanidade no poder na Alemanha, acompanhamos sob a ótica de uma menina, uma família judia que morava na Alemanha e sua fuga pela Europa em uma época vazia, deficiente de paz, repleta de ódio, medo e intolerância. Quando Hitler Roubou o Coelho Cor-de-Rosa, baseado no livro de sucesso (publicado em 20 idiomas) da escritora Judith Kerr, é um longa-metragem repleto de arcos interessantes mesmo que não haja uma profundidade maior no tema principal que impactou toda uma legião de famílias pelo planeta. O filme é dirigido pela cineasta alemã Caroline Link (também diretora do elogiado filme Lugar Nenhum da África, filme do início dos anos 2000) e conta com ótima atuação de sua protagonista, a jovem Riva Krymalowski e do ator alemão Oliver Masucci (conhecido por aqui por seu papel no seriado Dark).

 

Na trama, ambientada no começo dos anos 30, em Berlim, conhecemos a família do jornalista Arthur (Oliver Masucci) e da escritora de óperas e exímia pianista Dorothea (Carla Juri) que vivem junto com seus filhos Anna (Riva Krymalowski) e Max (Marinus Hohmann). Faltando 10 dias para eleições na Alemanha, o jornalista, que é crítico de Hitler, é avisado por amigos que fora colocado em uma lista onde que nessa estiver será perseguido por Hitler caso o mesmo ganhe as eleições. Se guardando do pior, resolve embarcar para um país vizinho junto com toda sua família. Assim, durante meses, lutando contra a falta de oportunidades de trabalho e da perda de toda uma vida material, a família decide ir se mudando de países e para isso precisará estar unida para juntos vencerem.

 

Os diálogos são bastantes esclarecedores de como os pequenos irmãos enxergavam toda aquela situação vivida pela família. Ao longo das viagens, que acabam se tornando constante pelo continente europeu, há a necessidade de rápida adaptação a novas rotinas, novos costumes, nova cultura. Os horrores do que acontecia na Alemanha com conhecidos chegavam por interlocutores que os visitavam, como o carismático Tio Julius (Justus von Dohnányi).

 

As indagações constantes de Anna ao pai mostra como o amadurecimento sobre a situação vivida por sua família, em meio ao barril de pólvora que se tornou a Europa, está sempre em desenvolvimento. Nesses emocionantes diálogos, a protagonista e Arthur, a quem tem uma admiração louvável, falam sobre tudo que há no mundo e na sua existência. Fé, o momento atual, cultura, livros. Sonhos simples e ainda distantes. Quando Hitler Roubou o Coelho Cor-de-Rosa é mais um recorte sobre esses tempos difíceis que a humanidade viveu.

 

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